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Mandado de segurança contra a nova CPMF (2)

Petição inicial de mandado de segurança coletivo ajuizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Mato Grosso do Sul, em favor de todos os associados da entidade

EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA ___ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS.

Distribuição com URGÊNCIA, em face do pedido de LIMINAR
CPMF

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, Seccional do Estado de Mato Grosso do Sul, corporação profissional sediada nesta Capital, onde se localiza à Rua José Santiago, nº 121, neste ato representada por seu Presidente Carlos Alberto de Jesus Marques (Ata de Posse em anexo), por intermédio do advogado que esta subscreve (procuração em anexo), vem perante V. Exª., com o respeito e acato habituais, impetrar

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

em face de ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, com endereço nesta Capital, à Rua João Pedro de Souza, nº 1025, expondo, para tanto, as razões que seguem:


I – DA LEGITIMIDADE ATIVA E DO CABIMENTO DO "WRIT" COLETIVO

1.

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL se constitui em serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tendo, dentre outras, a finalidade de promover, com exclusividade, a representação e defesa dos advogados em todo o território nacional (conf. art. 44, "caput" e inciso II, da Lei Federal nº 8.906, de 04 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB).

2.

Ao Conselho Seccional da OAB no Estado de Mato Grosso do Sul cabem, nos termos do art. 57, da Lei 8.906/94, as funções atribuídas ao Conselho Federal, dentre elas a de representar, em juízo ou fora dele, os interesses coletivos e individuais dos advogados inscritos em seu âmbito territorial (art. 54, II, do mesmo Estatuto), sempre representado por seu Presidente (arts. 59 e 55, § 1º, do Estatuto).

3.

Por seu turno, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXX, autoriza a impetração de mandado de segurança coletivo às entidades de classe, em defesa dos interesses coletivos de seus membros ou associados.

4.

Inegável, portanto, a legitimação ativa "ad causam" da OAB/MS para a impetração desta segurança coletiva em defesa dos interesses de todos os advogados sul-mato-grossenses, que pretendem deixar de recolher a CPMF, diante de inúmeras inconstitucionalidades do ato normativo que a estabeleceu.

5.

Espera-se, ainda, seja acolhida manifestação jurisprudencial do STJ, no sentido de que "as ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual é um imperativo do direito moderno. Através dela, o Poder Judiciário resolver controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isto faz o Judiciário mais ágil" (STJ-1ª Seção, MS 5.187-DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 24.9.97, DJU 29.6.98), bem como recente posicionamento do STF, no sentido de que "o objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do ‘writ’, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe" (RTJ 162/1.108).


II – O DIREITO LÍQUIDO E CERTO

6.

Os mais de 5.000 (cinco mil) advogados inscritos na OAB/MS (relação em anexo) são correntistas em estabelecimentos bancários situados no Estado de Mato Grosso do Sul.

7.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 21/99, estabeleceu-se a prorrogação da cobrança da CPMF, QUE NÃO DEVE SER RECOLHIDA PELOS ADVOGADOS INSCRITOS NA OAB/MS, diante da presença de inúmeros vícios jurídicos que devem levar à sua invalidação judicial.

8.

A cobrança daquela contribuição está a lesar, à toda evidência, direito constitucional fundamental dos advogados representados pela impetrante, direito este que pode ser comprovado de plano, consoante se verá a seguir, pelo que a cobrança, que se iniciou há duas semanas, há de ser vedada pelo Poder Judiciário, como forma de fazer prevalecer a Constituição da República, em detrimento do abuso do poder de legislar.

9.

Com efeito, não pode a autoridade apontada como coatora continuar a exigir o recolhimento da CPMF em relação à movimentação bancária dos advogados do Estado de Mato Grosso do Sul, por ser ela INCONSTITUCIONAL, de acordo com os seguintes fundamentos:

a) a Emenda 21/99 "prorrogou" a vigência das Leis 9.311/96 e 9.539/97, QUE NO MOMENTO DA PUBLICAÇÃO DA EMENDA NÃO ESTAVAM MAIS EM VIGOR, JÁ TENDO PERDIDO INTEGRALMENTE A EFICÁCIA. O que se vê, pois, na atualidade, é a tentativa desesperada das autoridades federais, inclusive e especialmente a autoridade apontada como coatora, no sentido de cobrar um tributo com base em LEIS INEXISTENTES;

