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Propriedade intelectual: direito autoral e as plataformas digitais

30/09/2022 às 16:45

Resumo:


  • O direito autoral protege a criação intelectual de autores, abrangendo obras artísticas, científicas e literárias, garantindo direitos morais e patrimoniais.

  • A legislação sobre direitos autorais estabelece o que não é protegido, como ideias, procedimentos normativos e atos oficiais, e define autor como pessoa física criadora de obras, podendo se estender a pessoas jurídicas.

  • As tecnologias digitais e o streaming desafiam o direito autoral, necessitando que a legislação acompanhe essas mudanças para proteger as obras e garantir a remuneração justa aos criadores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Inserido na propriedade intelectual, o direito autoral visa proteger a invenção e a criatividade dos autores por suas obras, sejam artísticas, científicas e literárias. Assim, a proteção jurídica da criação resguarda a titularidade dos autores e permite que estes explorem economicamente a obra. Nesse sentido, surgem questionamentos envolvendo a normativa no entorno da criação, do tipo: Quais obras são resguardadas pelo direito autoral? Quais são os direitos autorais? Como podem ser explorados os recursos econômicos de uma obra? Qual posicionamento normativo do direito autoral considerando as novas tecnologias?

Inicialmente, cumpre exemplificar algumas criações que estão respaldadas pelo direito autoral, sendo as músicas, filmes, desenhos, artigos científicos, livros, pinturas, esculturas, fotografias e softwares. Sendo assim, a inexistência de um rol taxativo permite a possibilidade da inserção de outras obras, mas também há de se verificar se estas não são tuteladas por normativa específica.

Ademais, contrariamente a extensão de criações asseguradas pela norma, o artigo 8º da legislação sobre direitos autorais, elenca os itens que não são objeto da proteção perante o texto legal:

LEGISLAÇÃO SOBRE DIREITOS AUTORAIS

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;

IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;

V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;

VI - os nomes e títulos isolados;

VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras. (Lei 9.610 de 1998)

Afinal, quem pode ser considerado autor de uma obra intelectual perante a norma? De acordo com a legislação sobre direitos autorais, autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica, de forma que este direito pode se estender a pessoas jurídicas quando for previsto em lei.

LEGISLAÇÃO SOBRE DIREITOS AUTORAIS

Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.

Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei. (Lei 9.610 de 1998)

Nesse contexto, verifica-se a existência dos direitos do autor e direitos conexos, sendo o primeiro relativo a criação e o segundo relacionado a execução, como por exemplo uma novela que é escrita pelo roteirista (autor) e executada por uma produtora. Nesse aspecto, o direito não resguarda apenas a obra, mas também a forma como ela é apresentada ao público. Seguindo esse entendimento, a obra Propriedade Intelectual de Melissa Duarte e Cristiano Braga aborda a referida divisão:

O direito autoral ainda se divide em duas partes: o direito do autor e o direito conexo. O direito do autor se relaciona com criações literárias, artísticas e científicas, tendo por requisito a criação do espírito humano, ou seja, livros e artigos científicos, por exemplo. Já os direitos conexos são os direitos dos artistas, intérpretes ou executantes, produtores fotográficos e empresas de radiodifusão, como, por exemplo, os de filmes, shows, novelas, programas de rádio e televisão. (DUARTE e BRAGA, 2018, p. 12)

Assim, compreendida a estrutura que resguarda a autoria, é possível correlacionar o que é de fato assegurado aos criadores. Nesse sentido e de forma ampla, a Constituição e a lei de autoria garantem aos criadores os direitos morais e patrimoniais sobre a obra, assegurando tutela a criatividade, além de permitir que os autores ajustem os direitos sobre a criação em caso em que houverem coautores.

CONSTITUIÇÃO

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)

LEGISLAÇÃO SOBRE DIREITOS AUTORAIS

Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.

Art. 23. Os co-autores da obra intelectual exercerão, de comum acordo, os seus direitos, salvo convenção em contrário. (Lei 9.610 de 1998)

Outrossim, sabe-se que o amparo normativo protege a obra e a criatividade, independentemente de registro, pois resguardar a criação como um todo. Desse modo, reforça a possibilidade de exploração econômica e serve de fomento para novas criações. Afinal, além do intento criativo de cada autor, este poderá ser reforçado pela ciência de que terá sua unicidade reconhecida, de que a criação será juridicamente sua e dela poderá obter frutos, quer seja para subsistência ou investimento na criação de futuras obras.

