III.Contra-razões genéricas:
Rebate-se aqui, genérica e articuladamente, todos os argumentos da recorrente, dando, assim, uma visão geral da improcedência dos mesmos.
1.Mesmo que os SVA (Serviços de Valor Adicionado) fossem considerados SDT (Serviço de Telecomunicações) e a Anatel, ao tratar de deste último tipo de serviço, o tivesse regulamentado exaustivamente, ainda assim o CDC não poderia ter sua aplicação afastada, em virtude da hierarquia das normas, já bem lembrada pela apelante, e em razão da origem constitucional da lei protetiva. Como o SVA não é essencial, com maior razão o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado a ele. Assim, a solicitação prévia deste serviço pelo consumidor é sim necessária, sob pena de o consumidor não estar obrigado a pagar por ele (inteligência do artigo 39, III, e p. único, do CDC).
2.A facilidade de acesso aos serviços de telecomunicações, sem qualquer discriminação, não dá direito às concessionárias de disponibilizar (oferecer, enviar, prestar), sem solicitação prévia e expressa o próprio SPET (Serviço Público Essencial de Telefonia). Se assim o é em relação a este serviço público considerado essencial, com muito maior razão deve ocorrer com o serviço essencialmente privado e de interesse exclusivamente comercial e econômico.
3.O fato de a rede de telefonia dar suporte ao SVA não significa que este serviço deva ser disponibilizado para todos os consumidores pelo simples motivo de que eles já são usuários do SPET. Este serviço essencial dá suporte a muitos outros serviços ligados diretamente a ele, como secretária eletrônica, siga-me (que facilita em muito o serviço), bloqueio para chamadas a cobrar e interurbanos, sem que isso signifique que estes serviços possam estar disponibilizados para o usuário sem sua prévia e expressa solicitação.
4.Apesar do serviço de valor adicionado não se confundir, como dito, com Serviço Público Essencial de Telefonia, ele só é prestado com a colaboração e participação imprescindível da recorrente, tanto é verdade que para a consecução do mesmo é firmado entre o provedor e a recorrente "Contrato de Prestação de Serviço de Valor Adicionado", a exemplo do que ocorria com os serviços DDD e DDI que, para serem possíveis, a Embratel precisava da concorrência da apelante com a qual firmava contrato de prestação de serviços, com base no "Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado" aprovado pela Anatel através da Resolução nº 85, de 30 de dezembro de 1998.
Em razão deste contrato, a apelante, mediante remuneração, executava algumas atividades para a Embratel, (permissão de uso da linha dela, cobranças, bloqueio e desbloqueio do SDT ao usuário inadimplente, etc.). O consumidor, por sua vez, não sabendo sequer da existência da Embratel, contratava (solicitava previa e expressamente) o Serviço Público Essencial de Telefonia com a apelante, mesmo quando queria fazer chamadas DDD e DDI.
O que ocorria com o serviço prestado para a Embratel ocorria com os serviços prestados para os provedores, isto é, ele só chegava até o consumidor com a concorrência da recorrente que deveria com ele (usuário) contratar esse serviço. Ocorre, porém, que, sem qualquer solicitação prévia, a apelante disponibilizava o SVA ao consumidor, cobrava por ele, suspendia o SPET se o pagamento referente a este serviço não fosse pago e bloqueava o SVA, caso o consumidor solicitasse e pagasse pelo bloqueio, para se livrar de um serviço não desejado. Por aí se vê que, perante o consumidor, só aparecia a recorrente que disponibiliza (sem solicitação prévia), o serviço, cobrava por ele, bloqueava-o ou desbloqueava. Como constatou o magistrado, ela tinha domínio total sobre o SVA, de onde advém a sua responsabilidade.
Não há que se falar na responsabilidade dos provedores, que não tinham sequer poder de determinar à recorrente a quem ela deveria disponibilizar o SVA. Mesmo que os provedores solicitassem à recorrente que ela disponibilizasse o SVA tão somente a um grupo de consumidores que com eles tivessem contratado, ainda assim, a apelante disponibilizaria para todos, sob o falso argumento de que o serviço de telefonia é livre para todos e que todos os serviços são conseqüências lógicas da obrigação dela de prestar, sem discriminação, o SDT, não podendo ela restringir aos consumidores o acesso a qualquer serviço (mesmo que não seja de telecomunicação).
