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Para uma história das metodologias em História do Direito

23/06/2007 às 00:00
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Resumo

Surgida na Alemanha do século XIX, a História do Direito como ciência chegou ao Brasil naquele mesmo século. Em 1885 começou a ser ensinada nas Faculdades de Direito, porém, de forma pálida e cheia de interrupções. Em 1891 com a Reforma Benjamin Constant [01], o ensino da disciplina se estabilizaria por alguns anos para então, em 1901 [02], ser retirada dos currículos mínimos das faculdades brasileiras por todo o século XX. Apesar deste longo período de interrupção, ainda hoje as linhas mestras que marcaram as metodologias inaugurais do chamado historicismo jurídico estão muito presentes entre nós. Este trabalho pretende expor os principais processos metodológicos fundadores da História do Direito e apontar os caminhos que tomaram no Brasil.

Palavras-chave: História do Direito; historicismo jurídico, metodologia, cientificidade


A história do direito, como disciplina considerada científica, nasceu na Alemanha do início do século XIX por conta da insistência de Friedrich Karl von Savigny (1779–1861), professor da Universidade de Berlim, sobre a necessidade de se conhecer o direito do passado para que se pudesse buscar a tradição jurídica de cada povo como base de sustentação e justificativa de um direito próprio de cada nação.

Savigny e sua escola são especialmente conhecidos por terem sido os primeiros a tentarem, no plano das idéias jurídicas, uma consistente refutação do direito natural. De fato, até então, a cultura ocidental pautava–se na certeza da existência de duas ordens jurídicas: uma natural e outra positiva. A ordem natural (ligada a idéia de direito natural) – que nos primórdios teve sua ‘instituição’ atribuída a Deus (donde ‘direito natural de origem divina’) – passara, com as críticas iluministas do séc. XVIII, a ter sua origem considerada ligada à razão. Assim, havíamos passado de uma crença em um direito natural de origem divina para uma crença em um direito natural de origem racional. Deste modo, o racionalismo iluminista investiu contra o ‘Deus legislador’ e tentou ‘excomungar’ da comunidade dos juristas os outrora influentes teólogos, golpeando a larga influência da Igreja em assuntos legais.

Porém, a doutrina do direito natural racional (como ficou conhecida a corrente iluminista) trazia em seu corpo teórico algumas fragilidades que mostraram–se insustentáveis ao longo do tempo. De fato, a teoria do direito natural, seja divino ou humano (racional) jamais parece ter conseguido desfazer–se por completo de um certo ‘odor metafísico’. Este fato tornou–se bastante claro após Kant (1724–1804) ter formulado seu complexo quadro de categorias ‘a priori’ e ‘imperativos categóricos’. O racionalismo kantiano, ao buscar uma razão liberta de empirismos – uma razão universal aplicável a todos os seres humanos – e ao buscar regras jurídicas universais oriundas de uma ética comum a todos, apontava seriamente para as águas profundas de um ‘metamundo’ e arriscava retirar da esfera humana direta (empírica) o controle da produção de normas jurídicas válidas.

Este racionalismo, pois, havia alocado o direito como pura criação de uma razão humana previamente formatada pela ‘natureza’ e aprioristicamente desconectada do mundo da experiência. Neste contexto identificava–se a lei como uma pura criação racional (e o direito tendia fortemente a ser identificado plenamente com a lei). Assim,

o direito em cada país passava a depender apenas da vontade dos legisladores. Sua única fonte era a lei. A lei podia criá–lo, modificá–lo, aperfeiçoá–lo e daí a importância dos códigos, conjunto de princípios formulados segundo a razão, aplicáveis à solução de todas as dificuldades e incertezas da vida jurídica. (Lima, 1999:224)

Mas esta ‘ciência jurídica’ profundamente jusracionalista vai ter seu caráter científico duramente contestado especialmente durante o século XIX, pois, ao invés das festejadas normas racionais universais, cada vez mais o que se via era a fragilidade de normas que mudavam a cada novo governo ou ante a presença de cada novo interesse.

Neste momento e impulsionado também pelas doutrinas de Hegel (1770–1831), surge o ‘historicismo jurídico’ de Savigny que estruturou–se também como resposta à crítica feita aqueles que identificavam cada vez mais justiça com direito e teciam longas elucubrações quanto ao caráter científico deste último. Notemos que Savigny não ataca o racionalismo em si, mas sim uma determinada ‘espécie’ dele – o racionalismo jusnatural iluminista do século XVIII. Ele duela contra aquele racionalismo buscando um outro racionalismo ou, antes, uma outra base racional para o direito. Savigny passa então a sustentar a ‘ratio juris’ histórica, ou seja, ele aponta para a historicidade como resposta à contestação da cientificidade do direito, surgindo então um jusracionalismo historicista.

