1. Introdução ao estudo de Direito processual civil: a teoria do processo e o direito processual civil contemporâneo.
1.1. Introdução
O Prof. Fredie DIDIER JR. ensina que o Direito processual civil deve ser entendido junto com as premissas balizares do Direito constitucional, sendo estes dois (processo e Constituição), envoltos, consequentemente, pelo direito material em juízo discutido pelas partes, redundando tudo isso em um nomen juris (leia-se: termo jurídico) chamado "diálogo doutrinário interdisciplinar".
1.2. A mudança da metodologia jurídica na Teoria do Direito e no Direito constitucional
A metodologia jurídica sofreu mudanças com a nossa época, o que refletiu também na Teoria do Direito e no Direito constitucional, de modo que transpassou a importância/mudança fática contemporânea para o Direito processual.
Ninguém nega a atual mudança do nosso sistema jurídico brasileiro.
Certamente, após a leitura deste artigo, será possível sedimentar o estudo da introdução ao estudo do Direito processual civil brasileiro, que, de início, é bom salientar, está além de ser mero resultado de leis (do ponto de vista da subsunção: aplicação legal de causa e efeito).
O sistema jurídico evoluiu de tal forma que a construção jurídica é singular a cada processo (ou melhor: a cada demanda), sobretudo em razão da abertura dos dispositivos normativos, que possibilitam a solução incisiva do caso concreto (= situação jurídica). Numa visão topográfica, o processo é o principal instrumento concretizador de direitos. Daí a importância de seu estudo.
1.3. Conceito de processo
São três visões (ou perspectivas) que procuram explicar o conceito de processo.
-
Primeira: o processo compreendido como método de criação de normas jurídicas.
-
Segunda: o processo como ato jurídico complexo (procedimento).
-
Terceira: o processo compreendido como relação jurídica.
1.3.1. Processo compreendido como "método de criação de normas jurídicas"
Fala-se em processo legislativo (produção de normas gerais pelo Poder Legislativo), administrativo (produção de normas gerais e individualizadas pela Administração) e jurisdicional (produção de normas pela jurisdição). Alguns falam até em processo negocial (criação de normas jurídicas pelo exercício da autonomia privada).
Com isso, importa-nos: a concepção de processo como método de exercício da jurisdição (lembra o Prof. Fredie DIDIER JR.).
A bem dizer, o conceito de processo pertence à Teoria do Direito (v.g., situações jurídicas, fatos jurídicos, norma jurídica etc.), tendo por sua espécie a Teoria do Processo (v.g., competência, relação jurídica processual, atos processuais etc).
Por fim, frise-se: o método-processo deve seguir o modelo traçado na Constituição, observando o direito fundamental ao processo devido.
1.3.2. Processo compreendido como "teoria do fato jurídico"
É espécie de ato jurídico. Examina o processo a partir do plano da existência dos fatos jurídicos. Aqui, o processo é sinônimo de procedimento. Trata-se de um ato jurídico complexo. Suporte fático: complexo. Atos jurídicos: vários. O procedimento é ato-complexo de formação sucessiva (conjunto de atos jurídicos).
O ato-complexo pode ser (i) ato final ou (ii) atos condicionantes. Ato final: define a sua natureza e dá denominação ao ato complexo. Atos condicionantes do ato final: constituem partes integrantes de um processo, definindo o processo como um conjunto ordenado de atos destinados a um certo fim.
Procedimento está na categoria ato-complexo de formação sucessiva: vários atos que compõem o tipo normativo e que se sucedem no tempo.
Em suma: procedimento é "ato-complexo de formação sucessiva", porquanto seja um conjunto de atos jurídicos (atos processuais), relacionados entre si, que possuem como objetivo comum, no caso do processo judicial, a prestação jurisdicional.
O conceito de processo aqui também é de um conceito voltado à Teoria do Direito, especialmente da Teoria do Processo, que é sub-ramo daquela.
Logo, podemos chegar à conclusão que procedimento é gênero e processo espécie. Em outras palavras, processo é o procedimento estruturado em contraditório.
Sucede que são raras as possibilidades de atuação estatal (ou privada, quando no exercício normativo) que não sejam processuais, isto é, que não se realizem por um procedimento em contraditório.
Podemos identificar, então, um direito fundamental à processualização dos procedimentos, o qual sustenta a processualização de âmbitos ou atividades estatais ou privadas. Isto é curioso, porque antigamente não se cogitava sobre esse fenômeno jurídico.
