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Agravo de instrumento contra decisão que entende não caber reconvenção em ação de despejo por falta de pagamento

Agenda 01/10/2015 às 19:18

Algumas decisões decretam a extinção do processo de reconvenção pelo motivo de a ação de despejo por falta de pagamento comportar rito especial, e não ordinário. Defendemos posição oposta, ou seja, a favor da reconvenção e do rito ordinário – como regra.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

R.C.L., brasileiro, solteiro, do lar, portador da cédula de identidade sob RG nº XXXXXXX, inscrita no CPF/MF nº XXXXXX, domiciliado na rua XXXXXX, nº XXXX, bairro XXXXX, São José do Rio Preto/SP, CEP: XXXXX-XXX, por seu advogado nomeado pela Defensoria Pública paulista, vem respeitosamente perante a Vossa Excelência, não se conformando com a decisão do juiz de Direito da Xª vara cível da comarca de São José do Rio Preto/SP, nos autos do processo de n.o XXXX-XX.2015.8.26.0576, da mesma agravar por instrumento, observando-se o procedimento do artigo 522 e seguintes do CPC-73, com base nas razões a seguir expostas.

Para tanto, junta as cópias necessárias (de primeira instância) mais as facultativas (estas: não discriminadas abaixo):

Reitera o pedido de justiça gratuita, uma vez que a agravante é necessitada e beneficiária da justiça gratuita, conforme declaração de pobreza e procedimento interno realizado pela Defensoria Pública paulista.

As cópias anexas conferem com os originais (art. 365, IV, CPC-73).

Por último, requer seja o presente recurso recebido e regularmente processado.

São José do Rio Preto/SP, 01 de outubro de 2015.

Marco Antonio Valencio Torrano (OAB-SP nº 336.107)


RAZÕES DO RECURSO

Processo nº XXXXXX-XX.2015.8.26.0576

Reconvenção

XXXXX Vara Cível da Comarca de São José do Rio Preto/SP

Agravante: R.C.L.

Agravado: R. S. A. de B. LTDA.

Egrégio Tribunal, Colenda Câmara, Ínclitos Julgadores:

1. DOS FATOS

No dia 21.08.2015, foi distribuída a “ação de despejo por falta de pagamento” em face da agravante, alegando, em síntese, a inadimplência da mesma, motivando por isso todos os pedidos daquela petição inicial.

Com a citação (fls. 50/52 dos autos principais), apresentaram-se a contestação (fls. 38/41) e a reconvenção (fls. 1/4 dos autos do processo de n.o ... - distribuídos por dependência aos autos do processo principal de n.o ...), sem qualquer vício.

Conclusos os autos, a decisão (fl. 18) julgou extinta a reconvenção, sob fundamento de que:

Não é cabível reconvenção em ação de despejo, por se tratar de rito especial. Assim, indefiro a reconvenção, e com fundamento no artigo 267, inciso I, c/c artigo 295, inciso I, e parágrafo único, inciso III do Código de Processo Civil, JULGO EXTINTA a ação, determinando o seu arquivamento.” - grifei.

É a síntese.


2. DO MÉRITO

A decisão (fl. 18) ressalta que não é cabível reconvenção em ação de despejo, por se tratar de rito especial; sendo que, na verdade, como se verá nesta peça processual, o rito basilar é o ordinário (por isso: não impedindo a reconvenção).

Para que fique claro. Sabemos que existe uma corrente doutrinária, capitaneada por NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, também adotada por FLÁVIO TARTUCE, afirmando que a “ação de despejo por falta de pagamento” segue o rito especial, e não o ordinário.1

Sabemos também da necessidade de “procedimentos compatíveis”, de modo que não cabe reconvenção em procedimento especial, a menos que este siga pelo ordinário, com a resposta. “Assim, só caberá reconvenção se ela também seguir o procedimento, ou procedimento que possa converter-se nele”2

Ocorre que a Lei 8.245/91, considerando a sua peculiaridade, em seu “Capítulo II - Das ações de despejo” (compõe-se: arts. 59. a 66), prevê conjuntamente no mesmo capítulo duas ações: (a) a ação de despejo; e (b) a ação de despejo por falta de pagamento.

Essa segunda ação é a que nos interessa. Porém, precisamos percorrer um raciocínio jurídico até chegarmos à conclusão do uso da reconvenção no caso do art. 62. da Lei 8.245/91. Vejamos.

Nesse capítulo, o art. 59. da Lei 8.245/91 inaugura ele com o seguinte texto normativo: “Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário” – grifei.