Analisada como realmente as coisas aconteciam, não há como aceitar que a apelante tão somente disponibilizava a rede de telecomunicações aos provedores, que dela se utilizavam como bem queriam, para oferecer o SVA. O contrato firmado entre a Teleceará e os provedores para a prestação dos serviços 900, 0900 e 145 demonstra claramente como a coisa acontecia em todo o Brasil. Diante disto, não há como deixar de responsabilizá-la pelos prejuízos causados aos usuários pela imposição do SVA sem a solicitação prévia e pela cobrança abusiva feita, impondo-lhe o dever de devolver, em dobro e devidamente atualizados, todos os valores recebidos.
5.O fato de a recorrente ser obrigada, através de normas da Anatel, a dar suporte e a cobrar pelas chamadas de longa distância nacionais e internacionais, não a autorizava a oferecer, sem solicitação, o SVA, nem a cobrar por ele, de maneira ilegal e coercitiva.
Uma coisa é a cobrança de um SPET, que fora prestado regular e legalmente, outra é a cobrança abusiva de um serviço eminentemente privado e sem qualquer relevância pública.
O alegado repasse integral à Embratel dos valores arrecadados com a execução das chamadas DDD E DDI não retira da apelante qualquer responsabilidade em relação ao SVA. A ocorrência destes repasses não significa que a apelante nada recebia da Embratel pela cessão da rede de telefonia para a execução das referidas chamadas nacionais e internacionais e pelas cobranças feitas, tanto é que a mesma alegou mas não comprovou que os repasses para a referida concessionária eram integrais. Tudo, sem dúvida, era devidamente remunerado, o que ocorria com o SVA, como demonstra o modelo de contrato usado pela Teleceará para contratar com os provedores os serviços prestados através do 0900, 900, 145, etc. Em relação a ele, a apelante, além de receber pela cessão da rede e da linha (aluguel) e pelas cobranças feitas, ainda recebia pelas ligações efetuadas para obtenção deste serviço, bem como, um percentual de 25% dos valores que os provedores faturavam com o SVA que prestavam em concorrência com ela, recorrente.
6.A atuação da recorrente, como prestadora de serviço (independentemente de ser tal serviço público ou não), deve pautar-se pelos preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor, que estabelece normas de ordem pública e interesse social.
O fato de a apelante fornecer serviço público essencial aumenta sua responsabilidade, obrigando-a a cumprir não só o CDC mas também, em relação ao SPET, a Lei de Telecomunicações e os regulamentos expedidos pela agência reguladora.
A norma da Anatel que obriga a apelante a bloquear o SVA quando solicitado pelo consumidor não tem o condão de obrigar ou facultar a recorrente a executar (ou disponibilizar) o SVA sem a solicitação prévia e expressa do usuário.
Como a interpretação de qualquer norma deve ser feita de acordo com os princípios constitucionais e do CDC, quando se trata de relação de consumo, a única interpretação possível, no presente caso, deve ser feita em favor do consumidor. Assim, o bloqueio de que trata a norma citada nas razões de recurso só pode ser do serviço que já seja oferecido mediante solicitação do consumidor.
Interpretação diferente feriria, dentre outros, o disposto nos artigos 1º, III, 3º, I, 5º, XXXII, 170, V, da CF e 6º, III e 39, III, do CDC.
Mas, apenas para argumentar, ainda que admitido o argumento de que a Anatel não tenha tido coragem de avançar, através de seus regulamentos, o suficiente para cumprir a lei de defesa do consumidor, determinando, como fez o Poder Judiciário quando provocado pelo MP, que a recorrente bloqueasse, de pronto, todos os Serviços de Valor Adicionado e só os desbloqueasse a quem o solicitasse expressamente, não se pode ter esta tímida disposição, que certamente teria sido expedida desta forma pela pressão de todas as concessionárias do país, como autorizadora de lesão à liberdade de escolha do consumidor.
