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A era dos aplicativos e a "uberização" das relações trabalhistas

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Resumo:


  • A relação entre aplicativos e parceiros pode ser caracterizada como uma relação de emprego, sujeita às normas legais.

  • Os requisitos para uma relação de trabalho, como pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica, são observados na relação entre os aplicativos e os parceiros.

  • A situação atual mostra um movimento de reconhecimento do vínculo empregatício dos parceiros dos aplicativos, com ações judiciais e investigações em curso para garantir os direitos dos trabalhadores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 - O reconhecimento do vínculo empregatício

Inicialmente cabe ressaltar a prestação de serviço por Pessoa Física.

Os aplicativos contratam de forma direta o parceiro para realizar seus serviços, não havendo contratação de empresas ou terceiros que sejam pessoas jurídicas, para a realização das suas atividades.

A personalidade é exercida a ferro e fogo. Em seu cadastro e termos de serviços, todos os aplicativos fazem questão de evidenciar que aquele cadastro é pessoal, intransferível e único, sendo vedada a utilização por terceiros. Logo, vemos que somente quem se cadastrou está autorizado a utilizar o aplicativo. Inclusive tendo, de forma mais recentemente a Uber, formado parceria com uma empresa de reconhecimento facial, a fim de garantir que o motorista que está conduzindo o veículo é o mesmo do cadastro. Quando surge dúvida, o aplicativo é bloqueado e exige o reconhecimento facial para desbloqueio.

Fica clara assim a seleção e controle pelos aplicativos de quem labora por eles.

Embora esses aplicativos, conforme já tratado anteriormente, insistam que a "liberdade'' é um atrativo para os parceiros, a realidade é bem diferente. Haja vista que a Uber restringiu as horas em que o motorista pode ficar online por dia, já que muitos permaneciam mais de 18 ou 20 horas por dia online para garantir sua remuneração. De acordo com essas informações podemos ver que há um controle de horário, e de assiduidade, inclusive com parceiros relatando terem sido removidos de plataformas por apresentarem, um período inativo junto ao aplicativo.

Não há como negar a não eventualidade do serviço em casos como esses. Maurício Godinho Delgado ainda aponta que:

"A eventualidade, para fins celetista, não traduz intermitência; (...) se a prestação de serviço é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade." (DELGADO, 2012, pag. 290).

Essas empresas são responsáveis pelo pagamento aos parceiros exatamente como acontece com o salário de um funcionário não eventual.

Uma vez que fazem promoções, descontos e outras formas de publicidade sem o consentimento dos parceiros, que recebem de forma igual, os próprios aplicativos reconhecem que o serviço foi prestado por um subordinado, que não pode ser penalizado por tais ações de marketing ou publicidade. Seria o mesmo que um vendedor sofrer redução de salário nos meses em que a loja realiza saldões. Situação completamente absurda.

Cabe ressaltar a onerosidade patente dessa relação vez que o parceiro entra com o meio de locomoção e sua força de trabalho, recebendo apenas pelo serviço prestado.

Isso deixa clara a natureza remuneratória destes valores tanto para manutenção do veículo, quanto para o sustento do parceiro e de seus familiares.

Os pontos a seguir ilustram de forma clara a relação de subordinação do parceiro/empresa. Em seus sites, empresas como a Uber recomendam trajar roupas sociais, abrir a porta aos passageiros, permanecer com o ar-condicionado ligado, oferecer água e evitar conversas com o cliente. Fica vedado ao parceiro também a realização de propaganda em seus carros, entrega de cartões, combinar viagens particulares diretamente com passageiros, entre diversas outras normas espalhadas no site da empresa. Ou seja, mesmo a Uber informando não ter nenhum controle sobre seus parceiros, horários e jornadas, na prática, possui sim mecanismos de controle, punição e monitoramento do trabalho realizado. Nesse diapasão cabe ressaltar o acórdão proferido no TRT 3:

O contrato de prestação de serviços firmado entre a Uber e o motorista, denominado "cliente", prevê que o "cliente" é obrigado a aceitar os termos e condições nele estipulados (ID. eaf73db - Pág. 1). Típico contrato de adesão, portanto. Resta saber se a UBER é mesmo uma mera plataforma digital, como pretende fazer crer, ou empresa que explora serviço de transporte e emprega motoristas para esse fim.

