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ACP para nulidade de contrato de gestão firmado para simular contratação por intermediação

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Ação civil pública contra organização social e autarquia estadual, em que se pede a nulidade de contrato de gestão firmado entre ambas, que na verdade encobriria contratações indiretas, feitas sem concurso público

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
Primeira Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social - PRODEP

          EXCELENTÍSSIMO SENHOR Juiz de Direito da_____ Vara de Fazenda Pública dO DISTRITO FEDERAL

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, por seus Promotores de Justiça Adjuntos infrafirmados, no exercício de suas funções institucionais e legais, com lastro nos artigos 127, caput, 129, inciso III, 37, incisos II e XXI, da Constituição Federal, nas Leis federais n.º 8.666/93 e n.º 7.347/85 e nas Leis distritais n.º 2.177/98, n.º 2.415/99, bem como nas inclusas peças de informações (PA 08190.056613/99-18) doravante denominadas PA, vem propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
(COM PEDIDO DE LIMINAR)

, sociedade civil sem fins lucrativos, localizado na SRTVN, quadra 701, Edifício Palácio do Rádio I, 6.º andar, nesta capital;

          SERVIÇO DE LIMPEZA URBANA – SLU, autarquia do Distrito Federal, situada no SEPS 702/902, bloco A, 2.º andar, Edifício Lex, nesta capital, com base nos fatos e pelos fundamentos a seguir expostos:


DOS FATOS

, esta Promotoria de Justiça especializada tomou conhecimento de irregularidades na contratação e intermediação de mão-de-obra por parte do primeiro Réu. (folhas 5 a 11)

Com lastro nessa correspondência e nos documentos anexados a ela, instaurou-se o procedimento suso mencionado, que dá suporte à presente proposição judicial.

Os fatos que originaram a série de irregularidades a serem expostas, e nos quais a intervenção judicial faz-se necessária, tiveram por termo a edição da Lei distrital n.º 2.177, de 30 de dezembro de 1998, que instituiu no ordenamento jurídico local a figura das "organizações sociais", perfillhando modelo de reforma do aparelho do Estado desenvolvido no nível federal. (folhas 259 a 261)

Vale esclarecer que esse novo designativo não constitui espécie de pessoa jurídica, mas mero qualificativo de pessoa jurídica, entre as espécies tradicionalmente consagradas pelo ordenamento pátrio, conforme explicitado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE e editado pela Presidência da República, disponível na rede mundial de computadores (internet) no endereço www.planalto.gov.br/secom/colecao/publica.htm.

As chamadas organizações sociais, cuja inconstitucionalidade será oportunamente demonstrada, estão delineadas, na esfera federal, na Lei n.º 9.637, de 15 de maio de 1998, resultado da conversão em lei da Medida Provisória n.º 1.591 (folhas 185 a 211). A idéia básica dessas instituições sociais pode ser haurida da leitura de trecho do Plano Diretor da Reforma do Estado, já citado, quando menciona os objetivos do Ministério no tocante aos serviços públicos, que considera não-exclusivos:

          "Transferir para o setor público não estatal estes serviços, através de um programa de ‘publicizações’, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo e assim ter direito a dotação orçamentária; lograr maior autonomia e maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços; lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços...; lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que continuará a financiar a instituição, a própria organização social, e a sociedade a que serve e que deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações; aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços..." (sem grifos no original)

Em linhas gerais, o programa tem as seguintes características:

  1. Objetiva fomentar a absorção de atividade pelas organizações sociais das atuais exercidas pelo Estado;
  2. A diretriz mais ressaltada pelos preconizadores do programa é a possibilidade de promoção de meios que favoreçam efetiva redução de formalidades burocráticas para acesso aos serviços, ou seja, revela-se a importância de afastar a gestão de tais unidades públicas dos controles aos quais são submetidos os entes públicos;
  3. As organizações sociais são autorizadas a usar os bens, equipamentos, servidores e instalações públicas, para a realização dos serviços que pretendem prestar, sendo beneficiárias das transferências de recursos orçamentários, mediante subvenções sociais, alocados anualmente nos programas de trabalho dos órgãos, entidades ou fundos específicos, integrantes do orçamento do Estado, destinados à manutenção dos serviços prestados ou postos à disposição dos interessados;
  4. Para se qualificarem como organizações sociais, as entidades privadas devem exercer a atividade para a qual foi celebrado o contrato, em caráter substitutivo ou complementar, há pelo menos 5 (cinco) anos, o que efetivamente não ocorre no presente caso, como se demonstrará mais adiante;
  5. O contrato de gestão deve transferir parcialmente a prestação dos serviços para a organização social, o que, mais uma vez, inocorre quanto ao presente contrato, visto que a expressiva quantidade de trabalhadores contratados chega a ultrapassar o limite da razoabilidade para um serviço que se diz ser substitutivo ou complementar;
  6. Para afastar-se o certame licitatório, deve-se atentar para a impossibilidade de competição ou a situação de interesse público relevante e urgente (artigo 24, inciso XXIV, da Lei n.º 8.666/93);
  7. As organizações sociais terão um conselho de administração com a observância dos requisitos expressos no artigo 6.º, complementado pelas atribuições do artigo 7.º, ressaltando-se a participação de membros do Poder Público e membros representantes da sociedade civil. Dessa forma, tal entidade denota uma matriz híbrida, porque, necessariamente, deve ser integrada por representantes do poder público, o que muito descaracteriza a sua natureza privada. Particulares terão acesso privilegiado ao erário, sem a observância dos critérios legais de investidura de agente público;
  8. As relações da Administração Pública com as organizações sociais serão reguladas por um contrato de gestão, os atos de gerência administrativa e empresarial das organizações sociais não dependerão de prévia autorização do Poder Executivo;
  9. Existe a previsão de intervenção nos serviços autorizados quando houver descumprimento das obrigações assumidas no contrato de gestão, porém, não há dispositivo que preveja alguma garantia especial ao patrimônio público, no caso de sua dilapidação pelas organizações sociais.

Como se pode perceber com peculiar clareza, o programa de incentivo às organizações sociais pode se resumir na transferência do exercício de atividades públicas, e todo o aparato utilizado para a prestação de tais serviços, como bens, instalações e até servidores, para uma instituição privada, a fim de permitir a gestão de serviços públicos fora do regime administrativo, isto é, sem os controles determinados pelas regras de administração da coisa pública. Na prática, é mais um ente que integra a Administração Indireta, sendo que plenamente sob o regime do direito privado, manobra totalmente incompatível com a Constituição Federal de 1988.

