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Verba de gabinete com caráter remuneratório. Improbidade administrativa

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Agenda 02/12/2007 às 00:00

O Ministério Público da Bahia ajuizou ação civil pública contra ato de improbidade administrativa praticado por vereadores que instituíram, por meio de resolução, verba de gabinete , administrada através de cada um dos vereadores, com caráter remuneratório.

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL E PRIVATIVA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ILHÉUS – BA.

"Dormia a nossa Pátria-mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações."

Chico Buarque de Holanda

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por sua agente infrafirmada, lotada na 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, com endereço para intimações na Rua Major Homem Del Rey, 45, Cidade Nova, nesta cidade, legitimada pelos artigos 129, inciso III, da Constituição Federal, 1º, inciso I, da Lei nº 7.347/85 e 72, inciso IV, da Lei Complementar nº 11/96 e com fundamento na Lei nº 8.429/92, vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, com pedido de Liminar, pelo rito ordinário, contra os Vereadores desta Comarca, à época dos fatos, a seguir nominados:

1.ARM, brasileiro, casado, comerciante, natural de Ilhéus(BA), comerciante, filho de JM e JRM, residente e domiciliado na Rua xxx, xx, Bairro XX;

2.AAS, brasileiro, casado, gerente, natural de Ilhéus/BA, filho de DAS e JFS, residente e domiciliado nesta comarca, à Avenida xxx, xx, Bairro XX;

3.AFBO, brasileiro casado, agente administrativo, natural de Ilhéus/BA, filho de JSOe AB, residente e domiciliado nesta comarca, à Rua xx,xx, Bairro XX;

4.CAFO, brasileiro, casado, comerciante, natural de Ilhéus/BA, filho de MPO e VCF, residente e domiciliado nesta comarca, à Avenida xxx, xx, Bairro XX;

5.ESS, brasileiro, solteiro, servidor público estadual, natural de Ilhéus/BA, filho de MMS e MSS, residente e domiciliado nesta comarca, à Rua xxxx, xx, Bairro XX;

6.AGSF, brasileiro, solteiro, estudante, natural de Itacaré/BA, filho de EGS e MRS, residente e domiciliado nesta comarca, à Rua xx, xxx, Avenida xx;

7.FCSN, brasileiro, casado, médico, natural de Santo Antonio de Jesus/BA, filho de MRS e MBAS, com endereço na Câmara Municipal de Ilhéus/BA;

8.GCS, brasileiro, solteiro, natural de Ilhéus/BA, filho de ACS e ACS, residente e domiciliado nesta comarca, à Rua xx,xx, xx;

9.IES, brasileiro, solteiro, natural de Ilhéus/BA, filho de CES e ISS, com endereço na Câmara Municipal de Ilhéus/BA;

10.JAN, brasileiro, solteiro, motorista de veículos de transporte coletivo, natural de Ilhéus/BA, filho de JRN e MLA, residente e domiciliado nesta comarca, à Avenida xxx, xx, Bairro xx;

11JSR, brasileiro, solteiro, advogado, natural de Ibicarai/BA, filho de J F R, ESR, residente e domiciliado nesta comarca, à Avenida xx, S/Nº,xx;

12.JCS, brasileiro, solteiro, vendedor de comercio varejista e atacadista, natural de Ilhéus/BA, filho de JRS e HCA, residente e domiciliado nesta comarca, à Avenida xx, xx;

13.JFA, brasileiro, casado, advogado, natural de Entre Rios/BA, filho de TFA e JMA, com endereço na Câmara Municipal de Ilhéus/BA;

14.MVMP, brasileiro, casado, comerciante, natural de Itabuna/BA, filho de ASP e MLMP, residente e domiciliado nesta comarca, à Praça xx,xx, xx;

15.MFP, brasileira, solteira, estudante, natural de Camacan/BA, filha de JJP e MLS, residente e domiciliada nesta comarca, à Rua Marques de xxx, x, xx;

16.RBS, brasileiro, casado, natural de Ilhéus/BA, filho de JBS e JBS, residente e domiciliado nesta comarca, à Avenida xx,xx, ;

17.RS, brasileiro, solteiro, estivador, natural de Ilhéus/BA, filho de GLS e FMO, residente e domiciliado nesta comarca, à Rua xxx, xx, BAirro xx;

