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Rebelião em presídio.

Estado contesta ação de indenização de Suzane Richthofen

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Agenda 28/11/2007 às 00:00

A presidiária Suzane Richthofen ajuizou ação de indenização contra o Estado de São Paulo, em razão de riscos sofridos durante rebelião na penitenciária em que se encontrava.

PROCURADORIA GERAL DO ESTADO

PROCURADORIA JUDICIAL

2ª. Procuradoria Seccional

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 8a. Vara da Fazenda Pública

Processo 583.53.2007.124736-5

Rito Ordinário (Em geral)

Autor – Suzane Louise Von Richthofen

A FAZENDA DO ESTADO, nos autos da ação supra, vem à presença de V.Exa. apresentar CONTESTAÇÃO ao pedido, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:


I. SÍNTESE

Trata-se de ação indenizatória movida em virtude de pressão moral que alega ter sofrido durante rebelião ocorrida no interior de presídio, com pleito de reparação moral.


II. PRELIMINARMENTE

Ilegitimidade Passiva

A Autora, em momento algum, imputa ao Estado de São Paulo qualquer ato que tenha nexo causal com a rebelião descrita na inicial.

Afirma apenas que o presídio onde ocorreram os fatos ostentava excesso de ocupação, o que colocava em risco a dignidade da detenta, sendo certo, todavia, que o motim teve causa absolutamente diversa, qual seja, levar a cabo o plano de morte de duas detentas – Aurinete Felix da Silva, a Netinha, mulher do presidiário César Augusto Roriz Silva, o Césinha, fundador do PCC e excluído da facção, pois o casal teria se unido ao grupo rival TCC (Terceiro Comando da Capital) e Quitéria Silva Santos (relatório anexo)

Ou seja, com ou sem excesso de lotação, o evento teria ocorrido, pois o objetivo era particular, tanto que, ao término da rebelião, não houve qualquer reivindicação.

A responsabilidade civil do Estado tem como pressuposto o nexo causal entre os fatos e o dano causado, certo que a teoria do risco integral não encontra previsão legal em nosso ordenamento jurídico, a teor do artigo 37 parágrafo 6o. da Constituição Federal.

Essa disposição representa reedição do artigo 107 da anterior Carta Magna, a respeito do qual já se havia manifestado o Supremo Tribunal Federal:

"Responsabilidade Civil do Estado. Culpa exclusiva da vítima. O art. 107 da Constituição não adotou a teoria do chamado risco integral. Precedentes do STF" [01]

A mesma orientação conduz a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tendo a Corte decidido, após a edição do diploma de 1.988, que "O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50)." [02]

Por esse motivo é que, da mesma forma, o ato praticado por terceiro não gera a responsabilidade civil do Estado.

Em hipótese análoga, de aresto que cuida da indenizabilidade por culpa anônima do serviço, tocante à segurança pública, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

"E não poderia ser de outra forma, uma vez que a Constituição Federal abraçou a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade de risco administrativo. Nesse sentido é a lição de Hely Lopes Meirelles, em comentário ao aludido dispositivo, quando ressalta que "o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos agentes públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos a particulares" [03].

No caso, a prevalecer a versão e o pedido da autora, estar-se-ia acolhendo a teoria do risco integral que, segundo o mesmo autor, "é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada, na prática, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social" [04] e que jamais foi acolhida pelo legislador". [05].

Aguiar Dias, na lição de Menegale e Sabatini, argumenta que "a responsabilidade do funcionário público é o ´substratum´ da responsabilidade do Estado. Onde, de fato, não houver responsabilidade direta do funcionário, não pode haver responsabilidade indireta do Estado" [06]

Diante do exposto, de rigor o reconhecimento da ilegitimidade da Fazenda Pública Estadual, para figurar no pólo passivo da presente demanda, razão pela qual requer seja julgado extinto o processo, sem exame de mérito.


III.

a)Prescrição

O fato descrito na inicial ocorreu em 24 de agosto de 2004, portanto, em agosto de 2007 ocorreu o irremediável decurso do lapso prescricional, tendo sido a demanda distribuída em setembro do ano corrente.

De acordo com a nova ordem legal, instituída pelo Código Civil, artigo 206, parágrafo 3º., n. V, as ações indenizatórias devem ser propostas no prazo de TRÊS anos, contados do ato ou fato que lhe tenha dado origem.