No âmbito do Distrito Federal, dentre várias instituições que assumiram tal designativo, uma vem merecendo especial atenção por parte dos órgãos de fiscalização da ordem contábil e da ordem jurídica: o Instituto Candango de Solidariedade – ICS, qualificada como Organização Social pelo Decreto n.º 19.974, de 30 de dezembro de 1998. (folha 263)

O Instituto Candango de Solidariedade - ICS recebeu tal qualificação na mesma data em que foi publicada a Lei n.º 2.177/98, por intermédio de seu artigo 28, aplicando, ainda, seus efeitos aos contratos já celebrados, ou seja, entre a Fundação Hospitalar do Distrito Federal e a primeira Ré.

Em 26 de janeiro do corrente ano, o Governo do Distrito Federal decretou a intervenção no ICS, alegando ausência das prestações de contas de recursos públicos alocados em função de diversos convênios. (folha 24)

Durante o ano em curso, voltou o ICS a celebrar contratos de gestão com vários órgãos do complexo administrativo do Distrito Federal, todos dispensando o procedimento licitatório (artigo 24, inciso XXIV, da Lei de Licitações). – (vide, p. e., folhas 337 a 343b; 356 a 362)

          É importante ressaltar que, somente no mês de abril, o valor total das contratações do Instituto Candango de Solidariedade - ICS com os diversos entes da Administração Pública local chegou ao estrondoso patamar de R$ 94.709.151,56 (noventa e quatro milhões, setecentos e nove mil, cento e cinqüenta e um reais e cinqüenta e seis centavos).

Em 22 de abril de 1999, os Réus celebraram contrato de gestão (folhas 328 a 336), cujos termos não encontram sustentação no arcabouço jurídico vigente. Tal ajuste, implementado sem a observância do procedimento licitatório, indevidamente dispensado, configura verdadeira burla ao certame licitatório e ao regular recrutamento de agentes públicos para integrarem quadros da Administração Pública.

A partir da celebração do referido contrato de gestão, passou o primeiro Réu a contratar funcionários, mediante processo seletivo simplificado, para exercerem funções típicas de agentes do quadro de carreira do SLU, configurando expressa burla à seleção mediante concurso público.

Doutrina e Jurisprudência são acordes quanto ao entendimento de que a atividade que se encontra descrita no elenco daquelas próprias dos cargos que possui determinada instituição, ou seja, funções típicas do órgão, não podem ser objeto de terceirização.

Ainda, as contratações efetuadas pelo Instituto Candango de Solidariedade - ICS são por demais subjetivas, utilizando de critérios de análise curricular com valoração máxima de 3 (três) pontos e uma entrevista com pontuação máxima de 7 (sete) pontos, habilitando-se o candidato que obtiver média 5 (cinco).

Quanto à avaliação curricular, esta é avaliada segundo critérios vagos e inexpressivos, como participações em jornadas, congressos, seminários, encontros; participações em movimentos sociais organizados e/ou dirigente de movimento social (um ponto para cada participação). Em caso de empate, tal impasse seria solucionado mediante os desiguais critérios de residência na localidade do trabalho, maior tempo de residência no Distrito Federal e maior idade.

Em depoimento prestado perante o Ministério Público do Trabalho no dia 17 de agosto próximo passado, o Diretor Administrativo-Financeiro do SLU, Izalci Lucas Ferreira, informou "que atualmente o serviço de limpeza tem sido feito com cerca de mil pessoas contratadas pelo ICS e três mil e quinhentas através de contrato de parceria; que os contratos com as associações de carroceiros e prefeituras das quadras estão vencendo; que a medida em que vencerem não serão renovado; que a grande maioria dos contratos vence em setembro; que não haverá renovação em princípio; que a tendência é que a contratação de toda a mão de obra suplementar seja através do Instituto Candango de Solidariedade - ICS". – sic.

Denota-se pelas declarações do representante do SLU que há a intenção de contratar em torno de três mil e quinhentos novos empregados, utilizando-se da intermediação do Instituto Candango de Solidariedade - ICS.

Mesmo sendo expressamente cientificados de tais ilicitudes, os Réus não se abstiveram de praticá-los, motivando a necessária atuação do Judiciário, mediante o ajuizamento da presente Ação Civil Pública.

A atuação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios - MPDFT nos presentes autos tem como finalidade precípua a defesa do patrimônio público e da ordem jurídica, uma vez que, muito embora haja a proibição expressa nos textos constitucional e da Lei Orgânica do Distrito Federal de contratação de obras e serviços sem o certame licitatório, bem como o provimento de cargos ou empregos públicos de forma diversa do concurso público, a "empregadora-Ré SLU" tem reiteradamente descumprido tais normas cogentes, o que enseja a atuação ministerial, objetivando restabelecer a ordem jurídica e salvaguardar os interesses da sociedade.

Não se busca na presente Ação apenas a proteção dos interesses dos milhares de trabalhadores potencialmente candidatos a empregos públicos junto ao SLU ou de instituições sem fins lucrativos eventualmente interessadas em se habilitar como organização social, mas também à proteção do patrimônio público, cuja administração, fato notório, não tem sido legalmente exercida, como prova a situação ora demonstrada.

Como ensina Hugo Nigro Mazilli(1):

"O papel do Ministério Público na defesa do patrimônio público é hoje previsto na Constituição. Entretanto, não lhe cabe atuar como advogado da Fazenda: esta tem seus próprios procuradores. Nem se exige que o Ministério Público intervenha em toda ação em que se discuta questão patrimonial afeta ao erário ou à Fazenda Pública. A mens legis consiste em conferir iniciativa ao Ministério Público, seja para acionar, seja para intervir na defesa do patrimônio público, sempre que especial razão exista para tanto, como quando o Estado não tome a iniciativa de responsabilizar o administrador anterior ou em exercício por danos por estes causados ao patrimônio público, ou quando razões de moralidade administrativa exijam seja nulificado algum ato ou contrato da administração que esta insiste em preservar, ainda que em grave detrimento do interesse público primário." (grifo nosso)


DO DIREITO

          1. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS - MPDFT

Compete ao Ministério Público, segundo os ditames da Carta Política de 1988, "zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia", bem como "promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". (artigo 129)

A Lei Complementar n.º 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União, autoriza o Ministério Público da União a promover o inquérito civil e ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico (artigo. 6.º, VII, b).