Este historicismo jurídico – como o jusracionalismo historicista ficou conhecido entre nós – vem mudar as bases do racionalismo jurídico – até mesmo porque já não era fácil sustentar o caráter científico de uma ‘ciência’ cujas regras podiam ser modificadas por uma simples expressão da vontade do legislador ou capricho do governante. Deste modo o direito socorre–se da história para reafirmar seu ameaçado status de ciência.

A história do direito que surge com Savigny e que ficou conhecida como Escola Histórica do direito (ou historicismo jurídico, como já foi mencionado) foi, pois, o primeiro esforço sistemático orientado para uma pesquisa jurídica histórica. De objetivo eminentemente prático – pois visava descobrir as origens do direito para fundação (ou refundação) de um direito nacional alemão, acabou por inaugurar a própria história do direito. Anotemos que a Escola Histórica reagiu também contra a antiga concepção atemporal do direito revalidada pelo racionalismo jusnaturalista do século XVIII. Vejamos que Savigny discorda do racionalismo kantiano e nega a existência autônoma do Direito (Barchet, 1996:44) ao mesmo tempo em que refuta a crítica que afirma ser a validade do direito mero apêndice da vontade do legislador. Para Savigny o direito encontra sua legitimação na história.

Em suas fundamentos inaugurais, o historicismo via o direito como produto da cultura de cada nação – um direito orgânico, vivo e sempre em evolução – de modo que ele nasce avesso a qualquer codificação, uma vez que via nos códigos uma espécie de mortalha jurídica (Del Vecchio, 1959:209).

Mas, apesar das intenções iniciais dos membros da Escola de Savigny, o historicismo acabou por abandonar – de um modo bastante geral – o organicismo que o inspirou (que buscava no direito vivo – orgânico – a manifestação do ‘espírito do povo’ (Del Vechio, 1959:209). Vê–se que a percepção de circularidade orgânica na criação do direito, comum nos primeiros tempos – ou seja, a percepção de um direito que cria–se e recria–se ‘circulando’ sobre si próprio ao longo das eras – foi aos poucos sendo substituída por uma percepção cada vez mais hierarquizada do direito, indo até o ponto de ruptura ‘kelseneano’ (Hans Kelsen, 1881-1973) que tenta ‘desamarrar o direito’, lutando por sua conhecida ‘teoria pura do direito’.

Provavelmente devido a sua forte formação romanista, Savigny seguiu suas pesquisas no caminho da redescoberta do direito romano histórico (Wieacker, 1980:453), que era considerado uma parte fundamental da própria tradição jurídica alemã. Porém, houve dentro da Escola Histórica quem percorresse um outro caminho. Parte dos ‘jushistoridores’

se integraram no que se chamou de ramo > da Escola, uma vez que acreditavam firmemente que o passado jurídico alemão baseava–se essencialmente na tradição consuetudinária germânica e que esta continha muito mais que o direito romano (Barchet, 1996:51).

Esta ‘dissidência germanista’ do historicismo jurídico, cuja figura de máxima expressão foi Rudolf von Ihering (1818–1892), recusa veementemente o dogma romanista e continua a estudar o direito como derivado da experiência humana, buscando sobrepor critérios históricos aos jurídicos. Também conhecidos como ‘histórico–empiristas’, os germanistas seguiram acreditando que o verdadeiro direito germânico encontrava–se mais nos costumes e tradições ancestrais do povo alemão e não só no direito romano (Wieacker, 1980:430-454).

A metodologia dos germanistas diferenciava–se da dos romanistas especialmente no ponto em que aqueles valiam–se em grande medida dos estudos genealógicos que haviam virado moda na Alemanha nos séculos XVII e XVIII por conta das freqüentes disputas dinásticas surgidas entre os diversos principados alemães (Barchet, 1996:51). Assim, ao invés de mergulharem fundamentalmente em antigos livros e doutrinas escritas – como faziam os romanistas – baseavam suas pesquisas largamente no método histórico–comparativo e suas derivações (como o método histórico–filológico), lastrado em um minucioso estudo do contexto econômico e geográfico. Este modus marcará uma grande ruptura metodológica na história do direito – ou mesmo no estudo da pragmática jurídica – na Alemanha no final do século XIX e início do XX e que se espalhará por diversos outros países.

