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Conselho tutelar: atuação educativa para o fortalecimento da cidadania

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19/09/2022 às 14:00
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Examina-se a expectativa do papel do conselho tutelar para com a sociedade no sentido de desenvolver uma nova abordagem sobre a defesa dos direitos de crianças e adolescente, como previu a Constituição.

Resumo: Há mais de três décadas foi instituída uma nova política sobre o atendimento às crianças e adolescentes no Brasil, nela criou-se o Conselho Tutelar com função prioritária de zelar pela nova legislação. Essa função de zelar apresenta-se, muitas vezes, de maneira preventiva/educativa na prática cotidiana com a comunidade, o que pode configurar uma forma de educação não formal principalmente no protagonismo do órgão que participa das campanhas de sensibilização para garantia dos direitos de crianças e adolescentes. O trabalho tem por objetivo principal analisar o caráter educativo e preventivo de ações do Conselho Tutelar em campanhas através da educação não formal e sua contribuição para o fortalecimento da cidadania. Para isso, serão feitas análises da legislação que cria o Conselho e de obras que revisitam sua origem e atuação bem como da categoria educação não formal e cidadania relacionadas com atuação do Conselho Tutelar.

Palavras-chave: Conselho Tutelar. Educação Não Formal. Educação em Direitos Humanos.


1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 inseriu em seus artigos 227 a 229 o tratamento que deve ser dispensado a crianças e adolescentes, com certa atenção para ações de prevenção/educação e, entre outros direitos, os da convivência familiar e comunitária. A regulamentação desses artigos da Carta Magna ocorre com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 13 de julho de 1990, (ECA) que traz o Conselho Tutelar como um zelador do próprio Estatuto (Art. 131, ECA).

Este processo de construção de uma política de Estado que atendesse a crianças e adolescentes teve contribuições importantes dos movimentos sociais e instituições da sociedade civil que pressionavam por mudanças (SILVA, 2003). Assim, nascia uma nova política pública para garantia dos direitos de crianças e adolescentes, estes segmentos e movimentos sociais, pela sua marcante atuação, conseguiram legitimar ao longo da década de 1980 e de 1990 um discurso pela cidadania (SILVA, 2003 p. 104), mas que continuou inicialmente disputando espaço com a política anterior, a do bem estar do menor isso porque a dificuldade de definir a inserção do Conselho Tutelar no campo social está ligada à dificuldade de romper com os modelos de instituições existentes até então e suas estratégias de intervenção frente aos problemas sociais (FRIZZO, 2011 p. 59).

Também é importante ressaltar que este movimento de superar o discurso de uma antiga política de atendimento às crianças e adolescentes foi aos poucos ganhando espaço junto a outras políticas públicas que promovessem a cidadania e garantia dos direitos dos cidadãos fortalecendo a que Frizzo e Sarriera chamam de a rede social da infância. Compõem a rede social, portanto, o sistema de saúde, o sistema educacional, a assistência social, o sistema de segurança pública e outros sistemas responsáveis pelo provimento das necessidades dos cidadãos (FRIZZO & SARRIERA, 2005 p. 185).

Para todos os participantes dessa rede, o desafio principal é fazer com que ela funcione. E que funcione de maneira tal que fortaleça aqueles direitos inscritos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Para tanto, o Conselho Tutelar tem função primordial e normativa em construir essas pontes através da rede, fortalecendo a própria cidadania.

Observa-se que as atribuições do Conselho Tutelar, quando não são efetivamente reconhecidas pela chamada rede social da infância, também conhecida como o Sistema de Garantia de Direitos - SGD, passa a contribuir para o não reconhecimento dos direitos e o enfraquecimento da cidadania. Portanto, se não houver uma análise crítica da atuação deste órgão, pode resultar apenas no controle comportamental dos indivíduos (FRIZZO, 2011).

Mas qual é o efetivo papel do Conselho Tutelar para o fortalecimento da cidadania e efetivação de direitos? Há espaço para atuar de forma preventiva/educativa? Estas questões encontram eco na própria origem do Conselho Tutelar, no bojo das forças populares, dos movimentos sociais que ajudaram a construir essa nova política, representada através do Estatuto da Criança e Adolescente que tem muito mais a ser entendido para o aspecto de prevenção/educação do que uma política de controle comportamental dos indivíduos. Neste sentido,este trabalho tem por objetivo verificar se a atuação do Conselho Tutelar pode ter caráter educativo e contribuir para o fortalecimento da cidadania.

Logo, a apresentação e análise da natureza e principais características fundantes do Conselho Tutelar, além de sua atuação, tem por objetivo compreender os aspectos muito mais educativos e preventivos e como eles relacionam com a garantia dos direitos de crianças e adolescentes.

As finalidades da criação do conselho tutelar, no âmbito de uma nova política pública de atendimento às crianças e adolescentes, têm muito para um processo de prevenção e educação para os Direitos Humanos e conectadas com a comunidade preservando os espaços de proteção para o bom desenvolvimento desse público.

Portanto, revisitar os conceitos e princípios do Conselho Tutelar para entender sua função de protetor e educador em Educação Não Formal, faz se necessário, entendendo seu papel para uma sociedade democrática e participativa.

2. METODOLOGIA

A metodologia utilizada neste trabalho é a de revisão bibliográfica, isto é, análise pormenorizada de materiais publicados, tanto em livros como em artigos científicos de pesquisas sobre o tema e experiências profissionais observadas.