Ainda que omissa fosse a lei nesse ponto, restaria legitimado o Ministério Público para atuar, segundo entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça, como esclarece o voto do eminente Min. Garcia Vieira, ao relatar o Recurso Especial n.º 213.714-MG, DJ de 06.09.99, p. 64, verbis:

          "Compete ao Ministério Público promover ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, artigo. 129, III). O artigo. 1.º , IV da Lei 7.347/85 que foi recepcionada pela vigente Constituição Federal estabelece que rege-se pela Lei da ação civil pública, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos patrimoniais causados a interesses difusos ou coletivos e, no caso concreto, estamos diante de interesses difusos ou coletivos de todos os habitantes do Município em questão. A questão já é conhecida desta Egrégia Corte, bastando lembrar os recursos Especiais n.ºs. 98.648-MG, DJ de 28.04.97, relator Ministro José Arnaldo, 67.148-SP, DJ de 04.12.95, relator Ministro Adhemar Maciel e 31.547-9-SP, nos quais se firmou o entendimento no sentido de que o campo de atuação do Ministério Público foi ampliado pela Constituição de 1988, conferindo-lhe legitimidade para propor ação civil pública, visando proteger o patrimônio público e social, do meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos".

Está, portanto, o Ministério Público legitimado a promover as medidas judiciais cabíveis para a defesa dos direitos atribuídos pela Constituição, com primazia para o direito à proteção ao patrimônio público. À evidência que este direito se constitui em um interesse difuso, porquanto é metaindividual, indisponível e as pessoas que o detêm estão vinculadas por uma situação de fato e não necessariamente por um vínculo jurídico, merecendo, portanto, uma tutela judicial coletiva.

Ademais, deve o Ministério Público promover a defesa da ordem jurídica, segundo dicção do artigo 127 da Carta Magna, estando aí mais um direito difuso, que é o direito ao respeito aos postulados da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, sem descurar da acessibilidade aos cargos e empregos públicos mediante o concurso público. O instrumento processual para a defesa de tais direitos difusos é a ação civil pública, com a nova amplitude conferida pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC, que a tornou o meio processual adequado para a defesa de todos os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, e não somente para aqueles originariamente discriminados na legislação ordinária (Lei n.º 7.347/85).

          2. DA OFENSA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso XXI, dispõe que "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações."

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Tal norma visa dar concreção ao postulado da igualdade de todos perante a lei, inerente ao Estado Democrático. Seu comando é dirigido, não somente ao legislador, mas também ao julgador e ao administrador da coisa pública. Afastando favorecimentos determinados por critérios políticos ou como forma de negociata da res pública.

Segundo o tema, assim o aborda o mestre Diógenes Gasparini(2):

"Esse procedimento levado a efeito para encontrar a melhor proposta é chamado de licitação, embora não seja o mesmo para os grupos obrigados a licitar. Sujeitam-se a esse procedimento tão-só as pessoas jurídicas de Direito Público, as governamentais e outros entes (convênios, fundos especiais) que, por lei, a isto estejam obrigados. Anote-se que essa obrigatoriedade genérica é uma decorrência da própria Constituição Federal (artigo. 37, XXI) e específica para o trespasse, a terceiros, da execução do serviço público, mediante permissão ou concessão (artigo. 175) e, se assim não fosse, a exigência decorreria do princípio da igualdade. De sorte que a licitação seria sempre exigida.

          (...) a licitação visa proporcionar, em primeiro lugar, às pessoas a ela submetidas, a obtenção da proposta mais vantajosa (a que melhor atende aos interesses da entidade licitante) e, em segundo lugar, dar igual oportunidade aos que desejam contratar com essas pessoas, consoante estabelece o artigo. 3.º da Lei federal n. 8.666/93, com as alterações introduzidas pela Lei, também federal, n. 8.883/94, chamada de Estatuto federal Licitatório, que regulamentou o inc. XXI do artigo. 37 da Constituição Federal." (grifos nossos)

Dessa forma, qualquer entidade de direito privado que preencha os requisitos legais e tenha como objeto atividades voltadas à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e à preservação do ambiente, à defesa do consumidor, à cultura e à saúde deverá ter o direito de participar de um processo seletivo, satisfazendo a obediência ao Princípio da Igualdade, inerente ao próprio conceito de Estado Democrático de Direito.

Conforme previsto no contrato de gestão firmado entre as partes, o fundamento legal para a sua realização sem a concorrência pública é o artigo 24, inciso XXIV, da Lei n.º 8.666/93, que permite a "celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo para atividades contempladas no contrato de gestão".

Restou sobejamente frustrada tal norma cogente, uma vez que a atividade de coleta de lixo não está inserida dentre aquelas expressamente previstas para que o Poder Público possa firmar com ente privado o contrato de gestão.

Por sua vez, o inciso II, do mesmo dispositivo, fixa como condição sine qua non para a contratação de empregado público a sua aprovação em concurso público. Dispositivo idêntico encontra-se inserido no artigo 19, inciso II, da Lei Orgânica do Distrito Federal. Sem a realização do certame prévio, resta presumido o favorecimento pessoal, praxe até a promulgação da Carta Magna de 1988. Com o modo, ilegal e inconstitucional, como contratou a mão-de-obra, o SLU causou danos ao patrimônio público, uma vez que utilizou recursos da Administração Pública para o pagamento dos salários de pessoas contratadas sem qualquer critério técnico, ou seja, ao talante do administrador, como se fosse o proprietário de uma empresa privada.

Para a contratação de servidores pelas autarquias – situação jurídica do Serviço de Limpeza Urbana – SLU – é imprescindível a capacidade das partes, a legalidade do objeto e a forma prevista na legislação administrativa. Por fim, requisito essencial, que se confunde com o da formalidade, é a observância de solenidade reputada essencial pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica local, qual seja, a realização de prévio concurso público, exigência esta que não foi atendida, tornando nulas de pleno direito as contratações efetivadas por intermédio da instituição interposta.

Argumentar-se-ia que a contratação não se deu diretamente pela autarquia-Ré, mas por instituição sem fins lucrativos, com a qual o SLU mantém contrato de gestão. Passemos à análise do contrato de gestão.

O contrato de gestão surgiu no direito administrativo por meio do Decreto n.º 137/91, como instrumento do programa de gestão das empresas estatais – PGE, no qual se estipulam compromissos reciprocamente assumidos entre a União e a empresa, para possibilitar a aferição de consecução de metas e índices.

Segundo leciona Ivan Barbosa Rigolin(3) "a concepção originária do contrato de gestão encerrava a idéia de uma superconcessão, um supertrespasse de serviço ou de obra pública, que conferisse maior poder decisório ao contratado, na condução e mesmo na concepção de novos modos de execução do seu complexo objeto. Desse modo idealmente concebido, o contrato de gestão, por suas características inéditas, permitiria exonerar o Estado, na medida do possível, de uma excessiva rigidez no controle, que de tão implacável de um lado poderia impedir a liberdade de ação do particular, e de outro poderia constituir um encargo tremendo ao Poder Público, quase tão gigantesco quão o de executar, o Estado mesmo, o serviço, a obra ou o diferente objeto."

