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Cautelar contra o FUNDEF ganha liminar inédita

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Agenda 01/10/1999 às 00:00

Ação cautelar do Município de Recife para que os recursos daquele Município que estão sendo recambiados para o FUNDEF lhe sejam repassados diretamente. Foi deferida a liminar, fato inédito no Brasil.

          EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO:

          O MUNICÍPIO DO RECIFE, pessoa jurídica de direito público interno, com sede do seu governo na Av. Martin Luther King, nº 925, Cais do Apolo, Bairro do Recife, inscrita no CGC sob o nº010.565.000/0001-92, por intermédio de seu Procurador Judicial adiante assinado, que receberá intimações no 3º andar do Edifício Sede da Prefeitura - Departamento de Procuradoria Judicial, com fundamento no art. 796 e seguintes do Código de Processo Civil, vem, perante esse Juízo, propor a presente

AÇÃO CAUTELAR INOMINADA PREPARATÓRIA DE AÇÃO PRINCIPAL

          contra a UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público externo, a ser representada por um de seus procuradores através da sua Advocacia Geral, o que faz pelos relevantes motivos de fato e de direito a seguir expostos:


I - OS FATOS:

          A Constituição Federal de 1988, no ato de sua promulgação, estipulou no artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que nos 10 (dez) primeiros anos da Promulgação da Carta Magna o Poder Público desenvolveria esforços com a aplicação de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) dos recursos a que se referia o art. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.

          O mencionado artigo 212, por seu turno, afiança que "a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

          Os recursos provenientes de transferências de que trata o referido dispositivo legal no que tange aos Municípios, estão previstos nos artigos 158, II, e 159, inciso I, alínea "a", da Lei Máxima.

          Essa situação jurídica perdurou da promulgação da Constituição Federal até o advento da Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.96, que veio a modificar os artigos 34, 208, 211 e 212 do texto da Constituição e em particular o artigo 60 do ADCT.

          Com as modificações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 14 no artigo 60 do ADCT, o prazo inicialmente previsto naquele artigo, que expiraria em 1998, foi prorrogado por mais 10 (dez) anos, a contar da promulgação da referida Emenda Constitucional e o percentual a ser aplicado passou a ser de 60% (sessenta por cento).

          Somando-se a isso, a referida Emenda autorizou a criação de um fundo denominado Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, que teria natureza contábil (§1º, art. 60, ADCT).

          Estipulou ainda que o referido fundo seria constituído por, pelo menos, 15% (quinze por cento) dos recursos a que se referem os artigos 155, II; 158, IV; e 159, I, alíneas "a" e "b"; e II, da Constituição Federal (§2º, art. 60, ADCT), determinando que os valores relativos ao referido fundo seriam distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos matriculados nas respectivas redes de ensino fundamental, e que a União Federal complementaria os recursos dos Fundos em cada Estado e no Distrito Federal, quando seu valor por aluno não alcançasse o mínimo definido nacionalmente (§3º, art. 60, ADCT).

          Por fim, estipulou que a lei ordinária disporia acerca da organização dos Fundos, da distribuição proporcional dos seus recursos, de sua fiscalização e controle, bem como sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno (§7º, art. 60, ADCT).

          Sendo assim, através da Lei Ordinária nº 9.424, de 24.12.96, foi implantado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF, que determinou que a partir de 1º de Janeiro de 1998 ficaria o referido fundo, automaticamente, criado no âmbito de cada Estado.

          A mencionada Lei Ordinária nº 9.424/96, ao dispor sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno, estipulou que tal valor seria fixado por ato do Presidente da República e nunca seria inferior à razão entre a previsão da receita total para o fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas (§2º, art. 6º, Lei Ordinária nº 9.424/96).

          Dessa forma, ficou criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, obrigando os Municípios e os Estados a contribuírem com seus parcos recursos para uma conta única, segundo a Lei, de natureza contábil, pelos próximos 10 (dez) anos, da qual os ditos recursos seriam recambiados para seus legítimos donos após uma distribuição proporcional ao número de alunos nas respectivas redes de ensino fundamental.

          Ocorre que essa teratológica criatura jurídica imaginada pelo Governo Federal tem se constituído, para uma grande parte dos Municípios e Estados a ela vinculados, em um verdadeiro poço sem fundo, do qual suas receitas ingressam para não mais retornar aos seus cofres.

          Dentre os municípios que têm amargado perdas incomensuráveis com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF encontra-se o Município do Recife, que vê evaporar das suas receitas provenientes de transferências, desde a implantação do sobredito fundo, em média, a inacreditável quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por mês, conforme esse Juízo pode observar no documento fornecido pela Secretária de Finanças Municipal (doc. 01), o que é juridicamente inconcebível.

          Estancar tal sangria é o objeto da presente medida cautelar, visto que, entende o Município do Recife que o FUNDEF possui irregularidades tão gritantes que impossibilitam sua permanência no Mundo Jurídico, além do que a União Federal tem, de forma reprovável, maquilado os cálculos que estipulam o valor mínimo por aluno, com a hedionda finalidade de contribuir, o mínimo possível, para o referido fundo.

          Diante, pois, desse fato, é que ingressa o Município do Recife com a presente medida cautelar, a fim de que esse Juízo restabeleça o seu direito que vem sendo desrespeitado, mês a mês, pela parte suplicada. Para tanto, estão presentes os requisitos que autorizam o provimento que ora se requer. É o que se abstrai da análise dos fatos até agora narrados e é o que será demonstrado com clareza hialina na seqüência.


II - O "FUMUS BONI IURIS":

          A presença do requisito do "fumus boni iuris" decorre das seguintes constatações:

  1. a Emenda nº 14/96 padece de Inconstitucionalidade;
  2. a Lei Federal nº 9.424/96, que instituiu o FUNDEF, também é incompatível com a Carta Magna;
  3. os cálculos para valor mínimo por aluno estão sendo efetuados de forma incorreta para beneficiar a União Federal, em prejuízo dos Estados e Municípios, o que confronta-se com a própria Lei Federal nº 9.424/96.