O Decreto 20.910/32, que regula a prescrição em face da Fazenda Pública, instituiu a regra do lapso qüinqüenal, excetuando, em seu artigo 10º. que:

"O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras"

Na lição de Luiz Duarte de Oliveira [07] "há, portanto, autorização legislativa bastante para que a Fazenda Pública, apesar de já beneficiada pela prescrição liberatória qüinqüenal trazida pelo Decreto de 1932, beneficie-se também dos prazos prescricionais menores, estabelecidos em razão da especificidade da pretensão de direito material veiculada".

Menciona o Autor que a questão já foi submetida ao crivo do Judiciário Paulista, na vigência do Código Civil de 1916 [08]. Enfrentava-se, à época, as ações movidas por peritos judiciais, nomeados em demandas em que as partes eram beneficiárias da gratuidade processual, que reclamavam do Tesouro Estadual a paga dos honorários arbitrados. Na oportunidade, sustentou-se que, embora o pleito fosse dirigido em face do Poder Público, a prescrição haveria de ser ânua, segundo o disposto no artigo 178, § 6º, inciso X, da codificação revogada [09], em razão da especialidade da pretensão.

Assim, vigorante a respeito novo prazo para a indenização, porque teve o lapso início já no curso da nova ordem civil, aplica-se a regra da prescrição trienal prevista no âmbito da demanda indenizatória.

Do exposto, requer seja julgado extinto o processo, com exame de mérito, acolhida a alegação de prescrição.

b) Do Direito

Ao que consta dos documentos trazidos pela própria Autora, o motim em questão teve por objeto única e exclusivamente levar a cabo plano de morte de duas detentas, por motivos particulares entre presidiários.

Como antes destacado, o movimento teve causa absolutamente diversa da questão da superlotação carcerária, qual seja, a morte de duas detentas – Aurinete Felix da Silva, a Netinha, mulher do presidiário César Augusto Roriz Silva, o Césinha, fundador do PCC e excluído da facção, pois o casal teria se unido ao grupo rival TCC (Terceiro Comando da Capital) e Quitéria Silva Santos.

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Eventual excesso de lotação não guarda nenhum liame com o fato, revelando-se absolutamente ausente o nexo de causalidade entre essa alegada falha de administração carcerária e o também alegado sofrimento moral que possa ter sido causado pelo evento à Autora.

De se destacar que mais não foi imputado ao Estado, não constando da inicial, em momento algum, que tenha a Administração Penitenciária descurado do dever de custódia ou qualquer outro, capaz de resultar no dano descrito.

Tinha a Autora condição que pode ser considerada privilegiada, pois cuidava da faxina, do berçário e dava aulas de inglês a outras detentas, não figurando como vítima de animosidade, capaz de dar ensejo às ameaças que retrata (fls. 25).

Tanto assim, que dos depoimentos prestados pelas detentas e funcionárias, não consta, em nenhuma passagem, alusão a seu nome (anexos), mas tão somente ao intento objetivado pelo movimento.

Mas, ainda que assim não fosse, verdade é que, não estivesse a Autora sob boa vigilância e proteção, não teria saído incólume, como de fato saiu, sem nenhuma lesão.

Suzane não estava entre as reféns e não foi ameaçada, posto que as detentas não tinham esse objetivo, mas outro, bem mais grave e sério e contra outras detentas. Não esteve nas condições que afirma na inicial, pois, ao que consta, foi colocada, junto com outras detentas, em uma quadra, sob segurança. Também não permaneceu sem alimentação durante 22 horas, certo que o referido ato teve duração muito menor (iniciou no final da tarde de uma terça feira e terminou na manhã de quarta feira). Ao contrário, e por força da destruição da cozinha, foi servido lanche às detentas, no mesmo dia e no dia seguinte à rebelião.

Destaque-se a respeito, conforme depoimento de fls. 82, prestado por Aparecida Inácio Lenhardt, que a Autora foi colocada em um pátio no setor de saúde, onde "a porta é muito forte, tanto que as presas não conseguiram arrombar a porta de entrada do pavilhão e ela (Suzane) permaneceu lá até o fim da rebelião".

De todo modo, e por excesso de zelo, foram Suzane e outras presidiárias transferidas para outro presídio, especialmente porque o motim causou danos materiais ao cárcere, que dificultariam a sua estadia naquele local.

Destaque-se a respeito que o E.Tribunal de Justiça de São Paulo, em questão similar, deixou assentado que "caberia à autora, para obter a indenização postulada, por ato de terceiro, provar a culpa da administração, ou seja, a observância ao principio geral da culpa civil, nas modalidades de imprudência, imperícia ou negligência, que não foram objeto do pleito inicial" [10]

No caso em exame, da mesma forma, fundou-se o exórdio na responsabilidade objetiva, indicando a culpa anônima do serviço, quando seria exigível que declinasse, desde logo, no caso concreto, a atitude culposa do agente público em relação ao fato noticiado.