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b) grave vício formal da Emenda 21/99 reside no fato de que na Câmara Federal o projeto sofreu alteração, com supressão de parte da proposta anteriormente aprovada no Senado, sem retorno do projeto ao Senado para deliberação, em afronta indesculpável ao art. 65, parágrafo único, da Constituição Federal;

c) a CPMF também impõe efetiva redução do salário, por parte daqueles que recebem por intermédio de Casas Bancárias. Quem recebe via depósito bancário recebe menos do que aquele que recebe em dinheiro, numa significativa desatenção a regra básica do Texto Constitucional (art. 7º, VI);

d) outra violação da Constituição reside no fato de que a autoridade coatora, para fiscalizar o recolhimento da CPMF, vem recebendo informações sobre a movimentação bancária dos advogados vinculados à impetrante, numa afrontosa e odiosa restrição à regra protetora do SIGILO BANCÁRIO, algo que sempre depende de autorização judicial, inexistente na hipótese em discussão;

e) o § 2º do art. 75 do ADCT, criado pela Emenda 21/99, padece do vício da inconstitucionalidade, por desatenção à regra do art. 167, IV, da CF/88. Segundo Kiyoshi Harada, "os dispositivos do corpo permanente da Constituição só podem ser excepcionados, de forma transitória, pelo próprio Poder Constituinte, tendo em vista a avaliação das circunstâncias e da conjuntura reinantes por ocasião da promulgação da Carta Magna. Não tem menor sentido e nem respaldo jurídico algum, passados mais de oito anos, inserir disposições transitórias àquela Carta Política, contrariando ou esvaziando, ao sabor dos interesses do momento, o conteúdo das disposições permanentes que conferem segurança aos indivíduos. Uma Constituição deve ter o sentido de perenidade, para dar segurança a todos e não permitir a supressão temporária dos efeitos desta ou daquela norma, sob pena de manter o cidadão em permanente estado de guerra" (cópia do texto em anexo);

f) segundo HUGO DE BRITO MACHADO, "a CPMF, não obstante tenha o nome de contribuição, na verdade é um imposto, e como não está entre os elencados pela Constituição, sua instituição configura exercício de competência residual. Aliás, isto restou induvidosamente reconhecido pelos próprios elaboradores da Emenda, com a afirmação de inaplicabilidade do art. 154, I, da Constituição" (cópia do texto em anexo). Sendo imposto, a CPMF, para obedecer o princípio da anterioridade da legislação tributária, só poderia ser cobrada no exercício financeiro seguinte;

g) também segundo aquele notável jurista, "não obstante estabeleça a Emenda Constitucional em exame que à CPMF não se aplica o art. 154, I, da Constituição, que contém exigências para o exercício da competência residual, penso que aquelas exigências não podem ser afastadas por Emenda Constitucional, por força do que estabelece o art. 60, § 4º, da Constituição. Assim, só por lei complementar pode a CPMF ser instituída. Não poderá ser cumulativa, nem poderá ter por fato gerador nem base de cálculo idênticos aos dos impostos elencados na Constituição. Nem poderá ser cobrada no mesmo exercício financeiro em que for publicada a lei que a instituir" (HUGO DE BRITO MACHADO, cópia do texto em anexo). Correto será considerar que já se paga IOF sobre a movimentação bancária, passando agora, sobre a mesma base de cálculo, a incidir a CPMF, sendo certo, ainda, que os contribuintes já declaram Imposto de Renda e a CPMF passa a ser recolhida sobre tais valores;

h) a instituição ou "prorrogação" da CPMF, via Emenda nº 21/99, ignorou (e por isto ela não pode ser cobrada) o PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA (art. 145, § 1º), em razão de ter dado tratamento idêntico a variadíssimos fatos da vida subjacentes às operações bancárias que os financiam, desprezando-se, indevidamente, as distinções sociais;

i) também deve ser considerado que desde o início da cobrança da CPMF, por força do art. 74 do ADCT, parte dela vem sendo desviada pelo Governo Federal, com evidentíssima violação do PRINCÍPIO DA VINCULABILIDADE DO TRIBUTO, já que ela foi instituída para gerar recursos para a área da Saúde Pública, não sendo isto, infelizmente, o que vem ocorrendo. Neste sentido já decidiu a Juíza Federal Vanessa Vieira de Mello, da 7ª Vara Federal de São Paulo, sustentando que "quando a Administração Pública determina a cobrança de uma determinada exação vinculando-a a uma respectiva receita, há um compromisso de utilização do que foi recolhido àquela destinação específica" (cópia da decisão em anexo);