          Analisemos cada uma dessas questões de per si, a começar pelas inconstitucionalidades da emenda nº 14/96.

          A. A INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA Nº 14/96.

          A . 1 – O Princípio Federativo e a Autonomia Municipal.

          Determina o inciso I, parágrafo 4º, do artigo 60, da Constituição Federal:

          "art.60.........omissis................

          § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

          I - a forma federativa de Estado;"

          O dispositivo legal acima transcrito proíbe com clareza hialina que, em sede de emenda constitucional, se pretenda abolir a forma federativa do Estado Brasileiro.

          Essa determinação remete o intérprete à leitura obrigatória do artigo 1º do Texto Constitucional, dispositivo que delimita os componentes da Federação Brasileira da seguinte forma "in verbis":

          "Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

          I - a soberania;

          II - a cidadania;

          III - a dignidade da pessoa humana;

          IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

          V - o pluralismo político.

          (grifo e negrito nossos)"

          Como se observa, a Constituição Federal de 1988 ao delimitar os componentes da Federação Brasileira inseriu, entre eles, os Municípios, o que era uma reivindicação antiga de grandes municipalistas. Destarte, no Estado Brasileiro os Municípios desfrutam de autonomia similar aos Estados-membros, visto que não lhes faltam um campo de atuação delimitado, leis próprias e autoridades suas. Isso dá ao Município a qualidade de autônomo e, mais do que isso, autônomo por força da própria Constituição (apud Celso Ribeiro Bastos, Cur. Dir. Constitucional, ,16ª Ed, Saraiva, p.251).

          Sobre a situação jurídica dos Municípios frente à nova ordem constitucional, melhor escólio não há que o efetuado pelo conceituado constitucionalista José Afonso da Silva, em sua obra intitulada "Curso de Direito Constitucional Positivo", que pedimos vênia para transcrever "in extenso":

          "A Constituição de 1988 fortaleceu consideravelmente os Municípios, modificando profundamente sua posição na Federação, porque os considera componentes da estrutura federativa. Realmente, assim o diz em dois momentos. No art. 1º declara que a República Federativa do Brasil é formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios, e do Distrito Federal. No art. 18 estatui que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

          Acolhe-se assim a reivindicação de Municipalistas clássicos como Hely Lopes Meirelles e Lordelo de Melo, que pleitearam com insistência e veemência a inclusão dos Municípios no conceito de nossa Federação. Esses autores, aliás, já sustentavam que o Município é peça essencial da nossa Federação, desde a constituição de 1946 que o erigiu em entidade estatal de terceiro grau, integrante e necessária ao nosso sistema federativo.(in obra citada, 7ª edição, RT, p.537)"

          Nesse diapasão, não há como se negar que os Municípios são componentes da Federação Brasileira por força de expresso de ditame constitucional (art.1º, CF).

          Como entidades estatais integrantes da Federação os Municípios possuem autonomia, nos estritos moldes do artigo 18 do Diploma Maior, que assim dita "expressis verbis":

          "Art.18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.(negritos e grifos nossos)"

          A autonomia referida na Constituição Federal se expressa de três formas peculiares no âmago do texto da Carta Magna, quais sejam: a) autonomia política, consistente no poder de elaborar a própria lei orgânica, investir as autoridades locais e criar o seu próprio direito positivo; b) autonomia administrativa, pela gestão dos negócios de exclusivo interesse local; c) autonomia financeira, decorrente da instituição e arrecadação dos tributos, que lhe cabem, conforme a divisão constitucional das espécies fiscais entre os entes federados.

          Fazendo outra breve incursão no campo doutrinário, recorramos novamente ao Mestre José Afonso da Silva, que assim nos ensina acerca do tema em enfoque "in litteris":

          "Nos termos, pois, da Constituição, o Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa, de autonomia política, administrativa e financeira.(obra citada acima, p.537)"

          Como é de se constatar, a autonomia municipal foi adotada pelo legislador constituinte em relação aos Municípios, que a estabeleceu conferindo àqueles capacidade política, administrativa e financeira para atingir, dentro dos seus limites, as finalidades do Estado Brasileiro.

          Na presente ação, vai nos interessar, particularmente, a autonomia financeira do Município que vem sendo indiscriminadamente ignorada pela Emenda Constitucional nº 14/96.

          Com efeito, a autonomia financeira dos Municípios advém basicamente das fontes de receitas determinadas no texto constitucional.

          Dentre estas fonte de receitas nós iremos encontrar os tributos de competência municipal (art.156, CF) e as receitas advindas da repartição dos impostos federais e estaduais (art.158 e 159, CF).

          Tais normas expressam, a toda evidência, a autonomia financeira dos Municípios e não podem ser modificadas por emenda, sem que se infrinja o inciso I, parágrafo 4º, do artigo 60, da Constituição Federal.

          Destarte, o dispositivo legal acima mencionado impede a inserção no mundo jurídico de qualquer tipo de emenda que tenda a abolir a forma federativa adotada pela Constituição Federal de 1998, de onde se conclui que será inconstitucional qualquer emenda que venha a suprimir, mesmo que em parte, a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, posto que, a autonomia dos entes federados é condição "sine qua non" para que exista uma federação.

          Deste modo, a norma advinda do Poder Reformador não pode, de maneira nenhuma, confrontar-se com os dispositivos legais que erigem na Constituição a autonomia dos entes federados.

          Entretanto, a emenda constitucional nº 14 viola, sem pedir licença, os seguintes dispositivos da Constituição Federal: inciso III, do Artigo 30; inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159, combinados com o Artigo 160; todos dispositivos que visam assegurar a autonomia municipal e, via de conseqüência, a Federação Brasileira.