Essa concepção original deu lugar à substituição pura e simples de todos os serviços inerentes à ação governamental ao ente privado que figura no presente pólo passivo.

Pode-se observar pela Lei n.º 9.637/98, que instituiu o programa das organizações sociais no âmbito federal, que o seu artigo 7.º manda observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade, além de a preceitos como:

  1. Especificação do programa de trabalho da organização social, com estipulação de metas, prazos de execução, critérios objetivos para avaliação de desempenho, com indicadores de qualidade e produtividade;
  2. Estipulação dos limites e dos critérios para a despesa com remuneração e vantagens dos dirigentes e dos empregados das organizações sociais.

Tratou a legislação federal, portanto, de dispor sobre um critério objetivo de avaliação dos serviços prestados pelas instituições qualificadas como organizações sociais, que venham a celebrar contrato de gestão com a Administração Pública, não as isentando por completo, como a legislação distrital, de um controle finalístico e contábil.

O Tribunal de Contas da União – TCU, analisando o contrato de gestão celebrado com a Companhia Vale do Rio Doce (RDA 201/311-319), embora entendendo que a experiência pode ser positiva sob alguns aspectos, considerou que "as empresas públicas e as sociedades de economia mista, mesmo aquelas que visem a objetivos estritamente econômicos, em condição de competitividade com a iniciativa privada, ainda que sob o contrato de gestão, estão sujeitas a todas as exigências constitucionais e legais, da mesma forma que as demais integrantes da Administração Pública federal, tais como: obrigatoriedade de concurso público para seleção e admissão de pessoas (artigo. 37, II); observância do limite máximo de remuneração de dirigentes e servidores (artigo. 37, XI); cumprimento das normas para licitação e contratos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações (artigo. 37, XXI e Lei 8.666/93)".

Sobre o assunto, cabe trazer o ensinamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro(4) segundo o qual "é curioso falar-se em Programa Nacional de Publicização quando, na realidade, o que está sendo idealizado é exatamente a privatização, sob outra modalidade, já que a criação da organização social implica a extinção de uma pessoa jurídica de direito público (autarquia, fundação), no caso a própria Administração, e, em seu lugar, o surgimento de uma pessoa jurídica de direito privado".

          3. DA OFENSA À LEI FEDERAL N.º 8.666/93

O contrato firmado entre os Réus desrespeita os Princípios da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Publicidade e da Eficiência (artigo 37, caput, da CF).

Não há qualquer previsão de responsabilidade sobre os bens públicos móveis ou imóveis transferidos a título de permissão de uso ao ICS. Não foi estabelecido que a prestação de contas da verba pública empregada fosse apresentada à Corte de Contas local como determinada a Carta Magna e a Lei 8.666/93 em seu artigo 55, § 3.º

O contrato de gestão ora em exame é espécie de contrato administrativo, devendo seguir, portanto, as regras dos artigos 54 e seguintes do Estatuto Licitatório.

As cláusulas necessárias exigidas para contratos administrativos constantes no artigo 55, inciso III (o preço e as condições de pagamentos, os critérios, data base, e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento); inciso IV (os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso) VII (os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas), entre tantos outros do referido diploma disciplinador do certame concorrencial, não foram devidamente previstos no contrato sub examine.

Além disso, e mais relevante, o supracitado contrato não observou as determinações do artigo 37, caput, inciso XXI, in fine, e § 8.º, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, pois verificou-se que o pacto administrativo:

  1. não atende às exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações;
  2. não possui metas de desempenho fixadas para o desenvolvimento satisfatório do acordo;
  3. não dispôs sobre controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos e obrigações e responsabilidades dos dirigentes, principalmente no que toca aos bens públicos móveis ou imóveis que foram transferidos (permissão de uso) para o ICS;
  4. não dispôs acerca de critérios objetivos e claros sobre a remuneração de pessoal do Instituto Candango de Solidariedade - ICS, que não está diretamente envolvido na execução do contrato.

Em síntese é isso que ocorre no Distrito Federal, há uma verdadeira burla ao postulado da contratação mediante o procedimento seletivo público, agindo o Instituto Candango de Solidariedade - ICS como intermediador de mão-de-obra.

Persistindo tais irregularidades, os danos patrimoniais, sociais e à ordem jurídica serão ainda maiores e de difícil, senão impossível, reparação futura.

          4. DA OFENSA À LEI DISTRITAL N.º 2.177/98

Estabelece o artigo 5.º da Lei distrital n.º 2.177/98 vários requisitos específicos para que entidades privadas habilitem-se à qualificação de Organização Social. Dentre eles, o processo licitatório que aprove, quanto à conveniência e oportunidade da qualificação como organização social, assegurando o tratamento isonômico entre as entidades privadas que possuam mesma qualificação.

Ainda nesse mesmo dispositivo, em seu inciso I, alínea a, dispõe sobre a necessidade de comprovar o registro de seu ato constitutivo, devendo ele dispor sobre a área de atuação da entidade.

Ocorre que, conforme se pode observar pelo estatuto do Instituto Candango de Solidariedade - ICS (folhas 212 a 272), modificado em 5 de fevereiro de 1999, há uma verdadeira farsa com a qualificação de tal instituição como organização social, pois ela não tem uma área específica de atuação, uma vez que ela exerce todas as atividades inerentes aos atos governamentais locais (vide artigo 2.º), indo desde promoção, assistência, passando por atividades de saúde, limpeza urbana e meio ambiente, culminando com "tantos outros, obras, serviços e atividades, que envolvam ou venham a envolver a ação governamental do Distrito Federal, e seu programa de prioridades".

Sendo assim, qualquer entidade do governo local poderá firmar contrato de gestão com o Instituto Candango de Solidariedade - ICS baseado na sua ampla atuação.

No tocante à dispensa de licitação e ao fato de o Instituto Candango de Solidariedade - ICS ser a única organização social reconhecida pelo Governo do Distrito Federal, é indene de dúvidas que o ICS não tem como objeto social a coleta de lixo, muito menos exerce qualquer atividade de igual conteúdo, não guardando identidade com a finalidade do contrato de gestão firmado.