A Lei de Telecomunicações nada dispôs sobre o assunto, porque seu objetivo é só o de regular o serviço de telecomunicações. Para os demais serviços, as disposições do Código de Defesa do Consumidor já são suficientes, além de que as normas do Serviço Público Essencial de Telefonia são aplicadas, por analogia e de uma forma mais rigorosa, aos Serviços de Valor Adicionado, por não serem públicos essenciais.
7.Não ocorre no caso interesse nem da União nem da Embratel. Se tal fosse verdade, pelo menos a União já teria se manifestado neste sentido.
O fato de o Judiciário, ao apreciar um caso concreto, negar a aplicação de alguma lei ou de ato regulatório, por considerá-los inconstitucionais ou ilegais, não induz litisconsórcio passivo necessário do poder que teve a iniciativa da lei ou da norma considerada ilegal.
O disposto no Decreto 881/62 também não exige, no caso em exame, a atuação obrigatória da União, posto que não se trata de rescisão de contrato de concessão de serviço de telecomunicações.
O fato de a Embratel ser a prestadora dos serviços de DDD e DDI não demonstra seu interesse para o caso, posto que aqui se que trata de Serviço de Valor Adicionado que com aqueles Serviços de Telecomunicações não se confunde.
Mesmo que, por uma hipótese absurda, se admitisse que aqui fosse o caso de denunciação da lide, tal não poderia ser deferido, posto que, na relação de consumo, a denúncia a lide é proibida, em razão de expressa previsão legal (artigo 88 do CDC).
Vale lembrar aqui, para reforçar a argumentação defendida neste item, que, quando o a Teleceará fez Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (cópia em anexo) com o Ministério Público cearense, com o fim de que todos os Serviços de Valor Adicionado fossem bloqueados de imediato e desbloqueados tão somente após a solicitação prévia do usuário, os únicos que demonstraram interesse na questão foram os provedores que, inclusive, ingressaram com Mandado de Segurança (cópia também anexo), para anular tal termo, com a falsa argumentação de que a Teleceará não poderia bloquear todos os Serviços de Valor Adicionado sem a participação deles, provedores, uma vez que, da forma como agiu, teria violado os contratos firmados entre eles.
O juiz que sentenciou o referido Mandado de Segurança foi muito feliz quando deixou consignado em sua decisão que o fato de a Teleceará ter se comprometido com o Ministério Público, através de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, a bloquear todos os Serviços de Valor Acionado e a desbloqueá-los somente após a solicitação prévia do usuário não violava o contrato que a referida concessionária fez com os provedores, posto que o compromisso não atingia o objeto da avença. O termo tinha como objetivo apenas corrigir a forma de como a prestação do serviço era feita.
8.Em razão do exposto, principalmente no item anterior (7), não há que se cogitar em competência absoluta da Justiça Federal, mesmo porque não tem sentido admitir que a recorrente seja parte integrante da administração pública. Mesmo que o fosse, por ter personalidade jurídica própria, ele deveria, como deve, responder por seus próprios atos.
IV.Das irregularidades praticadas pela recorrente:
Bem analisada a questão, percebe-se que a tese básica da recorrente é de que ela não presta o Serviço de Valor Adicionado, e que, por conseqüência, não tem como fornecer, sem solicitação prévia, este serviço. Mesmo que não estivesse fartamente demonstrada a prática abusiva prevista no artigo 39, inciso III, do CDC, ainda assim haveria elementos suficientes para responsabilizar a apelante, posto que foram praticadas outras ilegalidades por ela, que, independentemente da prática ou não daquela prevista no referido inciso III do citado artigo 39, levam à sua responsabilização pelos prejuízos econômicos e morais causados aos usuários do sistema de telecomunicações. Embora tais irregularidades já tenham sido citadas na inicial e reforçadas na impugnação, é importante rediscuti-las aqui, com novos contornos, como o fim de rebater os novos argumentos da recorrente.
As irregularidades são as seguintes:
1) Falta de informação prévia, clara, objetiva e adequada. A primeira questão a ser tratada é a da falta de informação, posto que esta, como já visto, deve ser prévia, precisa, objetiva e clara. A não realização desse tipo de informação leva à prática de várias lesões contra o consumidor, principalmente aquela relacionada com uma escolha livre, refletida e consciente. Nesse sentido, vê-se, de pronto, o ferimento ao direito fundamental de escolha.