          A . 2 - Da Afronta ao inciso III, do Artigo 30, da Constituição Federal.

          Determina o inciso III, do Artigo 30, da Hodierna Carta Política "in verbis":

          "Art. 30. Compete aos Municípios:

          I - ...........omissis....................

          II - ...........omissis...................

          III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei.(Grifo e negrito nossos)"

          Como se pode apreender da redação do texto constitucional acima transcrito, o Município é competente para aplicar os seus recursos, sendo, portanto, livre para destinar as sua rendas, nos limites prefixados pelo Legislador Constituinte.

          Dessa forma, só o Poder Constituinte poderia estipular parâmetros que viessem a restringir o poder dos Municípios neste aspecto, nunca o Poder Reformador, pois, se este o fizer estaremos diante de uma inconstitucionalidade.

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          Foi, no entanto, o que aconteceu com a promulgação da Emenda Constitucional nº 14/96.

          Com razão, o artigo 60 do ADCT possuía a seguinte redação antes da famigerada modificação que lhe foi introduzida pela emenda ora tida como inconstitucional "in verbis":

          "Art. 60. Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o poder público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, cinqüenta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental. (grifo e negrito nossos)"

          Dessa maneira, o artigo 60 do ADCT, com a redação que lhe foi conferida pelo Legislador Constitucional Originário, era norma restritiva da livre aplicação dos recursos pelos Municípios, pois, obrigava estes aplicarem o percentual de 50% (cinqüenta por cento) de suas rendas citadas no artigo 212 do Texto Constitucional, na manutenção e no desenvolvimento do ensino.

          Entretanto, tal norma tinha prazo certo para findar seus efeitos, ou seja, cessaria 10 (dez) anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

          Como norma que possuía natureza restritiva e que tolhia, em parte, a autonomia municipal por indicar compulsoriamente onde deveriam ser aplicados recursos de propriedade dos Municípios, ela não poderia, jamais, ter seus efeitos estendidos por mais 10 (dez) anos, visto que, acaso fosse vontade do legislador constituinte que tal norma restringisse a autonomia municipal por 20 (vinte) anos consecutivos, ele próprio o teria feito através do artigo 60 do ADCT.

          Como não o fez, não pode emenda constitucional vir a delimitar a competência municipal em aplicar as suas rendas, determinado as suas finalidades, posto que, findo o prazo previsto no artigo 60 do ADCT, com a sua antiga redação, estariam os recursos nele mencionados liberados daquele ônus legal, sendo qualquer norma tendente a revalidar o referido artigo, norma incompatível com o inciso III, do artigo 30, da Constituição Federal.

          De fato, o disposto na norma constitucional acima indigitada delimita a autonomia municipal para aplicar as suas rendas, o que não poderia jamais ser restringido após o termo final do prazo estipulado pelo legislador constituinte no ADCT da Constituição de 1998.

          Todavia, o artigo 5º da Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.96, não só estendeu os efeitos por mais 10 (dez) anos da norma constitucional de natureza restritiva constante no Artigo 60 do ADCT, como aumentou o percentual nela previsto inicialmente em 10% (dez por cento).

          Nesse entender, é inconstitucional a Emenda Constitucional nº 14/96, o que desobriga o Município do Recife a ver seus recursos, obrigatoriamente, destinados à finalidade prevista no artigo mencionado acima, visto que, tem ele atualmente autonomia plena (limitada apenas pela Constituição) para aplicar seus recursos conforme o previsto no inciso III, do artigo 30, da Constituição Federal, haja vista que os efeitos do artigo 60 do ADCT, com a redação que lhe conferiu o legislador Constituinte e que não poderia ser revalidada pelo Poder Reformador, teve o seus efeitos cessados em 5 de outubro de 1998, quando completou seu termo final.

          Mas, esta não é a única inconstitucionalidade que se constata na emenda fustigada, pois, ela ainda confronta-se com o inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159, combinados com o Artigo 160 da Constituição Federal como veremos a seguir.

          A . 3 - Da Afronta ao o inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159, combinados com o Artigo 160 da Constituição Federal.

          Preceitua o inciso IV, do Artigo 158, da Carta Magna "in extenso":

          "Art. 158. Pertencem aos Municípios:

          I -............omissis....................

          II -...........omissis....................

          III -..........omissis....................

          IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação."

          Por seu turno, assim ordena a alínea "b", inciso I, do Artigo 159, do Diploma Maior "in extenso" :

          "Art. 159.A União entregará:

          I - do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, quarenta e sete por cento na seguinte forma:

          a) ...........omissis....................

          b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;"

          Como é de abstrair-se dos verbos imperativos utilizados pelo Legislador Constitucional Originário, no ato de confecção dos dispositivos acima transcritos, quis ele demonstrar, de forma clarividente, que os recursos ali mencionados são de propriedade dos Municípios, embora advindos de impostos arrecadados por outras pessoas de Direito Público.

          Como corolário desta asserção recorremos ao que traduz o artigo 160 do Diploma Máximo, "ipsis litteris":

          "Art. 160. É vedada a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta Seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos."

          Portanto, o legislador constituinte não só primou por indicar de forma imperativa os recursos pertencentes aos Municípios, mas vedou expressamente a possibilidade de se criar qualquer empecilho para que os sobreditos recursos fossem repassados aos seus legítimos donos.

          Não obstante, a Emenda Constitucional nº14/96 assim determinou quando da modificação do artigo 60 do ADCT:

          "Emenda Constitucional nº 14

          Art.5º É alterado o art.60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e nele são inseridos novos parágrafos, passando o artigo a ter a seguinte redação:

"Art.60. Nos 10 (dez) primeiros anos da Promulgação desta emenda, os estados o Distrito federal e os Municípios destinarão não menos de 60% (sessenta por cento) dos recursos a que se refere o caput do artigo 212 da Constituição, à remuneração condigna do magistério.

