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Umbandistas defendem feriado de Ogum (São Jorge) no STF

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Agenda 20/05/2009 às 00:00

O MÊS DO DIA FERIADO DE SÃO JORGE E A ATIVIDADE EMPRESARIAL

2.19. A indústria, o comércio e a prestação de serviços têm segmentos totalmente voltados para o Santo Guerreiro: moda através das estampas em camisetas, camisas, bolsas, toalhas, cangas, etc., medalhas, fitas, velas, fogos, artigos religiosos em geral (santinhos, livros, orações, etc.), flores, bebidas, refrigerantes, charutos, cigarros, ervas, música, CDs, DVDs etc. Alguns destes artigos são vendidos durante todo o ano, porém, na semana que comemoramos o seu dia, as vendas são incrementadas. Assim, a indústria destes segmentos tem sua produção aumentada alguns meses antes.

2.20. Em 2007 o crescimento das vendas no Brasil foi de 9,6% e, no Rio de Janeiro, 6,1%, com direito a recorde segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Conforme os analistas do setor, 2008 terá, no mínimo, o mesmo desempenho. Enquanto São Paulo avançou 12,5%, Minas, 7,0 % e Espírito Santo, 9,1%, o Rio de Janeiro ficou em 6,1%. A Distância de 6,4 pontos de São Paulo pode ser encurtada este ano, com algumas poucas e boas medidas.

2.21. O comercio varejista do país manteve-se com resultado positivo no mês de abril de 2008, assinalando taxas de 0,2% no volume de vendas e de 0,6% na receita nominal, ambas as variações com relação ao mês anterior (ajustadas sazonalmente). O varejo nacional obteve, em termos de volume de vendas, acréscimos da ordem de 8,7% sobre abril do ano anterior e de 11% e 10,3% nos acumulados do primeiro quadrimestre e dos últimos 12 meses, respectivamente. Para os mesmos indicadores, a receita nominal de vendas apresentou taxas de variação de 13,8%, 15,8% e de 13,9%, respectivamente.

2.22. A participação na composição da taxa do comércio varejista de abril08/abril07, para o Rio de Janeiro, ficou em 6,5%. Em relação ao varejo ampliado, a taxa de desempenho no volume de vendas, também no Rio de Janeiro, foi de 11,30%.


DA PRETENSÃO AUTORAL E PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES DO AMICUS

3. Com o escopo de obter a declaração de inconstitucionalidade formal e material do inteiro teor da Lei nº 5.198, de 05 de março de 2008, do Estado do Rio de Janeiro, que instituiu o feriado estadual, dia 23 de abril, "dia de São Jorge", publicada no dia 06 de março de 2008, aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada pelo Exmo. Senhor Governador do Estado do Rio de Janeiro, a CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO – CNC propõe a presente ação direta, indicando, como parâmetro de confronto, o artigo 22, inciso I, da Carta da República.

3.1. Mas, o que nos parece, a presente ADI objetiva - à brasileira (indireta e sutil) - a prevalência da lógica meramente econômica em detrimento dos valores sócio-comunitários e religiosos, senão vejamos:

A - PREVALÊNCIA DE OBJETIVOS MERAMENTE ECONÔMICOS SOBRE VALORES SÓCIO-COMUNITÁRIOS: às fls. 03 da inicial ("das considerações fáticas iniciais") a CNC diz que apesar de louvável

(...) a iniciativa de se homenagear São Jorge (...) a verdade é que os demais estados estão trabalhando, (...) principalmente quando se pensa em desenvolvimento e crescimento econômico.

3.2. Não surpreende que a CNC enfatize o aspecto econômico na presente causa, mais ainda porque representa um conjunto de entidades empresariais numa sociedade orientada por valores capitalistas. Nem a Postulante é, frize-se, contra a livre iniciativa. Mas isso não quer dizer que, mesmo no capitalismo, o único objetivo a ser buscado seja o da prevalência do econômico ou do lucro; o lucro em si mesmo. A dimensão humana é composta por valores materiais e espirituais.