Do consumidor só pode ser exigido aquilo que ele tomou conhecimento prévio e aceitou.
No caso em análise, como não foram fornecidas aos usuários, pela apelante, as informações necessárias para uma escolha livre e refletida, o consumidor ficou sem saber: a) em que consistia o Serviço de Valor Adicionado; b) qual a diferença dele com o Serviço de Telecomunicação que solicitou; c) que este serviço estava à sua disposição em sua linha telefônica; d) qual era a sua extensão, sua condição e finalidade de fornecimento e uso; e) qual era seu preço; f) em que condição e quando o preço seria modificado; g) quais os riscos que apresentava; h) quem estava prestando o serviço; i) como seria cobrado; j) quais os cuidados que deveria ter para fazer uma fruição correta e eficaz; l) quais os riscos que apresentava; e m) qual a sistemática de seu funcionamento. Não sabia também o consumidor quais as regras que regeriam tal relação jurídica. Não teve ele contado prévio com o conteúdo do contrato, posto que contrato nenhum assinou, de forma que sua ignorância era total a respeito do que lhe seria oferecido e exigido em troca. Não sabia ele também que era possível bloquear este serviço, e que ele tinha direito de exigir que esta medida fosse efetivada gratuitamente.
O Código de Defesa do Consumidor é claro em estabelecer que a falta do conhecimento prévio do conteúdo do contrato dá direito ao consumidor de não o cumprir, assim qualquer cobrança a respeito do serviço dessa forma oferecido não obriga o consumidor a pagar por ele.
Mesmo que a concessionária recorrente não fosse a responsável única para dar todas essas informações para o consumidor, ela, enquanto única empresa contratada pelo consumidor e representante do Poder Público, tinha a obrigação de evitar que alguém fizesse uso do serviço essencial por ela prestado para lesar o consumidor, principalmente com sua participação direta nesta lesão e, inclusive, com recebimento de farta contraprestação econômica para isso, além de ser beneficiada financeiramente com as inúmeras e duradouras ligações para este serviço. A sua responsabilidade é, sem dúvida, objetiva, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e ela não pode negar tal responsabilidade, posto que afirmou, em suas razões, à f. 107 dos autos, que "Não se pode cogitar da dissociação entre a apelante e o conceito de Estado, enquanto Poder e Administração Pública". Neste diapasão, não tem como ela receber um serviço público e essencial para prestar em nome do Estado, e com ele realizar falcatruas, com o único fim de enriquecer-se ilicitamente, juntamente com seus comparsas provedores.
Em relação à necessidade de informação, além de todas os dispositivos legais já citados anteriormente, vale, para encerrar esse item, transcrever o disposto nos incisos IV, VI e IX artigo 12 do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado, aprovado pela Resolução nº 85, de 30 de dezembro de 1998, da Anatel, que, pelo visto, a apelante não pretendia cumprir:
"Art. 12. O Usuário do STFC tem direito:
(....);
IV - à informação adequada sobre condições de prestação do serviço, em suas várias modalidades, facilidades e comodidades adicionais, suas tarifas ou preços;
(....);
VI - ao conhecimento prévio de toda e qualquer alteração nas condições de prestação do serviço que lhe atinja direta ou indiretamente; e
(....);
IX - ao prévio conhecimento das condições de suspensão do serviço".
A omissão de tais informações constitui crime previsto no artigo 66 do CDC, posto que são consideradas, pela norma em questão, como relevantes.
2) Ferimento à liberdade de escolha: a falta de informação e de solicitação prévia leva o consumidor a ser obrigado a se utilizar de um serviço não desejado ou, até, nocivo para si e para sua família, com ferimento claro à liberdade de escolha, previsto no artigo 6º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Há igualmente ofensa à prerrogativa emanada do sistema clássico de Direito Civil, representado pelo princípio da autonomia da vontade e pelo dogma da liberdade contratual. Além do mais, se pacta sunt servanda, a contrário senso, o que o consumidor não contratou não deve cumprir.