18.VDS, brasileiro, solteiro, auxiliar de escritório e assemelhados, natural de Uruçuca/BA, filho de VLS e HDS, residente e domiciliado nessa comarca, à Quadra xx, Lote xx, Bairro xx;

19.ZMS, brasileiro, solteiro, protético, natural de Aurelino Leal/BA, filho de ABS e LMS, residente e domiciliado nesta comarca, à Rua xx, xx, Bairro xx;

20. AMAA, brasileira, Vereadora do Município de Ilhéus/BA, com endereço na Câmara Municipal desta comarca.

pelas razões a seguir aduzidas:


I – DOS FATOS

O Procedimento Administrativo nº 037/02-Pat foi instaurado pela 8a Promotoria de Justiça de Ilhéus, para apurar a possível prática de atos de improbidade administrativa por parte dos réus, Vereadores deste Município, com mandato no ano de 2001, com manifesto prejuízo ao Erário e aos princípios constitucionais que devem reger a Administração Pública.

Isto porque, segundo constou em termo de ocorrência lavrado pela 4ª Inspetoria Regional do Tribunal de Contas dos Municípios, no ano de 2001, houve pagamento de Verba de Gabinete aos réus, tendo como fonte a Resolução nº 446, de 28/02/2001, da Câmara Municipal de Ilhéus.

Um dos pagamentos foi realizado na data 05 de março de 2001 (fls. 07. a 28), mediante processo nº 168, acompanhado da Nota de Empenho nº 2057, de 01/03/2001, no valor R$ 40.500,00 (quarenta mil e quinhentos reais), ao credor A.A.S E OUTROS. A Inspetoria examinou, ainda, o processo de pagamento de nº 301, Nota de Empenho nº 2057, de 02/04/2001, no valor R$ 46.800,00 (quarenta e seis mil e oitocentos reais), tendo como credor A.O. E OUTROS, datado de 02 de abril de 2001, (fls. 30. a 51).

A referida Verba de Gabinete oportunizava aos réus realizarem despesas, a custo do Erário, com combustíveis, artigos e material de escritório, uso de linha telefônica, manutenção de veículos, medicamentos, refeições, publicidade, locação de veículos, funerais, etc., conforme se depreende do artigo 3º da Resolução nº 446 e Anexo I, com publicação no Diário de Ilhéus, juntada à fl. 52.

Salienta-se que foi anexado aos autos o Parecer nº 301/01 (fls. 53/62), destinado à Câmara Municipal de Itabuna, em que o Tribunal de Contas dos Municípios, em situação semelhante, através da Coordenadoria de Assistência aos Municípios e Acompanhamento Interno, na pessoa do Dr. Evânio Antunes Coelho, concluiu pela ilegalidade do ato administrativo, pela infringência às normas legais e aos princípios constitucionais regedores da Administração Pública.

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O processo da Câmara de Vereadores de Ilhéus foi encaminhado à análise da Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas dos Municípios, que emitiu parecer AA nº 1.704/01 (fls. 78/85), o qual foi acolhido na íntegra pela Relatoria do mesmo Tribunal, no sentido de que "as atribuições cometidas aos Vereadores são, essencialmente, legislativas, não se devendo admitir que os mesmos, inobservando competência privativa do Presidente da Câmara, se transformem em ordenadores de despesas". Concluiu, ainda, que a Verba de Gabinete, tomando-se em consideração a habitualidade, anterioridade e uniformidade para todos os vereadores, possuía caráter eminentemente remuneratório e que devia ser restituído ao Erário Público o quantum recebido e excedente aos limites estabelecidos pela Carta Magna.

No Parecer Prévio do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia nº 752/02, fls. 152. a 155, opinou-se pela aprovação, porque regulares, porém com ressalvas, das contas da Mesa da Câmara Municipal de Ilhéus, relativas ao exercício de 2001. Consignou o órgão técnico que fora ultrapassado o limite máximo fixado na Constituição para recebimento pelos Edis, de cinqüenta por cento (50%) dos subsídios do Deputado Estadual. O valor pago a maior fora justamente o obtido através de Verbas de Gabinete, recebidas em período ordinário, autorizadas pela Câmara Municipal.

