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Supressão de árvores e princípio da legalidade.

Ação anulatória de auto de infração

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Agenda 05/10/2007 às 00:00

2. DA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

De acordo com o procedimento fiscal estabelecido por lei para hipóteses como a dos presentes autos, antes da aplicação de multa sancionatória, o administrado tem direito à pena de advertência, não como um ato de benevolência da administração para com ele, mas como uma oportunidade de correção de supostas infrações cometidas. O art. 72, § 3° da Lei 9.605/98 não deixa qualquer margem de dúvida quanto a isso.

"Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

I – advertência;

II – multa simples;

III – multa diária;

IV – apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V – destruição ou inutilização do produto;

VI – suspensão da venda e fabricação do produto;

VII – embargo de obra ou atividade;

VIII – demolição de obra;

IX – suspensão parcial ou total de atividades;

X – (vetado)

XI – restritiva de direitos.

(...)

§ 3°. A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:

I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;

II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;"

A leitura do texto em questão não deixa a menor sombra de dúvida. A multa somente pode ser aplicada após o administrado ser advertido por irregularidades, conferindo-se a ele a oportunidade de saná-las em prazo razoável. No caso dos autos, se infração houvesse, seria perfeitamente sanável, através da reposição da cobertura arbórea eventualmente suprimida ou mesmo através da lavratura de um termo de ajustamento de conduta – TAC, em que se fizesse a compensação ambiental, nos termos do art. 15 do Decreto Municipal 42.833/03 (doc. 20).

Vale lembrar que esse Decreto Municipal é citado no auto de infração e na multa e que, também sob o aspecto do direito de defesa e do devido processo legal, foi gravemente hostilizado, especialmente em seu art. 12:

"Art. 12. Compete ao Chefe da unidade na qual esteja em exercício o servidor responsável pela atividade fiscalizatória analisar o autor de infração, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou recurso, bem como propor ao Diretor de Divisão a aplicação das sanções restritivas de direito."

Ou seja, entre a lavratura do auto de infração e a lavratura do auto de multa deve transcorrer o prazo mínimo de 30 (trinta) dias, seja para melhor análise da infração e qual a sanção correspondente, seja para assegurar-se ao administrado o direito de defesa. Jamais, portanto, o auto de infração e o auto de multa poderiam ter sido lavrados no mesmo dia e na mesma hora, concomitantemente, sem intervalo de um minuto sequer entre ambos. Da forma como procedeu a administração nesse caso, a defesa é exercida após a sanção já ter sido aplicada, o que significa que não se exerceu a defesa prévia, mas apenas em grau de recurso.

É como um réu de um processo criminal ter direito de defender-se apenas em grau de recurso, após a lavratura da sentença!!!! Custa a crer que tamanha ignomínia possa ocorrer em plena vigência do Estado Democrático de Direito!!!!

Não bastassem todos esses dispositivos legais, a simples aplicação dos princípios do Estado Democrático de Direito ao caso vertente não deixaria dúvidas da possibilidade de ampla defesa que deveria ser concedida ao administrado antes da aplicação da sanção. Uma vez mais, com escusas do subscritor da presente pela recorrência insistente, citamos o magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello (ob. cit. p. 753):

"(f) Princípio do devido processo legal – O texto constitucional estabelece no art. 5º, LV, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Aliás, o inciso anterior dispõe que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Por força do primeiro dos incisos toda sanção administrativa terá que ser, sob pena de nulidade, precedida do devido processo legal, e também por força do segundo, nos casos em que a sanção seja a apreensão ou destruição de bens."

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Por qualquer ângulo que se analise a questão, portanto, resta absolutamente indene de dúvidas que não houve oportunidade de defesa e, via de conseqüência, não se observou o devido processo legal na lavratura da multa aqui versada. Eis aí mais um vício insanável que torna a sanção aplicada nula de pleno direito.


3. DA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – O CARÁTER CONFISCATÓRIO DA MULTA LAVRADA

Outro princípio basilar, decorrente do Estado Democrático de Direito (art. 1º da Constituição Federal), a presidir rigidamente a atuação do aparelho estatal na punição e sancionamento de eventuais infrações administrativas é o princípio da proporcionalidade, vale dizer, da correspondência entre a conduta infratora e a sanção aplicada. Esse princípio é unanimemente acolhido na doutrina e na jurisprudência e decorre da própria finalidade das sanções administrativas. Significa que sanções desproporcionais implicam em desvio de finalidade, comportamento vedado pela Constituição Federal. Vejamos o magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello sobre o tema (ob. cit. pp. 744/745):

"Evidentemente, a razão pela qual a lei qualifica certos comportamentos como infrações administrativas, e prevê sanções para quem nelas incorra, é a de desestimular a prática daquelas condutas censuradas ou constranger ao cumprimento das obrigatórias. Assim, o objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo. Logo, quando uma sanção é aplicada, o que se pretende com isto é tanto despertar em quem a sofreu um estímulo para que não reincida, quanto cumprir uma função exemplar para a sociedade.