Eventual e tardia alegação e conseqüente prova a ser produzida resta imprestável ao exame do pedido, pois conduziria ao julgamento nulo, por vício ´extra petita´, nos lindes dos artigos 128 e 460 do CPC.

E a responsabilidade por conduta omissiva, como a imputada ao Estado no exórdio, não prescinde da demonstração de culpa, a respeito aplicável a teoria subjetiva da responsabilidade civil, " determinando-se então a responsabilidade pela teoria da culpa ou da falta de serviço, seja porque este não funcionou quando deveria normalmente funcionar, seja porque funcionou mal ou funcionou tardiamente" [11]

O mesmo Autor afirma que "o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou..", vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra: quando se comporta ilicitamente ao abster-se" [12]. E ainda: " A responsabilidade por omissão supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imprudência ou imperícia, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionários, mas atribuída ao serviço estatal genericamente" [13], para concluir que " só o exame concreto dos casos ocorrentes poderá indicar se o serviço funcionou abaixo do padrão a que estaria adstrito por lei" [14]

Pelo exposto, resulta efetivamente inexigível do Poder Público a prestação pretendida, fazendo ausente o liame causal indispensável à caracterização da responsabilidade do Estado.

Quanto ao dano moral, não se encontra evidenciado e no caso depende de prova inequívoca, pois resulta da verificação do efetivo abalo causado à esfera ideal do ofendido.

A exigência da prova do fato, do nexo de causalidade e da culpa - em se tratando de ato ilícito - ou de anormalidade, - em caso de ato lícito -, são os requisitos mínimos à persecução da reparação moral. [15]

À avaliação do dano moral aplicam-se as regras de avaliação probatória gerais. Ou seja, há casos em que a presunção, creditada à avaliação da experiência comum, dispensa a produção probatória – é o caso do fato notório. Aguiar Dias afirma que "o que se verifica, em matéria de responsabilidade, é o progressivo abandono da regra actori incumbit probatio, no seu sentido absoluto, em favor da fórmula de que a prova incumbe a quem alega contra a normalidade, de que é válida tanto para a apuração de culpa, como para a verificação de causalidade. À noção da normalidade se juntam, aperfeiçoando a fórmula, as de probabilidade e de verossimilhança que, uma vez que se apresentem em grau relevante, justificam a criação das presunções de culpa." [16]

O II TACSP, de modo didático, abordou a teoria da "responsabilização pelo simples fato da violação", introduzida pela lição de BITTAR, advertindo, todavia, que "é preciso contextualizar essas afirmativas, sobretudo quando exemplifica que uma vez constatada a conduta lesiva, ou definida objetivamente a repercussão negativa na esfera do lesado, surge a obrigação de reparar o dano para o agente..., pois há casos em que o dano moral está presente no fato violador que o Autor exemplificou: não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra com a publicação ofensiva em jornal ou o autor provar que ficou vexado com a não inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante. [17]

O I TACSP delimitou o tema ao decidir que "o dano moral, embora se qualifique como só moral, sem repercussão material, significa prejuízo, perda e, de alguma forma, deve o ofendido demonstrá-lo. Claro que tal demonstração se dispensa quando a perda é de tão grande monta que se revele intuitiva sua ocorrência, como é o caso de ferimento ou de morte de ente querido. A prova, todavia, não é dispensável quando não seja tão evidente a intensidade do dano". [18]

Não é o caso dos autos, onde a presunção milita desfavoravelmente à conseqüência dos fatos descritos na inicial. A prova, na presente demanda, conta com veementes indícios absolutamente contrários à versão da Autora.

Vamos a um breve histórico, capaz de demonstrar o asserto, e de trazer à evidência, mais uma vez, a farsa e a insensibilidade emocional que guia sua conduta.

Suzane Richthofen, autora desta demanda reparatória contra o Estado de São Paulo, não há como deixar de destacar, é ré criminal confessa, por ter assassinado, em co-autoria, seus pais.

Ao que consta, o crime foi planejado e meticulosamente cumprido um ritual que tinha por objetivo a garantia da impunidade. Segundo depoimento dos próprios acusados à polícia [19]:

- antes do assassinato, o irmão de Suzane --então com 15 anos-- foi levado por ela até um "cybercafé".

- Em seguida, ela e o namorado encontraram Cristian e seguiram para a casa.

