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Ação civil pública contra racionamento em Marília (SP), cuja liminar foi concedida

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01/04/2001 às 00:00
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DA TUTELA ANTECIPADA

            O objeto da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que sejam eliminadas de nosso ordenamento jurídico os preceitos contidos na Resolução n.º 4, do GCE (ou outros atos normativos que venham a ser editados com o mesmo teor) que determinam: 1) o corte do fornecimento de energia elétrica para as pessoas que não cumprirem as quotas nela estabelecidas; 2) a cobrança de sobretaxas para as pessoas que consumirem acima das quotas estabelecidas na Resolução e; 3) mantida a cobrança das sobretaxas, que elas sejam adequadas e cobradas de forma a não representarem medida confiscatória.

            Porém, para que o provimento jurisdicional possua utilidade e efetividade, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, além da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, necessária a concessão de tutela antecipada para suspender os combatidos preceitos da Resolução n.º 4, do GCE, bem como outros atos normativos no mesmo sentido que venham a ser editados, compelindo as rés a não promoverem ou determinarem o corte do fornecimento de energia elétrica e a cobrança de sobretaxas ou, ao menos, que a sobretaxa seja cobrada da forma acima defendida.

            A Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ao dar nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pleito inicial:

            "Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

            I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

            II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu."

            Sobre o tema em tela, o ilustre processualista Cândido Rangel Dinamarco aduz:

            "O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males do tempo no processo." (in "A Reforma do CPC", 2ª ed., ver. e ampl., São Paulo, Malheiros Editores, 1995).

            Por conseguinte, trata-se o instituto da tutela antecipada da realização imediata do direito, já que dá ao autor o bem por ele pleiteado. Dessa forma, desde que presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, a prestação jurisdicional será adiantada sempre que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

            Assim, verificamos que as condições para que o magistrado conceda a tutela antecipada, são: a) verossimilhança da alegação; b) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e, comentando tais requisitos, o Juiz Federal Teori Albino Zavascki pondera que:

            "Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (...) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade" (Antecipação da Tutela, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, fls. 75-76).

            Araken de Assis, em sua obra "Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela", Ed. Revista dos Tribunais, p. 30, assevera que "a verossimilhança exigida no dispositivo se cinge ao juízo de simples plausibilidade do direito alegado em relação à parte adversa. Isso significa que o juiz proverá com base em cognição sumária".

            Assim, o juízo de verossimilhança reside num juízo de probabilidade, resultante da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis. Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta.

            Mister analisar que na ação civil pública a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior já que com ela visa-se tutelar interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu, bens de vida de toda sociedade, como ocorre no presente caso.

            Nessa esteira, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, em seu monumental Código de Processo Civil Comentado, comentam:

            "3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461, § 3°, com a redação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a antecipação da tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações de conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer. V. coment. CPC 273, 461, § 3° e CDC 84, § 3° ." (3ª edição, revista e ampliada, Revista dos Tribunais, 1997, p. 1.149)

            No caso em tela, os requisitos exigidos pelo diploma processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se devidamente preenchidos.

            A existência do fumus boni iuris mostra-se clara, visto que há límpida inobservância de diversos princípios constitucionais fundamentais, da defesa do consumidor, bem como de diversas normas egais.

            A urgência, ou periculum in mora, também restou caracterizada tendo em vista que as medidas ora guerreadas entram em vigor a partir de 04 de junho do corrente, quando serão efetivamente aplicadas, o que certamente imporá grandes sacrifícios à coletividade, causando-lhe inevitavelmente danos irreparáveis ou de difícil reparação. Além do mais, cabe analisar que milhares de pessoas encontram-se na situação narrada nos autos.

            Portanto, está em jogo questão de interesse público, de toda uma coletividade, com direito verossímil, face às provas acostadas, devendo-se assim privilegiar este, com fulcro no princípio da supremacia do interresse público, antecipando-se a tutela pretendida.

            Assim, presentes os requisitos necessários à concessão da tutela antecipada, requer o Ministério Público Federal, com espeque no art. 12 da Lei n.º 7.347 de 24 de julho de 1985, o seu deferimento, inaudita altera parte, para os fins de suspender os combatidos preceitos da Resolução n.º 4, do GCE, bem como outros atos normativos no mesmo sentido que venham a ser editados, compelindo as rés a não promoverem ou determinarem o corte do fornecimento de energia elétrica e a cobrança de sobretaxas ou, ao menos, que a sobretaxa seja cobrada de forma não-confiscatória, tudo nos termos do acima sustentado.

            Requer-se ainda, com supedâneo no art. 12, § 2.º, da Lei n.º 7.347/85, para o caso de descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa diária em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e para cada corte ou cobrança indevida realizada, quantia mínima necessária para que se tenha um eficiente meio de pressão sobre as rés, com o fito de que sejam compelidas a cumprir a decisão proferida.


