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A necessidade de mudanças na lei orçamentária e o orçamento impositivo

15/06/2007 às 00:00
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Os recorrentes escândalos de corrupção reacenderam os debates sobre alterações nas regras de elaboração e execução da lei orçamentária. As acusações de desvio de dinheiro público trouxeram novamente ao debate parlamentar o projeto de implantação do orçamento impositivo como forma de impedir que o Executivo possa contingenciar verbas, realizar cortes ou executar discricionariamente a programação orçamentária.

Está em discussão no Congresso Nacional a PEC nº 22/2000, que trata do Orçamento Impositivo. Pela proposta, o Poder Executivo seria obrigado – e não apenas autorizado – a cumprir o Orçamento Geral da União tal qual aprovado pelos parlamentares. No modelo atual, também conhecido como orçamento autorizativo, o governo reavalia periodicamente as contas públicas e, com base na arrecadação de imposto e contribuições, reprograma os gastos até o final do ano. Se adotado o Orçamento Impositivo, o governo perderia essa discricionariedade.

Para os que defendem o orçamento impositivo, sua adoção resgataria o que consideram um das principais atribuições do Congresso Nacional: "a atribuição de definir – junto com o Poder Executivo, mas dando a palavra final quanto ao assunto – a destinação do dinheiro público1". Acreditam que "um processo de elaboração orçamentária que atribui ao Poder Legislativo responsabilidade impositiva apenas à exação de receitas, mas não o faz em relação à imposição dos gastos é um processo incompleto2". Alegam ainda que as emendas parlamentares têm se tornado "instrumentos de barganha política entre o Executivo e o Legislativo (...) porque permitem que o governo negocie a liberação do dinheiro em troca de votos para projetos de seu interesse3", fazendo da peça orçamentária uma mera declaração de intenções, sujeita a troca de favores e interesses em uma interação às escondidas entre a burocracia federal, os membros da comissão de orçamento e os interessados diretos nos gastos. "Esse processo gera a podridão dos mensaleitos, a promiscuidade entre empreiteiras (...), parlamentares e funcionários, e torna a corrupção mais do que endêmica, sistêmica4". O orçamento impositivo tornaria mais efetivo o controle sob as ações de governo.

Os que são contra, afirmam que mesmo no modelo atual (autorizativo) algumas despesas orçamentárias já são impositivas, ou seja, são de cumprimento obrigatório, "entre as quais: 1) benefícios previdenciários; 2) salários do funcionalismo; 3) transferências para estados e municípios; 4) despesas constitucionais dos ministérios da Saúde e da Educação; e 5) reserva para o superávit primário5" e que quando as vinculações privilegiam determinadas ações do governo, todas as demais são prejudicadas. Isto porque a capacidade de arrecadação possui limites rigidamente atrelados à renda gerada pelo conjunto da economia, de forma que a vinculação nem sempre produz aumento de receitas. Por isso, o resultado da imposição termina sendo a redução do volume de recursos disponíveis para realização das despesas que não contam com receitas vinculadas. Além do que o orçamento é resultado "programático" de um planejamento, um erro no planejamento ou uma alteração na conjuntura que demandasse uma mudança na execução, obrigaria o Governo a ter que negociar com o Congresso Nacional um procedimento que seria apenas operacional pelo modelo autorizativo.

Há também aqueles que, embora contrários à implantação do orçamento impositivo, são favoráveis à aprovação de regras para reduzir a discricionariedade orçamentária do Executivo, afirmam que "o orçamento não pode ser impositivo porque a receita nunca é impositiva6" e que a dimensão impositiva do orçamento estaria sempre em risco, caso não se confirmassem as receitas previstas. Por isso propõem que em alternativa ao orçamento impositivo sejam discutidas formas de regulamentar os contingenciamentos.

Embora sejam respeitáveis alguns dos posicionamentos a favor do orçamento impositivo, o que se nota é que o orçamento tem sido tratado como uma simples formalidade desprovida de sentido prático e desprezado como elemento estratégico de informação e planejamento, sujeito aos atos casuísticos e irresponsáveis do governo federal e de parlamentares (o que fomenta constantes iniciativas de alteração do modelo autorizativo). No entanto, o orçamento impositivo somente seria viável se o os parlamentares agissem de forma a aprovar emendas mais compatíveis com a realidade orçamentária, respeitando a LDO e dificultando o desvio de verbas públicas, além de prestar contas de seus atos constantemente à sociedade.

Com as práticas orçamentárias atuais e com os controles existentes, o orçamento impositivo poderá significar a privatização do dinheiro público, pois "se o parlamentar mal intencionado tiver certeza de que suas emendas serão executadas pelo governo, ficará ainda mais fácil para ele negociar antecipadamente com prefeitos e empresários, ou seja, montar esquemas fraudulentos7."

Um orçamento público, mesmo que flexível, com regras claras e constantes reduziria os riscos de fraudes e potencializaria a capacidade de ação do governo. Por outro lado, sem uma ampla reformulação de procedimentos, não há como implantar o orçamento impositivo, ou seja, o Brasil não está preparado para esse tipo de orçamento.


Notas:

1. Tourinho, R. Discussão da PEC nº 22, de 2000, que trata do Orçamento Impositivo. Brasília, 20 out 2004, disponível no site: <http://www.senador.gov.br/web/senador/RodolfoTourinho/ /plenário/20041020_pec_22_2000.html>

2. idem ao item anterior (1)

3. PATU, Gustavo. Escândalo reabre debate para mudança da lei orçamentária. Folha de São Paulo (em Brasília), 28 maio 2007.

4. Cardoso, Fernado Henrique. Corrupção, voto e Orçamento. Correio Braziliense, Brasília, Caderno Opinião, 3 jun 2007, p. 19.

5. Lugullo, M. & Oliveira, R. Orçamento Impositivo volta ao debate parlamentar. Agência Câmara, Brasília. Disponível no site: <http://www.inter-redes.org.br/index.php?fuseaction =Lutas&idLuta=12>

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6. Dep. Alberto Goldman (SP), ex-presidente da Comissão Mista de Orçamento (citado em Lugullo, M. & Oliveira, R. item 4).

7. Oliveira, Ribamar. Mudança incompleta. O Estado de São Paulo, Coluna Ribamar Oliveira, Cad. Resenha Eletrônica, 24 jul 2006.

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Sobre o autor
Francisco Hélio de Sousa

servidor público federal, bacharel em Administração pela Universidade de Brasília (UnB), pós-graduando em Gestão Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Francisco Hélio. A necessidade de mudanças na lei orçamentária e o orçamento impositivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1444, 15 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10022. Acesso em: 28 mar. 2024.

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