Aliás, é fato público e notório, como demonstram os elementos trazidos aos autos, que tais contratos de gestão são meros arremates jurídicos, que tentam em vão dar conotação legal a um suposto contrato em que o instituto gestor não gerencia, mas apenas contrata os trabalhadores, intermediando, assim, mão-de-obra para os órgãos do Distrito Federal, como bem analisou o Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, Doutor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, cujo excerto pedimos vênia para transcrever pela clareza de seu conteúdo:

"Através da leitura dos extratos de contratos, fica clara a contratação daquele instituto sempre com o mesmo propósito: prestação de serviços. Existe ainda um complicador nas contratações: os serviços são bastante variados indo da manutenção e conservação de áreas urbanizadas e ajardinadas, produção de artefatos de concreto, à implantação, implementação, manutenção e desenvolvimento das ações do programa Saúde da Família do DF e prestação de serviços de suporte ao DMTU.

(...) é consabido que o ICS não preenche os requisitos exigidos no § 2.º do artigo. 3.º da Lei 2177, por não estar na condição de entidade filantrópica ou de entidade pública há pelo menos cinco anos. Não pelo menos para todos os serviços para os quais vem sendo contratado, o que também é exigência legal: que o contratado detenha essa qualidade em relação ao objeto para o qual está sendo contratado e tenha exercido suas atividades de forma continuada em relação ao mesmo pelo mesmo período de cinco anos.

(...)

O Instituto Candango de Solidariedade vem demonstrando conduta ilícita e reincidente na intermediação de mão de obra."

A alínea b do mesmo preceito estipula que a entidade qualificada como organização social deverá ter finalidade não lucrativa, com a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades. Essa determinação também não vem sendo atendida, uma vez que todos os contratos de gestão firmados pelo Instituto Candango de Solidariedade - ICS estipulam o repasse de uma verba, correspondente a 5% (cinco por cento) do total das despesas realizadas, para os seus cofres, justificado como operacionalização do contrato (cláusula quarta). Verifica-se que no presente caso, esse percentual chega à vultosa soma de R$1.080.000,00 (um milhão e oitenta mil reais.

Evidencia-se que sem o aporte de dinheiro originado da Administração, o ICS sequer teria condições de contratar um só empregado para atuar na área de limpeza urbana, até porque o ICS não reúne qualificação nesta área, haja vista que, como a própria entidade tem admitido em várias ações trabalhistas propostas pelos ex-funcionários, demitidos com a extinção do Programa Saúde em Casa, toda a implementação dos serviços prestados, via ICS, como no caso sub examine, tiveram como escopo tão-somente contornar a exigência do concurso público, não havendo qualquer qualificação prévia do contratado na área e mesmo interesse deste em, efetivamente, implementar atividade passível de otimização via contrato de gestão.

Objetivando pautar a sua atuação em situações legais, o SLU solicitou à Procuradoria do Distrito Federal parecer sobre a legalidade dos contratos de gestão a serem firmados com o Instituto Candango de Solidariedade - ICS. A conclusão do órgão jurídico, da lavra do SubProcurador-Geral do Distrito Federal, Doutor Fernando Dusi, teve o seguinte teor:

          "O fundamento legal da contratação direta do Instituto Candango de Solidariedade é tão-somente o artigo. 24, inciso XXIV, da Lei n.º 8666/93, ou seja ‘a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais.

Por seu turno, as condições estabelecidas no § 2.º, do artigo. 3.º, da Lei 2177/98 devem ser estritamente observados pelo Poder Público, a saber: (i) o reconhecimento por decreto ou lei como entidade filantrópica de utilidade pública há pelo menos cinco anos; (ii) o objeto social e as atividades devem ser exercidas, de forma contínua, pelo mesmo período, guardando identidade com a finalidade do contrato.

No caso em apreço, muito embora a finalidade do Instituto Candango seja deveras ampla, tal como se pode ver do artigo. 2.º de seu estatuto, o contrato de gestão apresentado pela entidade somente é factível para as atividades voltadas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à defesa do consumidor, à cultura e à saúde." (grifo nosso)

Não é difícil notar, pois, que a Administração descumpriu orientação da própria Procuradoria do Distrito Federal, pois o caso dos autos é exemplar, uma vez que não se enquadra dentre as finalidades do Instituto Candango de Solidariedade - ICS a coleta do lixo urbano.

Maria Sylvia Zanella di Pietro(5), parecendo fazer uma análise da presente questão posta em juízo, faz o seguinte comentário:

          "Fica muito nítida a intenção do legislador de instituir um mecanismo de fugir ao regime jurídico de direito público a que se submete a Administração Pública.

Trata-se de entidade constituídas ad hoc, ou seja, com o único objetivo de se habilitarem como organizações sociais e continuarem a fazer o que faziam antes, porém com nova roupagem. São entidades fantasmas, porque não possuem patrimônio próprio, sede própria, vida própria. Elas viverão exclusivamente por conta do contrato de gestão com o poder público."

No projeto de "melhoria e ampliação do serviço de limpeza urbana no Distrito Federal", o contrato de gestão constitui a "ampliação da capacidade operacional do SLU pois, tal instrumento, dentro dos preceitos estabelecidos na Lei 2177/98 possibilita, de forma ágil, a contratação, pelo regime celetista, de recursos humanos indispensáveis ao suporte executivo do SLU (...) A economicidade no uso deste instrumento resulta da relação da parceria, da agilidade, da eficiência e eficácia dos mecanismos de captação de recursos humanos através de processo seletivo simplificado, com remuneração a preço de mercado e com substituição imediata de pessoal quando necessário. Esta prática não ocorre para a situação do regime do servidor público cujo processo de demissão é muito moroso e o custeio de salários e vantagens ao longo do tempo torna-se muito superior ao do pessoal regido pelo regime da CLT."

É impossível não se perceber que a intenção do administrador público, com a realização do presente contrato de gestão é a burla ao concurso público, bem como às amarras necessárias e benéficas do regime de trabalho dos servidores públicos, pois estes não podem ser relegados à vontade dos administradores, mas apenas ao interesse da administração.

Estamos, pois, diante de flagrante violação à ordem jurídica social, ou, mais especificamente, à ordem jurídica constitucional e orgânica, uma vez que, em desrespeito aos ditames dos artigos 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988 e 19, inciso II, da Lei Orgânica do Distrito Federal, os empregados contratados pelo SLU, via ICS, foram todos contratados sem concurso público.

Vale registrar que, pela extrema velocidade na contratação de novos empregados pelo Instituto Candango de Solidariedade – ICS (mais de seiscentos em menos de dois meses), aliado à sua morosidade no atendimento das requisições ministeriais, não foi possível proceder à juntada da relação de todos os trabalhadores contratados com base no questionada contrato de gestão. Requerendo, desde já, que se determine aos Réus a sua juntada, pormenorizando função exercente, salário percebido e data de admissão.

