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Justiça penal restaurativa:

conciliação, mediação e negociação

22/06/2007 às 00:00
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Há três modelos de resolução dos conflitos penais (cf. GARCIA-PABLOS DE MOLINA e GOMES, L. F., Criminologia, 6. ed., São Paulo: RT, p. 398 e ss.):

(a) modelo dissuasório clássico, fundado na implacabilidade da resposta punitiva estatal, que seria suficiente para a reprovação e prevenção de futuros delitos. A pena contaria, portanto, com finalidade puramente retributiva. Neste Direito penal punitivista-retributivista não haveria espaço para nenhuma outra finalidade à pena (ressocialização, reparação dos danos etc.). Ao mal do crime o mal da pena. Nenhum delito pode escapar da inderrogabilidade da sanção e do castigo. Razões de justiça exigem um Direito penal inflexível, duro, inafastável, porque somente ele seria capaz de deter a criminalidade, por meio do contra-estímulo da pena;

(b) modelo ressocializador, que atribui à pena a finalidade (utilitária ou relativa) de ressocialização do infrator (prevenção especial positiva). Acreditou-se que o Direito penal poderia (eficazmente) intervir na pessoa do delinqüente, sobretudo quando ele estivesse preso, para melhorá-lo e reintegrá-lo à sociedade;

(c) modelo consensuado (ou consensual) de Justiça penal, fundado no acordo, no consenso, na transação, na conciliação, na mediação ou na negociação (plea bargaining).

Dentro deste terceiro modelo (que se ancora no consenso) impõe-se distinguir dois sub-modelos bem diferenciados:

(a) modelo pacificador ou restaurativo (Justiça restaurativa, que visa à pacificação interpessoal e social do conflito, reparação dos danos à vítima, satisfação das expectativas de paz social da comunidade etc.) e

(b) modelo da Justiça criminal negociada (que tem por base a confissão do delito, assunção de culpabilidade, acordo sobre a quantidade da pena, incluindo a prisional, perda de bens, reparação dos danos, forma de execução da pena etc., ou seja, o plea bargaining).

Diante do que acaba de ser exposto, parece correto (e necessário) distinguir, no âmbito da Justiça criminal, atualmente, o "espaço de consenso" do "espaço de conflito". Aquele resolve o conflito penal mediante conciliação, transação, acordo, mediação ou negociação. Este não admite qualquer forma de acordo, ou seja, exige o clássico devido processo penal (denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, duplo grau de jurisdição etc.). O modelo consensual pertence ao primeiro espaço (do consenso); os modelos punitivistas (dissuasório e ressocializador) integram o segundo espaço (do conflito).

Mas não existe um só modelo consensual de Justiça penal. Em outras palavras, dentro do espaço de consenso (da Justiça consensuada) impõe-se bem definir e distinguir as múltiplas formas de resolução dos conflitos penais: (a) conciliação, (b) mediação e (c) negociação.

A conciliação é típica dos juizados criminais no nosso país. Ela é dirigida pelo juiz (ou conciliador) e visa, sobretudo, à reparação dos danos em favor da vítima. Busca-se pela conciliação (que é um gênero) tanto a reparação ou composição civil como a transação penal (que são suas espécies). Essa forma de resolução de conflitos só é apropriada para as infrações penais menos graves, que se denominam no nosso país "infrações penais de menor potencial ofensivo" (legalmente são as infrações punidas com pena máxima não superior a dois anos, nos termos das Leis 9.099/1995 e 11.313/2006).

A mediação é, na atualidade, a forma predileta de resolução de conflitos da chamada Justiça restaurativa (cf. SICA, Leonardo, Justiça restaurativa, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007). Por meio dela, que deve ser dirigida por terceiros imparciais (mediadores profissionais), objetiva-se a integração social de todos os envolvidos no problema, a preservação da liberdade, a ampliação dos espaços democráticos dentro da Justiça penal, redução do sentido aflitivo e retributivo da pena, superação da filosofia do castigo a todo preço, restauração do valor da norma violada, da paz jurídica e social etc. A mediação não pode ser concebida como uma panacéia porque parece válida apenas para alguns delitos (normalmente de média gravidade), excluindo-se os fatos de alta ou altíssima potencialidade lesiva.

Recorde-se que o modelo de Justiça restaurativa, de outro lado, pode acontecer (a) dentro do próprio sistema penal ou (b) fora do sistema penal. O primeiro nos leva a questionar a natureza pública do Direito penal, mas não se situa fora dele. O segundo apresenta-se como forma ou modelo alternativo de solução de conflitos. Aquele pertence ao Direito penal (é "solução" intra-sistemática); este se aproxima de (ou integra) um outro Direito (que pode ser chamado de sancionador).

A negociação, por último, é a marca registrada do modelo norte-americano de Justiça criminal, que é conhecido como plea bargaining. Mais de 90% dos delitos (nos EUA) são resolvidos por esse sistema, que permite acordo sobre todos os aspectos penais (sobre pena, sobre a definição do delito, perda de bens, forma de execução da pena etc.). Nos EUA o plea bargaining é válido, de outro lado, para todos os delitos, em princípio, incluindo-se fatos extremamente graves. O acusado assume responsabilidade pelo injusto cometido (ou seja: aceita sua culpabilidade) e a negociação se faz entre ele, seu defensor e o representante do Ministério Público.

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Já contamos no Brasil com o modelo conciliatório (juizados criminais). Não temos ainda a mediação (como forma de resolução de conflitos penais) nem o plea bargaining. A primeira, apesar de todos os problemas que apresenta (veremos isso em outro artigo), deveria ser imediatamente introduzida na nossa cultura jurídica. Quanto ao segundo, o debate é muito mais complexo. De qualquer modo, preservadas todas as garantias legais e constitucionais, depois de definido o fato (ou fatos) imputado (s), ou seja, depois do recebimento da denúncia, com defesa preliminar obrigatória antes do juízo de admissibilidade da peça acusatória, é chegado o momento de se pensar na possibilidade de se alterar o ordenamento jurídico para se adotar um tipo de plea bargaining no Brasil, mas diferente dos EUA, que vêm dando evidências, em favor do primeiro, de um claro desequilíbrio entre o eficientismo e o garantismo.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Justiça penal restaurativa:: conciliação, mediação e negociação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1451, 22 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10051. Acesso em: 8 nov. 2024.

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