Com base no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNEDH e concentrada análise no tema Educação Não Formal em Direitos Humanos e os seus atores, fez-se um levantamento bibliográfico sobre a categoria Educação Não Formal. Leituras e análises do conceito de Educação Não Formal e sua aplicabilidade. Outro levantamento bibliográfico concomitante fez-se sobre a instituição Conselho Tutelar, sua origem e legislações pertinentes.

Esta revisão bibliográfica focou do período de surgimento do Conselho Tutelar, 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente e suas leis complementares referentes às campanhas de promoção e sensibilização das comunidades em defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O que se propõe nesta discussão é conhecer os fundamentos do Conselho Tutelar e as bases que sustentam sua atuação. As experiências são relativamente novas se considerarmos o atendimento e a proteção dada a crianças e adolescentes desde o início do século XX até os anos de 1990. Portanto, há crescentes atualizações da legislação desde a aprovação do ECA, em especial leis complementares que colocam o Conselho Tutelar como um protagonista nas campanhas preventivas e educativas para o bom desenvolvimento de crianças e adolescentes.

3.1 Conselho Tutelar - natureza, características, princípios fundantes e atuação

O Estatuto da Criança e do Adolescente ECA teve sua aprovação no ano de 1990, sendo instituído o Conselho Tutelar, um novo órgão e uma nova legislação, com objetivo de construir uma política pública no atendimento a crianças e adolescentes e superar a falência da política do bem-estar do menor[1]. Esse novo direcionamento deu-se em grande parte, como resultado da atuação das instituições ligadas aos movimentos sociais nos anos de 1980. Estas instituições buscavam junto ao Estado, assistência e benefícios sociais básicos para a população jovem e vulnerável (FRIZZO, 2011).

O Conselho Tutelar é considerado uma entidade sui generis. Isso porque não há entre as entidades públicas e privadas, algo que possa fazer uma analogia, marcando-o na sua originalidade e singularidade. Não é um órgão do governo, mas há uma ligação meramente administrativa burocrática. Não é um setor de assistência social, apesar de trabalhar com os mesmos grupos e comunidades. Não é entidade ou instituição privada, apesar de estar em processo de mobilização constante da sociedade civil. Não é um órgão da segurança pública, apesar de acompanhar adolescentes em conflito com a lei. Não é um órgão de justiça, apesar de suas decisões terem o peso da lei. No entanto, pode ser considerado um órgão de Estado, por ser entidade permanente que assegura os direitos de crianças e adolescentes de forma contínua e ininterrupta como foi indicado na Convenção Internacional da Criança e do Adolescente da ONU em 1989, segundo Nascimento et al. (2009).

Instituído para ser um órgão permanente, autônomo e não jurisdicional. Seus membros devem ser escolhidos pela comunidade e atuarem no em torno da mesma. Portanto, o Conselho Tutelar é encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento da lei que garante o atendimento aos direitos de crianças e adolescentes (BRASIL, 2019. Art. 131 ECA). A lei ainda determina que haja cinco integrantes em cada colegiado e ao menos um conselho para cada município.

Em 2005, segundo pesquisa do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor CEATS havia 4.880 conselhos em todo Brasil o que significa 88% sobre o número de municípios, 5564 unidades federativas (FISCHER, Rosa Maria, 2010). Em 2012, o Cadastro Nacional de Conselhos Tutelares identificou 5.906 conselhos tutelares em todo território nacional (BRASIL, 2013. SDH), sendo que há uma recomendação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA, em sua resolução 139, que seria necessário um conselho a cada 100 mil habitantes (CONANDA, 2010). Em 2019 o IBGE já aponta que 98,5% desses municípios tenham ao menos um conselho tutelar em funcionamento (IBGE. 2020).

As características deste órgão estão ligadas a ideia de descentralizar a política de atendimento às crianças e adolescentes, municipalizando-a e construindo uma política mais participativa (BRASIL, 2019. Art. 88 ECA). Ações que não criminalizem a miséria e a pobreza, dando o devido encaminhamento às questões de ordem para a garantia de direitos fundamentais como educação, saúde, segurança alimentar, cultura e lazer (BRASIL, 2019. Art. 53, Art.7º, ECA). Além disso, fortalecer a prática de uma política pública democrática inserindo o Conselho Tutelar na chamada rede de proteção, interligando o órgão aos outros setores municipais. Outra característica importante a ser destacada é o modo de atuação, que deve estar centrado no respeito e na dignidade das crianças e dos adolescentes, considerando que os mesmos estão em fase de desenvolvimento (BRASIL, 2019. Art. 15, ECA) e, além disso, toda tomada de decisão é colegiada, destacando fortemente o aspecto político e a supremacia do Conselho sobre a opinião isolada de cada membro, considerando que as decisões do Conselho Tutelar não podem ser revista, exceto pelo judiciário a pedido de quem tenha legítimo interesse (BRASIL, 2019. Art. 137, ECA).

Observa-se que as características, notadamente apresentadas no ECA, e que constroem o sistema de proteção, estão fundamentadas nos seguintes princípios: descentralização da política de atendimento a crianças e adolescentes (BRASIL, 2019. Art. 88, ECA), participação popular, fortalecimento dos direitos fundamentais, princípio à autonomia dos indivíduos, princípios democráticos, princípio ao tratamento com respeito e dignidade entre outros. Estes princípios dialogam diretamente com os princípios dos Direitos Humanos. Esta política de atendimento é a chamada Princípio da Proteção Integral descritas nos artigos 86 e 87 do ECA. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2019. Art. 86, ECA).