          § 1º A distribuição de responsabilidades e recursos entre os Estados e seus Municípios a ser concretizada com parte dos recursos definidos neste artigo, na forma do disposto no artigo 211 da Constituição Federal, é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino fundamental.

          §2º O Fundo referido no parágrafo anterior será constituído por, pelo menos, 15% (quinze por cento) dos recursos a que se referem os artigos 155,II; 158,IV; e 159, I a e b; e II, da Constituição Federal, e será distribuído entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos nas respectivas redes de ensino fundamental. (grifos e negritos nossos)"

          Este último parágrafo, como V. Exa. pode notar, cria um fundo com os Recursos dos Estados e Municípios e estabelece que a distribuição dos recursos provenientes deste fundo serão recambiados aos seus legítimos donos, na proporção do número de alunos nas respectivas redes de ensino.

          Infere-se desse parágrafo duas conclusões óbvias: a primeira, é que se criou uma condição para que os recursos componentes do referido fundo sejam recambiados aos seu legítimos donos, visto que as ditas verbas só serão repassadas de forma diretamente proporcional ao número de alunos existentes no Município; a segunda, é que se acaso esse número de alunos perfaça um total inferior ao montante dos recursos repassados ao fundo pelo Município ou Estado, este perderá o restante dos recursos.

Essa determinação proveniente deste último parágrafo transcrito vem a chocar-se contra o inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159 mencionados alhures e, particularmente, com o Artigo 160 da Constituição Federal.

          Destarte, o inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159 da Constituição Federal, são taxativos quando mencionam a propriedade dos recursos neles constantes, é inconcebível, portanto, que se edifique um Instituto Jurídico que, por vias transversas, se apodere desses valores e faça sumir parte deles num passe de mágica.

          Sobre outro prisma, o dispositivo legal ao estipular que os recursos do fundo seriam distribuídos proporcionalmente ao número de alunos criou uma condição para que os valores previstos no inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159 da Constituição Federal, fossem repassados, o que não se coaduna com o previsto no artigo 160 da Carta Magna.

          A . 4 – Conclusão I.

Diante do exposto, conclui o Município do Recife que a Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.96, não possui alicerce constitucional por esbarrar no inciso III, do Artigo 30; inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159, combinados com o Artigo 160; todos Dispositivos Constitucionais que visam assegurar a autonomia municipal e, via de conseqüência, a Federação Brasileira, que resta protegida pelo o inciso I, parágrafo 4º, do artigo 60, da Constituição Federal, que, por seu turno, proíbe emenda que tenda a abolir a forma federativa adotada pelo Texto Maior.

          Dessa forma, a indigitada norma proveniente da Emenda Constitucional nº 14/96, fere a autonomia dos Municípios, posto que os obriga a ver parte dos seus recursos previstos na Constituição evaporar, antes mesmo de chegar em seus cofres.

          B) A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI FEDERAL Nº 9.424/96.

          A Lei Federal nº 9.424/96 possui inconstitucionalidades decorrentes da Emenda Constitucional nº 14/96 e inconstitucionalidades por defeito legal na sua própria redação.

          B . 1 – Das Inconstitucionalidades da Lei Federal nº 9.424/96 Decorrentes da Emenda Constitucional nº 14/96.

          Como já mencionado alhures, a Emenda Constitucional nº 14/96 determinou que a lei ordinária disporia acerca da organização dos Fundos, da distribuição proporcional dos seus recursos, de sua fiscalização e controle, bem como sobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional por aluno (§7º, art. 60, ADCT).

          Foi com base em tal ditame que a Lei federal nº 9.424/96 veio a regulamentar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF.

          Tal Diploma, por esse motivo, padece das mesmas inconstitucionalidades da Emenda nº 14/96, visto que, adota como suas bases os alicerces jurídicos advindos da mencionada Emenda em todos os seus termos.

          Dessa forma, o Diploma Legal ora fustigado fere os mesmos dispositivos constitucionais que a Emenda Constitucional nº 14/96, ou seja, esbarra no inciso III, do Artigo 30; no inciso IV, do Artigo 158 e na alínea "b", inciso I, do Artigo 159, combinados com o Artigo 160, do Diploma Constitucional, quando repete os dispositivos legais daquele Diploma Legislativo.

          Nesse entender, uma vez declarada por esse Juízo a inconstitucionalidade da Emenda nº 14/96, via de conseqüência, deve também ser declarada a inconstitucionalidade da Lei Federal nº 9.424/96.

          B . 2 – Das Inconstitucionalidades da Lei Federal nº 9.424/96 Decorrentes do Seu Próprio Texto.

          A inconstitucionalidade da Lei Federal nº 9.424/96, todavia, vai além dos limites traçados pela Emenda nº 14/96, pois, ao dispor sobre o cálculo do valor mínimo por aluno, a sobredita lei criou uma forma de cálculo que, na realidade, representa uma afronta ao princípio da isonomia insculpido no caput do artigo 5º da Hodierna Carta Política, bem como feriu o princípio da autonomia ferindo o inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159 conjuntamente com o inciso III, do Artigo 30, da Hodierna Carta Política.

          Ao estabelecer a forma como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios contribuiriam para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, assim ordenou a Lei Federal nº 9.424/96, "in extenso" :

          "Art. 1º É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o qual terá natureza contábil e será implantado, automaticamente, a partir de 1º de Janeiro de 1998.

§1º O Fundo referido neste artigo será composto por 15% (quinze por cento) dos recursos:

                    I – da parcela do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS, devida ao Distrito Federal, aos Estados e aos Municípios, conforme dispõe o artigo 155, inciso II, combinado com o artigo 158, inciso IV, da Constituição Federal;

          II – do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal – FPE, e dos Municípios – FPM, previstos no art. 159, inciso I, da Constituição Federal, e no Sistema Tributário Nacional de que trata a Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; e

          III - da parcela do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, devida aos Estados e ao Distrito Federal – FPM, na forma do art. 159, inciso I, da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 61, de 26 de dezembro de 1989.