DOS PEDIDOS

            Concedida a tutela antecipada pleiteada, no mérito, o Ministério Público Federal requer:

            1) a citação das rés, para, querendo, contestar a ação, sob pena de revelia;

            2) seja a ação julgada procedente para o fim de ANULAR os preceitos que determinam:

            a) o corte do fornecimento de energia elétrica para as pessoas que não cumprirem os percentuais de redução de consumo previstos nas Resoluções da GCE e demais atos normativos que venham a ser editados;

            b) a cobrança de "sobretaxas" para as pessoas que excederem certos limites de consumo mensal ou, caso mantida a sua cobrança, que elas sejam cobradas em percentuais que não configurem confisco, observando-se o princípio da razoabilidade, conforme sustentado nesta inicial;

            3) sejam as rés condenadas à obrigação de não-fazer consistente em não determinarem ou realizarem o corte do fornecimento da energia elétrica ou a cobrança de sobretaxas conforme acima requerido;

            4) seja fixada multa diária para o caso de descumprimento da sentença proferida, em valor fixado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 10.000,00 por dia, por cada corte ou cobrança indevida realizada.

            Protesta pela produção posterior de outras provas juridicamente admitidas.

            Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins fiscais.

            Termos em que,

            Pede deferimento.

            Marília, 23 de maio de 2001.

JEFFERSON APARECIDO DIAS
Procurador da República


NOTAS

            1. Celso Antonio Bandeira de MELLO, Curso de direito administrativo, p. 71.

            2. Constituição de 1934: Art 113 ... 2) Ninguem será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei"

            Constituição de 1946: Art. 141 ... § 2.º Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

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            Constituição de 1967: Art. 150 ... § 2.º Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"

            Constituição de 1967 com a redação dada pela Emenda Constitucional n.º 1/1969: Art. 153 ... § 2.º Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"

            Constituição de 1988: Art. 5.º ... II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

            3. Tópico elaborado com base no sustentado na Ação Civil Pública n.º 2000.71.00.009347-0, em curso na 36.ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), proposta pelos Procuradores da República Drs. Paulo Gilberto Cogo Leivas e Marcelo Veiga Beckhausen.

            4. Decisão proferida pelo Juízo da 18ª Vara Federal de São Paulo confirmando amplitude nacional à liminar proferida contra a TELEBRAS na ACP nº 97.0047171-3 promovida pelo MPF em defesa dos consumidores do serviço público de telefonia. Veja, na continuação do texto, a decisão do TRF3ªR que manteve essa decisão.

     

              

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MARÍLIA (SP)

          EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 2.ª VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA EM MARÍLIA (SP)

          "Não é urgência.: é negligência. O anúncio do colapso energético foi feito desde o começo do atual governo" (Fábio Konder Comparato, Professor da Faculdade de Direito da USP, ao dizer que não há urgência na situação que justifique uma medida provisória para remediá-la)

          "Suponhamos que a população aceite tudo que eles querem. Isso nos livra do apagão? Não. A situação é resultado de incúria, imprevidência e negligência do governo" (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Professor Titular da USP, sobre eficácia das medidas a serem adotadas no racionamento)

          "Truculento e autoritário. Ninguém pode ser punido por recorrer a Justiça. Ele (David Zylbersztajn) que vá ao Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de constitucionalidade para que não pairem dúvidas sobre a legalidade do pacote" (Plínio José Marafon, Advogado Tributarista, sobre a declaração do Diretor-Geral da ANP, David Zylbersztajn, de que quem for à Justiça contra o racionamento vai ganhar o apagão)

          Processo n.º 2001.61.11.001422-9

          AÇÃO CIVIL PÚBLICA

          O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, vem mui respeitosamente perante Vossa Excelência, expor e requerer o seguinte:

          No último dia 23 de maio de 2001 foi proposta a referida Ação Civil Pública em face da UNIÃO FEDERAL e AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL), visando a anulação dos preceitos determinantes de corte e sobretaxa de energia elétrica, contidos na Resolução n.º 4, da GCE e a imposição de obrigação de não-fazer às rés.

          Ocorre que, naquela mesma data, foi publicada a Medida Provisória n.º 2.148-1, de 22 de maio de 2001, que contém os mesmos gravames da Resolução mencionada, contendo, ainda, mais ilegalidades e contrariedades à Constituição.

          Em face disto e visando evitar que o objeto da presente ação se perca, tem a presente o fim de EMENDAR A INICIAL apresentada, nos seguintes termos:

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Sobre o autor
Jefferson Aparecido Dias

juiz de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Jefferson Aparecido. Ação civil pública contra racionamento em Marília (SP), cuja liminar foi concedida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16414. Acesso em: 26 abr. 2024.

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