1.3.3. Processo compreendido como "efeito jurídico"
Nessa temática, o processo é encarado como efeito jurídico, na perspectiva do plano de eficácia dos fatos jurídicos, de modo que processo é o conjunto das relações jurídicas que se estabelecem entre os diversos sujeitos processuais1.
O que são as relações jurídicas? Um conjunto de situações jurídicas (direitos, deveres, competências, capacidades...) de que são titulares todos os sujeitos do processo. Por isso se diz que o processo é uma relação jurídica complexa.
Nas palavras do Prof. Fredie DIDIER JR.: “Assim, talvez fosse mais adequado considerar o processo, sob esse viés, um conjunto (feixe) de relações jurídicas”.
É possível estabelecer um conceito de processo como relação jurídica. Mas não é possível definir teoricamente o conteúdo dessa relação jurídica (a qual obedece o modelo de processo estabelecido na Constituição).
O conteúdo só é possível de se analisar olhando para o caso concreto. E para definir o conteúdo eficacial da relação jurídica processual, será preciso compreender o devido processo legal e seus corolários.
Abstract: -se: o termo “processo” serve tanto para designar o ato processo como a relação jurídica que dele emerge.
1.4. Processo e direito material. Instrumentalidade do processo. Relação circular entre o direito material e o processo
Processo: é um método de exercício da jurisdição.
Jurisdição: tutela situações jurídicas concretamente deduzidas em um processo.
Situações jurídicas (ou também chamada: direito material processualizado): são situações substanciais e que correspondem ao mérito do processo (exemplo: ativas e passivas, direitos e deveres).
Todo processo traz uma situação jurídica carecedora de tutela. Nessa linha, a situação jurídica substancial afirmada é o direito material, na linguagem mais frequente.
Por conseguinte, é bom salientar que a separação entre direito e processo ocorre apenas para fins de estudos (científico e didático), já que não pode implicar em um processo neutro em relação ao direito material que está sob tutela.
Processo:
-
(i) deve ser compreendido, estudado e estruturado tendo em vista a situação jurídica material;
-
(ii) o processo serve de instrumento de tutela tendo em vista a situação jurídica material.
Essa abordagem metodológica levou o processo à chamada fase do instrumentalismo (nesta: sua principal virtude foi estabelecer a ponte entre o direito processual e o direito material, sem qualquer hierarquia entre os dois).
Instrumentalidade do processo: segue a premissa de que o direito material coloca-se como o valor que deve presidir a criação, a interpretação e a aplicação das regras processuais.
O para sempre Prof. J. J. Calmon de PASSOS assim estatui: “Forçar o operador jurídico a perceber que as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com a sua função, que é a de emprestar efetividade às normas materiais”.
Isso é extremamente importante (essa relação entre direito material e processual), pois, sem a qual, não se pode entender:
a) causa de pedir;
b) conteúdo da sentença e coisa julgada;
c) intervenções de terceiro;
d) defesas do demandado;
e) princípio da adequação do processo;
f) condições da ação;
g) direito probatório;
h) peculiaridades do processo coletivo etc.
Não por outro motivo, o Prof. Fredie DIDIER JR. segue a mesma premissa: “É impossível compreender esses temas sem analisar a relação que cada um desses institutos mantém com o direito material processualizado”.
Em suma: a relação que se estabelece entre o direito material e o processo é circular (“O processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele”2).
O direito material sonha; o processo concretiza perfeitamente o máximo possível desse sonho.
1.5. Algumas características do pensamento jurídico-processual contemporâneo
A metodologia jurídica transformou-se sensivelmente a partir da segunda metade do século XX: o Direito processual civil não é imune a toda essa transformação.
Ocorreu o que os processualistas italianos denominam de aggiornamento (“atualização”, “pôr em dia”...).
Eis o rol das mais importantes características do pensamento jurídico contemporâneo-processual:
a) reconhecimento da força normativa da Constituição. Constituição: compreendida como principal veículo normativo do sistema jurídico (com eficácia imediata e independente). Isso compreende a transição do modelo de Estado fundado na lei (Estado legislativo) para um modelo de Estado fundado na Constituição (Estado Constitucional), como ensina Daniel SARMENTO3;
b) desenvolvimento da teoria dos princípios: reconhece-se a eficácia normativa, deixando de ser o princípio considerado como técnica de integração do Direito e passa a ser espécie de norma jurídica;
c) transformação da hermenêutica jurídica, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional: a função jurisdicional é encarada como função essencial ao desenvolvimento do Direito, estipulando norma jurídica do caso concreto4 (ex.: a força dos precedentes jurisprudenciais). Outro ponto importante: a expansão das cláusulas gerais, que exigem do órgão jurisdicional um papel ainda mais ativo na criação do Direito;
d) expansão e consagração dos direitos fundamentais: impõem ao Direito positivo um conteúdo ético mínimo, que respeite a dignidade da pessoa humana. Exemplo: a eficácia horizontal dos direitos fundamentais e humanos nas relações privadas.
