EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO DO SUL
IMPETRANTE, NACIONALIDADE, ESTADO CIVIL, PROFISSÃO, portadora do RG n.º – SSP/ e do CPF n.º 000.000.000-00, residente e domiciliada nesta Capital, na Rua TAL, n.º TAL, Bairro TAL, vem, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seu Advogado que ao final assina (procuração anexa), impetrar o presente
MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR,
com fulcro no Art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e demais disposições da Lei Federal n.º 1.533/51, contra ato praticado pelo Secretário de Estado de Gestão Pública e pela Diretora Presidenta da Fundação Escola de Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, responsáveis pelo Concurso de Concurso Público de Provas destinado ao ingresso no Curso de Formação de Soldado do Grupo Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, que podem ser encontrados, respectivamente, no Parque dos Poderes - Bloco 01 - CEP. 79.031-902 – Campo Grande/MS e na Rua Antônio Vendas, 115 B. Miguel Couto - CEP: 79.041-230 – Campo Grande/MS pelas razões que passa a expor:
SUMÁRIO:I – OS FATOS; II – O DIREITO: a) Tempestividade, b) Ato Coator, c) Violação ao Princípio da Legalidade, d) Violação ao Princípio da Isonomia, e) O exemplo do Paraná, f) O Edital de Roraima, g) A jurisprudência dos Tribunais Superiores; III – O PEDIDO DE LIMINAR; IV – O PEDIDO FINAL.
OS FATOS
No dia 05 de abril de 2006, publicou-se no Diário Oficial o Edital de Abertura do Concurso Público de Provas para o Ingresso no Curso de Formação de Soldado do Grupo Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, ato conjunto da Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul e da Escola de Governo de Mato Grosso do Sul.
A impetrante, tendo tomado conhecimento dessa publicação, houve por bem inscrever-se no certame, uma vez que visava pleitear uma vaga nos quadros da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. Aliás, é tradição de sua família servir à Pátria, um de seus irmãos foi soldado e cabo do Exército e outro ainda é hoje Sargento do Exército.
Deste modo, dedicou-se a impetrante aos estudos e logrou aprovação na primeira fase do concurso (Edital nº. 009/2006, anexo III SEGES/PMMSS). Na segunda fase também foi tida como habilitada para o exercício das atribuições de policial militar (Edital nº. 011/2006 SEGES/PMMSS).
Para a terceira fase, teve de arcar por conta própria com os 16 exames médicos exigidos no item 8.4 do Edital de Abertura do Concurso.
Embora tenha se empenhado, no dia 20 de junho de 2006 surpreendeu-se a impetrante com a publicação, no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul, do Edital nº. 013/06 – SEGES/PMMSS que a qualificava como INAPTA, ou seja, que estava reprovada no exame de saúde e antropométrico.
O motivo da reprovação foi pelo fato de ter a impetrante 1,59 m e meio de altura. De acordo com a autoridade coatora, esse seria um motivo suficiente para eliminar a candidata, baseando-se no item 1.2, alínea "c" do Edital de Abertura do Concurso.
Ocorre, no entanto, que o disposto no mencionado subitem revela-se inconstitucional, quer por não haver previsão legal, quer por não guardar relação lógica e coerente ao exercício do cargo a ser preenchido, conforme se demonstrará, devendo, portanto, tal exigência ser extirpada do mundo jurídico pelo Poder Judiciário.
Some-se a isso que pela exigüidade temporal não houve oportunidade para a impetrante ingressar administrativamente, nem pleitear maiores informações junto a autoridade coatora, vez que da publicação do resultado da terceira fase para a realização da fase seguinte houve apenas um dia útil.