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Ao explicar o referido art. 59, o Prof. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR salienta sobre o rito, isto é, que entre a contestação e o julgamento o rito a observar é o ordinário.3

Nesse mesmo sentido, também explica o art. 59. a excelente obra de THEOTONIO NEGRÃO, resumindo a similar e atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o texto normativo:

“É admissível reconvenção em ação de despejo (STJ-6ª T., REsp 293.784, Min. Og Fernandes, j. 17.5.11, DJ 6.6.11), v.g., com pedido de indenização por benfeitorias e perda do ponto comercial (STJ-5ª T., REsp 1.036.003, Min. Jorge Mussi, j. 26.5.09, DJ 3.8.09; RJTAMG 52/190)”.4

Corroborando, ainda mais para o entendimento do mesmo art. 59, o Prof. LUIZ GUILHERME MARINONI estatui: a “ação de despejo admite qualquer espécie de resposta, seja a contestação, seja a reconvenção”.5

Como exemplo jurisprudencial do STJ, o exímio doutrinador de processo civil insere o REsp 208.492/DF, 4ª T., rel. Min. Ru Rosado de Aguiar, DJU 03.09.2001, p. 226.

Com isso, a dúvida surge: “O legislador quis aplicar o art. 59, parte final, à ‘ação de despejo por falta de pagamento’” prevista no art. 62? Resposta nossa: sim, só que com as modificações constantes do “Capítulo II - Das ações de despejo”, como um rito híbrido (especial + ordinário), prevalecendo as regras processuais do rito ordinário, porque entendido pela lei como regra procedimental, de maneira que, quando prudente, poder-se-á levantar os institutos do rito ordinário na “ação de despejo por falta de pagamento”.

Podemos facilmente entender que as particularidades do rito são mantidas; no entanto, aplicando-se o rito ordinário subsidiariamente. Nessa linha privilegiamos a interpretação sistemática do ordenamento jurídico (leia-se: interpretar os artigos num conjunto, propriamente naquele capítulo normativo onde estão inseridos os dispositivos legais) – e não isoladamente (exemplo: “considerar só o artigo 62”).

Aliás, não é por acaso que o art. 62. está inserido no bojo do “Capítulo II - Das ações de despejo”. Se fosse outra a pretensão do legislador, o mesmo teria salientado sobre a impossibilidade do uso da reconvenção naquele rito procedimental do art. 62, como o fez, por exemplo, no caso do procedimento dos Juizados Especiais Cíveis (art. 31. da Lei Federal n.o 9.099/95); outra hipótese de impossibilidade ocorre quando há posicionamento majoritário da doutrina, por exemplo, no caso da proibição de reconvenção em procedimento sumário. São exemplos de situações proibitivas. Exemplos esses que não se vê no “Capítulo II - Das ações de despejo”, concluindo-se, portanto, na possibilidade do uso da reconvenção – detalhe: com a qual só se nota benefícios processuais:

“O que justifica a reconvenção é a economia e maior eficiência do processo, pois as pretensões de ambos os litigantes serão julgadas de uma só vez. Mas também – e sobretudo – a possibilidade de se afastar o risco de decisões conflitantes. Afinal, a pretensão formulada pelo réu tem de ser conexa com a do autor ou com os fundamentos de defesa. Sem a possibilidade de reconvir, o réu teria de valer-se de processo autônomo, julgado por outro juiz. E se juízes diferentes julgam pretensões conexas, há sempre o perigo de resultados incompatíveis.”6

Além do mais, considerando o “princípio da adequação do processo”7, a flexibilização do procedimento às exigências da causa é fundamental para a melhor consecução dos fins do processo. Alguns aderem tanto a essa temática que defendem uma espécie de “cláusula geral de adequação do processo” (mais sobre: CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA).

Não por outro motivo, em obra prática processual e específica sobre o assunto da Lei 8.245/91, o Prof. GEDIEL CLAUDINO DE ARAUJO JÚNIOR ensina, ao comentar o art. 62. da Lei 8.245/91, o seguinte: “o art. 59. declara que as ações de despejo, salvo as modificações constantes na própria Lei do Inquilinato, devem obedecer ao rito comum ordinário previsto no CPC”8.

Repito: o comentário do doutrinador é sobre o art. 62. Ele transcreve o entendimento do art. 59, entendendo pela aplicação do rito comum ordinário mesmo no art. 62.