Deliberou o Tribunal de Contas dos Municípios que a Sra. Ana Margarida A. Amado devia devolver aos cofres públicos municipais a importância de R$ 2.329,65 (Dois mil, trezentos e vinte nove, sessenta e cinco centavos); o Sr. FCSN, a importância de R$ 21.929,77 (vinte e um mil, novecentos e vinte nove reais, setenta e sete centavos) enquanto os demais vereadores: ..., a quantia de R$ 24.259,42 (vinte e quatro mil, duzentos e cinqüenta e nove reais, quarenta e dois centavos), cada um. Devia retornar aos cofres públicos municipais o total de R$ 436.669,56 (Quatrocentos e trinta e seis mil, seiscentos sessenta e nove reais, cinqüenta e seis centavos), valor corrigido pelo IPC da FIPE até Outubro de 2002.

No mesmo Parecer nº 752/02 e em Deliberação de Imputação de Débito nº 661/02 (fl. 156), foi determinado ao Sr. JSR, então Presidente da Câmara Municipal de Ilhéus/BA, que no prazo de trinta dias, contados da publicação daquele decisório, providenciasse o recolhimento ao Erário municipal da importância de R$ 436.669,56 (quatrocentos e trinta e seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais, cinqüenta e seis centavos), relativa à Verba de Gabinete, recebida indevidamente pelos réus.

O referido Presidente da Câmara Municipal de Ilhéus/BA interpôs Pedido de Reconsideração, alegando equívoco existente no item "c" do Parecer Prévio nº 752/02. No entanto, a pretendida reconsideração não foi acolhida, mantendo inalterados os valores recebidos indevidamente pela Vereança (fls. 158/159).

Foram inscritos em Dívida Ativa os débitos oriundos do Parecer Prévio nº 752/02 do Tribunal de Contas dos Municípios, no valor de R$ 436.669,56 (quatrocentos e trinta e seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais, cinqüenta e seis centavos), encontrando-se as respectivas Certidões na Sub-Procuradoria Fiscal do Município de Ilhéus (fl.146).

Apesar de já inscritos em Dívida Ativa, somente serão executados pela Procuradoria Fiscal na ordem de emissão, conforme informado à fl. 160, devido ao grande volume de processos a serem submetidos à ação executiva fiscal. Segundo o Subprocurador, respeitando-se a ordem de emissão das Certidões, evitar-se-á também a prescrição dos Créditos Fiscais.

Embora tolerável a justificativa da Subprocuradoria Fiscal, a demora na cobrança de tais valores e de tomada de posicionamento pelos órgãos de controle acarreta prejuízo à Municipalidade, tendo em vista a possibilidade de utilização da verba, considerada vultosa, em benefício da comunidade, em obras e serviços e implementação dos direitos sociais.

Além disso, tem-se que os réus, ao legislarem em causa própria, através de resolução, instituindo a Verba de Gabinete para atenderem as suas atividades parlamentares, transformando-se em ordenadores de despesa, sem respaldo legal, praticaram ato de improbidade administrativa, que lhes gerou enriquecimento ilícito e dano ao Erário, bem como feriram os princípios constitucionais da Administração, notadamente a impessoalidade, a moralidade e a legalidade.

O valor correspondente à aludida Verba de Gabinete corresponde ao limite de 30% da conferida aos Gabinetes dos Deputados. Sua transferência opera-se por solicitação do vereador, ou assessor designado, para uma conta bancária específica. De posse de tal verba, o Vereador, ele próprio, aplica os recurso transferidos nos seguintes elementos de despesas: 1- Outros Serviços de Terceiros – Pessoa Jurídica; 2- Outros serviços de Terceiros – Pessoa Física; 3- Materiais de Consumo; 4- Equipamentos e Material Permanente.

Para a prática do ato ilegal de receber mensalmente quantias públicas a que não faziam jus, tiveram a plena ciência da ilicitude. Tanto que as contas da Câmara Municipal de Ilhéus, para o ano de 2001, apresentaram ressalvas, justamente contra a percepção da Verba de Gabinete, determinando o recolhimento ao Erário de tais quantias, no prazo de trinta dias.

Vencido o prazo, não cuidaram os réus de, voluntária e espontaneamente, restituir a quantia pública que indevidamente auferiram. Ao contrário, dela estão a se utilizar, a seu exclusivo talante, desde o ano de 2001.

Diante deste quadro, resta a exposição dos fatos e do direito lesado ao Poder Judiciário, para que volte a imperar a moralidade e os mais elementares princípios de natureza contábil, financeira, orçamentária e patrimonial, todos violados pelos réus.