II – O DIREITO
a) Tempestividade
Impetração do presente writ é cabível, conforme se demonstrará a seguir, e tempestivo, uma vez que o prazo de 120 dias contido no artigo 18 da Lei 1.533/51 foi respeitado. A publicação do ato que se quer impugnado deu-se no dia 22 de junho de 2006 (cópia anexa).
b) Ato Coator
Para que seja cabível o mandado de segurança há de haver ato lesivo a direito líquido e certo do impetrante. O ato coator, neste caso, foi a arbitrária classificação da autora como sendo INAPTA para o exercício das atribuições de policial militar de Mato Grosso do Sul. Sendo assim, não poderá sequer participar da fase seguinte do concurso, qual seja, o exame de aptidão física.
A classificação da impetrante como INAPTA foi de autoria do Senhor Secretário de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul e da Senhora Presidente da Escola de Governo de Mato Grosso do Sul, e porque tem fundamento no inconstitucional e ilegal item 1.2, alínea "c" do Edital de Abertura do Concurso deve ser tal classificação afastada. A autoridade coatora não motivou corretamente o ato, ainda que instada para tanto, conforme documento anexado, do que se conclui que o motivo da desclassificação da candidata, ora impetrante, tenha sido a altura, como lhe fora indicado informalmente.
Com efeito, ao basear sua decisão em exigências absurdas e inconstitucionais, inegavelmente praticou-se ato que lesou direito líquido e certo do impetrante de participar do concurso e de concorrer, em igualdade de condições com os outros candidatos, a uma das vagas disponíveis.
A inconformidade da impetrante diz respeito ao que consta no Edital de Abertura do Concurso, em seu item 1.2, alínea "c", que transcrevemos:
1.2 - São requisitos para a matrícula no curso de formação:
(...)
c) Ter, descalço e descoberto, no mínimo 1,65 de altura para os candidatos do sexo masculino e, no mínimo de 1,60 de altura para as candidatas do sexo feminino, avaliado na 3ª fase – exame saúde e antropométrico;
Doravante analisaremos a inconstitucionalidade deste dispositivo editalício:
c) Violação ao Princípio da Legalidade
Para obrigar um indivíduo a cumprir uma ordem, ou vedar-lhe um direito, há que haver justa causa, que consiste em causa legítima, ou seja, causa baseada em lei. O Princípio da Legalidade é corolário do Estado Democrático de Direito e pode ser enunciado da seguinte maneira: "O indivíduo pode fazer qualquer coisa que não lhe seja vedada por lei; o Estado, por sua vez, tão-só pode fazer o que a lei lhe ordene, nada mais."
Este princípio, como é sabido, encontra sua dicção constitucional nos artigos 5º, inciso II e 37 caput.
Não há no Estatuto do Policial Militar de Mato Grosso do Sul (Lei Complementar nº. 53 de 1990) nenhuma norma referente à exigibilidade de altura mínima como requisito para o ingresso nos quadros da Polícia Militar de MS. Os artigos 11 e 12 do comentado Estatuto tratam especificamente do "Ingresso na Polícia Militar" e não fazem este tipo de restrição. Ora, se a lei não houve por bem restringir, não será Decreto, Regulamento, Portaria ou Edital que o fará.
Aliás, ao criar restrição onde a lei não restringiu, o edital violou-a, tornando-se, neste item, ilegal e, portanto, não merece acolhida sua norma.
O inciso I do artigo 37 é também conhecido como Princípio da Acessabilidade à Função Pública:
Art. 37. (...)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
Como se vê, grosso modo a acessibilidade nada mais é do o próprio Princípio da Legalidade aplicado aos cargos e funções públicas.
A toda evidência, os requisitos a ser estabelecidos por lei hão de ser essenciais e devem dizer respeito aos requisitos formais e aos indispensáveis ao cargo a ser ocupado. Isto é, os requisitos para o acesso ao cargo público devem ter relação lógica com as atribuições a serem exercidas.
Deste modo, ainda que houvesse previsão legal – e não há! –, ainda assim a norma seria inconstitucional, pois dois ou três ou mesmo dez centímetros não fariam diferença no exercício das atividades policiais. Veja-se que in casu a diferença é de menos de um centímetro.