Não se trata, portanto, de causar uma aflição, um "mal", objetivando castigar o sujeito, levá-lo à expiação pela nocividade de sua conduta. O direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto. Donde, não entram em pauta intentos de "represália", de castigo, de purgação moral a quem agiu indevidamente. É claro que também não se trata, quando em pauta sanções pecuniárias – caso das multas -, de captar proveitos econômicos para o Poder Público, questão radicalmente estranha à natureza das infrações e, conseqüentemente, das sanções administrativas."

Em outro trecho, diz o mestre (ob. cit. p. 752):

"As sanções devem guardar uma relação de proporcionalidade com a gravidade da infração.

Ainda que a aferição desta medida inúmeras vezes possa apresentar dificuldade em ser caracterizada, em inúmeras outras, é perfeitamente clara; ou seja: há casos em que se pode ter dúvida se tal ou qual gravame está devidamente correlacionado com a seriedade da infração – ainda que se possa notar que a dúvida nunca se proporá em uma escala muito ampla, mas em um campo de variação relativamente pequeno -, de par com outros casos em que não haverá dúvida alguma de que a sanção é proporcional ou é desproporcional. É impossível no direito fugir-se a situações desta compostura, e outro recurso não há para enfrentar dificuldades desta ordem senão recorrendo ao princípio da razoabilidade, mesmo sabendo-se que também ele comporta alguma fluidez em sua verificação concreta. De todo modo, é certo que, flagrada a desproporcionalidade, a sanção é inválida."

O nunca assaz pranteado Hely Lopes Meirelles preleciona no mesmo sentido ("Direito Municipal Brasileiro", 9ª ed., Malheiros, pp. 342/343):

"A proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social que se tem em vista, sim, constitui requisito específico para validade do ato de polícia, como, também, a correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de medida punitiva. Sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida. Desproporcional é também o ato de polícia que aniquila a propriedade ou a atividade a pretexto de condicionar o uso do bem ou de regular a profissão. O poder de polícia autoriza limitações, restrições, condicionamentos; nunca supressão total do direito individual ou da propriedade particular, o que só poderá ser feito através de desapropriação. A desproporcionalidade do ato de polícia ou seu excesso equivale a abuso de poder e, como tal tipifica ilegalidade nulificadora da ordem ou da sanção."

Celso Antonio Bandeira de Mello fala, inclusive, do caráter confiscatório da multa exageradamente fixada (ob. cit. p. 756):

"Tal como as demais sanções administrativas, as multas têm que atender ao princípio da proporcionalidade, sem o quê serão inválidas. Além disto, por muito grave que haja sido a infração, as multas não podem ser "confiscatórias", isto é, de valor tão elevado que acabem por compor um verdadeiro confisco. Nisto há aprazível concórdia tanto na doutrina como na jurisprudência."

No caso dos autos, o valor venal do imóvel, portanto lançado pela própria Municipalidade, para o ano de 2006 é de R$ 710.986,00 (setecentos e dez mil, novecentos e oitenta e seis reais) (doc. 19). Um multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por mais grave que possa ser a suposta infração cometida, é absolutamente confiscatória, posto que corresponde a aproximadamente 86% (oitenta e seis por cento) do valor da propriedade!!! É óbvia a ilegalidade.

Não bastasse, o cálculo efetuado pelo agente ambiental responsável pela lavratura do auto de infração (dez mil reais por árvore), como visto em outro tópico, é absolutamente arbitrário, sendo sua interpretação do Decreto sancionatório (sic!!!) absolutamente descabida e desproporcional. Donde a autorização legal para que se considere cada exemplar arbóreo supostamente suprimido como um "bem especialmente protegido". O abuso é evidente.

Acrescente-se, ainda, que o Decreto no qual baseou-se o agente fiscal é fluído demais. O art. 49 permite fixar a multa em valores compreendidos entre R$ 10.000,00 (dez mil reais) e R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Esse intervalo excessivamente fluído entre o mínimo e o máximo, esse "grande cânion", é vedado por força do princípio da proporcionalidade, por transferir o direito de proporcionalizar a sanção do Legislativo para o agente do Executivo. Pela derradeira vez, citamos o magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello que, convenhamos, encaixa-se como uma luva à hipótese vertente (ob. cit. p. 750):

"Veja-se: ninguém consideraria obediente ao princípio da legalidade a norma penal que estabelecesse para os crimes em geral, ou mesmo para um dado crime, dependendo de sua gravidade, sanções que iriam de 2 meses a 30 anos de pena privativa de liberdade. Regramento de tal ordem, em rigor de verdade, não estaria previamente noticiando ao administrado a conseqüência jurídica imputável à conduta ilícita.