O que mais se estranha é que o próprio Instituto Candango de Solidariedade - ICS demitiu cerca de três mil e quinhentos trabalhadores que haviam sido contratados para trabalharem no programa "Saúde em Casa", em convênio firmado com a Fundação Hospitalar do Distrito Federal, e não quitou os direitos trabalhistas dos demitidos, como se pode constatar pelos documentos que instruem a presente propositura.

Há fortes indícios, que estão sendo objeto de investigação, de que as vagas irregularmente ocupadas estão sendo distribuídas por critérios políticos.

Por outro lado, a referida Lei n.º 2.177/98, em seu artigo 3.º, § 2.º, estabelece que o reconhecimento de entidade filantrópica ou de utilidade pública deve obedecer ao interstício mínimo de 5 (cinco) anos, condição essa sine qua non para a contratação com a entidade, além de o objeto social e a atividade exercida, de forma continuada e por idêntico período (cinco anos), guardarem identidade com a finalidade do contrato.

A situação exposta nesta Ação é extremamente grave, demonstrando que o SLU, na clara tentativa de contornar a exigência do concurso público e, ao mesmo tempo, ficar à margem do controle administrativo no que se refere à contratação de pessoal, inclusive quanto aos dispêndios orçamentários sob esta rubrica, simplesmente delegou o ato formal da contratação a terceiro, o Instituto Candango de Solidariedade - ICS, mediante a utilização anômala da figura jurídica do contrato de gestão que, em absoluto, não disciplina a hipótese, sendo certo, como o exposto nesta peça, que, presumivelmente, tudo que se refere às contratações é decidido pelo SLU, que assalaria, treina, lota e comanda, exclusivamente, os trabalhos dos empregados encaminhados pelo Instituto Candango de Solidariedade - ICS.

A responsabilidade do Ministério Público e do Poder Judiciário, neste momento, assume expressivo relevo, pois, não sendo coibida tal prática ilegais, e de forma célere, estaremos diante do seguinte quadro:

  1. os cargos e empregos públicos, fora alguns casos excepcionais, deixarão de ser preenchidos por concurso público, haja vista o perigoso precedente de se admitir que suas funções sejam exercidas, sem qualquer justificativa jurídica, por pessoas não concursadas, que percebem salários bem superiores aos contratados regularmente;
  2. em momento crítico de desemprego no Distrito Federal, e, porque não, em todo o Brasil, o SLU, intermediado pelo Instituto Candango de Solidariedade - ICS, contrata um número expressivo de trabalhadores, sonegando aos membros da sociedade a oportunidade de disputar, em igualdade de condições, os empregos ofertados, sendo que as contratações efetuadas pela interposta entidade não seguem critérios objetivos, havendo indícios, reprise-se, de que tais vagas estão sendo distribuídas por critérios políticos, o que apenas vem corroborar o total menosprezo aos Princípios norteadores da Administração Pública, notadamente a legalidade, a moralidade e a impessoalidade.

Em suma, o contrato de gestão posto em evidência não encontra qualquer amparo na Lei distrital n.º 2.177/98.

Há que se dar um basta nas contratações que desafiam a consciência jurídica de todos que militam com o Direito Público.

Há que se dar um basta na sensação de impunidade que humilha e constrange os milhares de desempregados que vêem pessoas não concursadas ocupando vagas que deveriam estar em disputa leal, em igualdade de condições.

Há que se dar um basta na utilização da Administração Pública de forma não transparente e ilegal, para satisfazer interesses pessoais e mesquinhos.

          5. DA LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO REPRESENTADA PELO PROGRAMA DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Consagrando as lições da doutrina de Direito Administrativo, o constituinte de 1988 explicitou os princípios regentes da Administração Pública para garantir e preservar o patrimônio da coletividade, a saber: os Princípios da Legalidade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Publicidade e da Eficiência. Não mais se discute sobre a plena eficácia dos Princípios Constitucionais norteadores da atuação do legislador, bem como da atividade do administrador público, consoante o magistério de Gomes Canotilho(6):

          "Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. Mais rigorosamente, dir-se-á, em primeiro lugar, que os princípios têm uma função negativa particularmente relevante nos ‘casos limites’ (‘Estado de direito e de não direito’, ‘ Estado democrático e ditadura’). A função negativa dos princípios é importante noutros casos onde não está em causa a negação do Estado de direito e da legalidade democrática, mas emerge com perigo o ‘excesso de poder’. Isso acontece, por ex., com o princípio da proibição de excesso.

Os princípios jurídicos gerais têm também uma função positiva, ‘informando’’ materialmente os atos dos poderes públicos. Assim, por ex., o princípio da publicidade dos atos jurídicos exige que, no caso de ser reconhecida eficácia externa a esses atos, eles sejam notificados aos interessados nos termos da lei."

Ainda que se admitisse que organização social pudesse exercer atividade pública, por se tratar de uma instituição híbrida, de fins públicos, de natureza não estatal, embora de regime jurídico privado, não se poderia afastar as regras de direito administrativo. O programa das organizações sociais vilipendia pelo menos três desses princípios constitucionais: o da Legalidade, o da Impessoalidade e o da Moralidade. Dentre as várias inconstitucionalidades do programa, relacionadas ao desguarnecimento do patrimônio público, podemos destacar, como as mais flagrantes, a impropriedade de utilização do instituto da autorização para a absorção de atividades e serviços de natureza social, atualmente desempenhadas por órgãos ou entidades públicas para as organizações sociais, incluindo nesta autorização os equipamentos, instalações e servidores em favor de pessoa jurídica de direito privado; a permissão de gestão direta de recursos públicos por pessoa jurídica de direito privado, sem a observância dos controles administrativos previstos na Constituição e na Lei Orgânica, como a licitação, o concurso público, o controle pelos Tribunais de Contas; a ausência de garantias contra a dilapidação de patrimônio público por pessoas jurídica de direito privado, bem como a total inadequação do contrato de gestão para disciplinar a estranha relação entre a organização social e a entidade de direito público.

Em verdade, o que se pretende com o programa das organizações sociais é fugir ao controle do direito administrativo. Imaginou-se uma pessoa jurídica de direito privado, totalmente artificial, posto que dela deve participar representantes do poder público, mas que ao mesmo tempo não se assume como ente da administração pública, para realizar a gestão direta de serviços públicos próprios.

Ainda, na realização de suas atividades, as organizações sociais estão dispensadas da realização de licitações para aquisição de bens e realização de obras, bem como de concurso público para contratação de pessoal. Assim, todo o recurso público repassado para as organizações sociais será administrado sem qualquer dos controles estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito, expressos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e 19 da Lei Orgânica do Distrito Federal.