Kátia Regina Frizzo em seus estudos para o doutorado analisa sobre a natureza e as características do Conselho Tutelar e afirma que esses novos princípios de uma política de atendimento a crianças e adolescentes foram iniciados no debate dentro dos movimentos populares que tiveram efetiva participação na década de 1980. os movimentos sociais emancipatórios presentes e atuantes na década de 80, tipificados por Santos (1996) como novos movimentos sociais, que formularam e sustentaram um produtivo debate sobre o papel das instituições sociais na vida cotidiana. (FRIZZO, 2011. p, 59)

A autora conclui que este modelo garantista, representado pela instituição Conselho Tutelar é o mesmo defendido pelas Nações Unidas, que entende que se faz necessário por ser princípio básico de cidadania em Estados democráticos. Frizzo argumenta que o Conselho Tutelar é definido no Estatuto como órgão, o que já lhe traz um significado importante, como parte de um sistema. Além disso, é apresentado que o Conselho Tutelar é legitimado, dando-lhe poder por duas fontes: a primeira é: escolhido pela comunidade; poder popular; e em segundo lugar constitui um serviço público, justamente por suas atribuições estarem em lei, dando ao órgão responsabilidades específicas que independe da vontade da comunidade.

Justamente essa independência de atuação, que está presente na legislação, permanente e autônomo que Frizzo faz uma de suas reflexões: o órgão atua independente da vontade política de governantes, juízes ou qualquer outra autoridade constituída (FRIZZO, 2011. p, 61). Apesar do vínculo administrativo com o poder público, para suas necessidades de atividades cotidianas como transporte, comunicação, recepção, escritório, alimentação, etc, a autora lembra bem que, o fato da autonomia e de ser permanente, confere resistência aos conselhos às pressões diversas. A lei que institui os Conselhos Tutelares é federal e não pode ser modificada por governos municipais e estaduais.

Essas características e algumas singularidades construídas na instituição do Conselho Tutelar permitem observar que esta instituição possui um aspecto político e pedagógico na sua própria natureza. Político porque, na sua tomada de decisão, sobre o atendimento às crianças e adolescentes, o Conselho necessita de formar consenso pelo menos da maioria, o que é próprio dos conselhos, grupos e colegiados, de maneira geral, na tomada de decisões. Esta forma de decidir em colegiado é uma das mais antigas na distribuição de poder, como afirma a professora Dra. Vera Alves Cepêda da Universidade Federal de São Carlos deliberação é um processo de tomada de decisão (CEPÊDA, 2006). Cepêda destaca que a ideia de conselho, como forma de organização da sociedade é essencialmente político e demanda negociação e argumentação entre seus membros para a deliberação. Salienta que as tribos, clãs, vilas, as pequenas comunidades sempre usavam a forma de conselhos, tendo-o como centro para a tomada de decisões sobre a vida coletiva e trazendo esse papel político para o colegiado. Já o aspecto pedagógico está identificado tanto pela natureza não jurisdicional, bem como a função de zelar pelo ECA. Neste caso Frizzo afirma:

A característica de ser não jurisdicional, diz respeito à função social, política, moral, ética e pedagógica do Conselho Tutelar, já que sua ação situa-se principalmente na vigilância, controle e prevenção dos riscos à violação dos direitos de crianças e adolescentes. Sua ação não depende da esfera da justiça, nem de providências judiciais, pois o que caracteriza sua atuação é tomar providências administrativas cabíveis para garantir cidadania plena e os direitos garantidos por lei. (FRIZZO, 2011. p. 61)

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A função zelar traz no próprio significado do verbo esse aspecto vigiar, proteger, tomar conta, medidas de precaução e prevenção. Logo, para tais medidas de zelar, faz-se necessárias medidas de informar e de educar através de campanhas, oficinas, palestras, conversas, reuniões, entre outras. Portanto, a atuação do Conselho nesse aspecto é construir meios de comunicação com a comunidade para informar, sensibilizar sobre o bom desenvolvimento para crianças e adolescentes.

Os artigos 70 e 70-A até o inciso (V) do Estatuto da Criança e do Adolescente foram reservados para descrever sobre as ações que devem ser realizadas para a prevenção de ocorrências à violação ou ameaças aos direitos de crianças e adolescentes. Diz sobre a promoção de campanhas educativas permanentes, ressalta sobre a integração entre os órgãos, incluindo o Conselho Tutelar, formação e capacitação dos profissionais das diversas áreas, atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo (BRASIL, 2019. Art. 70, Art.70-A, ECA).

Essas ações previstas no ECA, mesmo que tenham a participação das demais áreas como a participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL, 2019. Art.70-A, ECA) acabam por criar um protagonismo do Conselho, pelo simples fato de ser o zelador dos direitos em debate.

No livro, Teoria e Prática dos Conselhos Tutelares dos Direitos da Criança de Adolescente de 2009, publicado pela Fundação Osvaldo Cruz, há um destaque sobre a autonomia dos Conselhos, outra característica importante que mostra a natureza política do colegiado e sua autoridade neste contexto. A autonomia do Conselho Tutelar, que apesar de suas ações possam ser fiscalizadas pelo Ministério Público e pela Justiça da Infância e da Adolescência e além, é claro, de serem obrigados a prestarem contas pelos seus gastos como qualquer outro órgão da administração pública, há o preceito como exigência funcional de sua autonomia, o colegiado é autônomo de suas decisões. Ou seja, o órgão não se subordina a nenhum dos poderes constituídos, como justiça, legislativo ou executivo.