De outro lado, há que se considerar o sucessivo avanço tecnológico, que permite o acesso à conteúdos musicais, escritos, cenográficos e afins, ocorra quase que instantaneamente após a postagem, além de possibilitar a proliferação em massa de obras de relevância expressiva. Ou seja, a distribuição do material digital tende pela velocidade e universalidade, de modo que essa veiculação desenfreada carece de cautela para não ferir direito autorais.

Dessa forma, é essencial que a normativa acompanhe as mudanças tecnológicas, pois o desamparo pode ocasionar situações irreparáveis devido a sua rápida proliferação. Além do fato da difícil rastreabilidade no meio digital, dificultando a identificação de usuários que divulguem conteúdo sem respeitar os direitos autorais. Em contrapartida, quando a obra for adquirida licitamente, há também que considerar limitações embasadas na normativa consumerista, para assim equacionar ambos os direitos (RODRIGUES; KAC; ARRUDA, 2022).

Em conjunto com a normativa, existem ferramentas que permitem o controle da obra digitalmente, isto é, que resguardam o uso indevido por meio da gestão de tráfego e também auxiliam na administração do conteúdo. Essas ferramentas são conhecidas como DRM Digital Rights Management, ou Gestão de Direitos Digitais. A obra Propriedade intelectual e revolução tecnológica escrita por David Rodrigues, Larissa Kac e Vinicius Arruda, discorre o conceito destas ferramentas:

A sigla DRM decorre do termo em inglês Digital Rights Management, que em tradução livre significa Gestão de Direitos Digitais, e se refere às ferramentas tecnológicas utilizadas por titulares de obras disponíveis em formato digital para coibir o uso desautorizado destes conteúdos protegidos por Direitos de Autor. (RODRIGUES; KAC; ARRUDA, 2022, p.154).

Ora, é notório que a facilidade de acesso também contempla pontos positivos, como por exemplo, a praticidade para ouvir músicas. Pois não muito distante, o acesso as músicas eram realizados em CDs player, pendrivers ou download para serem reproduzidos em aparelhos específicos, de forma que era necessário tempo, até mesmo alto custo para ter acesso, que por consequência propiciavam a pirataria. No entanto, com o surgimento das plataformas de streming, foi possível facilitar o acesso as obras musicais, que além de não sobrecarregarem os aparelhos com diversos arquivos, devido a reprodução remota, também contemplam um baixo custo ou até mesmo zero, em razão das propagandas.

Não obstante a isso, a título de exemplo, a plataforma de streming Spotify, que é líder no segmento, conta com planos pagos que permitem aos usuários acesso a diversas obras musicais, de forma remota e com uma gama expressiva de conteúdo. Além de facilitar o acesso, possibilita que os autores recebam por visualizações das criações postadas.

No entanto, além da observação normativa e das ferramentas de respaldo a disseminação do conteúdo, surge a necessidade de estruturar a contraprestação das plataformas com os autores e entidades de proteção à propriedade autoral, como o ECAD Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, que é responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos autores e demais titulares. Nesse aspecto, considerando que o ECAD realiza a distribuição de acordo com a reprodução pública musical, o entendimento jurisprudencial é de que a apresentação digital via streaming, se trata de execução pública da obra em função da frequência coletiva, e que este fator independe do local e quantidade de pessoas que acessam, haja vista que as músicas ficam disponíveis para reprodução a qualquer momento. Dessa forma, a entidade deve ser envolvida no processo de arrecadação das plataformas digitais, nestes termos prosperou a decisão no STJ do Recurso Especial nº 1.559.264 RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJ 15/02/2017:

Logo, o ordenamento jurídico pátrio consagrou o reconhecimento de um amplo direito de comunicação ao público, no qual a simples disponibilização da obra já qualifica o seu uso como uma execução pública, abrangendo, portanto, a transmissão digital interativa (art. 29, VII, da Lei nº 9.610/1998) ou qualquer outra forma de transmissão imaterial.

______ 9 Fonte: Jornal Oficial das Comunidades Europeias. L 167/10. 22/6/2001.

Em outras palavras, as transmissões via streaming, tanto na modalidade webcasting como na modalidade simulcasting, são tidas como execução pública de conteúdo.

Em síntese, a autorização de cobrança de direitos autorais pelo ECAD nas transmissões via streaming não se dá em decorrência do ato praticado pelo indivíduo que acessa o site, mas, sim, pelo ato do provedor que o mantém, disponibilizando a todos, ou seja, ao público em geral, o acesso ao conteúdo.