Registre-se, por oportuno, que o fato de o autor trabalhar em outra atividade, neste caso, por si só, não teria o condão de elidir o reconhecimento da relação de emprego, eis que, como é sabido, uma pessoa pode ter mais de um emprego. Logo, totalmente inócua a juntada da carteira de trabalho do autor.

A pessoalidade é patente. Como é de conhecimento desta Relatora, o autor, para trabalhar na UBER, procedeu à sua inscrição "on line", individualizada. Sabe se ainda que a Uber recomenda que durante a etapa de verificação da documentação, o motorista assista a uma série de vídeos informativos e de capacitação virtual no sítio eletrônico http://t.uber.com.br.introcapacitacao. Para os motoristas que não possuem veículo, a Uber indica parceiros para aluguel e aquisição de veículos.

Trata-se de trabalho remunerado, na medida em que o autor recebia semanalmente pela produção, descontados a participação da UBER e os valores recebidos em moeda corrente dos usuários. E nem se diga que o autor "pagava" à UBER. O contrato de adesão firmado entre a UBER e o motorista deixa claro que a UBER define os valores a serem pagos pelos clientes e gerencia o pagamento ao motorista, como se depreende do item 4 do Contrato de Prestação de Serviços, intitulado "Termos Financeiros" e seus subitens 4.1 ("Cálculo do Preço e Pagamento"), 4.2 ("Custo Fixo"), 4.3 ("Viagens pagas em dinheiro"), 4.4 ("Pagamento"), 4.5 ("Alterações no Cálculo do Preço"), 4.6 ("Ajuste de Preço"), 4.7 ("Taxas de Serviços") e 4.8 ("Taxas de Cancelamento") (ID. eaf73db - Pág. 11 a 13).

Com relação à subordinação, também entendo que se faz presente.

(...)

No entendimento desta Relatora não há dúvidas de que a reclamada controla e desenvolve o negócio, estabelecendo os critérios de remuneração de seus motoristas. Em contraposição, está o motorista, que se sujeita às regras estabelecidas pela UBER e ao seu poder disciplinário, como por exemplo, a desativação do trabalhador, com baixa/má reputação. A própria reclamada admite em sua defesa que, caso seja reconhecido o vínculo, deverá ser considerado que a dispensa do obreiro se deu por mau procedimento, em virtude de seguidos cancelamentos de viagens.

(...)

Além disso, destaco outro aspecto importante a denotar a subordinação: o motorista somente toma ciência do destino escolhido pelo usuário, quando o recebe em seu veículo e dá o comando de início da corrida. Logo, repito, não há elementos para se considerar que o autor seja parceiro da UBER.

(...)

Verifica-se, pois, na relação havida entre as partes, o poder de direção da reclamada, conduzindo o modus faciendi da prestação de trabalho. Configurada, pois, a subordinação jurídica. No caso, não há falar que o reclamante exercia as atividades por sua iniciativa e conveniência, auto-organizando-se, sem se submeter ao poder de controle da empregadora. Isso porque, a UBER seleciona os motoristas; estabelece as regras, inclusive quanto aos carros que deverão ser utilizados na prestação de serviços; recebe reclamações de usuários e decide sobre elas; pode reduzir o valor da corrida, o que impacta diretamente na remuneração do motorista; enfim, domina todo o sistema.

Assim, e uma vez presentes os pressupostos da pessoalidade, não eventualidade, subordinação jurídica, salário e prestação de serviços inerentes à atividade-fim da empresa (art. 2º e 3º da CLT), configurada ficou a relação de emprego entre as partes, no período compreendido entre 10/06/2016 e 02/02/2017, observados os limites da inicial, na função de motorista. Em consequência, a fim de se evitar alegação de supressão de instância, determino o retorno dos autos à origem, para prolação de nova sentença, com exame do restante do mérito e análise dos demais pedidos formulados na exordial, corolários à formação de liame empregatício com a reclamada, como se entender de direito.