A exigência do edital é ilegal, pois desborda dos limites legais e é inconstitucional, por não encontrar guarida na Constituição.
d) Violação ao Princípio da Isonomia
O edital, em seu questionado item, ainda viola o Princípio da Isonomia, também salvaguardado pela Constituição Federal em seu artigo 5°. Como sobre esse princípio muito se tem dito, adotam-se aqui as observações de Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o conteúdo jurídico do princípio da igualdade. O autor demonstra a necessidade três critérios para que se identifique o desrespeito ao princípio da isonomia:
a)o elemento escolhido como fator de desigualação;
b)a correlação lógica entre o elemento discriminador e a diferença estabelecida no tratamento jurídico desigual;
c)por fim, a relação de consonância dos dois critérios anteriores com os interesses absorvidos no sistema constitucional.
Já Celso Ribeiro Bastos assevera, por sua vez, que para a aferição do princípio da igualdade há que considerar o binômio:
d)elemento discriminador;
e)finalidade da norma.
Como bem se vê, ambos os juristas concordam ao estabelecer os critérios discriminadores, ainda que o segundo de forma mais sintética do que o primeiro.
Assim, sempre que se fizer uma lei – e o edital é a lei do concurso – é necessário perquirir se o discrímen por ela estabelecido tem correlação com a finalidade da norma e, por fim, com o sistema constitucional.
Deste modo, aduz-se que não basta a igualdade perante a lei, mas sim, igualdade na lei. A primeira diz respeito à igualdade a que estão jungidos os aplicadores da lei; a segunda, por sua vez, diz respeito à igualdade a que o legislador está obrigado a dispensar a todos ao editar a lei. Quem cria uma norma não pode criar uma desequiparação que não tenha fundamento numa razão de iniludível importância para o bem público.
Não se encontra qualquer relação entre a altura dos candidatos e o exercício das atribuições de policial militar. Aliás, é importante que seja probo, respeitador da lei, disposto a combater o crime. Meio centímetro a mais e nenhum caráter é muito mais prejudicial do que dez centímetros a menos e coragem e disposição de realizar o serviço policial.
e) O exemplo do Paraná
Em um caso semelhante, o Estado do Paraná exigia, em seu edital de concurso para Polícia Militar, altura mínima. A Justiça Paranaense entendeu inconstitucional a exigência e o Poder Executivo não só acatou a decisão para o caso impugnado como também publicou no Diário Oficial Nº 7110 de 28/11/2005 o Decreto nº. 5724, que estabelece:
Art. 2º. Fica vedada a inclusão da exigência de altura mínima nos editais de concurso para o ingresso em cargos de carreira policial.
Desse modo, o Governo Paranaense optou por seguir estritamente a Constituição Federal, sem obstá-la com meros subterfúgios que justificassem o erro do edital.
f) O Edital de Roraima
Neste ano, em Roraima ocorreu certame para preencher os cargos de soldados da PM – o mesmo cargo de que aqui se trata. No entanto, em Roraima o limite de altura era de 1,60 m para os homens e de 1,55 m para mulheres.
Este fato ilustra a arbitrariedade dos critérios estabelecidos. se estivesse em Roraima. A impetrante poderia, sem qualquer problema, ser Policial Militar, mas em Mato Grosso do Sul ela é considerada INAPTA para o mesmo cargo!
Aliás, em Roraima mesmo a exigência de 1,55 m para mulheres foi derrubada pelos argumentos acima esposados (cópia do DPJ digital de RR anexa). Mais interessante notar que a decisão, neste caso, não é apenas deste ano, mas também deste mesmo mês.
g) A jurisprudência dos Tribunais Superiores
No Superior Tribunal de Justiça, reitera-se constantemente a decisão relatada pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 9451-DF, cuja ementa segue:
RMS - CONSTITUCIONAL - CONCURSO - ALTURA MÍNIMA - A exigência de altura mínima para o ingresso na carreira de Soldado Bombeiro, fixada pelo Edital, sem apoio legal, ofende a Constituição Federal.