Sábias são as afirmações de Maria Sylvia Zanella di Pietro(7), cujos termos concordamos, pedindo vênia para trazer à colação:

          "Procuram-se os meios privados de atuação da Administração Pública, porque se entende que o regime jurídico a ela imposto pelo direito positivo impede seu funcionamento adequado. Como se fala em modernização e eficiência da Administração Pública, tem-se que deduzir que a mesma é vista hoje como antiquada, ultrapassada e ineficiente, na consecução dos fins tutelados pelo Estado.

No entanto, paradoxalmente, ao invés de procurar flexibilizar os meios de atuação da Administração Pública, pela alteração dos dispositivos legais e constitucionais que a emperram, prefere-se manter a rigidez do direito positivo e a procura de formas paralelas à margem desse mesmo direito. Por outras palavras, o direito positivo é bom como fachada, como norma escrita, como direito posto, mas ruim como direito aplicado.

E caberia indagar: qual a razão pela qual a Constituição estabeleceu normas sobre licitação, concurso público, controle, contabilidade pública, orçamento e as impôs para todas as entidades da Administração Pública? Será que as impôs porque se entendeu que elas são essenciais para proteger a coisa pública ou foi apenas por amor ao formalismo? E se elas são essenciais, como se pode conceber que, para escapar às mesmas, se criem institutos paralelos que vão administrar a mesma coisa pública, por normas de direito privado, inteiramente à margem das normas constitucionais."

Também devem ser invocadas as considerações de Guido de Carvalho e Lenir Santos(8), que, muito embora digam respeito às fundações privadas de apoio a hospitais públicos, pois, tal qual as organizações sociais, submetem o patrimônio público a consecução de interesses privados, têm grande pertinência ao assunto em epígrafe:

          "Acontece que essas fundações, ao invés de apoiar a obra governamental com serviços e recursos, na prática buscam o apoio do governo, sob a forma principal de recursos financeiros decorrentes de convênio firmado com a Administração Pública. De aparentemente mantenedoras ou colaboradoras, na realidade são mantidas e apoiadas pelo Poder Público.

          Anunciam o propósito de colaboração com o Poder Público, mas não lhe oferecem nada, a não ser, em alguns casos, instrumentos menos burocratizados de atuação. Instituem-se, na verdade, para servir de ‘instrumento de gestão flexível e ágil’ como se costuma justificar, e, nesse sentido, passam a gerir vultosos recursos públicos, repassados por convênio, segundo os interesses predominantes dos dirigentes dessas fundações, interesses estes que podem ou não coincidir com os planos e programas do serviços público a que estão ligados.

Constituem, na prática, uma distorção da saudável e necessária parceria que deve existir entre o setor governamental e o setor privado na realização de atividades de interesse social e de utilidade pública, uma vez que a maioria dessas fundações busca, de uma forma ou de outra, captar recursos públicos e aplicá-los nas ações e nos serviços de interesse técnico-científico ou cultural dos seus dirigentes, quase sempre servidores do próprio órgão ou entidade a que eles se vinculam finalisticamente." (grifos nossos)

Cumpre ressaltar, mais uma vez, que serão repassados para as organizações sociais, consoante o disposto na Lei, as dotações orçamentárias referentes à consecução de suas atividades, fulminando-se todos os mecanismos de controle do uso de tais verbas, ao tornar desnecessários as licitações, os concursos públicos e a prestação de contas à Corte de Contas.

Aliás, não há qualquer garantia efetiva, como caução, fiança ou algo similar, do patrimônio público no caso de uma gestão temerária das organizações sociais. Repise-se que os controles administrativos que poderiam minimizar a situação de risco ao patrimônio público estão expressamente dispensados para tais organizações, o que torna ainda mais indefeso o patrimônio público. Regerão as relações do Estado com as organizações sociais o ato de autorização e um contrato de gestão, dito de direito publico, com a observância dos princípios administrativos.

Ocorre que a pactuação de tal contrato é, em essência, inconstitucional, visto que o programa é incompatível com os termos da Constituição e da Lei Orgânica do Distrito Federal, como já se demonstrou.

Em conclusão ao que foi até aqui exposto, chega-se às seguintes ilicitudes:

  1. as organizações sociais, embora sejam proclamadas de natureza pública não estatal, são, na prática, pessoas jurídicas privadas que terão a possibilidade de administrar recursos públicos sem qualquer controle, auferindo vantagens sem a contraprestação necessária;
  2. considerando-se possível a atuação de organizações sociais da forma preconizada no programa referido, deveríamos reputar tais instituições como integrantes da Administração indireta, sujeitas, portanto, a todos os tipos de controles administrativos, inclusive para a formação de sua diretoria;
  3. tal programa desguarnece o erário dos mecanismos de proteção impostos pela Constituição, tais como a licitação, o controle pelo Tribunal de Contas, a exigência de concurso público para admissão de pessoal, a exigência de regras para utilização e alienação de bens públicos, afrontando o artigo 37 da Carta Política de 1988 e artigo 19 da Lei Orgânica local;
  4. os instrumentos de autorização e de contrato de gestão, além de serem ontologicamente inadequados para os tipos de serviço a serem prestados, não asseguram efetiva garantia ao patrimônio público. De qualquer sorte, tais instrumentos não podem substituir os controles constitucionais da Administração Pública.

          6. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Constituição Federal de 1988 introduziu como princípios da Administração Pública a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, aos quais a Emenda Constitucional n.º 19/98 acresceu o da eficiência.

O artigo. 37, caput, da Magna Carta prescreve o seguinte:

          "Artigo. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:".

Embora arrole explicitamente apenas cinco princípios tocantes à Administração Pública, outros restam implicitamente consagrados na Carta Política, como bem afirma Celso Antônio Bandeira de Mello: "uns, por constarem expressamente da Lei Maior, conquanto não mencionados no artigo. 37, caput; outros, por nele estarem abrangidos logicamente, isto é, como conseqüências irrefragáveis dos aludidos princípios; outros, finalmente, por serem implicações evidentes do próprio Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo". (9)

Com efeito, compõem o regime constitucional da função administrativa, além dos albergados no caput do artigo. 37, os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, do controle judicial dos atos administrativos, entre outros.

Sem olvidar a importância de todos os princípios norteadores do agir administrativo, importa ressaltar aspectos dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da supremacia do interesse público sobre o privado. Vejamos, nos ensinamentos de ilustres juristas.

A legalidade, ensina Hely Lopes Meirelles(10), significa que "o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso"

Assevera, ainda, o Mestre paulista, na sua consagrada obra:

          "Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim."