II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

2.1 Da afronta a princípios regedores da Administração Pública

Conforme os ditames da Constituição Federal, em seu artigo 37, caput, "a Administração Pública direta ou indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência".

A instituição de Verba de Gabinete, pelos acusados, enquanto membros da Câmara Municipal de Ilhéus, através da Resolução n° 446/2001, em período ordinário, no ano de 2001, feriu tais princípios da Administração Pública, bem como normas legais infraconstitucionais.

Feriu o princípio da legalidade, porque inexiste previsão legal de sua instituição. Não pode cada membro do Poder Legislativo ordenar despesas com material de consumo, funerais ou contratação de pessoas jurídicas ou físicas. Isto porque o orçamento é uno e plurianual; deve ser previsto em legislatura anterior para vigorar em posterior, de forma a impedir que os Vereadores legislem em causa própria. Cabe aos vereadores, precipuamente, as funções legiferante e de fiscais dos atos da administração local. Não há lei que lhes cometa a função de ordenadores de despesas de seus gabinetes, ressalvada a função privativa do Presidente da Câmara.

Desrespeitou, ainda, o princípio da impessoalidade, visto que não observou o interesse público como premissa maior, podendo haver um favoritismo e beneficiamento de determinadas pessoas, ou até mesmo, um clientelismo pernicioso, já que cada réu, sem procedimento licitatório, escolhe os credores a quem vai destinar a sua verba de gabinete. Sem contar com a falta de adequada publicidade e da devida prestação de contas.

A Resolução nº 446/2001, instituindo a Verba de Gabinete para os réus, também confrontou ao princípio da moralidade. Conforme consignado no Parecer de lavra Dr. Evânio Antunes Coelho Cardoso, Coordenador do Tribunal de Contas dos Municípios (fls. 53/62), citando Weida Zancaner, "em síntese podemos dizer que o administrador afrontará o princípio da moralidade todas as vezes que agir visando interesses pessoais com fito de tirar proveito para si ou para amigos".

Enfim, o agente político deve atuar segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.

2.2. Da afronta a princípios de natureza contábil, financeira e orçamentária

Por outro lado, lembra-se que a Lei Complementar nº 101/2000, ao estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, expõe em seu artigo 1°, § 1°, in verbis:

§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Assim sendo, todo dispêndio que a Administração Pública fizer para o custeio de seus serviços, remuneração de seus servidores e outros empreendimentos para consecução de seus fins, deve estar previsto no orçamento e compatibilizado com o plano plurianual.

Por conta disto, resultam as vedações abrangendo a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, a transposição de recursos de uma dotação orçamentária sem prévia autorização legal, a abertura de crédito especial ou suplementar também sem autorização legal e sem indicação dos recursos correspondentes. Devidamente autorizadas todas as despesas, para sua efetivação, deverão passar pelos estágios de fixação e esclarecimento.

Por outro lado, o orçamento tem como um de seus princípios a unidade por esfera de governo. Na esfera municipal, o Prefeito é o gerente do orçamento do Município, enquanto a Câmara Municipal é tão-somente uma unidade orçamentária, não possuindo orçamento próprio. Por esta razão, não é lícito que uma Câmara de Vereadores possa realizar empenhamento em dotação orçamentária da Edilidade de despesas alheias às suas atribuições e provavelmente do conhecimento do gestor do orçamento uno do Município, a exemplo das previstas pela combatida Resolução nº 446/01 .

Os dispêndios para a manutenção dos Gabinetes dos Edis, quando existentes, deverão estar incluídos entre as despesas do custeio da Câmara Municipal, para o quê deverá ter dotação específica.

A Verba de Gabinete consiste, na prática, "no valor que se paga ao Vereador, paralelamente aos subsídios que recebe, para que desempenhe as funções para as quais foi eleito", assim definido pelo Dr. Afonso Barbuda, Chefe da Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas dos Municípios (fl.81).

Em fundamentada observação quanto à natureza jurídica da Verba de Gabinete, admitindo-se o absurdo dela vir a ser instituída pela Edilidade, a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas dos Municípios, no Parecer n.º 1.704/2001, concluiu que "deverá ser ela concebida como remuneração e, assim sendo, computada para efeito dos limites impostos pela Constituição Federal".