Segundo Nascimento (2009), esta autonomia reforça ainda mais o status de protagonista do Conselho Tutelar na defesa dos direitos de criança e adolescentes. Vejamos:

a autonomia dos conselhos tutelares é mais do que uma exigência funcional: trata-se de uma condição política para a plena participação da sociedade na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Entendemos que ao declarar a condição de autônomo do conselho tutelar (BRASIL, 1990, art. 131), o legislador concede a este o status jurídico e político de protagonista na proteção e defesa dos direitos humanos ameaçados ou violados. (NASCIMENTO at el., 2009, p. 150).

Importante destacar que não há uma relação de subordinação do Conselho Tutelar com o conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente CMDCA, No entanto, o CMDCA é o responsável de organizar o processo de escolha pela comunidade dos membros do Conselho, assim como, em muitos casos o CMDCA passa a organizar capacitação para os conselheiros tutelares, mas isso não tira a autonomia colegial do Conselho Tutelar em tomar suas decisões como lembram Nascimento et al.(2009).

Essas são as principais características fundantes do Conselho Tutelar. Definições que desenham a natureza e os princípios deste órgão, forjado no seio dos movimentos sociais na emergência de criar condições para superar uma política pública falida (FRIZZO, 2011). Um órgão representativo de uma nova política de atendimento que vem se consolidando há mais de 30 anos.

3.2 Educação não formal e o protagonismo do Conselho Tutelar nas campanhas de garantia de direitos de crianças e adolescentes.

As atividades desenvolvidas pelo Conselho Tutelar são diversas. Várias de suas atribuições estão previstas no Art. 136 do ECA, que em resumo seriam: atender; requisitar; representar; encaminhar; providenciar; notificar e assessorar (FRIZZO, 2011). Além disso, existem as atividades administrativas cotidianas do Conselho e demandas externas, fora das atribuições expressas do ECA, que devem ser atendidas e que podem ocorrer em diversos espaços da comunidade, tais como: escolas, postos de saúde, capacitações, reuniões da rede municipal de proteção, reuniões e capacitações com o poder judiciário ou com todo Sistema de Garantia de Direitos, entre outras. São atividades de formação, informação, campanhas, mobilizaçõesfocadas em construir sensibilização junto à comunidade, à família e o serviço público na defesa dos direitos de crianças e adolescentes (BRASIL, 2019. Art. 4º ECA).

Este leque de atividades externas exige do membro do Conselho Tutelar habilidades para lidar com famílias, crianças e adolescentes, instituições, governo municipal, lideranças comunitárias, profissionais da segurança pública e do judiciário, profissionais da assistência social, educadores, entre outros. Essas habilidades tornam o membro do conselho e o próprio colegiado com capacidades de negociação no campo político, ou seja, devem ser adquiridas capacidades que permitam estabelecer relações que superem as dificuldades iniciais de comunicação, da falta de escuta e de bom senso, estabelecendo diálogo, credibilidade nas informações, civilidade, respeito e postura democrática.

A participação dos conselheiros é também importante em encontros de informação e formação, com troca de experiências e construção de novos saberes na área da defesa infanto juvenil. Essa participação deve ser discutida no colegiado, que tem o objetivo de definir o posicionamento do conselho a ser levado à atividade externa. O ECA aponta para uma lógica de intervenção do conselho tutelar voltada para a rede pessoal e institucional de proteção social, tendo como princípios norteadores o respeito à opinião da criança e do adolescente, bem como o interesse superior dos mesmos o conselho tutelar atentar para as relações estabelecidas com as famílias, entidades civis, órgãos e serviços públicos. Essas relações exigem do conselheiro algumas habilidades e posturas não facilmente desenvolvidas, mas determinantes na resolução dos casos e do lugar político que o conselho deseja assumir. Tais habilidades envolvem a maneira como o conselheiro se relaciona com as pessoas, convive com a comunidade e organiza o seu trabalho. (NASCIMENTO at el., 2009, p. 156).

Essas atribuições externas são primordiais para uma boa atuação do colegiado. Isso porque a troca de experiências e verificação de saídas para solução dos problemas apresentados torna-se um exercício da cidadania tanto para os membros do conselho tutelar como para os demais envolvidos na defesa dos direitos de crianças e adolescentes. As campanhas, previstas no ECA, (Leis complementares: Lei 13.798 de 03 de janeiro de 2019 que institui Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência; Lei 13.010 de 26 de junho de 2014 contra maus-tratos à criança e adolescente; Lei 9.970 de 17 de maio de 2000 que instituí o Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; Lei 11.542 de 12 novembro de 2007 que instituí o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil) discutidas e planejadas tanto pelos profissionais como com lideranças comunitárias têm o potencial de informar, sensibilizar e educar a todos no entorno da atividade (BRASIL, 2019. ECA). Para algumas capacidades e recursos gerenciais os membros dos conselhos tutelares devem ficar atentos, como por exemplo:

  • Capacidade de escuta e comunicação essa habilidade é importante porque o conselheiro deve compreender a demanda, afastando os preconceitos, o paternalismo e a rotulação dos atendimentos. Destaco ainda que essa seja uma habilidade que será usada logo no primeiro contato com o núcleo familiar, portanto o membro (conselheiro/a) deve criar credibilidade e legitimidade na atuação, neste primeiro momento.