Portanto, considerando-se que, independentemente da existência dos critérios da interatividade, da simultaneidade na recepção do conteúdo e da pluralidade de pessoas, e que a internet é um local de frequência coletiva, a transmissão via streaming é ato de execução pública, sendo legítima a arrecadação e distribuição dos direitos autorais pelo ECAD. (REsp 1.559.264/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2017, DJe 15/02/2017).

Sendo assim, é notório que a norma e a jurisprudência caminham no sentido de assegurar os direitos sobre a criação, e no caso em questão sendo o ECAD a entidade responsável pela distribuição, cabe observar que os valores arrecadados são distribuídos na proporção de 85% aos titulares filiados às sociedades de gestão coletiva musical, 6% para despesas operacionais das associações e 9% para o ECAD, com a finalidade de pagamento dos custos administrativos.

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Outro ponto importante é que além do recebimento pela entidade de distribuição, os titulares de conteúdo recebem das plataformas digitais como o Spotify, uma determinada quantia por reprodução de suas obras, também conhecida como royalties. Assim, dependendo dos percentuais pactuados em contrato e da relevância pública do material, os valores recebidos podem superar a arrecadação de uma apresentação presencial, por exemplo. Sendo assim, o meio digital se torna uma nova forma de mercado e de grande impacto na renda dos artistas.

Portanto, as nuances do direito autoral precisam e devem ser observadas, pois não apenas servem de mecanismo de respaldo a atividade criativa, como também propiciam e fomentam um mercado inovador, que é de suma importância para a economia global, conforme exposto. Desta forma, é ideal que a apreciação de qualquer arte seja realizada com consciência e respeito àqueles que exercem atividade criativa, assim em caso de dúvidas sobre o uso de determinada obra é importante consultar o órgão competente ou especialistas no assunto, para evitar processos e garantir a utilização lícita do conteúdo.


BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Acesso em: 23 set. 2022.

BRASIL. Lei nº. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm> Acesso em: 11 mai. 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.559.264. Relatora Min. Ricardo Villas Bôas Cueva Segunda Seção. Diário de Justiça Eletrônico, Rio de Janeiro, 15 fev. 2017. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=REsp%201559264> Acesso em: 25 set. 2022.

DUARTE, Melissa de F.; BRAGA, Prestes C. Propriedade intelectual. Grupo A, 2018, p. 12. E-book. ISBN 9788595023239. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595023239/>. Acesso em: 23 set. 2022.

ECAD. Distribuição. Disponível em: <https://www4.ecad.org.br/distribuicao/>. Acesso em: 23 set. 2022.

RODRIGUES, David F.; KAC, Larissa Andréa C.; ARRUDA, Vinicius Cervantes G. Propriedade intelectual e revolução tecnológica. Grupo Almedina (Portugal), 2022, p. 153-168. E-book. ISBN 9786556274973. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556274973/>. Acesso em: 23 set. 2022.

STJ. Serviços de streaming de músicas deverão pagar direitos autorais ao Ecad. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-02-09_17-46_Servicos-de-streaming-de-musicas-deverao-pagar-direitos-autorais-ao-Ecad.aspx#:~:text=A%20Segunda%20Se%C3%A7%C3%A3o%20do%20Superior,musicais%20pela%20internet%2C%20via%20streaming.>. Acesso em: 25 set. 2022.

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Sobre o autor
Luanjir Luna da Silva

Aos 15 anos fui aprendiz no setor jurídico de uma multinacional e obtive bastante conhecimento. Adiante, aos 17 anos, fui efetivado em uma construtora e tive contato com cotações, compras, marketing e administração, e era responsável pela administração de condomínios, assim adquiri uma vasta experiência na administração de empresas. Também atuei como Conciliador no TJMG, com ênfase nos processos das Varas de Famílias. Após isso, retornei a 1ª empregadora, desta vez como estagiário da área trabalhista, na qual realizei atividades de controller jurídico, elaboração de peças (defesa, RO, RR, AI e petições) e apoio organizacional nas ações coletivas, e tive a área cível como subsidiária. Fui aprovado na OAB no 9º período. Hoje sou Analista e realizo intermediação de conflitos em 2ª instância.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luanjir Luna. Propriedade intelectual: direito autoral e as plataformas digitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7030, 30 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100338. Acesso em: 22 dez. 2024.

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