3.3. Max Weber, no seu clássico, A Ética Protestante e o Espírito Capitalista [07] alertou aos possíveis leitores da sua obra, mais de uma vez, na Introdução do Autor, que se o capitalismo era a "mais decisiva força da nossa vida moderna", também explanou que o fato de que o "impulso para o ganho, a persecução do lucro, do dinheiro, da maior quantidade possível do dinheiro, não tem, em si mesmo nada a ver como capitalismo", afirmando que isso se trata de idéia ingênua e "coisa do jardim de infância da história cultural". Enfatiza Weber que "a ganância ilimitada de ganho não se identifica, nem de longe, com o capitalismo, e menos ainda com o seu "espírito".

3.4. O capitalismo, porém, diz ele, "identifica-se com a busca do lucro, do lucro sem renovado por meio da empresa permanente, capitalista e racional". Weber finaliza seu entendimento definindo o capitalismo como "ação econômica" que "repousa expectativa de lucros pela utilização das oportunidades de troca, isto é, nas possibilidades (formalmente) pacíficas de lucro".

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3.5. A proposta de equilíbrio entre o direito à acumulação individual de riquezas e a manutenção de valores humanitários e sociais está consagrado na Constituição brasileira de 1988, mais de uma vez, quando os constituintes originários garantiram o direito à livre iniciativa (artigos: 1o., IV; 170 e seus incisos e Parágrafo único); o direito à dignidade humana, à promoção do bem-estar de todos sem preconceito, numa sociedade justa e solidária, com vistas à erradicação da pobreza (artigo 1º, inciso III; 3º, I, III e IV; 193 e 194), bem como a função social da propriedade (artigo 5º, XXIII), aliás tudo isso principiado pelo seu Preâmbulo...

3.6. Sempre que a lógica mercantil das coisas tentou sobrepujar imoderadamente os valores humanitários ou de responsabilidade coletiva, as conseqüências foram as mais drásticas possíveis para o sistema econômico, exemplo do que aconteceu nos EUA em 1929...

3.7. De outra parte, o conjunto de fatores acima relatados revela como o Direito Constitucional – e em última instância a própria Constituição – foi atingido mortalmente pelas transformações econômicas e políticas nas duas últimas décadas.

3.8. O Direito Constitucional é criação da engenharia política liberal-burguesa do século XIX, que desenvolveu a idéia de Constituição como centro irradiador do ordenamento jurídico. Como enuncia José Eduardo de Faria, esse ramo do Direito principiou o século XX como sinônimo de segurança e legitimidade, "delimitando o exercício dos mecanismos de violência monopolizados pelo Estado; institucionalizando os seus procedimentos decisórios, legislativos e adjudicatórios; e estabelecendo formas de participação política".

3.9. No novo Milênio que se inicia, entretanto, a idéia de Constituição cada vez mais é apontada como entrave ao funcionamento do mercado, como freio da competitividade dos agentes econômicos e como obstáculo à expansão da economia. Com isso, o constitucionalismo – e o próprio direito público – teve um refluxo sem precedentes, permitindo as pretensões hegemônicas do direito privado, por excelência de cunho liberal-burguês.

3.10. O fato é que, continua Faria, os princípios e mecanismos básicos criados pelo constitucionalismo, lastreados no ideário dos direitos individuais edificados pela burguesia, eram capazes de enfrentar a crescente complexidade sócio-econômica gerada pelo capitalismo mercantil. Atualmente, com a "globalização dos mercados e a internacionalização do sistema financeiro, valores como ganhos incessantes de produtividade, acumulação ilimitada e livre circulação de capitais" impuseram-se como única lógica, transcendendo os limites da economia e contaminando todas as esferas da vida social.

3.11. Na ordem política, essa contaminação atinge a ordem jurídica criada pelos Estados-Nação com base nos princípios da soberania e territorialidade. Faria diz que com o advento da globalização e a internacionalização do sistema financeiro, as fronteiras se dissolvem e os governos têm relativizada a sua capacidade de gerir livremente seus instrumentos de política monetária, fiscal, trabalhista e previdenciária. As conseqüências sociais, políticas e jurídicas são as piores possíveis: o encolhimento do Estado diminui o alcance do direito público; a substituição predatória do trabalho humano pela informática e pela robótica precariza as condições sociais dos trabalhadores, o que aumenta a desigualdade social e o surgimento de atividades informais ou mesmo ilegais.