          § 2º Inclui-se na base de cálculo anterior o montante de recursos financeiros transferidos, em moeda, pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios a título de compensação financeira pela perda de receitas decorrentes da desoneração das exportações, nos termos da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, bem como de outras compensações da mesma natureza que vierem a ser instituídas."

          Como se observa, o referido fundo ao estipular a contribuição dos Estados, do Distrito e dos Municípios, primou por estabelecer critérios objetivos discriminando alíquotas e bases de cálculo com precisão cirúrgica.

          O mesmo zelo, todavia, não foi dispensado pelo legislador ordinário ao delimitar a forma como a União Federal iria contribuir para o referido fundo. É o que se infere do que prescreve a Lei Federal nº 9.424/96, em seu artigo 6º e parágrafos "in verbis":

          " Art. 6º - A União complementará os recursos do Fundo a que se refere o artigo 1º sempre que, no âmbito do Estado e do Distrito Federal seu valor não alcançar o mínimo definido nacionalmente.

          §1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e II.

          § 2º As estatísticas necessárias ao cálculo do valor anual mínimo por aluno, inclusive as estimativas de matrículas, terão como base o censo educacional realizado pelo Ministério da Educação e do Desporto, anualmente, e publicado no Diário Oficial da União.

          (grifos e negritos nosso)"

          Portanto, se constata que valor mínimo por aluno é fixado por Ato do Presidente da República, inferindo-se da Lei que ele nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas.

Verifica-se, ainda, que a União Federal só contribuirá para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, na remota hipótese de que os recursos do Fundo, no âmbito do Estado e do Distrito Federal, não alcancem o valor mínimo por aluno definido nacionalmente.

          Dessa forma, o risco da União Federal vir a contribuir para o FUNDEF aumenta acaso o valor mínimo por aluno suba, e diminui, acaso o mencionado valor diminua. A "contrario sensu" quanto menor o valor mínimo por aluno, menor a possibilidade da União Federal vir a contribuir para o Fundo.

          Destarte, sendo latente o interesse da União Federal na fixação do valor mínimo por aluno, deveria a lei fixar critérios objetivos, delimitando a forma como aquela iria contribuir para o fundo, como o fez para os Estados e os Municípios; critérios que pudessem assegurar aos outros Entes Estatais da Federação que a União Federal iria ter um valor justo de contribuição.

          Não obstante, a Lei Federal nº 9.424/96, a mesma que foi tão incisiva quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a título de critérios objetivos para fixar o valor mínimo por aluno, sai com a hilariante operação aritmética prevista no parágrafo 1º , do seu artigo 6º, que afiança que o valor mínimo anual por aluno nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas.

          Ora, dos itens que compõem o método utilizado para fixar o valor mínimo por aluno, dois são critérios abstratos que podem ser distorcidos, para maior ou para menor, devido à flexibilidade que lhe confere a sua própria natureza, o que anula completamente, para efeitos de resultado, o único critério objetivo utilizado (matrícula total ensino fundamental do ano anterior).

          Com efeito, a Lei usa uma previsão de receita e um total estimado de novas matrículas como elementos para fixar o valor mínimo por aluno, o que não pode ser considerado critério objetivo, ou seja, o valor mínimo por aluno a ser fixado fica ao completo arbítrio do Presidente da República, devido a falha legislativa que, ao estabelecer a forma de cálculo para o valor mínimo por aluno, o fez sobre um patamar pouco sólido. Usado o jargão popular, podemos afirmar que o legislador ordinário colocou o lobo para tomar conta das ovelhas.

          De fato, não há como se contestar precisamente estimativas nem previsões, pois, as mesmas não constituem fatos, representam , no máximo, prognósticos de fatos, são por assim dizer, uma projeção dos fatos futuros baseadas em dados dos fatos presentes. Consequentemente, devido ao alto grau de abstração das previsões e estimativas é impossível se afirmar, com certeza científica, que uma previsão ou uma estimativa esteja incorreta ou correta, por não ser dado aos seres humanos (pelo menos aos seres humanos comuns) a visão do futuro.

          Em síntese, a Lei Federal nº 9.424/96 estabeleceu critérios objetivos para que os Estados e Municípios contribuíssem para o FUNDEF, enquanto que em relação a União Federal usou de critérios puramente subjetivos para esse mesmo fim.

Nesse diapasão, o legislador ordinário, ao determinar a forma de cálculo do valor mínimo faz indiscutível discriminação dos Entes Estatais e o que é mais grave, atribui ao Presidente da República poderes quase absolutos sobre os recursos do fundo.

          Essa conjuntura prevista no Diploma Legal fustigado é juridicamente inaceitável, face ao princípio da isonomia previsto no caput do artigo 5º , da CF, bem como, ao previsto no inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159 conjuntamente com o inciso III, do Artigo 30, da Hodierna Carta Política, que estabelecem a Autonomia Financeira dos Municípios na Constituição Federal.

          Senão vejamos:

          B . 2. 1 – Das Inconstitucionalidades da Lei Federal nº 9.424/96 decorrentes da afronta ao Princípio da Isonomia.

          Preconiza o caput do artigo 5º da Constituição Federal "ipsis litteris":

          "Art.5º.Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... (grifo e negrito nossos)"

          Traduz esse preceito constitucional o princípio da isonomia, que estabelece a igualdade de todos perante a lei. A fim de melhor ilustrar a posição do Município do Recife neste ponto, pedimos renovada vênia para transcrever excerto do já citado constitucionalista José Afonso da Silva, que assim esclarece acerca do instituto jurídico sob análise "expressis literris":

          "No direito estrangeiro, faz-se distinção entre o princípio da igualdade perante a lei e o da igualdade na lei. Aquele corresponde a obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que elas estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza uma isonomia puramente formal, enquanto a igualdade na lei exige que, nas normas jurídicas gerais, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição. Enfim, segundo essa doutrina, a igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na seria uma exigência dirigida tanto àqueles que criam às normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos.

