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Promotor pede arquivamento de inquérito por considerar Lei Seca inconstitucional

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Agenda 20/03/2009 às 00:00

IV – DA POSSIBILIADADE DE INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ARTIGO 306 DO CTB. EXIGÊNCIA DE CONDUÇÃO ANORMAL PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO

As inovações penais da Lei 11.705/2008, como vimos, foram desastrosas. Caso seja tentada a mera responsabilização penal do condutor com base na alcoolemia, conforme aponta a leitura expressa do texto legal, outra alternativa não restará que não seja reconhecer a flagrante inconstitucionalidade do tipo penal que passou a constar do artigo 306 do CTB, com as graves conseqüências daí resultantes, pois a sociedade não poderá mais dispor da necessária repressão penal da embriaguez ao volante e, mais ainda, consagrar-se-á a impunidade com a retroação dos efeitos da extinção do crime em nosso ordenamento jurídico.

Entretanto, uma leitura integral do tipo e de outras disposições do CTB alteradas pela Lei 11.705/2008 aponta para uma possibilidade de sobrevivência da infração penal caso seja dada atenção à presença da expressão "sob influência", presente na parte final da descrição típica para qualificar a conduta de conduzir veículo com utilização de outras substâncias psicoativas.

Este entendimento é exposto com clareza por Damásio Evangelista de Jesus:

" 4. Onde se encontra a elementar "sob a influência"?

O legislador, na definição da infração administrativa, inseriu a elementar "sob a influência":

"Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer [...]". Na primeira parte da descrição do crime de embriaguez ao volante, entretanto, omitiu-a. Dividido o tipo penal em duas partes, pois cremos que foi essa a intenção do legislador, temos que a primeira reza:

"Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas".

A segunda parte dispõe:

["Conduzir veículo, na via pública,] estando [...] sob a influência de qualquer outra substância [...]".

Na primeira parte, referente a álcool, nenhuma referência à influência etílica. Na segunda, concernente a qualquer outra substância, expressa exigência da influência alcoólica.

Aplicando-se a interpretação simplesmente literal, chega-se à afirmação de que o legislador pretendeu que haja delito com a suficiência de encontrar-se o motorista, na direção de veículo automotor, com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas (primeira parte do art. 306). No caso de "outra substância", contudo, seria necessária a presença da "influência" (segunda parte). Nada mais inadequado.

Como, então, chegar-se à conclusão de que, em relação à primeira parte da disposição, referente a álcool, é preciso, também, que o motorista esteja dirigindo "sob sua influência"?

Verifica-se o seguinte:

O art. 7.º da lei nova determina:

"A Lei n. 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4.º-A:

‘Art. 4.º-A Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool,

punível com detenção’." (grifo nosso).

Além disso, o art. 5.º, V, da lei nova, prescreve:

"O art. 291 (do Código de Trânsito) passa a vigorar com as seguintes alterações:

‘Art. 291. [...]

§ 1.º Aplica-se aos crimes de trânsito [...], exceto se o agente estiver:

I – sob a influência de álcool ou qualquer outra substância’ [...]" (grifo nosso).

Dessa forma, por meio de interpretação sistemática, vê-se que o espírito da norma, considerada em face do todo, é o de considerar praticado o crime de embriaguez ao volante somente quando o condutor está sob a influência de substância alcoólica ou similar, que tem o significado de direção anormal.

Seria impróprio que o legislador, no tocante a álcool, considerasse a existência de crime de embriaguez ao volante só pela presença de determinada quantidade no sangue e, no caso de outra substância, exigisse a influência. Como esta possui o conceito de condução anormal, seria estranha a sua exigência na redação da infração administrativa e sua dispensa na definição do crime.

Estamos, pois, seguramente convencidos de que, nas duas hipóteses – de infração administrativa (art. 165 do CTB) e de crime de embriaguez ao volante (art. 306) – , há uma semelhança e uma diferença:

Semelhança: os dois tipos requerem que o agente esteja dirigindo veículo automotor sob a influência de álcool ou similar;

Diferença: o limite de teor alcoólico é diverso."

(EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: NOTAS À LEI N. 11.705/2008. Artigo publicado no Informativo Phoenix nº. 36, novembro/2008)

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Tendo em vista que a adoção pura e simples da responsabilização objetiva baseada na alcoolemia não atende a um juízo de constitucionalidade, a adoção da interpretação antes exposta pode proporcionar alguma sobrevida ao tipo penal do artigo 306 do CTB, evitando-se que a sociedade fique desguarnecida de qualquer instrumento penal de repressão da conduta de embriaguez ao volante.

Porém, como destacado, a aplicabilidade do crime fica restrita aos casos em que for comprovada a efetiva influência do álcool ou substância psicoativa na capacidade de condução do motorista, elemento típico que se extrai de uma leitura sistemática do texto da lei. Assim, mantém-se a exigência de demonstração de perigo concreto (na modalidade abstrata) na conduta do agente para a caracterização do crime, de tal forma que resta minimamente preservado o caráter subsidiário da utilização do Direito Penal, por meio de uma interpretação do texto legal compatível com o princípio constitucional da proporcionalidade.


V - CONCLUSÃO

Ante o exposto, tendo em vista a ausência de descrição de perigo concreto na conduta do indiciado, requer o Ministério Público o arquivamento do inquérito policial em razão da atipicidade do fato apurado nos autos, requerendo ainda a devolução do valor pago pelo indiciado a título de fiança.

Nestes termos, pede deferimento.

Mossoró-RN, 4 de março de 2009.

ANTÔNIO CLÁUDIO LINHARES ARAÚJO

Promotor de Justiça


Notas

  1. Voto proferido no julgamento do HC 2008.00.2.009130-0, em 17.07.2008, grifos acrescidos.
  2. O artigo 277, § 3º, do CTB, passou a prever uma punição administrativa para o condutor que recusar se submeter os testes de alcoolemia, disposição que faz tábula rasa do mencionado princípio constitucional.
  3. ALDO DE CAMPOS COSTA, Nova lei é benéfica aos acusados de embriaguez ao volante. Revista jurídica eletrônica Ultima Instância – www.ultimainstancia.com.br, 1º. de julho de 2008.
Sobre o autor
Antônio Cláudio Linhares Araújo

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Ex-Procurador Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Antônio Cláudio Linhares. Promotor pede arquivamento de inquérito por considerar Lei Seca inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2088, 20 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16883. Acesso em: 22 nov. 2024.

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