Conclusão
1.Assente a noção de que há discriminação na sociedade, nada mais justo que tentar reduzi-la. Mas, se a discriminação existe e as políticas para amenizá-la são tão necessárias, como a reserva de vagas para negros e pardos conseguiu amontoar tantos opositores? É porque na política brasileira sempre se procura resolver as coisas da maneira mais fácil, de preferência de um jeito bastante populista, que renda votos. Se o Brasil tem fome, a solução são os restaurantes populares. Se inexiste poder aquisitivo para comprar fármacos, farmácias populares; se a criminalidade está em alta, a ordem é polícia aprisionar e matar marginais; por fim, se a Universidade Pública exige um bom nível do aluno, a solução consiste em fazer o nível baixar.
2.Esse é o primeiro erro da reserva de vagas: ela não leva o aluno à universidade, mas faz o contrário, leva a universidade ao aluno. Não é o aluno negro, carente, vindo de escolas ruins que melhorou o seu nível de aprendizado, mas a universidade que reduziu seus requisitos para colocar esse aluno lá. Trata-se de uma boa justificativa para uma péssima idéia: vamos acabar com a discriminação colocando, na marra, o aluno negro na universidade pública. A primeira conseqüência disto será a dificuldade em adequar esses novos estudantes ao ritmo da universidade pública, acostumada que está com alunos muito bons. Mas não se diga que a adequação deverá ser feita só pelos professores – e estes precisarão reavaliar seu projeto pedagógico -, os alunos terão sua parte nessa empreitada. Imaginemos que estranha sala será aquela onde se misturam alunos preparadíssimos e outros nem tanto. É mais ou menos como dar computadores de última geração a duas pessoas: uma delas tem inúmeros cursos de informática e a outra está acostumada com máquina de escrever, será que o resultado será o mesmo? Equivoca-se, portanto, o Impetrado ao achar que todo branco é rico e que todo negro é pobre. Equivoca-se, igualmente, por acreditar que colocar um negro na universidade pública será o passaporte para seu futuro melhor. Quando for percebido que o remédio escolhido para acabar com a discriminação não faz efeito, quando a formação universitária não for suficiente para garantir o sucesso pessoal de cada um – e, realmente, não é apenas a universidade que garante isso -, então vamos esperar que façam uma reserva de vagas para negros nas Assembléias Legislativas, nas vagas dos concursos para juízes, nos Exames de Ordem da OAB. Seria isso razoável?
3.O dever do Estado de acabar com a discriminação deveria percorrer o caminho óbvio e difícil, que é o de dar uma boa educação no ensino primário – aquele que não reprova – e no ensino médio – aquele onde os professores ganham uma miséria. Não é preciso mágica, tampouco gambiarras ou esmolas. Todos sabem: a boa educação global é o caminho mais viável para garantir a todos os cidadãos um futuro melhor. E a boa educação não começa no ensino superior, aí já é tarde demais. Ademais, a boa educação não deve ser um privilégio, seja de pobres ou ricos. Não é preciso ser um gênio para dizer que o bem mais precioso de cada cidadão é o seu conhecimento. E enquanto a política nacional de educação atropelar o conhecimento, acreditando que só o diploma salva, vamos precisar reservar muito mais do que vagas para que os excluídos tornem-se parte da mui igualitária sociedade brasileira.
4."Causas grandes e difíceis produzem más leis" disse o inexcedível justice OLIVER WENDELL HOLMES JR., em 1904. Isto porque, em tais circunstâncias, um interesse avassalador "apela aos sentimentos e distorce o julgamento". Ora, não há nada mais abominável e avassalador do que a injustiça da exclusão social que resulta da pobreza e do preconceito — racial, religioso, étnico ou qualquer outro. E nada apela mais ao sentimento do que a idéia de reparação dessa injustiça. No entanto, a indignação, por si só, não assegura que os meios concebidos para a reparação sejam necessariamente os mais corretos para se alcançar os fins visados.
5.Os objetivos da Resolução nº 01/04 da Universidade Federal da Bahia são certamente louváveis. Mas o instrumento jurídico concebido, sobre ser inconstitucional e ilegal é inaceitável e contraproducente. O "sistema de cotas" para o acesso ao ensino superior é, em última análise, um mecanismo de engenharia social que se legitimaria, segundo seus defensores, porque discrimina "positivamente" os cidadãos com o objetivo de alcançar a igualdade material. Ora, sabe-se que em determinadas áreas do conhecimento humano, como nas artes (musica), esportes, cultura etc, predominam e pontificam, não só no Brasil como nos demais países, como grandes nomes, pessoas de cor negra. Nem por isso se há que imaginar um "sistema de cotas", obrigando a que, nas ‘paradas de sucesso’, apareçam percentuais pré-estabelecidos de ‘músicas de brancos’. Nos esportes como o boxe, o futebol, o basquetebol, idem. E a razão é muito simples: TALENTO NÃO TEM COR, o mesmo podendo se dito quanto ao conhecimento. Paradoxalmente, porém, o "sistema de cotas" reproduz e perpetua as mesmas discriminações que pretende combater. Pior do que isso. Ampara em critérios raciais — ou étnicos — que, não obstante as boas intenções de seus defensores, acabam por engendrar novos modelos de "separação", de "segmentação" e de "classificações" da população com base na raça ou na etnia. Dai resulta o reaparecimento da "raciologia", de "especialistas" reunidos em "comissões de class racial", como é notório por força do caso da Universidade de Brasília (UnB), que também introduziu as "cotas". Ou seja, as "cotas", como conclui o antropólogo PETER FRY, "introduzem o racismo", "celebram e consolidam divisões raciais". Enfim, há sérios riscos de chegarmos à deflagração de algum tipo de ódio racial. Dirão, é certo, os defensores das cotas, que esse é o preço a pagar para alcançar a igualdade "real". Esse preço, todavia, é alto demais. Nossa Constituição não autoriza pagá-lo pois há, sem dúvida alguma, medidas menos dramáticas e menos estigmatizantes para alcançar a igualdade material.