          Entre nós, essa distinção é desnecessária, porque a doutrina como a jurisprudência já firmaram, há muito, a orientação de que a igualdade perante a lei tem sentido que, no estrangeiro, se dá à expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei. O princípio significa, para o legislador – consoante observa Seabra Fagundes – "que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção as suas diversidades". Aliás, Francisco Campos, com razão, sustentara mesmo que o legislador é o destinatário principal do princípio, pois se ele pudesse criar normas distintivas de pessoas, coisas ou fatos, que devessem ser tratados com igualdade, o mandamento constitucional se tornaria inteiramente inútil, concluindo que, "nos sistemas constitucionais do tipo do nosso não cabe dúvida quanto ao principal destinatário do princípio constitucional de igualdade perante a lei. O mandamento da Constituição se dirige particularmente ao legislador e, efetivamente, somente ele pode ser o destinatário útil de tal mandamento. O executor da lei já está, necessariamente obrigado a aplicá-la de acordo com os critérios constates na própria lei. Se esta, para valer, está adstrita a se conformar ao princípio de igualdade, o critério da igualdade resultará obrigatório para o executor da lei pelo simples fato de que a lei o obriga a executá-la com fidelidade ou respeito aos critérios por ela mesma estabelecidos". (in Cur. de Dir. Const. Positivo, 7ª edição, RT, p.191/192) (Itálico do original)"

          Partindo da correta premissa que aflora da lição doutrinária acima transcrita, que assevera que a lei deve obediência ao princípio constitucional da igualdade, não há como negar que a Lei Federal nº 9.424/96, ao estabelecer critérios de contribuição objetivos para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e critérios subjetivos para a contribuição da União Federal, afrontou o princípio da igualdade constitucional, pois, fez nascer uma hedionda distinção entre iguais.

          Aqui, quando se fala em iguais, não se está querendo afirmar que os Municípios e os Estados são entes Estatais iguais à União Federal, ou vice e versa, o que seria uma inverdade. Quando se fala aqui em igualdade se está falando em igualdade das autonomias dos entes federados.

          Com efeito, o legislador no artigo 18 da Constituição estabelece que os Entes Estatais são autônomos. Sendo autônomos que dizer que são independentes e, portanto, iguais já que, neste

aspecto, não se subordinam uns aos outros, salvo nos casos expressos no texto da Carta Magna.

          Neste passo, não há como não se concluir que a Lei Federal nº 9.424/96 é inconstitucional, pois, faz uma hedionda distinção entre os Entes Públicos Estatais, colocando a União Federal em uma situação deverás privilegiada frente aos demais componentes da Federação.

          Entretanto, as inconstitucionalidades do dito Diploma não se resume à inobservância do caput do artigo 5 º da Constituição Federal, como se verá adiante.

          B . 2. 2 – Das Inconstitucionalidades da Lei Federal nº 9.424/96 decorrentes da afronta ao Princípio da Autonomia Financeira dos Municípios.

          Como visto, o artigo 6º e parágrafos da Lei Federal nº 9.424/96 estabelece critério puramente subjetivo para aferição do valor mínimo por aluno e, conseqüentemente, para aferição do valor a ser recolhido pela União Federal para o FUNDEF.

          Neste contexto, a União Federal é quem fixa discricionariamente o "quantum" com que ela própria vai contribuir para Fundo.

          Analisando detidamente o referido dispositivo nota-se, de plano, que o valor mínimo por aluno é fixado por ato discricionário do Poder Executivo Federal, o que é executado por decreto presidencial nos termos da Lei hostilizada.

          De fato, o ato presidencial a que se refere o § 4º, do Artigo 6º, do Diploma Federal nº9.424/96, traduz, com clareza hialina, um ato administrativo discricionário como o define os mais conceituados doutrinadores e remansosa jurisprudência.

          A fim de melhor ilustrar tal assertiva transcrevemos, com a devida vênia, o conceito de ato administrativo discricionário do conceituado administrativista Celso Antonio Bandeira de Mello que, em sua festejada obra intitulada de "Curso de Direito Administrativo", assim descreve o instituto jurídico em comento "ut infra":

          "Uma das grandes distinções que se faz entre os atos administrativos e a qual se atribui o maior relevo, com justa razão, é a que os separa em atos vinculados e atos discricionários.

          Atos vinculados seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração ao expedi-los não interfere com apreciação subjetiva alguma.

          Atos discricionários, pelo contrário, seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles.

          A diferença nuclear entre ambos residiria em que, nos primeiros, a Administração não dispõe de liberdade alguma, posto que a lei já regulou antecipadamente em todos os aspectos o comportamento a ser adotado, enquanto nos segundos a disciplina legal deixa ao administrador certa liberdade para decidir-se em face das circunstâncias concretas do caso, impondo-lhe e simultaneamente facultando-lhe a utilização de critérios próprios para avaliar ou decidir quanto ao que lhe pareça ser o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa realizar. (obra citada, 8ª Ed., Malheiros, p.249) (itálico do original)"

          A primeira conclusão que se tira é que o referido ato de fixação do valor mínimo por aluno, com a estrutura legal que lhe atribuiu Lei Federal nº 9.424/96 é, sem a mais mínima sombra de dúvida, um ato administrativo discricionário.