No mais, a atual jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo segue nesse mesmo sentido (digo: pela possibilidade da reconvenção nas “ações de despejo por falta de pagamento”) – grifei os julgados:

AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. Locação comercial. Contratação locatícia habitual, com última renovação em 2010, e vigência por doze (12) meses. Atraso no pagamento dos alugueis e encargos. Cobrança do débito locatício, com possibilidade de purgação da mora, sob pena de despejo. Contestação e reconvenção conjuntas da locatária e da fiadora, com pedido de extinção do processo por ausência de capacidade postulatória da fiadora e de pagamento em dobro da cobrança indevida, com a declaração de nulidade do contrato de locação, além de pedido de retenção por benfeitorias no montante de R$ 30.272,11. Sentença de parcial procedência da Reconvenção em relação à locatária e de improcedência em relação à fiadora, com o decreto de parcial procedência da Ação e decreto do despejo da locatária e a condenação solidária da locatária e da fiadora ao pagamento dos alugueis e encargos pendentes, com imposição de sucumbência recíproca em relação à autora e à locatária e de sucumbência em relação à devedora solidária. Apelação conjunta da locatária e da fiadora, que insistem nas teses da contestação, pedindo a declaração de nulidade do contrato de locação e a condenação dos autores no pagamento do débito indicado. Rejeição das teses recursais. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.

(TJSP; Relator(a): Daise Fajardo Nogueira Jacot; Comarca: Porto Ferreira; Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 11/08/2015; Data de registro: 19/08/2015)

LOCAÇÃO – Ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança – Reconvenção – Sentença de procedência da ação e de improcedência da reconvenção – Apelo do réu – Recurso que não preenche requisito extrínseco de admissibilidade relacionado ao preparo – Guia de recolhimento não preenchida adequadamente – Pressupostos do item 8 do Provimento CG nº 33/2013 ausentes - Recolhimento sem validade para fins judiciais – Requisito de admissibilidade recursal não atendido - Deserção reconhecida ex officio - Apelação não conhecida.

(TJSP; Relator(a): Carlos Henrique Miguel Trevisan; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 16/09/2015; Data de registro: 18/09/2015)

LOCAÇÃO RESIDENCIAL – Ação de despejo por falta de pagamento cumulada com ação de cobrança. Procedência dos pedidos. Julgamento antecipado da lide. Preliminar de nulidade da sentença por cerceamento do direito à produção de prova testemunhal. Dispensabilidade da prova oral. Ausência de vício. Preliminar rejeitada. Mora. Ocorrência. Locatária reconheceu o inadimplemento dos aluguéis e não purgou a mora. Pedido de condenação por danos morais. Inadequação da via eleita. Necessidade de oferecimento de reconvenção. Razões recursais insubsistentes à pretendida reforma do "decisum". Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO, na parte conhecida.

(TJSP; Relator(a): Carmen Lucia da Silva; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 17/09/2015; Data de registro: 21/09/2015)

Por último, em resumo, o art. 59. se aplica ao art. 62, ambos da Lei 8.245/91, logo, é possível aceitar a reconvenção nas “ações de despejo por falta de pagamento”, visto que, embora a doutrina seja divergente – e ausente ao mesmo tempo nesse ponto –, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo permite o instrumento processual (reconvenção) na “ação de despejo por falta de pagamento”, mormente em vista da economia e maior eficiência do processo, bem ainda evitar eventual risco de decisões conflitantes.


3. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS

Ante o exposto, requer-se o provimento do presente recurso a fim de reformar a decisão, dando-se, assim, prosseguimento à reconvenção, conforme a respectiva petição inicial.

São José do Rio Preto/SP, 01 de outubro de 2015.

Marco Antonio Valencio Torrano (OAB-SP n.o 336.107)


Notas

  1. Cf. TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie (vol. 3). 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014, item 10.3.10.1.

  2. Assim ensina: GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 346.

  3. Cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais (vol. 3). 46. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, parte XIX, cap. LXXXVIII, item 1.697.

  4. NEGRÃO, Theotonio et al. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 45. ed. atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2013, comentário ao art. 59. da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, item 5a.

  5. Cf. MARINONI, Luiz Guilherme et al. Novo curso de processo ciivl: tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados (vol. 3). Revista dos Tribunais, 2015, p. 271.

  6. GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, item 2.6.2.

  7. TORRANO, Marco Antonio Valencio. Introdução à teoria do processo e o direito processual civil contemporâneo.Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4296, 6 abr. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31949/introducao-ao-estudo-de-direito-processual-civil-a-teoria-do-processo-e-o-direito-processual-civil-contemporaneo>. Acesso em: 30 set. 2015.

  8. ARAUJO JÚNIOR, Gediel Claudino de. Prática de locação: lei do inquilinato anotada; questões práticas; modelos. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2014, p. 41.

Sobre o autor
Marco Antonio Valencio Torrano

Marco Antonio Valencio Torrano é advogado e consultor, OAB/SP n.º 336.107, em São José do Rio Preto/SP. Pós-graduando "lato sensu" em Direito Público - EPD (Escola Paulista de Direito). Autor do livro: "Novo manual de prática processual: para pesquisas e peças processuais". Foi estagiário e concursado: Defensoria Pública/SP, PGE/SP e MP/SP; e estagiário voluntário: Justiça Federal (TRF 3ª). Concursando: DPU.

Informações sobre o texto

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