3.12. Nessa busca incessante de novos ganhos de produtividade, os valores do individualismo possessivo se sobrepõem ao da solidariedade, levando à redução da responsabilidade coletiva; enfim, à quebra do contrato social. Nesse ínterim, a justiça fiscal fica cada vez mais longe; os investimentos sociais são encarados como despesas; os mecanismos de proteção ao trabalho são submetidos a um processo de flexibilização, desregulamentação e desconstitucionalização; a revogação dos monopólios públicos e os programas de privatização convertem as obrigações do Estado perante os cidadãos em negócio empresarial; a educação, a saúde, e previdência submetem-se à lógica mercantil, passando a simples mercadorias.

3.13. Mas, apesar do quase desmantelamento da sociedade civil, vem surgindo reações a todas as essas mudanças, promovidas, por exemplo, pelos intelectuais, políticos e empresários progressistas, os diversos segmentos do movimento social e os grupos que quase impedem as reuniões entre os grandes Estados capitalistas, o FMI e o Banco Mundial na Europa e nos EUA, na tentativa de se retornar às questões sobre o reconhecimento da dignidade humana, da manutenção das redes sociais de produção, dos direitos dos pobres e das minorias, do papel do Estado na equalização de oportunidades, da justiça e do bem comum.

B – MENOSCABO AOS VALORES RELIGIOSOS DO POVO BRASILEIRO: às fls. 03 da inicial ("das considerações fáticas iniciais") a CNC alude a que São Jorge é santo guerreiro

(...) com grande número de devotos dentro do sincretismo religioso brasileiro (...).

4.Todos sabemos a importância da religião no âmbito da tradição e da cultura. Aos nossos Constituintes originários de 1988 esse fato não passou despercebido. Tanto que ao finalizarem o Preâmbulo fizeram uma invocação a Deus. O Estado é laico, mas não é ateu. Ao longo do Texto Maior, em diversos momentos, a religião foi devidamente preservada, a exemplo do artigo 5º, onde a maioria deles está concentrada. Por exemplo: o Inciso VI preceitua, como direito fundamental das religiões e da dignidade humana dos religiosos (artigo I, Inciso III), a proteção aos locais de culto e das suas liturgias. Assim, a instituição do feriado estadual está relacionada à guarda de dia santo, da liturgia e dos rituais praticados na religião.

4.1.A ascensão do positivismo científico e a decretação da República no Brasil - que passou a valorizar apenas os feriados cívicos – produziu alguns reclamos contra o feriado religioso, mas nada muito importante. Talvez porque, em compensação, como aludimos acima, as festas religiosas estimulam o consumo e aumentam a arrecadação fiscal nos meses em que ocorrem. Imagine-se então um feriado como o de São Jorge no Estado do Rio de Janeiro, que conta com diversos templos da Igreja Católica dedicadas ao santo, bem como mais de 3.000 casas dedicadas aos cultos afrobrasileiros.

4.2. Ora, todos sabem que esse "grande número de devotos dentro do sincretismo religioso brasileiro" citado pela CNC SÃO OS MINISTROS RELIGIOSOS E OS RELIGIOSOS E SIMPATIZANTES DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA (principalmente a Umbanda e o Candomblé), cuja maioria são afrobrasileiras [08].

4.3. A proteção das práticas culturais e religiosas de grupos afrobrasileiros e indígenas não é elemento fortuito de nossa Constituição Federal. Ele está para marcar o forte caráter pluricultural de nossa Carta Maior. Ou seja, devemos entendê-la como medida que visa reparar, através da proteção dessas práticas, o dano e a opressão sofrida por tais parcelas da população no processo de formação de nossa nação.