          Com razão, o ato do Presidente da República que estabelece o valor mínimo por aluno, segundo os termos do § 4º, do Artigo 6º, do Diploma Federal nº 9.424/96, é ato administrativo discricionário do Chefe do Poder Executivo Federal, pois se embasa em dados estatísticos inteiramente subjetivos para a apuração do valor mínimo anual por aluno deixando, portanto, à inteira disposição do Chefe Maior da República a decisão em aumentar ou diminuir o valor do referido montante.

          Para que não se venha alegar que o ato não seria discricionário, por existir um parâmetro legal que lhe estabeleceria os limites, é conveniente enfatizar que o ato administrativo discricionário é necessariamente previsto em lei, só que a lei deixa ao Administrador margem de decisão, por lastrear-se em critérios subjetivos.

          Destarte, sobre este aspecto recorremos novamente à lição do mestre Celso Antonio Bandeira de Mello, na sua obra já mencionada acima quando assim conclui "in extenso" :

          "Em suma: discricionariedade é liberdade dentro da lei`, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: "A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, as fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal". (obra citada acima, p. 251)"

          Aliás, a Lei confere amplos poderes ao Chefe do Executivo para utilizar métodos estatísticos, mais ou menos rigorosos, na confecção da previsão e estimativa para a fixação do preço do valor mínimo por aluno, exigindo, tão somente, que se use como base para os cálculos censo educacional realizado pelo Ministério da Educação e do Desporto (art.6,§2º).

          Tais considerações, todavia, são efetuadas apenas por amor ao debate, porquanto, é indiscutível que o § 4º, do Artigo 6º, do Diploma Federal nº 9.424/96, ao estabelecer critérios subjetivos para a apuração do valor mínimo por aluno, prescreveu com todas as letras que o sobredito valor seria fixado por ato administrativo discricionário.

          Mas, tal questão é meramente introdutória, posto que, não se pretende indagar no presente ponto sobre o óbvio ululante, mas, se através de ato administrativo discricionário pode o Presidente da República gerenciar os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, frente às Normas Constitucionais que estabelecem a autonomia constitucional dos Entes Estatais, em particular a autonomia dos Municípios.

          Como já foi adiantado alhures, os recursos que compõem o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, pertencem aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. A União Federal participa do referido Fundo com recursos que visam apenas suplementar a receita do mesmo, quando este não perfazer o valor mínimo por aluno no âmbito de cada Estado.

          Ocorre que é a União Federal quem fixa o valor mínimo por aluno. Acaso esse valor seja um valor muito alto, a tendência é que ela venha a contribuir mais para o fundo, por outro lado, se o valor fixado for pequeno, a tendência é que os Municípios de maior porte e os Estados por terem, conseqüentemente, maiores recursos investidos no fundo, transfiram seus recursos para Municípios menores, que contribuem com pequenas parcelas para o fundo.

          Diante dessa conformação legal, estabelecida pelo § 4º, do Artigo 6º, do Diploma Federal nº 9.424/96, a União Federal arremessa o valor mínimo por aluno para parâmetros insignificantes, transferindo, via de conseqüência, as rendas dos Estados e dos Municípios que contribuem com somas maiores para o Fundo para Municípios que contribuem com parcelas menores, e o que é mais grave, a União Federal que deveria suplementar o Fundo, o faz com o mínimo de recursos.

          Essa condição é insubsistente perante a Hodierna Constituição do Brasil, posto que colide com inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159 combinados com o inciso III, do Artigo 30, da Hodierna Carta Política que, conforme já comentado, são normas que traduzem a Autonomia Financeira dos Municípios na Constituição Federal.

          O inciso IV, do Artigo 158 e a alínea "b", inciso I, do Artigo 159, da Constituição, delimitam os recursos pertencentes aos Municípios que constituem as receitas de transferências.

          Tais recursos, nos moldes especificados pelo legislador constitucional, devem ser repassados sem qualquer restrição para os Municípios (art.160, CF).

          A proteção constitucional ao repasse desses valores aos Municípios é tão grande, que ao próprio Congresso Nacional é vedado aprovar emenda ao orçamento que possa interferir nos mencionados repasses.

          É o que se conclui à vista do previsto no artigo 166, inciso II, § 3º, inciso II, alínea "c", da Constituição Federal, que assim dispõe "expressis verbis":

          "Art.166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.

          ...............omissis.....................

          § 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

          I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

          II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

          a) dotações para pessoal e seus encargos;

          b) serviço da dívida;

          c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e o Distrito Federal; ou

          III - sejam relacionadas:

          a) com a correção de erros ou omissões; ou

          b) com os dispositivos do texto do projeto de lei. (grifos e negritos nossos"

          Acerca desse assunto é oportuno o escólio do Mestre Celso Ribeiro Bastos que, em sua obra denominada "Curso de Direito Constitucional", assim sintetiza o teor do dispositivo transcrito "ipsis litteris":

          "O cabimento das emendas obedece critérios bem diversos dos admitidos na Constituição anterior, dentre os quais destaca-se o do inc. II do art. 166.Vê-se que cabe aos parlamentares mudar a destinação da despesa, isto é, criar uma despesa não prevista acompanhada da extinção de algumas outras de igual porte. Estas extinções só não se podem dar no tocante a dotações para pessoal e seus encargos, serviço da dívida e transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal. (in obra citada, Ed. Saraiva, 16ª Ed., 1995, p.375) ( grifo e negrito nossos) "

          Ora, se o Congresso Nacional, o Órgão Máximo do Poder Legislativo do Estado Brasileiro, o mais democrático dos Poderes do Estado, não pode redirecionar as receitas de transferências tributárias por lhe ser proibido por expresso Ditame Constitucional, como se admitir que o Poder Executivo, o menos democrático dos Poderes do Estado, possa fazê-lo por ato discricionário do Presidente da República, autorizado apenas por uma mera Lei Ordinária.

          Não obstante, é verdade axiomática que tal fato vem acontecendo e, através de Lei Ordinária, a União Federal avassala os Municípios, tornando letra morta o que determina o inciso III, do Artigo 30, da Hodierna Carta Política, que atribui competência aos Municípios para aplicar as suas rendas.