- Suzane entrou e foi ao quarto dos pais para constatar que eles dormiam. Depois, acendeu a luz do corredor, e os rapazes golpearam o casal.

- A biblioteca da casa foi revirada, para simular um assalto. Em seguida, Cristian foi para casa, com o dinheiro levado dos Richthofen, enquanto Suzane e Daniel se livraram do material usado no crime.

- Na tentativa de forjar um álibi, os namorados passaram duas horas em um motel.

- Depois, ambos pegaram o irmão de Suzane no cybercafé, retornam à casa e avisaram a polícia sobre o encontro dos corpos.

A notícia causou (e causa até hoje) indignação pública, pois o itinerário do crime, revelou a absoluta frieza dos meliantes e da filha Suzane, antes, durante e depois da ação criminosa, emocionalmente alheia ao fato de o crime referir-se a seus próprios pais.

Em seguida, a Suzane voltou a chocar a opinião pública, ao protagonizar uma verdadeira farsa, em entrevista ao Programa Fantástico, da Rede Globo, na qual seus advogados (que também a representam nesta demanda), "Barni e Mario Sérgio disseram a Suzane para chorar, interromper a entrevista e a dizer que não agüentava mais falar sobre o assunto. Foi o que aconteceu. "Chora", diz Barni a Suzane, ao que ela responde: "Não vou conseguir". Segundo a Globo, ela interrompeu a entrevista onze vezes para chorar, mas em nenhuma delas havia sinais de lágrimas." [20]

Logo após, veio a ser decretada sua prisão novamente, considerado que sua liberdade colocava em risco a vida de seu irmão, ameaçado por não disponibilizar a herança dos pais.

O que se procura extrair desse relato, fica agora evidente, ou seja, a frieza de sentimentos de Suzane, seja por conta dos detalhes do crime, seja porque, mesmo com o resultado e o tempo passado, não ostenta qualquer sofrimento em razão de sua grave conduta, menos ainda das conseqüências a que deu causa.

SUZANE RICHTHOFEN NÃO TEM CAPACIDADE SEQUER PARA SENTIR UMA DOR MAIOR, A DOR DO ARREPENDIMENTO E DA PERDA, SENDO DE TODO RAZOÁVEL SUPOR QUE NÃO POSSA SENTIR DOR MORAL POR CONTA DE EPISÓDIO DE INTENSIDADE INFINITAMENTE MENOR, COMO O RELATADO NA INICIAL.

Antonio Jeová Dos Santos [21] trazendo a lume o ensinamento de Pizarro, destaca que se deve desde logo verificar, para apuração do dano moral, as conseqüências que a ação antijurídica produz no ânimo do prejudicado. Assinala ainda que "o dano moral ultrapassa aquele dado puro e simples do afetivo, dos sentimentos, projetando seus efeitos para outras áreas da personalidade, como a capacidade de querer, de sentir e de entender. A modificação espiritual estende seus efeitos de forma ampla, pois essa alteração desfavorável pode atingir outros espaços da subjetividade do prejudicado. Zavala discrimina cada uma dessas capacidades, afirmando que a dimensão espiritual de uma pessoa não se reduz à órbita afetiva ou de sua sensibilidade (capacidade de sentir) pois compreende também a intelectual (capacidade de entender) e outra volitiva (capacidade de querer). Quando o ato afeta ou compromete o desenvolvimento de qualquer destas capacidades de um modo negativo ou prejudicial, configurado está o dano moral. A privação ou supressão temporal de qualquer dessas faculdades deve ser indenizada pelo desvalor subjetivo que denotam".

Rui Stocco [22] aborda a questão, afirmando que "a pessoa com problemas mentais irreversíveis, em estado mental vegetativo, alheia ao mundo exterior ou voltada para si mesma, como o autista, o comatoso, não tem essa percepção de bem-estar ou mal-estar, nem é dotada de personalidade própria (...) e não possui imagem projetada perante a sociedade pela razão simples de que dela está apartada e isolada em função do déficit que apresenta".

Critica a posição de Pizarro, indicando incoerência no pensamento por ele traduzido, na medida em que esse Autor credita a todo e qualquer ser, de modo incondicional, a possibilidade de sentir o dano moral e, ao mesmo tempo, admite que "o dano moral ultrapassa aquele dado puro e simples do afetivo, dos sentimentos, projetando seus efeitos para outras áreas da personalidade, como a capacidade de querer e entender". Traz a lume a lição de Enoch Aguiar, ao afirmar que "o dano se mede e não tem outro ponto de comparação que não o estado de consciência de quem o sofreu, antes e depois do fato que o causou"

Assim, mais razoável o entendimento no sentido de que, considerado o conceito de dano moral aliado aos efeitos do ato, deverá ser efetivamente aquilatada a repercussão efetiva na personalidade da vítima e sua aptidão para assimilar tais efeitos de modo perceptivo [23].