  • Capacidade de buscar e transmitir informações nesta habilidade deve saber obter e transmitir informações confiáveis e úteis. Com essa postura o membro constrói vínculos confiáveis e sólidos na relação com as famílias e a comunidade.

  • Capacidade de interlocução e de negociação - As relações interpessoais dos conselheiros são muito ampla, famílias, profissionais, lideranças, autoridades diversas, crianças e adolescentes entre outros, por isso, a postura dos membros do conselho devem ser firmes e com clareza na argumentação. Devem buscar sempre preparar-se antes das reuniões e planejar o que deve ser argumentado ou não. Por isso a importância da busca constante por esclarecimentos sobre assuntos técnicos, de informação, leituras, consultas, estudos que possibilite o membro do conselho está seguro de suas defesas.

  • Capacidade de exercer com autonomia - Esta habilidade é algo imprescindível, não só por está normatizado no Estatuto, para o colegiado, como é resultado das demais habilidades, segundo Nascimento et al.(2009).

Na pesquisa empírica desenvolvida por Oscar Francisco Alves Júnior entre 2001 e 2007 no município de Ouro Preto do Oeste/RO traz a reflexão sobre a prática educativa do Conselho Tutelar. Na definição da prática educativa do Conselho tutelar o autor afirma que ela decorre de uma prática social interativa que os membros do Conselho desenvolvem nas relações sociais entre os mesmos, com a família e sociedade. Acrescenta ainda que existam algumas instituições específicas como porta-voz de uma nova pedagogia a exemplo da família, comunidade, mídia e escola e conclui que a prática educativa na qual se refere é a educação não formal, uma educação para a cidadania, e segue citando Maria da Glória Gohn, a qual definiu o conceito de Educação Não-Formal.

A base da definição de Gohn, segundo Alves Júnior, está no entendimento de que a educação não formal possui em si várias características que em geral não são encontradas na educação convencional. Como por exemplo, cidadania, civilidade, política e moralidade. Neste contexto que Alves Júnior entende que a participação da sociedade nos processos de formulação e controle das novas políticas públicas, (entendendo aqui o Conselho como parte dessa sociedade), além de sua atuação como prevista no ECA, que está a contribuição do Conselho Tutelar para a educação não formal:

A prática educativa desenvolvida pelo Conselho está inserida na tendência atual de consolidar a participação da sociedade na definição e controle de políticas públicas municipais, perspectiva esta que procura reintroduzir a comunidade local no papel de defesa e cuidado com as crianças e adolescentes... se evidencia na medida em que procede a orientação educativa. Também, quando exerce atividades advocatícias lato sensu na defesa e garantia da atenção, de representação e encaminhamento em caso de descumprimento dos direitos relacionados à criança e ao adolescente. (ALVES JUNIOR, 2012 p. 59 e 60).

Citando Gohn, Alves Júnior lembra sobre os aspectos destacados pela autora quando conceitua a Educação Não-Formal, ressalta ainda que o objetivo principal desse tipo de educação é a cidadania e, portanto a coletividade é a dimensão maior nesse processo.

Gohn (1999, p. 98) advoga a tese de que a educação não formal possui cinco aspectos dentro do processo educacional: a) a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos; b) a capacitação dos indivíduos para o trabalho; c) a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos; d) a aprendizagem dos conteúdos da educação formal; e) processo educacional desenvolvido pela mídia, principalmente a eletrônica. Por derradeiro, o objetivo principal da educação não formal é a cidadania, o que demonstra a preocupação com a dimensão da coletividade, até porque é com a prática social que ocorre a aprendizagem na educação não-formal. Nesse mote grifa-se nesta reflexão, dentre os múltiplos espaços para que essa educação não-formal ocorra, o Conselho Tutelar exercendo ou podendo exercer uma prática educativa, apesar de suas várias atribuições legais e no desempenho delas. ( ALVES JUNIOR, 2008 p. 94).

Ao final, o autor apresenta que há uma forte expectativa do papel do Conselho Tutelar para com a sociedade, no sentido de desenvolver uma nova abordagem sobre a defesa dos direitos de crianças e adolescente como previu a Constituição Federal. Que há ainda muito que transformar e os membros do conselho não devem ser agente consolidador da situação presente, nem promover o retrocesso ao status quo, mas sim tornar-se garantidores da Doutrina da Proteção Integral. Salienta que é muito importante possuir uma visão de prevenir as situações e, portanto devem-se possuir estudos constantes para conhecer bem as situações de riscos e desenvolver os processos de informação/educação.

A promoção de campanhas protagonizadas pelo Conselho Tutelar[2] é, na verdade, uma busca de sensibilização junto à comunidade e seu entorno para que a população em geral entenda que o público infanto juvenil são pessoas em desenvolvimento e que qualquer que seja sua exposição degradante como trabalho precoce, serviços perigosos, exposição ao uso de álcool e outras drogas, erotização infantil, gravidez precoce, castigos físicos e psicológicos, entre outros, prejudica sua formação como um todo. Portanto, as campanhas buscam dialogar com a comunidade e profissionais das diversas áreas dos serviços públicos a importância sobre a observância do ECA e seu direcionamento para proteção de crianças e adolescentes.