O consumidor pode até optar, em razão de sua liberdade de escolha, por um serviço que ofereça riscos "normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição" (art. 8º, CDC), mas, para que essa escolha ocorra validamente, é imprescindível que o fornecedor preste as "informações necessárias e adequadas a seu respeito" (art. 8º, CDC), mesmo porque o consumidor precisaria conhecê-los de antemão para poder evitá-los, ou, pelo menos, prevenir-se quanto às suas conseqüências. Tal informação não ocorre, entretanto, em relação ao serviço em comento, o que tornam inválidas as exigências que, em relação a ele, se fizerem para o consumidor, e acarreta, inclusive, a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados (art. 14, caput, in fine, do CDC).
Novamente se percebe que a ofensa ao princípio da informação traz mais um grave dano ao consumidor, qual seja, o de ter que aceitar um serviço com violação a sua liberdade de escolha.
4) Riscos do serviço de valor adicionado. Em razão da deficiência com que o serviço telefônico é oferecido, vários são os riscos a que o usuário está exposto pela sua utilização. A gravidade desses riscos cresce quando se trata dos Serviços de Valor Adicionado, porque, além dos riscos "normais" que o serviço de telecomunicações apresenta, como o uso da linha do consumidor por terceiro, por vários motivos, dentre eles a manobra par, e o de pagar, inesperadamente, valores absurdos que não foram previstos no orçamento doméstico, há também o perigo de danos morais, que consistem em deixar à disposição de crianças e adolescentes esse serviços ,que em nada colaboram para a educação psíquica e moral desses seres em formação, e o perigo de submeter o usuário-assinante ao constrangimento de sofrer as conseqüências de não poder pagar suas contas em dia, em razão de valores exorbitantes que não se encaixam no orçamento familiar.
Assim analisada a questão, vê-se que não tem sentido a afirmação da recorrente de que o consumidor solicita o Serviço de Valor Adicionado ao tirar o aparelho do gancho para fazer a ligação. Além desse argumento não satisfazer as exigências legais quanto à solicitação prévia, é de conhecimento público de que nem sempre as ligações para um Serviço de Valor Adicionado são feitas pelo contratante do Serviço Público Essencial de Telefonia. Como dito, o terminal telefônico do consumidor pode ser usado por crianças, parentes, vizinhos, amigos, e até por funcionários da recorrente ou de empresas terceirizadas, em razão de que o consumidor não pode vigiar seu aparelho telefônico vinte e quatro horas por dia, e de que o sistema oferecido pela recorrente não apresenta a segurança a que o consumidor tem direito.
Aliás, diga-se de passagem, mesmo que o consumidor ficasse vigiando seu aparelho telefônico 24 horas por dia, ainda assim ele correria sérios riscos de receber vultosa conta no final do mês, em razão das deficiências e insegurança da linha e do sistema.
Assim, a alegação de que o uso da linha é de responsabilidade única do usuário contratante do serviço essencial não é suficiente para retirar a verdadeira responsabilidade que é da concessionária apelante. Isto porque: a) a insegurança da rede não é responsabilidade do consumidor; b) as ligações não são feitas apenas do aparelho telefônico do usuário, mas de qualquer ponto da rede, em razão das ditas vulnerabilidade, deficiência e insegurança do sistema; e c) o risco que o consumidor corre em razão do uso de sua linha por terceiro não lhe é previamente informado, para que ele possa, analisando-o, decidir se quer ou não correr tais riscos.
A escolha feita sem tais informações não é válida. Ora, se a escolha assim feita é inválida, o que se dirá de serviço deficiente e inseguro imposto ao consumidor, com o único fim de, explorando esta insegurança e a ignorância do consumidor quanto aos seus direitos e a vários aspectos essenciais do serviço oferecido, aumentar os lucros da apelante?
Fica, assim, por demais evidente que os riscos que o dito serviço apresenta não podem ser impostos ao consumidor sem que ele tenha - depois de devidamente informado e ciente de toda sua amplitude - solicitado e aceito o serviço.
5) Cobrança indevida e vexatória. Em razão do serviço ter sido oferecido sem solicitação prévia, o consumidor, nos termos do artigo 39, parágrafo único, do CDC, não poderia ter sido cobrado por ele, posto que este se equipara a amostra grátis. Apesar dessa proibição, a cobrança não só é feita, como é feita de forma coercitiva, vexatória e abusiva, uma vez que a empresa recorrente condiciona o pagamento do Serviço de Valor Adicionado, não contratado, à continuação do serviço essencial contratado.