Veja-se que os magistrados já começam a reconhecer a existência de todos os pressupostos de uma relação trabalhista entre os aplicativos e o obreiro. Essas decisões são um passo importante na direção correta, na direção de um ordenamento jurídico que comporte esse tipo de relação.


5 - A situação atual e as mudanças que estamos presenciando

Mais recentemente o Ministério Público do Trabalho de São Paulo, após diversos inquéritos e investigações, ajuizou ações contra empresas que prestam serviços similares à Uber, como a 99 e a Lalamove, requerendo que os parceiros tenham o vínculo trabalhista reconhecido. Além disso, requer ainda a garantia de todos os direitos dos trabalhadores, bem como a melhoria das condições de saúde e trabalho nas atividades desenvolvidas por essas empresas.

Além dessas demandas, é necessário o controle de jornada para esses tipos de serviços, uma vez que, conforme mencionado anteriormente, os parceiros ficam, por diversas vezes, mais de 20 horas online trabalhando. O que acaba por introduzir um risco em cascata. O InfoSiga, sistema do Governo do Estado, gerenciado pelo programa Respeito à Vida e Departamento de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), revela que o Estado registrou crescimento de 45,5% nos acidentes de trânsito envolvendo motociclistas durante a pandemia. De abril de 2020 para junho de 2021, o número de ocorrências saltou de 4.877 para 7.097. Já em relação a óbitos foi registrado aumento de 13,5%, com 133 fatalidades de trânsito em abril de 2020 e 151 em junho de 2021

Atualmente estão tramitando mais de 600 inquéritos civis pelo país, bem como 8 ações civis públicas na justiça do trabalho. No total, 625 procedimentos já foram instaurados contra 14 empresas de aplicativos, entre elas a Uber, com 230 procedimentos, a Loggi, com 50 procedimentos, e também ao iFood, este com 94 procedimentos instaurados, entre outras empresas de amplo conhecimento no mercado.

O próprio procurador-geral José Lima comentou o quanto o mundo trabalhista é dinâmico, sobre as ações disse o seguinte:

Essa adaptação, no entanto, não pode significar precarização do direito do trabalhador. É preciso que o Estado elabore regras específicas para esse tipo de trabalho e que os direitos garantidos na Constituição de 1988 cheguem aos trabalhadores

Fica cada vez mais claro que o momento da mudança para as empresas está chegando. Não será mais possível precarizar cada vez mais as relações trabalhistas e muito menos se aproveitar de uma população que passa por momentos de dificuldade.

O procurador-geral ainda comentou que não se trata de dificultar a ação das empresas. Trata-se de criar uma norma que encaixe o relacionamento entre as empresas de forma concreta.

Esse movimento atual vem acontecendo após uma grande onda da chamada uberização do trabalho: a ampliação da suposta liberdade dos trabalhadores, com a consequência de uma queda da qualidade de vida e de trabalho, para que as empresas deixassem de formalizar o vínculo empregatícios.

É esse o entendimento de Ludmila Costhek Abílio:

Ao mesmo tempo em que se livra do vínculo empregatício, a uberização mantém, de formas um tanto evidentes, o controle, gerenciamento e fiscalização sobre o trabalho, adverte. Para ela, a perspectiva é ainda inteiramente aliada com a ideia de empreendedorismo de si. Trata-se então da consolidação da transformação do trabalhador em um nanoempreendedor de si próprio.

Dessa forma, o próprio trabalhador se vê como responsável pela manutenção de seu trabalho, pelos seus instrumentos, e também por seus custos, numa visão em que se encontra desprotegido pela legislação trabalhista.

Assim, cresce uma onda de processos e procedimentos, como acima exposto, em busca de enquadrar esses trabalhadores em algum âmbito da legislação trabalhista, como uma tentativa de evitar que a precarização do trabalho seja cada vez maior e amplamente disseminada em outros campos.

Esse procedimento, bem como as normas que inegavelmente virão após o trâmite legal, é a luz no fim do túnel para os parceiros que finalmente poderão ter condições de vida melhores e parar de trabalhar às margens da lei.