1.6. Neoconstitucionalismo, neoprocessualismo e formalismo valorativo. A atual fase metodológica da ciência do processo
Alguns chamam essa nova fase de “pós-positivismo”, mas Fredie DIDIER JR. critica essa terminologia aconselhando seus leitores a usar “positivismo jurídico reconstruído” ou “neopositivismo”.
Em que pese a inovação expressiva, os teóricos do "século passado" insistem, pronunciam críticas e mais críticas. Vejamos rapidamente algumas delas:
a) supervalorização da norma-princípio em detrimento das normas-regra5;
b) supervalorização do Poder Judiciário em face do Poder Legislativo, afetando a democracia e a separação de poderes;
c) supervalorização da ponderação (método de aplicação de norma-princípio) em detrimento da subsunção (método de aplicação de norma-regra).
De toda sorte, podemos sintetizar a evolução histórica do Direito processual em três fases:
a) praxismo/sincretismo: não há distinção entre direito processual e material, o estudo processual não tinha preocupação científica;
b) processualismo: há distinção entre direito processual e material, adotando-se a ciência processual;
c) instrumentalismo: há uma relação de interdependência de o direito processual concretizar e efetivar o direito material.
Quarta fase (fase atual: neoprocessualismo): estudo e aplicação do Direito Processual de acordo com o novo modelo de repertório teórico. Doutrinadores que adotam essa nova temática: Luiz Guilherme MARINONI; Eduardo CAMBI; Luiz FUX; Teresa WAMBIER; Nelson NERY JR.; Carlos Alberto Alvaro OLIVEIRA; Marcelo LIMA GUERRA; Hermes ZANETI JR.; Daniel MITIDIERO; Marcela ZOLLINGER; Ronnie Preuss DUARTE; Paula Sarno BRAGA; Luis Gustavo Grandinetti Castanho CARVALHO; José Herval SAMPAIO JR.
Não obstante essa evolução e nova terminologia, o teórico Carlos Alberto Alvaro de OLIVEIRA, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil), denomina a nova fase de desenvolvimento do direito processual como “formalismo-valorativo” (finalidade: para enfatizar o valor que se dá para com os axiomas constitucionalmente protegidos na pauta dos direitos fundamentais, construção e aplicação do formalismo processual) – essas premissas são as mesmas que a do chamado “neoprocessualismo” (ou também chamado: “formalismo ético”, na expressão de Rodriguez URIBES).
1.7. A ciência do processo e a nova metodologia jurídica
1.7.1. Constituição e processo
O fenômeno da constitucionalização do Direito Processual é uma das características do Direito contemporâneo. Esse fenômeno pode ser visto sob duas dimensões:
a) incorporação aos textos constitucionais de normas processuais, dando-as faceta de direitos fundamentais (portanto: normas constitucionais processuais). Ex.: devido processo legal. Podemos falar até em incorporação aos textos de tratados internacionais de direitos humanos de normas processuais (exemplos: Convenção Europeia de Direitos do Homem e o Pacto de São José da Costa Rica);
b) a doutrina passa a examinar as normas processuais infraconstitucionais como concretizadoras das disposições constitucionais (exemplos: intervenção do amicus curiae e a realização de audiências públicas).
1.7.2. Princípios processuais:
É comum na literatura jurídica e na jurisprudência brasileira a referência aos princípios processuais 6 , justamente porque se reconhece atualmente a eficácia normativa direta de princípios processuais (exemplos: devido processo legal, duração razoável do processo).
Hoje, lembre-se: princípio é espécie do gênero norma jurídica . Defender esse raciocínio décadas atrás era o mesmo que perder a razão argumentativa. O diálogo jurídico presava a técnica legislativa. Trabalhar com valores jurídicos passou a ser uma necessidade contemporânea. A solução do caso prático não pode ficar ao alvedrio estanque da legislação tradicional. E quando a lei não prever o fato humano relevante ao meio jurídico? Em décadas passadas, o Estado-juiz nada poderia fazer. Felizmente, isso mudou - pelo menos essa é a ideologia atual. O princípio como espécie de normas jurídica é uma das provas desses novos elementos jurídicos contemporâneos , nos quais se conclui o novo Direito processual civil contemporâneo, capaz de solucionar a problemática do caso concreto sem depender exclusivamente do Poder Legislativo.