          É isso que se revela à vista do fato da Lei Federal hostilizada ter autorizado o Chefe do Executivo Federal a fixar o valor mínimo por aluno, baseado em cálculos de índole eminentemente subjetiva, fazendo com que a União Federal fixe valores cada vez menores no intuito de contribuir cada vez menos para o fundo, e com a finalidade de transferir as receitas dos Municípios de maior renda para os Municípios de receitas menores.

          Destarte, se a norma constitucional diz que os valores de transferências tributárias são propriedade municipal, não pode o Chefe do Executivo Federal transferi-las mediante ato puramente discricionário, autorizado apenas por lei ordinária, posto que, ao assim proceder não só avilta o previsto nos inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159, que estabelecem que as receitas provenientes dos impostos neles mencionados são receitas de propriedade municipal, como agride o inciso III, do Artigo 30, da Hodierna Carta Política, por privar os Municípios de aplicar essas receitas livremente, como expressamente lhe autoriza o dispositivo ora mencionado.

          B . 3 - Conclusão II.

          Pelos fatos narrados, constata-se, sem grandes elucubrações, que Lei Federal nº 9.424/96 possui inconstitucionalidades decorrentes da Emenda Constitucional nº 14/96 e inconstitucionalidades por defeito legal na sua própria redação, o que se revela pelo fato da mencionada Lei repetir, literalmente, dispositivos da referida Emenda tidos como portadores do vício supremo, bem como por a Lei hostilizada ter afrontado os princípios constitucionais da isonomia e da autonomia dos entes federados, ao fixar a forma de cálculo do valor mínimo por aluno, tendo em vista que o legislador ordinário ao estipular a referida forma de cálculo não ateve-se ao artigo 5º da Hodierna Carta Política, bem como, feriu o inciso IV, do Artigo 158 e alínea "b", inciso I, do Artigo 159 concomitantemente com o inciso III, do Artigo 30, da Hodierna Carta Política.

          C) OS CÁLCULOS CORRETOS PARA A AFERIÇÃO DO VALOR MÍNIMO POR ALUNO.

          C . 1 - Da Ilegalidade os Cálculos Efetuadas para Fixa o Valor.

          Entramos no presente ponto apenas por mera cautela processual uma vez que as inconstitucionalidades apontadas no presente pleito são palpáveis.

          Todavia, mesmo que assim não fosse, haveria de se fustigar a forma como vêm sendo feitos os cálculos para a fixação do valor mínimo por aluno pela União Federal, que os vem executando em sem a observância dos parâmetros previstos na Lei Federal nº 9.424/96.

          Com efeito, as projeções feitas pelo Governo Federal são tão fora dos padrões racionais, que mesmo sendo baseadas em dados estimativas e previsões, como já mencionado alhures, podem ser refutadas sem maiores esforços intelectuais, devido a sua altíssima probabilidade de erro, diga-se de passagem, erro em benefício da União Federal.

          De fato, já no ano de 1997, o Município do Recife efetuando os cálculos com no base guia de operacionalização (doc.02) divulgado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, percebeu que o valor mínimo por aluno fixado pela União, para aquele ano, havia sido feito de forma incorreta, conforme faz prova com os cálculos realizados pelo Diretor do Departamento Financeiro da sua Secretaria de Educação (doc.03).

          Em 13.02.98, foi oficiado (doc.04) o Delegado do MEC pela PROCURADORIA JUDICIAL DO MUNICÍPIO DO RECIFE para que esclarecesse o impasse.

          A resposta só veio através do ofício nº 543/98 – COPAT/DEMEC – PE, datado de 27.05.98 (doc. 05), no qual o Douto Delegado fugia furtiva e habilidosamente ao debate, negando que houvesse qualquer macula nos referidos cálculos.

          Na realidade, o MEC negava o que já vinha sendo denunciado com amplitude pelo CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO – CONSED, o que já havia, inclusive, sido denunciado pelos destacados intelectuais João Monlevade e Eduardo B. Ferreira, no capítulo 7 de sua obra intitulada "O Fundef e Seus Pecados Capitais", publicado pela Idéia Editora, em 1997, que anexamos à presente ação (doc. 06).

          O fato ganhou aos páginas dos Jornais, conforme se comprova com a reportagem publicada na Folha de São Paulo, em 06.07.98 (doc. 07).

          Mas, os prejuízos causados pela União Federal, no ano de 1998, aos Estados e Municípios, não aplacou, de forma alguma, o seu insaciável apetite pelos recursos recambiados ao Fundef.

          De fato, já no segundo semestre de 1998, o CONSED denunciava novamente manobras do dito ente federado para maquilar, com as tintas da iniqüidade, os cálculos do valor mínimo por aluno para o corrente ano (1999), conforme divulgado na Folha de São Paulo, em 01.08.98 (doc. 08).

          Não obstante, tal fato veio a se concretizar tendo a União Federal mantido para o ano de 1999 o valor mínimo por aluno no patamar de R$ 315,00 (trezentos e quinze reais), quando se acaso fossem os cálculos feitos nos moldes da Lei Federal nº 9.424/96, o valor mínimo por aluno para o ano de 1999, nunca poderia ser inferior a R$ 419,58 (quatrocentos e dezenove reais e cinqüenta centavos) conforme esse Juízo pode notar nos cálculos anexos (doc. 09), que foram efetuados com base em dados divulgados pelo próprio Governo Federal.

          C . 2 - Conclusão III.

          Sendo assim, o valor mínimo por aluno fixado para o ano em curso (1999) foi fixado em desacordo com a Lei Federal nº 9.424/96.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Petrônio Monteiro. Cautelar contra o FUNDEF ganha liminar inédita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16169. Acesso em: 25 nov. 2024.

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