Quanto à corrente romanista, parece–nos oportuno ainda ressaltarmos que ao tentar buscar o passado fundador elegeu – como seu nome bem indica – o direito romano como uma ‘forma jurídica perfeita’ e teve por certeza o dogma de que estava lidando com um direito superior a ser resgatado e imitado. Assim, apesar de divulgarem ser a história sua base científica, os romanistas tendiam a sobrepor os aspectos jurídicos aos aspectos históricos e a ver no direito romano a coluna mestra de toda a cultura jurídica ‘civilizada’. São tidos, assim, como dogmático–formalistas. Como metodologia de pesquisa seus primeiros cultores utilizavam–se do chamado ‘Método Histórico Estrito’ (Barchet, 1996:45) – de fundo dedutivo–analítico – pelo qual acreditava–se ser possível

penetrar em cada matéria até a raiz e descobrir seu princípio orgânico, separando o que ainda tem vida daquilo que deve ser eliminado por estar morto e pertencer, conseqüentemente, ao passado (Barchet, 1996:45).

Mas este método acabou por levar esta parte dos jushistoricistas a quererem ressuscitar velhas práticas e conceitos jurídicos por enxergarem neles algo supostamente mais racional (Wieacker, 1980:430-454).

A pesquisa histórica – assim supuseram os romanistas – permitiria descobrir as leis que orientam a evolução jurídica da sociedade tornando, deste modo, possível aferir o estágio em que esta sociedade se encontrava e qual o futuro que lhe aguardava. Aqueles historiadores do direito estavam ideologicamente inscritos numa espécie de ‘romantismo positivista’ que coletava as supostas glórias do passado e as alocava na categoria de ‘mitos’ – ideais previstos ou previsíveis – a serem seguidos, cultuados como forma de um povo evoluir juridicamente.

A ligação intensa com o direito romano e seu estudo histórico produziu uma história do direito teleologicamente orientada para capturar no passado seus sucessivos estágios de evolução e, a partir daí, deduzir elementos jurídicos com validade universal (Barchet, 1996:65). Anote–se que apesar dos romanistas dos oitocentos – inclusive e especialmente Savigny – não considerarem o direito romano como uma revelação divina, mas sim como um apogeu da evolução jurídica humana, no Brasil e em Portugal esta linha de pesquisa parece ter revalidado a ‘antiga’ concepção escolástica que via no direito romano – a partir da descoberta do Corpus Juris Civilis no século XII – uma ratio scripta (razão escrita) divinamente inspirada.

Mesmo com estas rupturas internas, a Escola Histórica seguirá sendo um marco importantíssimo para uma compreensão mais detalhada da racionalidade jurídica contemporânea de modo bastante geral, pois pela primeira vez utilizou–se uma metodologia de pesquisa que intencionava deliberadamente ser racional e objetiva, a partir de onde buscou–se saber exata e materialmente quais eram as origens verdadeiras do direito nacional [alemão] e como este direito havia sido no passado (em sua ‘pureza original’) para que se pudesse realçar e restabelecer vigorosamente um certo ‘espírito jurídico’ fundado em raízes próprias do povo. Observemos que o historicismo jurídico coincide, na Alemanha, com a eclosão do romantismo literário (e ideológico) cujo exemplo eficiente é a obra de Goethe, de cujo ideal romântico compartilha (Barchet, 1996:47).

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Anotemos que estas duas grandes linhas de força da historiografia do direito alemão são bastante permanentes e até hoje marcam forte presença nos estudos de história do direito – ao menos dentro dos países de herança canônico–romanista e seus prolongamentos ultramarinos. De fato, estão ainda presentes a clássica linha dogmático–formalista ligada ao estudo do direito romano como dogma central, crendo firmemente na existência de valores a–históricos (de natureza sumamente ontológica) que seriam termômetro de maior ou menor perfeição do direito de um povo – é assim, pois, que sem nenhum constrangimento permite–se unir legislações de povos distantes e reciprocamente desconhecidos como fazendo parte de uma linha evolutiva [tais como sumérios e brasileiros, por exemplo] ou a que torna passível incluir no estudo da história do direito o famoso ‘código’ de Manu, ainda que pareça jamais ter havido contato cultural que justificasse tamanha importância para aquelas normas. Os valores jurídicos não–históricos tendem a ser também não–geográficos e, como tais, absolutamente insensíveis a barreiras espaço–temporais.