Isto porque a Verba de Gabinete se reveste de certas características, como a habitualidade, sendo paga mensalmente, previamente fixada e uniforme para todos os vereadores. Sendo assim, na medida em que, somada aos subsídios recebidos pelos Edis, ultrapasse os limites estabelecidos pela Constituição Federal, artigos 29, 29-A e incisos V, VI, deverão os Edis restituir ao erário municipal o quantum recebido a mais e irregularmente.

2.3. Da prática de atos de improbidade administrativa:

O exercício do mandato, a despeito de ser munus público, é remunerado, conforme estatui o artigo 29, inciso V, da Constituição Federal. A remuneração do vereador é fixada, no seu quantum, pela Câmara Municipal em cada legislatura, para vigorar na seguinte, observados os artigos 37, inciso XI; 150, inciso II e 153, § 2°, todos da Carta da República.

Segundo o doutrinar NILO DE CASTRO, a regra de se fixar a remuneração no final da legislatura pra vigorar na subseqüente, estabelecendo-se, aí, os critérios de reajustes, afasta a pecha de se legislar em causa própria.2

Desta assertiva, percebe-se a prática de atos de improbidade administrativa na instituição de Verba de Gabinete pelos réus. Se tomada em si própria, tal verba já é questionável, assim como o instrumento normativo utilizado para sua instituição, no mínimo, ao ter sido fixada, deveria vigorar somente na legislatura subseqüente.

Tendo sido instituída e entrado em vigência na mesma legislatura, percebe-se o claro intento dos réus em auferir provento irregular, que os levou ao enriquecimento ilícito.

Salienta-se ainda, que com a instituição da Resolução nº 446/2001, os réus, Vereadores do Municio de Ilhéus, lograram vencimentos superiores a de um Deputado Estadual. E isto está vedado pela Constituição Federal, que fixa como teto máximo para os vencimentos de vereadores, em Municípios com população entre cem mil e um a trezentos mil habitantes, o subsídio máximo de cinqüenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais. (Constituição Federal, art. 29, inc. VI, letra d ).

Consoante os termos da Lei nº 8.429/92, em seu artigo 9º, incisos XI e XII, in verbis,

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.

O mesmo ato causou prejuízo ao erário público, na ordem de R$ 436.669,56 (quatrocentos e trinta e seis mil, seiscentos e sessenta e nove reais, cinqüenta e seis centavos). Não estavam as despesas autorizadas em lei.

Ressalta-se, ainda, o dolo com que incorreram os réus. Têm, enquanto vereadores, além da principal atribuição legislativa, as funções de controle e de fiscalização de determinados atos do Executivo, inclusive o seu acompanhamento orçamentário. Conhecem os Edis as normas e princípios que regem a disposição, aplicação e liberação de verbas públicas.

Além disto, foram devidamente alertados quanto à ilegalidade e inconstitucionalidade do ato pelo controle externo do Tribunal de Contas dos Municípios nos mencionados pareceres, sem que espontânea e voluntariamente se propusessem a devolver aos cofres públicos a verba indevidamente recebida, que ultrapassou o limite máximo de 50% (cinqüenta por cento) dos subsídios do Deputado estadual fixado na Constituição Federal.

Nítida está a infringência, pelos réus, aos preceitos dos artigos 10, notadamente, caput e incisos IX e XI, a seguir transcritos:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, mal baratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

Por fim, como já salientado no item 2.1, a instituição da Verba de Gabinete por Resolução da Câmara de Vereadores de Ilhéus, seguida do recebimento de seus valores pelos edis, ora réus, sem a sua devolução aos Cofres Públicos, mesmo determinada pelo Tribunal de Contas dos Municípios, feriu princípios da Administração Pública e Orçamentários, constantes tanto da Constituição Federal como da Lei Complementar nº 101/01, no que dispõe sobre o orçamento plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Conseqüentemente, incidiram os réus também nos lindes do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, in verbis:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

Em decorrência da ofensa aos aludidos dispositivos legais, devem os acionados sujeitarem-se às penas do artigo 12, da Lei nº 8.429/92, por infração aos artigos 9º, caput e incisos XI e XII, 10, incisos IX e XI, e 11, caput, de referido diploma legal.

Sobre a autora
Karina Gomes Cherubini

Promotora de Justiça do Estado da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Gestão Pública pela Faculdade de Ilhéus. Especialista em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHERUBINI, Karina Gomes. Verba de gabinete com caráter remuneratório. Improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1614, 2 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16821. Acesso em: 5 nov. 2024.

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