Notas
1 Esse dado foi publicado pelo IBGE, com base no último censo do órgão, referente ao ano 2000. De acordo com as informações coligidas no Brasil há 16.294.889 analfabetos com mais de 15 anos e que a maior parte (7.939.568) tem mais de 50 anos de idade. O estado com maior número de analfabetos é a Bahia (2.057.907), seguido de São Paulo (1.810.618), o que, comparando a população dos dois Estados, revela a quantas anda a Educação neste Estado da Federação.
2 ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, Trad. de Pietro Nasseti - São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 109.
3 MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional – 11ª Edição – São Paulo: Atlas, 2002, p. 64
4 MORAES, op.cit. loc. cit.
5 BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades – 6ª Edição – Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 60.
6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo – 19ª Edição – São Paulo: 2001, p. 227.
7 SISS, Ahyas. A educação e os afro-brasileiros: algumas considerações. In: Educação e Cultura: pensando em cidadania / Maria Alice Gonçalves (org.) – 1ª Edição – Rio de Janeiro: Quartet, 1999.
8 PIOVESAN, Flavia. STF e a Diversidade Racial. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 3 de março de 2005.
9Executive Order 10. 925.
10 No original: "No person in the United States shall, on the ground of race, color excluded from participation in, be denied the benefits of or be subjected or activity receiving federal financial assistance".
11 "We seek not.. . just equality as a right and a theory but"
12 Stephen Cahn, The History ofAffirmative Action, 1995.
13 Regents of the University of California versus Bakke, 438(1978).
14 Descendentes de imigrantes de fala latina.
15 Gruiter v. Boilinger, 539 U.S. 306 2003.
16 No original: "Our Nation was founded on tire principle that ‘all men are created equal’. Yet candor requires acknowledgement that the Framers of our Constituition, to forge the 13 Colonies into one Nation, openly compromised this principle of equality with its aantithesis: slavery."
17 LEI 7.716 de 1989, de 5 DE JANEIRO DE 1989 [Define os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor]
O Presidente da República, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 9.459, de 13.05.1997)
"Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor."
Art. 2º. (Vetado).
Art. 3º. Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Art. 4º. Negar ou obstar emprego em empresa privada: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Art. 5º. Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador: Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.
Art. 6º. Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau: Pena: reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos. Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de 18 (dezoito) anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).
(...)
Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a 3 (três) meses.
Art. 17. (Vetado).
Art. 18. Os efeitos de que tratam os artigos 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.
Art. 19. (Vetado).
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
§ 1º. Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 2º. Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
§ 3º. No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
§ 4º. Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 9.459, de 13.05.1997)
Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 22. Revogam-se as disposições em contrário.
JOSÉ SARNEY
18 "Imitação Barata", Folha Dirigida, RJ, 15.10.2002.
19 No original: "It may be assumed that the reservation of a specified number of seats in each class for individual from the preferred ethnic groups would contribute to the attainment of considerable ethnic diversity in the student body. But petitioner’s argument that this is the only effective means of serving the interest of diversity is seriously flawed. In a most fundamental sense, the argument misconceives the nature of the state interest that would justify consideration of race or ethnic background. It is not an interest in simple ethnic diversity, in which a specified percentage of the student body is in effect guaranteed to be members of selected ethnic groups, with the remaining percentage of undifferentiated aggregation of students. The diversity that furthers a compelling state interest encompasses afar broader array of qualifications and characteristics, of which racial or ethnic origin is but a single, though important, element. Petitioner‘s special admissions program, focused solely on ethnic diversity, would hinder, rather than further, attainment of genuine diversity."
20 BARROSO, "Racismo e papel da Universidade" Jornal do Brasil, 28.2.2003.
21 Cor, raça e origem no Brasil, 29.4.1999.
22 "Preconceito Racial de Marca e Preconceito Racial de Origem", em Tanto Preto Quanto Branco Estudos de Relações Sociais, S Paulo, T.A. Queiro z Editor, 1985.
23In "O Princípio da Igualdade em Perspectiva Histórica: conteúdo, alcance e direções", RDA, Rio de Janeiro, 211:241-269,jan/mar. 1998.
24 In "Los derechos en serio", Barcelona, Anel, 1989, pp. 327/348.
25 Coimbra, Livraria Almedina, 1993
26 Brasília Jurídica, 2002, p. 251 e seguintes.
27 In "El principio de proporcionalidade y los derechos fundamentales", Madrid, CEPC, 2003, p.. 36