Aos ‘dogmático–formalistas’ opõem–se ainda hoje os ‘histórico–empiristas’, mais ligados à visão social e que tendem a ver o direito como um produto puramente histórico–social e portanto vazio de valores ontológicos e estando sujeito a muitas intempéries, tais como econômicas e geográficas. Para um empirista, valores como a vida, a liberdade ou a propriedade não passam de construções que podem variar segundo diversos critérios encontrados na formação histórico–cultural de cada povo.

Achamos curioso e gostaríamos de anotar que esta segunda corrente (‘empirista’), derivada do germanismo, em princípio favoreceu uma maior vinculação do jurídico com a realidade política, econômica, social e cultural subjacente (Barchet, 1996:130), mas, em contrapartida, tem sido responsabilizada [na Espanha, por exemplo] por desencadear

na prática um processo de desvinculação da História do Direito da ciência jurídica que acabou por relegar a inquietude histórico–jurídica ao campo do estritamente acadêmico, e ainda com uma manifesta tendência à redução de sua presença letiva (Barchet, 1996:130)

uma vez que parece ter sido mal recebida (ou mal interpretada) pela maioria dos ‘jushistoriadores’, que ainda hoje não parecem aceitar com muita facilidade a crença de que o direito derive exclusivamente de condicionantes sociais (Wieacker, 1980:484). Enquanto isto, do outro lado, parece causar calafrios a ‘sombra’ ontológica que ainda paira sobre a história do direito. Neste sentido, é visível também no Brasil [como na Espanha] (Barchet, 1996:130) que a história do direito não conste ainda do curriculum [03] mínimo dos cursos de graduação nem em direito, nem em história e, quando aparece, exclusivamente nos cursos de direito, segue, ainda hoje e de um modo geral, uma das duas metodologias expostas, sendo que é de se registrar a franca predominância da linha dogmático–formalista, fato que a faz aproximar-se de uma apropriação cultural mais romano-canônica.

Porém, desde o segundo pós–guerra vem sendo registrada uma significativa aproximação entre dogmáticos e empiristas, quando na Alemanha da década de 40 do século XX os próprios romanistas (dogmáticos) reconheceram que a compilação de Justiniano não representa mais do que uma fase do sistema jurídico romano e que mesmo este sofreu influências de inúmeros outros ‘direitos’ antigos, como os de cultura grega, egípcia ou asiática, como se vem comprovando com as descobertas de novas fontes (papiros, tábuas com caracteres cuneiformes ou bronze) (Barchet, 1996:132). E, por outro lado, tem sido necessário que os empiristas avancem também no estudo da fundação axiológica do direito e se debrucem sobre a racionalidade intrínseca que norteia a prática e a construção das leis. Esta aproximação recíproca resultou também de constatações como a de que o Estado nazista produziu legitimamente normas jurídicas que se revelaram nulas segundo critérios puramente ontológicos.

Um exemplo de historiador do direito representante desta tendência unificadora é Franz Wieacker, com livro vertido para o português e publicado no Brasil na década de 90. Entre os ibéricos, Paulo Merêa tem sido apontado como expoente desta nova tendência por ter dedicado boa parte de sua atividade científica a revisar as teses germanistas sobre as fontes visigóticas e hispânicas medievais(Barchet, 1996:134).

É de notar–se que a grande dificuldade (o nó teórico) deste embate reside no fato de que a se crer que o direito é mero fruto de seu tempo, carecendo de valores universais, ele não passaria de um joguete nas mãos do Estado (ou da Religião), desarmando–o de seus instrumentos éticos/estéticos de valoração e crítica e aproximando–o perigosamente da lei. Num mundo com esta conformação, por exemplo, nada seria possível argumentar contra uma lei injusta votada e aprovada legalmente. Por outro lado, sem um questionamento acerca da mutabilidade dos valores que fundam o direito, ele incorporaria características próprias das verdades reveladas, com todos os conhecidos problemas que isto acarreta.

De todo modo e finalmente, parece pertinente ainda lembrarmos que antes deste mencionado historicismo houve, evidentemente, coletâneas e estudos acerca de leis do passado, tais como compilações, coletâneas, Ordenações, bem como estudos como o ‘Decreto’ de Graciano (Concordância dos Cânones Discordantes), a ‘Suma’ de Hugúcio e tantos outros. Porém, via de regra, nestas coletâneas – como é exemplo o direito justinianeu inscrito no Corpus Juris Civilis – e estudos – tais como o Tratado de Deus Legislador, de Francisco Suarez – estava embutida a crença de que as normas feitas no passado não pertenciam propriamente a um ‘tempo passado’, pois vinculavam–se à forte idéia de que o direito é, em si, intemporal – ou mesmo atemporal – uma vez que era corrente a concepção de que o verdadeiro direito não variava no tempo (se variava não era tão verdadeiro a ponto de merecer o nome de direito – ou de direito justo).