4.4. Nesse aspecto é importante notar que a religião cristã, ainda que majoritária, deve dar espaço para outras práticas religiosas, principalmente daquelas parcelas da população que contribuíram tanto para a formação de nosso povo e da nossa cultura, como africanos e indígenas. Ou seja, o país se torna mais democrático à medida que permite a liberdade de práticas religiosas e também reconhece publicamente a contribuição de determinados grupos à formação da nação. [09]

4.5. Os feriados de nosso calendário, retirando-se aqueles de caráter estritamente cívico, independência e república, são hegemonicamente cristãos. O feriado de São Jorge é, portanto, uma inovação que deve ser preservada, pois ajuda a lembrar a todos os brasileiros, e não somente aos afrodescendentes, que nosso país é plural, e não exclusivamente cristão e europeu, e que essa pluralidade de crenças e práticas é algo enriquecedor, e não algo do qual devemos nos envergonhar. Isso é particularmente verdadeiro nas regiões do país onde a população afrodescendente é mais numerosa, como no Rio de Janeiro. [10]

4.6. Em suma, o que está em questão aqui é o reconhecimento, por parte da sociedade e de suas instituições, de um grupo social que sofreu injustiças históricas e perseguições nas quais pessoas foram muitas vezes proibidas de praticar sua religião, apesar de nossa tradição de laicidade estatal, e forçadas a adotar as práticas do catolicismo, ainda que contra sua vontade. [11]

5. As Constituições sul-americanas promulgadas por poderes constituintes democráticos nos últimos 10 anos têm trazido em seus Textos regras, princípios e valores que reconhecem direitos especiais, civis, políticos, culturais e sociais a diversos grupos sociais sujeitos à vulnerabilidade sócio-política, como os afrodescendentes, mulheres, indígenas, pessoas com deficiência, minorias religiosas etc. É preciso ressaltar que o destaque a esses temas não é casual, pois ele atende à continuada luta dos movimentos sociais organizados representativos desses segmentos sociais, que acabam por obter do Estado e da sociedade em geral o devido reconhecimento.

5.1. Essas Cartas constitucionais, em consonância com as melhores experiências de sociabilidade advindas da sociedade internacional, têm primado pela diversidade étnico-racial e cultural-religiosa, correspondentes à realidade populacional de seus países. A Carta da República brasileira, promulgada a 05 de outubro de 1988, é bom exemplo: reconhece a dignidade universal da pessoa humana; protege e garante a liberdade e a igualdade dos cidadãos, sem considerar sexo, raça e religião; e implicitamente reconhece a diversidade étnica e o pluralismo cultural.

5.2. Jacques d’Adesky [12] observa que, por meio de diversas cláusulas constitucionais, o Estado brasileiro se reconhece como sendo produto de uma nação formada por diferentes etnias, que o mesmo tem o dever de proteger. Por exemplo, no Título VIII, Da Ordem Social, admite implicitamente a existência de um pluralismo étnico, ao tratar da questão indígena. Por sua vez, o artigo 215 - que se refere à etnia usando a expressão "segmentos étnicos nacionais" -, nos parágrafos 1º e 2º, reconhece a realidade de uma sociedade pluricultural cujas diversas manifestações populares e religiosas, indígenas e afrobrasileiras devem ser protegidas.

5.3 Nesse diapasão, por fim, D’Adesky, doutrina que a Constituição Brasileira de 1988 é orientada por três concepções: a) a primeira, ao se referir à pessoa humana, remete a um universalismo fundamental que define o cidadão enquanto tal, sem distinção de raça, religião, sexo e cultura; b) a segunda, usando nominalmente as expressões "populações indígenas" e "segmentos étnicos nacionais", reconhece implicitamente a diversidade étnica da nação, admitindo particularmente a especificidade dos indígenas, aos quais consagra todo um capítulo e; c) a terceira concepção confirma o pluralismo cultural visto como patrimônio comum da nação e como tal devendo ser protegido.

5.4. Com base em tudo o que foi acima ponderado, sem exagero ou demasiada ilação pode-se mesmo considerar o dia feriado de São Jorge, instituído pela Lei Estadual ora impugnada, um tipo de política pública de ação positiva (reparatória) [13], com permissivo legal na Carta Política de 1988, que reconhece a nação brasileira como pluriétnica, pluricultural e plurireligiosa, e na Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CIETFDR), senão vejamos:

CRFB:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

CIETFDR:

Art. 1º, item 4: não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos e indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contando que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos.

Sobre o autor
Luiz Fernando Martins da Silva

advogado, ex-diretor e assessor jurídico do Instituto de Pesquisa e Culturas Negras e do Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Fernando Martins. Umbandistas defendem feriado de Ogum (São Jorge) no STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2149, 20 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16892. Acesso em: 24 dez. 2024.

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