Conclusão

Conforme pudemos verificar da legislação, doutrina e jurisprudência apresentada, a relação entre aplicativos e parceiros pode ser caracterizada como uma relação de emprego, a qual que deve ser submetida às normas legais de acordo.

A pessoalidade se faz do cadastro do empregado, a habitualidade pode ser caracterizada pelo entendimento de que o exercício de se o serviço é essencial a atividade normal do tomador, o serviço é habitual, uma vez que os aplicativos embora façam esforços herculanos para evitar a caracterização como serviço de transporte, são meras obras de semântica, não tendo qualquer condão de se sobrepor a normas nacionais.

Quanto da remuneração é uma das características mais escancaradas. É de conhecimento público tanto os valores quanto os repasses dos parceiros. Cabe ainda ressaltar que caso o parceiro fosse realmente independente e não coubesse vínculo, a ele caberia ditar preços e receber pelo serviço prestado, sem caber a terceiro os recebimentos e a elaboração de tabela de valores.

Os motoristas respondem para empresa em forma de subordinação, tanto de forma direta com suspensões, expulsões e corte de valores a receber, quanto a subordinação ao elemento digital algorítmico da empresa. Ou seja, ela tem poder diretivo e disciplinar.

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É possível, então, extrair dos entendimentos recentes, doutrinários e jurisprudenciais, que todos os requisitos para a classificação dos motoristas parceiros como empregados perante as empresas às quais respondem, tendo, inclusive, diversas ações recentes demonstrado que o entendimento jurisprudencial vem se alterando no sentido de determinar a existência de tal vínculo, sendo provável que, futuramente, ocorram alterações legislativas neste mesmo sentido.


Bibliografia

ARAUJO, Ygor Leonardo de Sousa Araujo. Uberização do Trabalho: A Relação Empregatícia entre os entregadores e as empresas de aplicativos de comida. 2019. Monografia (Bacharelado). Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Jurídicas.

BARBOSA JUNIOR, Francisco de Assis. Gig Economy e contrato de emprego: aplicabilidade da legislação trabalhista aos vínculos de trabalho da nova economia. Segunda edição. Editora Ltr, 2021.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Sétima Edição. Editora LTR, 2020

MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. Décima quinta edição. Editora Atlas, 2020

MASCARO NASCIMENTO, Amauri. Curso de Direito do Trabalho. Vigésima quarta edição, revista, atualizada e ampliada, Editora Saraiva.

REALE, Miguel. Nova fase do direito moderno. Editora Saraiva, 1998.

SLEE, Tom. Uberização: A nova onda do trabalho precarizado. Editora Elefante, 2019. Tradução de João Peres.

CASTRO, Viviane Vidigal de. As ilusões da uberização: um estudo à luz da experiência de motoristas Uber. 2020. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 30 ago. 2021.

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MACHADO, Ricardo. Uberização traz ao debate a relação entre precarização do trabalho e tecnologia. Edição 503 24 abril 2017. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/6826-uberizacao-traz-ao-debate-a-relacao-entre-prec

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SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Acórdão referente ao Processo n° 1000633-91.2017.5.02.0074, 14ª Turma. Relator: MARIA CRISTINA XAVIER RAMOS DI LASCIO, 14ª Turma - Cadeira 5, Data de Publicação: 28/02/2018.

SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Acórdão referente ao processo n° 0010586-27.2017.5.03.0185. Relator: Convocada Maria Cristina Diniz Caixeta, Terceira Turma.

SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Acórdão referente ao processo n° 0100853-94.2019.5.01.0067. Relator: Carina Rodrigues Bicalho, Sétima Turma.


THE AGE OF APPS AND THE UBERIFICATION OF THE WORKERS RELATIONS

Abstract: The subject of this work is the analysis of the requirements for recognition of an employment relationship between a company and her employees. We will then go through the analysis of the relationship maintained between digital applications and their partners to verify where they fit currently on our system and what the current understanding of this situation is.

Keywords: Labor Law, Employment, Urban mobility, Applications.

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