Neste aspecto, o aprendizado sobre o conteúdo das campanhas de sensibilização é inicialmente do próprio colegiado, que tendo pouco conhecimento das políticas públicas para proteção à infância, busca obrigatoriamente[3] discutir entre os membros e a reconhecer os direitos de crianças e adolescentes e a viabilidade para incentivar a própria comunidade a perceber esses cuidados com esse público.

O desenvolvimento desse processo, de troca de informações sobre a garantia dos direitos de crianças e adolescentes, ocorre inicialmente entre os membros do Conselho Tutelar e depois nas campanhas de sensibilização da comunidade e os grupos profissionais. Neste processo é que consideramos acontecer a educação não formal. Para tanto, uma educação não formal que fortalece a educação em direitos humanos em especial para o entendimento sobre os direitos do público infanto juvenil.

De acordo o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos PNEDH, a Educação Não Formal é uma das formas de promover a cidadania, isso porque o processo de reflexão e aprendizado está centrado em diversos espaços como as moradias, os locais de trabalho, na cidade, campo dentre outros e principalmente nos movimentos sociais. Segundo o PNEDH, esse processo de educação dar-se pelo estímulo as reflexões e sensibilização para formação de consciência crítica dos indivíduos. Muitas práticas educativas não formais enfatizam a reflexão e o conhecimento das pessoas e grupos sobre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais (PNEDH, 2007 p. 40). Este permanente processo de sensibilização previsto no Plano possui características muito próximas das próprias campanhas de sensibilização do Conselho Tutelar, que tem por atribuição mobilizar a comunidade e os grupos para garantia de direitos de crianças e adolescentes. Portanto, este protagonismo do Conselho Tutelar, inserido por força de lei, legitima-o na construção e fortalecimento tanto da cidadania como a política pública de atendimento a crianças e adolescentes. O PNEDH compreende para a formação de consciência crítica no que tange a educação não formal:

a) qualificação para o trabalho; b) adoção e exercício de práticas voltadas para a comunidade; c) aprendizagem política de direitos por meio da participação em grupos sociais; d) educação realizada nos meios de comunicação social; e) aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades diversificadas; f) educação para a vida no sentido de garantir o respeito à dignidade do ser humano. (PNEDH, 2007. p. 43)

Observa-se que os itens b, c e f estão ligados diretamente à prática cotidiana nas atividades do Conselho Tutelar e as mesmas realizando um processo de educação não formal na comunidade, entre os profissionais da área, entre os grupos, nos núcleos familiares e para os próprios membros do colegiado. Portanto, há de se refletir. Essa prática preventiva/educativa do Conselho Tutelar contribui para o fortalecimento da cidadania na garantia dos direitos de crianças e adolescentes?

De início, é importante destacar que o conceito de cidadania aqui empregado não corresponde aquele em que é o reconhecimento da nacionalidade dos cidadãos pelo Estado-nação. A cidadania a qual referimos é a que representa um conjunto de direitos legitimados pelo conjunto da sociedade civil e normatizados pelo Estado de direito.

Vários estudiosos desse assunto reconhecem que a cidadania ocorre na esfera pública. É no espaço do público que a cidadania se efetiva (Mendes, 2000 p. 9). Entre algumas dimensões de cidadania destacamos aqui a dimensão onde Vera Lúcia Peixoto Mendes destaca como a cidadania na perspectiva republicana, que vê o cidadão como portador de virtudes que o orientam para o mundo público (Mendes, 2000 p. 9).

Para entender como o Conselho Tutelar fortalece a cidadania é preciso observar o seu grupo prioritário, com o qual o Conselho tem suas atribuições legais para zelar direitos. Nesse sentido, crianças e adolescentes, na esteira da história, só passam a ter visibilidade a partir do século XIX, como afirma Frizzo e Sarriera: a infância é uma invenção da modernidade e está associada basicamente a três fatores sociais, intimamente relacionados, que tiveram seu máximo desenvolvimento entre os séculos XVI e XVIII: a individualização dos costumes, o advento da escolarização e a mudança no perfil da família (FRIZZO & SARRIERA, 2005 p. 176). Os autores ainda observam que a infância continuou por algum tempo restrita ao ambiente privado, criando uma invisibilidade da infância.

A visibilidade desse público emerge, a partir do século XIX, com aumento da industrialização dos Estados e no decorrer das mudanças do sistema de produção (principalmente nos países de economia dependente) a infância passa a ser atacada de várias maneiras, a exemplo do trabalho infantil, falta de políticas de educação e saúde, concentração de renda, empobrecimento das famílias, intensificando a exclusão de crianças e adolescentes. (FRIZZO & SARRIERA, 2005).

Neste ambiente em que surgem os movimentos que questionam e põem em xeque a noção de cidadania e a titularidade de direitos no que se refere à infância (FRIZZO & SARRIERA, 2005 p. 178). A partir de então, a infância deixa de ser apenas da esfera privada e passa a ser pautada também na esfera pública.

Criam-se novas instituições de guarda, assistência e defesa dos direitos de crianças e adolescentes. São instituições oficiais, mas nem sempre ligadas à estrutura do Estado, e, na maioria dos casos, estão sob controle da sociedade civil. Como exemplos, o Brasil criou seus Conselhos Tutelares, a Itália criou o Telefone Azul, Ombudsmen foram criados na Áustria, na Suécia e na Noruega. (FRIZZO & SARRIERA, 2005 p. 186).

