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Ação civil pública contra racionamento em Marília (SP), cuja liminar foi concedida

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Agenda 01/04/2001 às 00:00

DA LEGITIMIDADE E DO INTERESSE DE AGIR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

            Assim dispõe a Constituição Federal:

            "Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

            "Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

            ....................................

            II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

            III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

            ....................................

            IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas." (grifei)

            A vontade legislativa que inspirou este dispositivo, mesmo antes de sua existência, já se manifestara na Lei n.º 7.347 de 24.07.1985, que trouxe ao ordenamento jurídico a chamada ação civil pública para defesa dos direitos transindividuais e indivisíveis, assim entendidos os chamados direitos e interesses individuais e coletivos.

            A Constituição de 1988, além de reafirmar o que a legislação ordinária já contemplava, permitiu ao Ministério Público o exercício de outras funções institucionais, desde que atento às suas finalidades.

            Assim, no presente caso, compete ao Ministério Público Federal a defesa dos interesses de um número indeterminado de pessoas, cuja segurança e direitos se encontram ameaçados pela desastrosa Resolução n.º 4 do GCE e demais medidas ilegais e inconstitucionais adotadas pelas rés visando supostamente solucionar a crise energética que assola o País.


DO ÂMBITO DE PRODUÇÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES (3)

            A presente ação civil pública visa combater medidas adotadas pela União e ANEEL que possuem efeitos em âmbito nacional.

            Assim, as decisões que suspenderem a eficácia destes preceitos também deverão ter âmbito nacional, afastando-se o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública que, ao restringir os efeitos da sentença aos "limites da competência territorial do órgão prolator" é ineficaz e inconstitucional.

            Sobre o tema, muito bem aduziu o Procurador da República André de Carvalho Ramos:

            " (...). Esta é a sistemática da tutela coletiva em nosso país, que traduziu-se pela adoção da teoria da coisa julgada secundum eventum litis.

            "A eficácia ultra partes e erga omnes da coisa julgada relacionam-se com os limites subjetivos desta, já que os interesses tratados pela ação coletiva são em geral indivisíveis pela sua natureza ou pela política legislativa favorável a uma efetiva tutela de direitos.

            "Tal teoria da coisa julgada, adotada pelo legislador infraconstitucional (CDC e LACP), dá substância ao princípio constitucional da universalidade da jurisdição e do acesso à justiça.

            "E a decorrência do tratamento coletivo das demandas é o sistema de substituição processual (ou legitimação adequada, concorrente e disjuntiva), que possibilita a tutela destes interesses transindividuais por entes como Ministério Público.

            "Se o autor é substituto processual de todos os interessados, não se pode limitar os efeitos de sua decisão judicial àqueles que estejam domiciliados no estrito âmbito da competência territorial do Juiz.

            "Como salienta o douto Ernane Fidélis dos Santos, ‘nas hipóteses de substituição processual, sujeito da lide é o substituído, sofrendo as conseqüências da coisa julgada’.

            "Isso pois o caso de limitação seria não de competência, mas de jurisdição. Se o Juiz de 1º Grau pode conhecer da ação de um substituto processual como o Ministério Público, deve sua decisão valer para todos os substituídos.

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            "Isso pois, como esclarece a douta Juíza Federal Marisa Vasconcelos, ‘não é critério determinante da extensão da eficácia da coisa julgada material, na ação civil coletiva, a competência territorial do órgão julgado, mas o contrário, o critério determinante dessa extensão reside na amplitude e na indivisibilidade do dano ou ameaça de dano que se pretende evitar’(4).

            "Nas lides coletivas fica patente que o Juiz, ao prolatar decisão benéfica, atinge com isso todos que se encaixem na situação objetiva analisada. Destarte, a real extensão da aplicação da decisão judicial, seja ela definitiva, seja ela provisória, não deve limitar-se ao âmbito regional de competência territorial do órgão prolator. Tal competência territorial só é utilizada para fixar qual Juiz deve conhecer e julgar a causa.

            (...)

            "Assim, o efeito erga omnes da coisa julgada é conseqüência da aceitação da forma coletiva de se tratar litígios macrossociais. Não pode ser restringido tal efeito por lei ou por decisão judicial sob pena de ferirmos a própria Constituição do Brasil.

            (...)

            "Com isso, fica demonstrado que se a Constituição Brasileira, dentro do modelo do Estado Democrático de Direito abraçado, busca, antes de tudo, o acesso à justiça, sendo decorrência disso o tratamento coletivo das demandas. Nada mais certo que a ampliação dos efeitos benéficos de decisão judicial para todos os interessados.

            "Ainda são atendidos outros princípios constitucionais, em virtude da identidade de prestação jurisdicional a indivíduos que se encontram em condições iguais, respeitando-se, então, o princípio da isonomia.

            "Assim sendo, a Lei 9.494/97, que converteu em lei a MedProv 1.570 é inócua. A competência territorial serve apenas para fixar a competência do juízo. Os efeitos da decisão do Juiz são limitados somente, como frisei, pelo objeto do pedido, que quando for relativo aos interesses transindividuais, atingem a todos os que se encontram na situação objetiva em litígio, não importando onde o local de seu domicílio.