O mesmo raciocínio cabe a quem seja, como Suzane, portadora de desvio de personalidade que revela insensibilidade à dor, especialmente em situações de maior gravosidade, como as que participou, ao cometer o ato criminoso contra seus próprios pais; participar de uma farsa onde revelou não ser capaz de chorar pela perda ou pelo arrependimento; constituir ameaça a seu irmão, por causas patrimoniais.

Portanto, ainda que por absurdo se pudesse admitir a responsabilidade do Estado e que, dela tivesse decorrido dano, não se poderia reconhecer a conseqüência por ela descrita na inicial, revelando-se ausente o dano indenizável.

Também por eventualidade, fosse devida a indenização, jamais o seria na escandalosa cifra pleiteada. Aspecto que merece consideração reside na aferição do valor indenizatório quando seja parte o Estado, aqui considerado lato sensu. O E.Superior Tribunal de Justiça, a respeito de ação indenizatória por morte de detento, decidiu que "O Estado não é um ente inanimado. Anima-o, move-o o povo, os que labutam, os que trabalham. Os ressarcimentos que ele paga decorrem da produção dos trabalhadores, de qualquer seara, mas trabalhadores. A imprudência, a negligência ou a imperícia da Administração, infelizmente, traz conseqüências aos cidadãos contribuintes e trabalhadores. Por isto, o ressarcimento por uma vítima traz centenas de outras. A moderação é devida e, neste caso, vê-se afastada a hipótese do pedido de majoração". [24]

Considerou o TJSP que "o Estado é apenas uma meio e não um fim, devendo ser destacado que o Poder Público (Estado) não produz seus recursos financeiros, mas a quase totalidade dos recursos provém do exercício do poder de império e em forma de tributos." [25]

O mesmo Tribunal, em outra ocasião, salientou que "quando se pune o Estado, a rigor, entenda-se "povo", uma vez que o Poder Público não produz quase nada e mais de 90% dos recursos públicos são impostos, cujo fato gerador independe de qualquer atividade estatal (artigo 16 CTN). De outra parte, dizer que o Estado é um ente econômico poderoso, se for levado em conta o montante dos recursos movimentados, pode até ser ilusoriamente verdade."

E arremata: "Entretanto, caso seja levado em consideração o critério da liquidez ou do superávit, a situação se inverte totalmente. Punir o Estado pela arbitrariedade praticada por seus agentes, especialmente pelo critério de se evitar futuras ocorrências da mesma natureza, apresenta-se como paliativo inócuo e sem efetividade, já que, pelo número de agentes públicos, se a maioria são cumpridores de seus deveres legais e funcionais, sempre haverá alguém, uma parcela minúscula que praticará atos de repercussão nacional e internacional como no caso destes autos". [26]

Há inúmeras passagens no Codex e em outros textos legais que revelam a preocupação do legislador, como, e.g., no caso do parágrafo 4o. do artigo 20, que exclui a Fazenda, na condenação, do limite mínimo na fixação dos honorários advocatícios ou ainda nos casos em que dilata prazos, como os da contestação e dos recursos (art. 188); de ineficácia da sentença sujeita ao reexame necessário (art. 475) e da sujeição da execução ao rito dos artigos 730 do CPC e 100, da CF; do procedimento para a execução fiscal (Lei 6830/80), do arresto independente de justificação judicial (art. 816,I); da reintegração de posse (art.928); entre outras.

Tais garantias - e não privilégios -, convém ressaltar desde logo, convivem harmoniosamente com o princípio da isonomia constitucionalmente consagrado no artigo 5º, caput e inciso I da Magna Carta [27], devendo ser levada em conta essa posição na fixação moderada da indenização devida pelo Estado.

NELSON NERY JUNIOR [28], ao tratar do tema afirma que "o que o princípio constitucional quer significar é a proteção da igualdade substancial e não a isonomia meramente formal. Trata-se da igualdade efetiva, de fato, e não apenas e tão-somente a igualdade jurídica como trata o Autor, na lição de FRITZ BAUR [29]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Rebelião em presídio.: Estado contesta ação de indenização de Suzane Richthofen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1610, 28 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16819. Acesso em: 16 nov. 2024.

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