O próprio contrato que é firmado entre as concessionárias e os provedores prevê que, em caso de débito contestado em relação ao SVA, a concessionária "procederá a retirada da importância correspondente ao assinante (....) informando-o (....) que pode solicitar o bloqueio do seu telefone para a plataforma 900, gratuitamente" (cláusula 5.1. - doc. em anexo).
Ao contrário do que consta no contrato, a recorrente, ao invés de oportunizar ao consumidor o bloqueio gratuito do SVA, bloqueia o Serviço Público Essencial de Telefonia, para forçar o pagamento daquele serviço privado.
Ocorreu aqui, por conseqüência lógica, ofensa ao artigo 22 do CDC, que exige que o serviço essencial seja fornecido de maneira contínua, bem como ferimento ao inciso VIII do artigo 12 do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado, aprovado pela Anatel através da Resolução nº 85, de 30 de dezembro de 1998, e à letra "d" do Item 7.1 da Norma de nº 004/97, da Anatel, que trata do "Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de Serviços de Valor Adicionado", isso sem esquecer a violação do artigo 42, caput, do diploma protetivo do consumidor.
Os dispositivos acima citados estão assim redigidos:
1) Dispositivos do CDC:
"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.
(....).
Art. 42. Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça."
2) Dispositivo do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado:
"Art. 12. O Usuário do STFC tem direito:
(....);
VIII - à não suspensão do serviço sem sua solicitação, ressalvada a hipótese de débito diretamente decorrente de sua utilização ou por descumprimento de deveres constantes do artigo 4º da Lei nº 9.472, de 1997".
3) Dispositivo da norma da Anatel que trata do "Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de Serviços de Valor Adicionado":
"7.1 - Serviço de Valor Adicionado prestado através da rede pública de telecomunicações poderá ser cobrado em conta emitida pela Operadora, observadas as seguintes condições:
(....);
d) continuidade da prestação do Serviço Telefônico Público ao assinante, independentemente de qualquer pendência entre o Provedor de Serviço de Valor Adicionado e o assinante".
A falta de informação prévia, clara e precisa a respeito de todas as inseguranças que cercam o serviço leva também à conclusão de que o consumidor não pode assumir o risco pelo pagamento de altos valores na fatura telefônica no final do mês, o que, também por esse ângulo, permite a conclusão de que as cobranças feitas são indevidas e, portanto, coercitivas e vexatórias, principalmente da forma condicionante como são realizadas.
É importante destacar que a conseqüência lógica e legal para esse tipo de cobrança está prevista no parágrafo único do artigo 42 do CDC, que dispõe que "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
Foi em razão desta disposição que o magistrado, acertadamente, condenou a requerida-apelante a "devolver em dobro, todos os valores indevidamente cobrados e pagos pelos consumidores por serviços adicionais que não tenham solicitados, devidamente corrigidos monetariamente".
Embora a recorrente não tenha devolvido essa matéria a esse Sodalício, é bom esclarecer que - pela clareza de todas as normas citadas nesta peça, que dispõem no sentido de proibir a apelante de fazer as cobranças que fazia, em razão da forma ilegal com que disponibilizou o Serviço de Valor Adicionado e da falta de informação para que o consumidor fizesse uma opção refletida - não tem como livrar-se a recorrente da devolução em dobro, sob a alegação da ocorrência do engano justificável. A inocorrência de tal justificativa está tão clara que a própria ré-apelante percebeu, tanto é que não a alegou, para se livrar da devolução em dobro.
6) Negativa de bloquear, gratuitamente, o serviço de valor adicionado quando solicitado pelo consumidor. Além de obrigar o consumidor a receber serviço não solicitado, a recorrente não fazia o bloqueio gratuito do mesmo. Como sabido, a razão era apenas econômica. Procurava conseguir dinheiro fácil de maneira desleal, tanto com o fornecimento do serviço quanto com a retirada dele.