Na lição de Humberto Ávila: “os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas 7ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamento a ele necessários”.
Conclusão silogística: pode o princípio atuar sobre outras normas de forma direta ou indireta.
Exemplo: imagine um sistema processual previsto em lei, sem que haja uma regra de prazo específica para apresentação de uma defesa qualquer. Mesmo que inexista regra, é preciso adaptar o processo ao princípio do devido processo legal, garantindo o contraditório e a ampla defesa para com aquele sujeito processual. A solução seria estabelecer um prazo processual de acordo com a situação do caso. Em claras palavras: se não há prazo, conceda-o; se não for o prazo razoável (diante das numerosas folhas dos autos), estenda-o. É adaptar a demanda às circunstâncias processuais e aos princípios norteantes do sistema processual.
Busca-se, com isso, um processo leal e cooperativo, donde se conclui que é possível cogitar de situações jurídicas processuais atípicas (não expressamente previstas) decorrentes da eficácia direta com função integrativa do princípio da boa-fé processual.
Por outra via, existem normas que servem à concretização dos princípios processuais. São meios que servem para alcançar esse “estado de coisas” (que o princípio busca promover), podem ser situações jurídicas processuais típicas, determinados por subprincípios ou por regras jurídicas, que servem para delimitar o exercício do poder e, assim, conter a arbitrariedade da autoridade jurisdicional, na construção da solução do caso que lhe for submetido.
Quando atuam com a “intermediação” de outras normas, fala-se que os princípios têm eficácia indireta. As normas que servem como “ponte” a intermediar a eficácia do princípio
Exemplo: um princípio do processo pode ser considerado um subprincípio: norma menos ampla, que se relaciona a um outro princípio mais amplo.
Os subprincípios exercem uma função definitória em relação aos princípios (normas mais amplas), que podem ser designadas como “sobreprincípio”8): delimitam com maior precisão o comando normativo estabelecido pelo sobreprincípio. Ex.: o princípio da boa-fé processual pode ser encarado como um subprincípio do princípio do devido processo legal (sobreprincípio, nesta relação): o processo para ser devido (estado de coisas que se busca alcançar) precisa ser cooperativo ou legal.
Percebe-se também que os sobreprincípios podem servir como subprincípios e vice-versa 9 . Ex.: o princípio do devido processo legal pode ser considerado um subprincípio do princípio do Estado de Direito ou do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana; também, como visto, ser considerado um sobreprincípio, quando se relaciona com os princípios do contraditório ou da boa-fé processual.
As regras também exercem função definitória em relação aos princípios, pois as regras delimitam o comportamento que deverá ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios (mais sobre: Humberto ÁVILA).
Os princípios exercem, ainda, em relação às normas menos amplas a função interpretativa, de modo que os princípios podem servir como função interpretativa das normas construídas 10 a partir de textos normativos expressos.
E, por fim, os princípios exercem uma função bloqueadora: servem para justificar a não-aplicação de textos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado de coisas que se busca promover (Humberto ÁVILA). Ex.: utilizar o princípio do devido processo legal para fundamentar a não-aplicação de um dispositivo normativo que permita a prolação de uma decisão judicial sem motivação.
1.7.3. A nova feição da atividade jurisdicional e o Direito processual
São exemplos da nova feição da atividade jurisdicional que redesenhou o Direito processual:
a) sistema de precedentes;
b) criatividade judicial; e
c) cláusulas gerais processuais.
Busca-se, atualmente, uma estruturação de sistema de precedentes judiciais, em que se reconhece eficácia normativa a determinadas orientações da jurisprudência . Ex.: proliferação das súmulas dos tribunais e a consagração da súmula vinculante do STF (art. 103-A, CR1988).
A criatividade da função jurisdicional 11 .
As cláusulas gerais processuais. É uma espécie de texto nominativo, cujo antecedente (hipótese fática) é composto por termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado. Há outras espécies de cláusulas gerais, mas esta é a que melhor explica, ensina o Prof. Fredie DIDIER JR.
Interessante notar: a técnica das cláusulas gerais 12 contrapõe-se à técnica casuística 13 . Os sistemas jurídicos contemporâneos adotam a harmonização de enunciados normativos de ambas as espécies. Com isso, o Direito passa a ser construído a posteriori formando uma mescla de indução e dedução (Humberto ÁVILA).