No mesmo sentido, foi a decisão relatada neste ano pela Ministra Laurita Vaz no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 20637/SC:
2. A vedação à existência de critérios discriminatórios de idade, sexo e altura, em sede concurso público, não é absoluta, em face das peculiaridades inerentes ao cargo em disputa, todavia, é imprescindível que mencionado critério esteja expressamente previsto na lei regulamentadora da carreira. Precedentes do STF e STJ.
3. In casu, inexiste previsão legal de altura mínima, para ingresso na Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, uma vez que não basta, para viabilizar a adoção do critério discriminatório, a exigência genérica de "capacidade física", prevista na Lei Estadual n.º 6.218/83.
Também o Supremo Tribunal Federal tem reiteradas decisões no sentido de não admitir tais exigências que são desprovidas de fundamento legal:
EMENTA: Agravo regimental. - Administrativo. Concurso público para o cargo de policial militar do Distrito Federal. Altura mínima exigida. - Necessidade de previsão legal para definição dos requisitos para ingresso no serviço público. Constituição Federal, arts. 5º, caput, e 37, I e II. Ofensa reflexa. Agravo a que se nega provimento. (AI-AgR 460131 / DF - Relator(a): Min. Joaquim Barbosa)
III – O PEDIDO DE LIMINAR
Torna-se imprescindível no presente caso a concessão de medida liminar consistente em suspender os efeitos do ato coator praticado pelo impetrado, permitindo assim, que a impetrante possa se submeter à quarta fase do certame, que é o exame de aptidão física.
Toda concessão de liminar exige a presença de dois requisitos essenciais, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora, os quais se revelam presentes no caso em tela.
Quanto ao primeiro requisito, demonstra-se flagrante nas alegações aduzidas, devidamente comprovadas pelos documentos anexados, dando conta da ilegalidade do ato praticado pela autoridade coatora.
Já com relação ao segundo requisito, revela-se ainda mais evidente, considerando que se aproxima a próxima fase do certame, que não poderá fazer, caso não seja concedida a liminar. Justifica-se, assim, a suspensão imediata dos efeitos do ato coator, para que a medida não se torne ineficaz, o que certamente ocorrerá caso tenha que aguardar a sentença de mérito da ação mandamental.
Por tais razões, requer-se o deferimento da liminar ora pleiteada.
IV – OS PEDIDOS FINAIS
Uma vez demonstrada a presença de todos os requisitos processuais exigidos para a impetração do presente Mandado de Segurança, requer a impetrante:
1) a concessão da liminar pleiteada, nos termos já mencionados acima, consistente em suspender os efeitos do ato coator, permitindo que a impetrante realize a próxima etapa do Concurso Público de Provas para o Ingresso no Curso de Formação de Soldado do Grupo Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, qual seja o Exame de Aptidão Física;
2) a notificação das autoridades coatoras para, querendo, prestar as informações que acharem necessárias no prazo legal de 10 dias (Art. 7º, inciso I, Lei 1.533/51);
3) a intimação do representante do Ministério Público para emissão de parecer;
4) ao final, seja concedida a segurança pleiteada, tornando nulo e de nenhum efeito o disposto no subitem 1.2, "c" do Edital do "Concurso Público de Provas para o Ingresso no Curso de Formação de Soldado do Grupo Polícia Militar de Mato Grosso do Sul", considerando, via de conseqüência, deferida a inscrição do impetrante para realizar regularmente as provas do certame;
5) o benefício da justiça gratuita.
Protesta provar o alegado através dos documentos ora anexados, em vista da impossibilidade de dilação probatória no procedimento do Mandado de Segurança.
Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais) para efeitos meramente fiscais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Campo Grande/MS, 03 de Julho de 2006.
Luiz Roberto Lins Almeida
OAB/MS nº. 11.172