O princípio da impessoalidade, embora interpretado por Hely Lopes Meirelles como sendo o clássico princípio da finalidade, com este não se confunde, na concepção de Celso Antônio Bandeira de Mello. Enquanto a finalidade "corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada" (11), a impessoalidade "...traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas" (12)

Doutrina Lúcia Valle Figueiredo, referindo-se ao princípio da impessoalidade:

          "Não pode a Administração agir por interesses políticos, interesses particulares, públicos ou privados, interesses de grupos.

A ação administrativa, repetimos, deve desenvolver-se tendo em vista os critérios do bom andamento do serviço público, do melhor para o interesse público a tutelar. Favoritismos ou desfavoritismos estão proscritos" (13).

A supremacia do interesse público sobre o privado consubstancia a "superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último", afirma Celso Antônio Bandeira de Mello(14).

          7. DA OFENSA DO ESTATUTO SOCIAL DO INSTITUTO CANDANGO DE SOLIDARIEDADE – ICS À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, À LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL E À LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA DO CONTRATO DE GESTÃO

É imperioso destacar que o Instituto Candango de Solidariedade - ICS promoveu a adaptação de seu Estatuto Social para adequar-se ao que dispõe a Lei federal n.º 9.637/98 e à Lei distrital n.º 2.177/98 (revogada pela Lei distrital n.º 2.415/99), porém resta inscrito que a presidência da sociedade civil será exercida pela senhora esposa do governador do Distrito Federal, ou por pessoa de sua indicação, no caso de ser solteiro, divorciado, separado ou viúvo. É sabido que o Governador do Distrito Federal encontra-se no estado civil de casado, o que afasta a indicação de outra pessoa, fora a sua esposa, para exercer a presidência do ICS.

Não bastasse isso, todos os demais membros da Diretoria Executiva do ICS serão escolhidos e designados pelo próprio presidente, salvo o cargo de vice-presidente, cuja indicação será de competência "exclusiva da Excelentíssima Senhora Esposa do Governador do Distrito Federal" (artigos 25 a 27).

As disposições estatutárias supracitadas colidem com os artigos 2.º, inciso I, alíneas c e d, e 4.º e incisos, ambos da Lei n.º 9.637/98, igualmente colidindo com os artigos 2.º, inciso I, alíneas c e d, e 4.º e seus incisos, ambos da Lei n.º 2.415/99.

Em outras palavras, o Instituto Candango de Solidariedade - ICS é administrado sob a influência direta do Senhor Governador do Distrito Federal.

Observando o procedimento de indicação da direção da instituição civil, não há nenhuma diferença entre ela e qualquer uma das Secretarias de Governo ou Administrações Regionais.

Assim sendo, como imaginar isenção de decisões sobre dinheiro e bens públicos se a pessoa a ocupar direção máxima da entidade contratada está diretamente ligada ao Governador do Distrito Federal, pois, mesmo que não seja seu cônjuge, o dirigente máximo da sociedade civil será pessoa de usa exclusiva escolha e inteira confiança, estando, assim, sob direta influência.

Afronta-se, com isso, os Princípios da Moralidade, da Legalidade e da Impessoalidade.

          8. DA ESTIPULAÇÃO ILEGAL DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO

A estipulação de "taxa de administração" relativamente à prestação de serviço público próprio (cláusula quarta) viola a determinação insculpida na Lei n.º 2.177/98 de que a entidade, para ser qualificada como organização social, deve ter caráter não lucrativo.

O recebimento da referida taxa subtrai do Instituto Candango de Solidariedade - ICS a alegada condição de instituição sem fim lucrativo. Destaca-se que o ICS vem recebendo remuneração, sob o título "taxa de administração", para a realização de vários serviços para o Distrito Federal.

Somente durante os anos de 1997, 1998 e início de 1999, para a realização do ‘Programa Saúde em Casa’, que foi substituído pelo ‘Programa Saúde da Família’, essa entidade recebeu dos cofres públicos em torno de R$ 2.850,000,00 (dois milhões, oitocentos e cinqüenta mil reais). Sob o título "taxa de administração", conforme apurou-se no procedimento n.º 08190.002643/99-03 (PROSUS).

Poucas são as empresas lucrativas no Brasil que encontram lucros tão grandes!!

Cabe questionar em que estão sendo investidos esses montantes de dinheiro público.

Urge que seja definitivamente coarctada essa forma de desvio do dinheiro público. Necessário ainda que esse dinheiro, rotulado como "taxa de administração", retorne aos cofres públicos, para real utilização no custeio de ações voltadas à comunidade local.

Não é difícil imaginar que, se o próprio Serviço de Limpeza Urbana – SLU estivesse realizando tais serviços, com a contratação de pessoal específico (como deveria!), apenas neste contrato teria economizado grande soma, atendendo ao Princípio da Eficiência.

A Secretaria de Gestão, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MOG (sucessor do MARE), respondendo a consulta da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde – PROSUS (folhas 498 a 500), afirmou categoricamente a impossibilidade da estipulação de "taxa de administração" em contrato de gestão, in verbis:

"No âmbito da Lei n.º 9.637, não há falar em taxa de administração, visto que nela se estabelece como contrapartida da União pela prestação dos serviços a cargo da organização social tão somente um dado montante de recurso financeiro e, se for o caso, a cessão de servidores e empregados públicos e a permissão de uso de bens móveis e imóveis de propriedade da União.

          Vale lembrar que o projeto Organização Social trata do estabelecimento de uma parceria entre a União e a sociedade civil, ou seja, a união de interesses comuns em benefício da sociedade, onde não há e nem pode haver interesse outro que não seja o bem comum dos beneficiários dessa ação conjunta, como, por exemplo, eventual lucro do prestador do serviço. O custo da administração da entidade deve estar coberto pelos recursos previstos no contrato de gestão e por recursos que ela venha a arrecadar diretamente, como receita própria." (grifamos)

Destarte, denota-se que a estipulação da referida cláusula no presente ajuste administrativo, além de não possuir nenhum respaldo legal, implica grave lesão ao erário, motivo pelo qual todo o dinheiro público que foi indevidamente destinado para essa finalidade deve ser devolvido aos cofres públicos, acrescidos dos seus consectários legais (juros de mora, correção monetária).

Sobre os autores
Diógenes Antero Lourenço

promotor de Justiça adjunto no Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURENÇO, Diógenes Antero; MORAES, Fernanda Cunha et al. ACP para nulidade de contrato de gestão firmado para simular contratação por intermediação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16141. Acesso em: 23 dez. 2024.

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