A pauta para essa nova estrutura social passa a ter status de políticas públicas que atendessem com prioridade a crianças e adolescentes, e o processo de legitimação dessas políticas invade a esfera pública demandando direitos e garantias para a infância. Este é um processo dinâmico que constrói a própria ideia de cidadania. O conceito de cidadania não é estático, mas produzido geográfica e temporalmente (Mendes, 2000 p. 6). Além disso, construir dentro do Estado democrático de direito essa legitimação demanda diálogo e visibilidade dos direitos reivindicados na esfera pública como afirma Telles:

É nesse ancoramento dos direitos na dinâmica da sociedade que se esclarece a afirmação de Lefort de que o reconhecimento dos direitos não depende da simples concordância da legalidade formal constituída. Tampouco depende da simples sanção do Estado. Para que uma demanda de direitos ganhe inscrição jurídica, diz Lefort, não é suficiente que tal ou qual reivindicação encontre os ouvidos complacentes do Estado, é preciso que ela se beneficie antes do acordo mais ou menos tácito de uma importante fração da opinião pública, enfim, que ela se inscreva nisso que chamamos de espaço público É desse ponto de vista que o espaço público se determina como espaço político que tem por efeito instituir uma cena no qual o conflito se apresenta aos olhos de todos (desde que a cidadania não seja reservada ao pequeno número) como necessário irredutível e legítimo (TELLES, 1990 p. 45).

O Conselho Tutelar, instituído no Brasil a partir de 1990, ganha essa legitimação junto à sociedade civil e ao Estado democrático de direito. Talvez uma das poucas instituições com a finalidade exclusiva de zelar por direitos de um grupo específico, crianças e adolescentes. Zelar de tal forma que seja exercido a cidadania cotidianamente (nas medidas de proteção, orientações e campanhas) para ressaltar os direitos legitimados e normatizados dentro dessa sociedade.

As medidas de proteção e orientações são aquelas ligadas diretamente às suas atribuições legais (BRASIL, 2019. Art. 101, I a VII; Art. 136, ECA), que resumidamente são as providências para determinada situação onde o direito está ameaçado ou foi efetivamente violado.

Já as campanhas possuem objetivamente outro caráter. São atividades que tem por finalidade a prevenção, como descrita no artigo 70 do ECA: prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL, 2019. Art. 70º ECA). E coloca esta finalidade a todos, ou seja, família, sociedade e Estado (BRASIL, 2019. Art. 4º ECA). Por isso, as campanhas inseridas em leis complementares (já citadas aqui) para promover junto às famílias, sociedade e órgãos públicos, uma reflexão e sensibilização de que crianças e adolescentes são indivíduos em desenvolvimento e precisam da atenção de todos. As campanhas ainda reforçam o quanto é importante garantir as políticas públicas de educação, saúde, assistência social, lazer, cultura, esporte entre outras. Assim como melhorar as relações sociais, comunitárias e intrafamiliar, prezando pelo respeito e dignidade.

Diferentemente das medidas de proteção, que podem ser uma notificação, uma advertência, uma requisição, um encaminhamento, entre outras, as campanhas aproximam de forma a provocar o diálogo, o esclarecimento, o debate, que resulta em informação e educação. Este é um processo que se apresenta até aqui a capacidade de sensibilizar e evolvera comunidade, familiares e órgãos públicos no fortalecimento dos direitos de crianças e adolescentes. E por ser uma exposição pública, um chamado informativo público, uma provocação para o ambiente público, as campanhas constroemum ambiente favoravelmentepara o fortalecimento da cidadania.

Este ambiente favorável a sensibilização da comunidade, familiares e órgãos públicos, para expor direitos e a importância deles às crianças e adolescentes, fica claro quando observamos as campanhas na prática, a exemplo do combate ao trabalho infantil: Há muitas dúvidas entre os familiares sobre uma atividade pedagógica no seio familiar, que poderia vir a beneficiar as crianças e os adolescentes (inclusive em alguns casos fortalecendo o direito à profissionalização, expressos entre os artigos 67 ao 69 do ECA)[4] e o que é definido como trabalho infantil[5] na Organização Internacional do Trabalho OIT. Quando os familiares, comunitários e até profissionais de órgãos públicos, são confrontados nos seus argumentos, de que nos dias de hoje crianças e adolescentes não podem fazer nada porque a lei proíbe, através das campanhas protagonizadas pelo Conselho Tutelar, desconstrói estes argumentos. As campanhas são a oportunidade de esclarecer e definir claramente onde os direitos estão e que não podem ser violados e os que podem ser fortalecidos, a exemplo dado, entre profissionalizar e uma atividade educativa para a exploração do trabalho infantil.

Infelizmente, os interessados em fortalecer os argumentos para descredibilizar o Estatuto da Criança e do Adolescente sempre encontram respaldo, na comunidade e entre os familiares, principalmente entre aqueles que por um complexo de fatores passam por alguma dificuldade em cuidar e proteger seus filhos. Neste momento é que as campanhas são fundamentais para construir a verdade dos fatos e garantir a defesa inegociável e inalienável aos direitos de crianças e adolescentes.

Esses aspectos, citados anteriormente, repetem nas demais campanhas apontadas aqui. Na Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, campanha recente aprovada em 2019, tem por finalidade abrir caminhos para sensibilizar a comunidade e familiares sobre os prejuízos gerados aos adolescentes com uma gravidez precoce. Campanhas como essa levantam, inevitavelmente, o debate sobre educação sexual a esses jovens. O direito a um tipo educação, que não está comumente difundida pelas instituições, pelos familiares e muito menos na comunidade.