O vício que se lhe increparia é o de que a identificação da sanção não teria atendido ao mínimo necessário para sua validade, pois a liberdade conferida ao juiz seria de tal ordem que o cidadão não estaria governado pela lei, mas pelo juiz – traindo-se, dessarte, o velho e fundamental princípio segundo o qual no Estado de direito vigora a "rule of law, not of men".

Assim também não se poderá considerar válida lei administrativa que preveja multa variável de um valor muito modesto para um extremamente alto, dependendo da gravidade da infração, porque isto significaria, na real verdade, a outorga de uma "discricionariedade" tão desatada, que a sanção seria determinável pelo administrador e não pela lei, incorrendo esta em manifesto vício de falta de razoabilidade. É dizer: teria havido um simulacro de obediência ao princípio da legalidade; não, porém, uma verdadeira obediência a ele. Norma que padecesse deste vício seria nula, por insuficiência de delimitação da sanção."

Reflui cristalina, portanto, a rotunda inconstitucionalidade do art. 49 do Decreto 3.179/99 que, além invadir competência exclusivamente legislativa, contém intervalo punitivo excessivamente fluido, o que afronta os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

Também nesse particular, portanto, a multa é ilegal e nula de pleno direito por ter infringido o princípio da proporcionalidade, seja em razão do caráter confiscatório da multa, seja porque baseada em dispositivos regulamentares (sequer legais) excessivamente fluídos.


DA TUTELA ANTECIPADA E/OU MEDIDA LIMINAR

Do quanto dito até aqui, fica patente a presença dos requisitos da verossimilhança das alegações, bem como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil.

De fato, a verossimilhança das alegações é percebida de plano, "prima facie", apenas da análise dos documentos carreados aos autos. O mais chocante é a revoltante falta de indicação do dispositivo legal supostamente violado, bem como a ausência de prova prévia de ocorrência real da infração, impossibilitando, inclusive, o exercício da ampla defesa.

As outras incongruências e afrontas aos princípios da Constituição Federal supra demonstrados também são importantes e reforçam a inequívoca presença do requisito da verossimilhança, ou "fumus boni juris".

O risco de dano irreparável ou de difícil reparação, ou "periculum em mora", também se desenha com contornos fortes. Se não houver a concessão da tutela antecipada pretendida, poderá prosseguir o draconiano processo fiscalizatório iniciado pela Prefeitura, sem prova da infração, sem respeito ao princípio da legalidade, da proporcionalidade, sem ampla defesa e sem devido processo legal!!!!! Pior ainda, poderá haver a propositura de iníqua ação de execução fiscal, obrigando a autora a tornar seguro o Egrégio Juízo fiscal, em valores exorbitantes e dissonantes da realidade, para que possa opor embargos à execução!!!! Só uma medida liminar pode impedir essa Execução Fiscal draconiana, nos termos do art. 151, inciso IV do Código Tributário Nacional.

Por tudo isso, requer a autora a concessão de tutela antecipada e/ou medida liminar de natureza cautelar (art. 273, §7° do Código de Processo Civil), para que seja determinada, de imediato e "inaudita altera partes" a suspensão da cobrança da multa sancionatória objeto dos presentes autos, bem como a suspensão de qualquer outro ato punitivo, em razão da suposta (e inexistente, é bom frisar) infração que originou a multa "sub examine".


DO PEDIDO

Face a todo o supra articulado, são os termos da presente para respeitosamente requerer a V. Exa.:

a) a concessão de tutela antecipada ou medida liminar de natureza cautelar, nos termos do tópico anterior;

b) seja a Municipalidade paulistana citada para, no prazo legal, responder os termos da presente demanda;

c) ao final, seja a mesma julgada procedente, para o fim de:

c.1) declarar, "incidenter tantum" a inconstitucionalidade do art. 49 do Decreto Federal 3.179/99;

d.2) decretar nulidade da multa objeto desses autos, declarando, em definitivo, a inexigibilidade da mesma, bem como de todo e qualquer ato de caráter punitivo estribado na mesma suposta infração e tornando definitivo o pedido antecipatório da tutela;

d.3) condenar a requerida no pagamento de custas processuais em reembolso, honorários advocatícios e demais cominações legais.

Protestando-se provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, dá-se à causa, para efeitos legais, o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Termos em que p. deferimento.

São Paulo, 4 de Outubro de 2007.

pp. Marcus Vinicius Gramegna, OAB/SP 130.376

pp. Marco Antonio R. Ferreroni, OAB/SP 130.827

pp. Sandro Marcelo Rafael Abud, OAB/SP 125.992

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRAMEGNA, Marcus Vinicius. Supressão de árvores e princípio da legalidade.: Ação anulatória de auto de infração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1556, 5 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16804. Acesso em: 23 dez. 2024.

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