            "Competente o juízo, então, devem os efeitos da decisão espalharem-se para todos os substituídos, tendo em vista todos os argumentos acima expostos.

            (...)

            "Urge, então, a desconsideração do art. 2º da Lei 9.494/97, para a preservação da tutela coletiva de direitos no Brasil."

            (A Abrangência Nacional de Decisão Judicial em Ações Coletivas: O caso da lei 9.494/97 in Revista dos Tribunais, v. 755 (set/98), p.115)

            O brilhante Procurador cita dois precedentes jurisprudenciais a corroborar a sua posição:

            "O Banco Mercantil de São Paulo S/A ajuizou a presente reclamação, alegando que, na Ação Civil Pública 580.262-2, que lhe moveu o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor-IDEC, o 1º TACivSP, pela sua 11ª Câm., declarou a inconstitucionalidade, em relação a alguns aspectos da Lei 7.730/89, com efeito erga omnes, para todo o território nacional, ampliando, assim, a competência da Justiça local e dando-lhe a possibilidade de fixar normas para todo o Brasil em matéria de inconstitucionalidade de lei.

            (...)

            "Afastadas que sejam as mencionadas exceções processuais -- matéria cujo exame não tem aqui cabimento -- inevitável é reconhecer que a eficácia da sentença, no caso, haverá de atingir pessoas domiciliadas fora da jurisdição do órgão julgador, o que não poderá causar espécie, se o Poder Judiciário, entre nós, é nacional e não local. Essa propriedade, obviamente, não seria exclusiva da ação civil pública, revestindo, ao revés, outros remédios processuais, como o mandado de segurança coletivo, que pode reunir interessados domiciliados em unidades diversas da federação e também fundar-se em alegação de inconstitucionalidade de ato normativo, sem que essa última circunstância possa inibir o seu processamento e julgamento em Juízo de primeiro grau que, entre nós, também exerce controle constitucional das leis." (STF, Reclamação n.º 602-6/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão).

            "Entretanto, há que ser analisadas quais seriam as conseqüências da alteração legislativa engendrada pelo Poder Executivo por intermédio da Lei n. 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei n. 7.347/85, para limitar seu poder de ação aos limites de competência territorial do órgão prolator. (...)

            "Não há dúvida que, em certos casos, tal restrição aos limites objetivos da coisa julgada em ação civil pública traduz-se em flagrante retrocesso, especialmente quando se tem em mente que esse tipo de processo é essencial à manutenção da Democracia e do Estado-de-direito. Por outro lado, ele tem o condão de evitar que decisões conflitantes surjam ao redor desse país continental, inviabilizando políticas públicas relevantes, tomadas no centro do poder.

            (...)

            "No caso em exame, entretanto, não me parece que esteja havendo abuso na concessão da liminar ora atacada. É preciso ter em mente que o interesse em jogo é indivisível, difuso, não sendo possível limitar os efeitos da coisa julgada a determinado território.

            "Perceba-se que a portaria impugnada foi editada por autoridade com competência nacional e sua área de ação também pretende ser nacional. Por sua vez, ou autor da demanda é o Ministério Público Federal, que é uma entidade una, cuja área de atuação, por sua vez, também abrange todo o território nacional.

            "Assim, não me parece atender aos encômios da boa jurisdição exigir-se a propositura de tantas ações civis públicas quantas forem as subsidiárias da TELEBRAS.

            "Isso posto, recebo o presente recurso em seu efeito meramente devolutivo" (TRF-3.ª Região, 4.ª Turma, Agin n.º 98.03.017990-0, Relator Juiz Newton de Lucca).

            O mesmo sentido, também já decidiu o Egrégio Tribunal Regional da 4.ª Região:

            "ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DO SUS. TABELAS DE REMUNERAÇÃO. ACRÉSCIMO DE 9,56%. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO SUSPENSIVO DENEGADO. AGRAVO REGIMENTAL.

            A modificação da redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 9.494/97, desacompanhada da alteração do art. 103 da Lei n.º 8.078/90, por parcial restou ineficaz, inexistindo por isso limitação territorial para a eficácia "erga omnes" da decisão prolatada em ação civil pública, baseada quer na própria Lei nº 7.347/85, quer na Lei nº 8.078/90.

            Decisão recorrida que se mantém por ausência de razões que determinem sua reforma" (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1999.04.01.091925-5/Rs, Relator Juiz Valdemar Capeletti).

            Diante de todo o exposto, reconhecida a ineficácia e inconstitucionalidade do art. 16 da Lei n.º 7.347, alterado pela Lei nº 9.494/97, a tutela antecipada e a sentença proferidas na presente ação deverão produzir efeitos em âmbito nacional.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Jefferson Aparecido. Ação civil pública contra racionamento em Marília (SP), cuja liminar foi concedida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16414. Acesso em: 17 mai. 2024.

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