Uma das campanhas mais antiga é do Dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituída no ano de 2000. Portanto, mais de 20 anos que o Conselho Tutelar, junto com a rede de proteção, realiza a referida campanha. Essa campanha passou a ser conhecida como 18 de maio e tendo como símbolo uma flor amarela. Se digitarmos na internet nos sites de buscas as escritas (18 de maio) aparecerão logo na primeira página, todas as referências relacionadas à campanha. A primeira conclusão que se chega é que o dia relacionado à campanha está consolidado, assim como a imagem da flor amarela. Quando observamos os primeiros dez sites, que a busca na internet nos apresentou, observamos que todos estão relacionados à instituições que participam das campanhas e buscam dizer da importância de denunciar, na eventualidade do direito violado.

Portanto, a consolidação dessas campanhas fortalecem para construção junto a comunidade e a sociedade em geral, de que condições de violência, maus tratos, abandono, exploração, negação entre outras, impostas a crianças e adolescentes, não devem ser naturalizadas. O caminho portanto, através das campanhas, é desconstrói discursos e argumentos que colocam crianças e adolescentes em risco. As campanhas devem pavimentar estes caminhos para que os direitos sejam garantidos e crianças e adolescentes exerçam efetivamente sua cidadania.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda a discussão exposta até aqui traz uma análise na perspectiva teórica, tanto da legislação que constitui o Conselho Tutelar, quanto do seu processo histórico de construção, assim como os processos de educação não formal nas campanhas de sensibilização para garantias de direitos.

Existe legitimidade na atuação do Conselho Tutelar, isso porque os debates dos movimentos sociais nos anos de 1980 o legitimam até os dias atuais. No entanto, assim como a sociedade não é estática, o Conselho que a representa também exige análise e compreensão, de forma empírica e possíveis revisões. O ECA tem sido atualizado, com suas leis complementares, e em grande medida para uma atuação de um Conselho que se posicione mais como agente preventivo e educativo não formal.

A concepção e os princípios abordados no Plano Nacional em Educação em Direitos Humanos sobre o tema educação não-formal estão diretamente relacionados com esse aspecto preventivo e educativo do Conselho Tutelar: Dialogar com a comunidade nos diversos espaços coletivos, valorizar a autonomia e emancipação dos indivíduos e dos grupos sociais, valorizar a participação, educação para a vida que ressalte o respeito e a dignidade do ser humano. (PNEDH, 2007 p. 43 e 44).

O Estado democrático de direito ainda é o guarda-chuva dessa instituição e evoca a participação da sociedade nas diversas instâncias de poder a exemplo dos conselhos participativos e do próprio Conselho Tutelar. Portanto, os princípios fundantes do Conselho, mantêm-se sólidos. A prática e atuação podem ser ajustadas, reconstruídas, analisadas, refundadas para um processo que fortaleça a cidadania e garantia dos direitos de crianças e adolescentes.

As atualizações do ECA fortalecem o Conselho Tutelar para a sua atuação preventiva, o que leva o órgão a protagonizar nas campanhas de sensibilização da comunidade e dos demais sistemas de proteção de crianças e adolescentes. Logo, a atuação do Conselho Tutelar conecta com o que o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos tem proposto: o fortalecimento de instituições que trabalhem para o fortalecimento da cidadania e promoção e garantia dos direitos humanos.

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Sobre o autor
Ernandes José da Silva

Mestrando em Ciencias Sociais (PUC Minas). Especialista em Educação em Direitos Humanos (UFVJM//2021) Graduado em Administração Pública (UFVJM/2021) Graduado em Serviço Social (UFVJM/2012), foi professor de língua portuguesa do ensino fundamental na EFA de Padre Paraíso (2007), Bolsista/UFVJM de Iniciação científica (2008), Assistente Administrativo na ONG italiana UAI Brasil (2008/2009), Professor da rede estadual de Minas Gerais, (sociologia, 2007), (Artes, 2011), (História, 2013), Bolsista de atividade pela UFVJM (2010), Educador Social da Visão Mundial (2012/2014) com foco na agricultura familiar. Bolsista do CNPQ/UFMG com atuação no Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial do Vale do Mucuri - NEDET/UFVJM (2014 à 2016). Secretário Municipal de Desenvolvimento Social e Habitação de Padre Paraíso (2017/2018). Atualmente assistente social efetivo da Proteção Social Especial do município de Veredinha (posse ago. 2019). Graduado em Administração Pública pela UFVJM (2021). Militante do Movimento Cultural do Vale desde 2007. Diretor Executivo da Federação das Entidades Culturais e Artísticas do Vale do Jequitinhonha - FECAJE (2014 à 2016). Participante das comissões organizadora do 28º FESTIVALE (Padre Paraíso/APACA, 2010), 31º FESTIVALE (Araçuaí, 2014) e 32º FESTIVALE (Salto da Divisa, 2015). Lider e idealizador do Seminário Vale Protege (2014). Atua principalmente nos seguintes temas: questão agrária, políticas públicas, direitos humanos, trabalho, semi-árido, manejo comunitário, programas públicos, movimento sociais, história, cultura popular, proteção social e direitos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Ernandes José. Conselho tutelar: atuação educativa para o fortalecimento da cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7019, 19 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100218. Acesso em: 24 nov. 2024.

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