j) a Juíza Federal Marisa Ferreira dos Santos também elencou interessante argumento pela inconstitucionalidade da CPMF, a saber: "a destinação do produto da arrecadação da CPMF é o custeio da Seguridade Social. A Constituição Federal elenca, em seu art. 195, as fontes de custeio da Seguridade Social, em seus incisos I a III. Novas fontes de custeio que não as elencadas naqueles incisos deverão ser instituídas por Lei Complementar. É o que estabelece o § 4º daquele artigo 195, ao fazer referência ao disposto no art. 154, I, da CF/88. A CPMF não se enquadra em nenhuma das hipóteses dos incisos do art. 195, de onde se conclui que se trata de nova fonte de custeio, submetida, por isso, aos ditames do § 4º e, consequentemente, ao art. 154, I. Sendo a instituição de nova fonte de custeio matéria reservada à Lei Complementar, torna-se evidente a inconstitucionalidade da exação questionada apenas pelo veículo legislativo utilizado para introduzi-la no mundo jurídico: Emenda Constitucional" (cópia da decisão em anexo).

10.

Basta de abuso do poder de legislar ! Deve ser impedida a cobrança da CPMF sobre a movimentação bancária dos advogados vinculados à impetrante, sob pena de desatenção à vontade do legislador constituinte originário, vontade esta que sabidamente deve ser preservada, diante da eficácia do princípio constitucional da SUPREMACIA HIERÁRQUICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, que vem sendo unanimemente reconhecido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (também quando se questiona a validade de Emenda, que está submetida às cláusulas pétreas), tal como se vê do seguinte julgado:

"A superioridade normativa da Constituição traz, ínsita, em sua noção conceitual, a idéia de um estatuto fundamental, de uma ‘fundamental law’, cujo inconstrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva instituída pelo Estado"

(RTJ 140/954, RE 107.869, Rel. Min. Célio Borja).

11.

CONVÉM QUE SE DIGA SER FIRME A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL QUANTO À INCONSTITUCIONALIDADE DA CPMF. A isto se chega pela ciência das inúmeras decisões anexadas à presente, sendo certo, inclusive, que o Dr. ODILON DE OLIVIERA, como noticiou a imprensa local, também já expediu liminar favorável a pessoa jurídica desta Capital. Apenas por amor à brevidade é que tais decisões não são transcritas nesta petição, esperando-se, no entanto, que as razões de decidir ali constantes sejam levadas em consideração por este D. Juízo.


III – DA NECESSIDADE DA CONCESSÃO DA LIMINAR

12.

Sendo evidentes as inconstitucionalidades apontadas, está presente o fumus boni juris, requisito ensejador da liminar requerida.

13.

Já o "periculum in mora" está presente no fato de que O INDEFERIMENTO DA LIMINAR LEVARÁ AO "SOLVE ET REPETE", QUE NÃO SE COADUNA COM A NATUREZA DO MANDADO DE SEGURANÇA E COM A PROTEÇÃO DADA AO CIDADÃO PELO ESTATURO JURÍDICO DO CONTRIBUINTE (capítulo constitucional do Sistema Tributário Nacional).

14.

Sabidos são os percalços que sofrerão os advogados vinculados à impetrante para obter a restituição dos valores pagos a título de CPMF, na hipótese do deferimento da segurança sem liminar, o que só reforça a premente necessidade da mesma.


IV – DO PEDIDO

15.

Pelo exposto, requer-se:

a) a concessão de medida liminar inaudita altera pars, para que não seja efetuada a retenção da CPMF sobre qualquer aplicação ou lançamento bancário realizado por todos os advogados vinculados à impetrante, autorizando-se que os próprios advogados, mediante fotocópia autenticada, venham a cumprir a decisão, oficiando-se diretamente apenas em caso de recusa ao seu cumprimento;

b) seja determinada a notificação da autoridade coatora para que preste as informações cabíveis, no prazo legal;

c) a intimação do Ministério Público;

d) finalmente, prestadas ou não as informações,

requer-se seja concedida em definitivo da segurança ora requerida, para, proclamada a desvalia jurídica do ato impetrado, determinar sua cassação, reconhecendo-se, "incidenter tantum", ser inconstitucional a cobrança da CPMF (estabelecida pela Emenda 21/99), determinando-se à autoridade coatora, em definitivo, a proibição de exigir aquele tributo dos advogados vinculados à impetrante.

16.

Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais).

Pede-se deferimento.

Campo Grande, 28 de junho de 1999.

André L. Borges Netto


OAB/MS 4.869-E
Sobre os autores
André Luiz Borges Netto

advogado constitucionalista em Campo Grande (MS), professor universitário, mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES NETTO, André Luiz; PERON, Rafael Saad. Mandado de segurança contra a nova CPMF (2). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16194. Acesso em: 22 dez. 2024.

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