A liberdade de escolha não diz respeito tão somente à escolha do serviço e da empresa que vai oferecê-lo, mas também às condições em que ele vai ser oferecido e até quando. A concessionária recorrente ignorava, propositadamente, o direito de bloqueio gratuito do referido serviço tão somente com o intuito de fazer com que o consumidor fosse forçado a com ele continuar, posto que para ela era, economicamente, muito interessante. Sua atitude não só ofende o disposto no artigo 6º, II, do CDC, mas também o artigo 12, XIX, do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado da Anatel e o Item 6.1, letra "b", da Norma de nº 04/97 da Anatel que trata do "Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de Serviços de Valor Adicionado, os quais possuem as seguintes redações:
Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(....);
II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações".
Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado:
Art. 12. O Usuário do STFC tem direito:
(....);
XIX - a ter bloqueado, temporária ou permanentemente, parcial ou totalmente, o acesso a comodidades ou utilidades oferecidas, bem como a serviços de valor adicionado; e
Norma de nº 04/97 da Anatel:
"6.1 Aos assinantes do Serviço Telefônico Público é assegurado, nas condições previstas nesta Norma:
(....);
b) o direito de bloqueio e de desbloqueio, sem ônus, aos serviços de Provedores".
A má-fé era grande e feita de forma refletida, de maneira a permitir à recorrente ganhar duas vezes. Uma, com o uso, pelo consumidor ou por terceiro não autorizado por este, do Serviço de Valor Adicionado, constituindo-se este ganho pelo pagamento feito à recorrente pelo consumidor pelo uso da linha (serviço de telecomunicação) e pelo pagamento feito também a ela pelo provedor, relativo ao aluguel da rede (25% do valor do lucro do provedor) e pelo serviço de cobrança que a recorrente faz, em nome do provedor, ao consumidor pelo Serviço de Valor Adicionado utilizado. Duas, com o pagamento do bloqueio, que a recorrente cobrava do consumidor que não aceitava ter o SVA instalado em sua linha.
Mister se faz reforçar que a prática comercial desleal e coercitiva se percebe quando se verifica que o serviço é colocado, ilegalmente, à disposição do consumidor tão somente por fim de lucro, que era conseguido tanto se o consumidor usasse o serviço ou se ele quisesse se livrar do serviço colocado, indevidamente, a sua disposição.
A fome de lucro com o referido serviço era tanta que, nos contratos que as concessionárias firmavam com os provedores, constava penalidade para estes se o faturamento não atingisse determinado patamar. Eis o teor da cláusula que dispunha sobre isso: "4.1.6. A partir do terceiro mês consecutivo que a arrecadação do serviço não atingir a remuneração mínima, a CONTRATANTE estará sujeita às penalidades previstas no item 12.6". (contrato padrão usado pela Teleceará).
Esta conclusão não só mostra as já mencionadas má-fé e práticas comerciais desleais e coercitivas, como também comprova que a alegada não-participação econômica nas lesões causadas aos consumidores não tem nenhuma procedência, o que reforça a responsabilidade objetiva e solidária da apelante.
8) Inclusão, na conta do consumidor, de débitos por ele não autorizados. Conforme disposição normativa, não podem figurar na conta do consumidor débitos estranhos ao Serviço Público de Telefonia, prestados em razão de concessão recebida da União, salvo com a autorização expressa do consumidor-usuário. Na questão em análise, mesmo que se admitisse, por uma hipótese absurda, que a Telems não tem qualquer participação no oferecimento do serviço questionado, ela jamais poderia fazer o lançamento dos débitos inerentes ao serviço questionado de maneira contrária ao que dispõem as normas da agência reguladora. Se isso não bastasse, ela deveria, antes de fazer tal cobrança, verificar em que condições tal serviço estava sendo oferecido.
A cobrança da forma como foi feita e em relação a serviço oferecido de maneira irregular, deve ser tida como coercitiva e abusiva e seus valores devolvidos em dobro e devidamente corrigidos.
Os serviços de valor adicionado não só, como visto, foram prestados pela recorrente, bem como foram disponibilizados e fornecidos ilegalmente, de maneira a violar todas as normas aplicáveis a espécie, principalmente ao Código de Defesa do Consumidor.