As cláusulas gerais servem para a realização da justiça do caso concreto. A metáfora ajuda a entender: revelam-se as cláusulas gerais como pontos de erupção da equidade (Claus-Wilhelm CANARIS14).
Origem das cláusulas gerais: Direito Privado (ex.: boa-fé, função social da propriedade e função social do contrato). Hoje: as cláusulas gerais invadiram o Direito processual, sofrendo com as transformações da metodologia jurídica, afinal o Direito processual também necessita de normas flexíveis que permitam atender às circunstâncias do caso concreto (Heinrich LEHMANN).
Exemplos de cláusulas gerais processuais:
a) o principal exemplo é o princípio do devido processo legal;
b) cláusula geral executiva (art. 461, §5º, CPC);
c) poder geral de cautela (CPC, art. 798);
d) cláusula geral do abuso do direito do exequente (CPC, art. 620);
e) cláusual geral de publicidade do edital de hasta pública (CPC, art. 687, §2º);
f) cláusula geral da boa-fé processual (CPC, art. 14, II);
g) cláusula geral de adequação do processo e da decisão em jurisdição voluntária (CPC, art. 1.109) etc.
A existência de várias cláusulas gerais rompe com o modelo tradicional de tipicidade estrita que estruturava o processo até meados do século XX. O país que detém vastíssimo número de ensaios doutrinários a respeito do tema é a Alemanha.
1.7.4. Processo e direitos fundamentais
Atualmente, fala-se em direitos fundamentais processuais (Marcelo Lima GUERRA). A título de lembrança, os direitos fundamentais têm dupla dimensão :
a) subjetiva: são direitos que atribuem posições jurídicas de vantagem a seus titulares;
b) objetiva: são valores básicos e consagrados na ordem jurídica, presentes na função interpretativa e função jurisdicional, interpretação e aplicação, de todo o ordenamento jurídico, por todos os atores jurídicos.
Em suma: dimensão objetiva (direito fundamental como norma jurídica); dimensão subjetiva (situação jurídica ativa).
Aprofundando: “o processo deve estar adequado à tutela efetiva dos direitos fundamentais (dimensão subjetiva) e, além disso, ele próprio deve ser estruturado de acordo com os direitos fundamentais (dimensão objetiva)” (DIDIER JR., Fredie).
Exemplo de dimensão subjetiva no campo processual dos direitos fundamentais: o §5º do art. 461. do CPC, o qual permite ao Estado-juiz (magistrado) determinar qualquer medida executiva para efetivar a sua decisão, isto é, à luz do caso concreto).
Exemplo de dimensão objetiva no campo processual dos direitos fundamentais: o legislador deve criar regras processuais conforme os direitos fundamentais, v.g., a igualdade das partes e o contraditório. É sempre bom lembrar do §1º do art. 5º da CR88, obrigando o legislador e o Estado-juiz15 para com os direitos fundamentais, eis o dispositivo ser norma de aplicação imediata.
Superada a análise das normas constitucionais processuais como garantidoras de verdadeiros direitos fundamentais processuais, podemos concluir a dimensão objetiva tirando as seguintes conclusões:
a) o Estado-juiz (= magistrado) deve interpretar esses direitos como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhes o máximo de eficácia;
b) o Estado-juiz poderá afastar, aplicando o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental;
c) o Estado-juiz deve levar em consideração, “na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais” (aplicação da ponderação ao caso concreto).
1.8. Sistema processual brasileiro: brazilian law
Tradicionalmente, afirma-se que o Direito brasileiro se estrutura de acordo com o paradigma do civil law (tradição jurídica romano-germânica – difundida na Europa continental).
Porém, olhando para o ordenamento jurídico brasileiro, conseguimos entender o contrário, concluindo pela sua característica bem peculiar (própria) frente aos outros sistemas.
Isso porque:
a) nosso direito constitucional é de inspiração estadunidense;
b) um direito infraconstitucional inspirado no direito romano-germânico (França, Alemanha e Itália, basicamente);
c) controle de constitucionalidade pelo meio difuso (inspirado no judicial review estadunidense) e concentrado (modelo austríaco);
d) adota um sistema de valorização dos precedentes judiciais (súmula vinculante, súmula impeditiva, julgamento modelo para causas repetitivas etc), de óbvia inspiração no common law.
No Brasil, embora a importância da lei ainda seja bem significativa (característica do civil law ), o destaque que se tem atribuído à jurisprudência é notável (marca do common law ).