De fato, antes das grandes codificações do século XIX e início do XX não existia uma separação clara entre o direito do passado e o do presente (Barchet, 1996:24). Aos advogados e juízes era facultada a utilização de direitos e costumes muito antigos e, não raro, estes profissionais viam–se obrigados a basear suas alegações e conclusões em costumes, leis, decisões judiciais e opiniões de juristas procedentes de épocas muito diversas. Isto fazia, por exemplo, com que um direito medieval pudesse ou mesmo devesse ser consultado e utilizado no dia–a–dia sem nenhum constrangimento (Barchet, 1996:24). Num país de cultura latina como a Espanha, por exemplo,

antes da aparição do Código Civil em 1889 encontravam–se simultaneamente em vigor: um texto de direito medieval de caráter enciclopédico como as Partidas, de conteúdo essencialmente romano–canônico que constituía a base daquele sistema jurídico, e uma coleção de disposições legislativas, promulgada em 1805, chamada Novísima Recopilación – por ter substituído a outra anterior intitulada Nueva Recopilación>>, vigente desde de 1567 –, na qual se incluíam milhares de leis diversas, sem dúvida ordenadas sistematicamente porém com origem cronológica que abarca desde a Idade Média até os primeiros anos do século XIX"(Barchet, 1996:25).

Vejamos que também em Portugal (Hespanha, 1994), assim como no caso do Brasil antes da vigência do Código Civil de 1916, esteve em vigor uma conjunto legislativo que englobava ao mesmo tempo as Ordenações Filipinas (1603) e uma enorme série de Alvarás, Leis e Resoluções englobando três séculos precedentes.

A influência do historicismo jurídico no Brasil será notável na obra de diversos juristas. Observa–se que a vertente germanista do historicismo inicialmente melhor se adaptou à ideologia francamente positivista que grassava em nossos meios acadêmicos no século XIX, pois conviveu harmoniosamente com o sentimento de que aqui lutávamos por um direito novo, evoluído, sem os ranços das escolas ibéricas, que eram abertamente acusadas de prenderem–se a um passado mítico, clerical e, sobretudo, irracional. Sob a influência do historicismo germanista de Ihering seriam escritos os primeiros trabalhos específicos e sistemáticos sobre história do direito no Brasil, ambos de Isidoro Martins Júnior (1860–1904). Apesar deste êxito inicial, a corrente germanista parece ter sucumbido aos romanistas que muito mais se afeiçoavam ao canonismo intrínseco de nossa formação jurídica ancestralmente ligada às escolas ibéricas.

Novas metodologias da história não parecem ainda fazer grande sucesso dentre a maioria dos estudos acerca da história do direito publicados no Brasil, onde nitidamente predominam os estudos dos ‘grandes acontecimentos legislativos’, o que vai na contramão das novas correntes historiográficas que buscam fugir deste velho paradigma para construir uma história fora deste inventário de ´´grandes fatos´´ (Febvre, 2004). Os primeiros trabalhos que apontam para uma renovação metodológica surgiram no final do século XX mas, levando–se em conta o número de edições que alcançam certas obras de história do direito que ainda se valem de antigos métodos e concepções e que são utilizadas no cotidiano acadêmico dos cursos de graduação em direito no Brasil, o contato com outras metodologias e ‘outras histórias’ é bastante lento, senão demasiadamente escasso.


Bibliografia

BARCHET. Bruno Aguilera. Introducción Jurídica a la Historia del Derecho. Madri: Civitas, 1996.

BASTOS. Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1959.

FEBVRE. Lucien. A Europa: gênese de uma civilização. Bauru, SP; Edusc, 2004.

HESPANHA, António Manuel. As Vésperas do Leviathan. Almedina: Coimbra, 1994.

LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980.

WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980.


Notas

01 Decreto Republicano nº 1.232 H, de 2 de janeiro de 1891.

02 Decreto 3.800, de 01 de janeiro de 1901 e Decreto 3.903, de 12 de janeiro de 1901.

03 A reforma curricular ocorrida em 2004 [Resolução nº 9 CES/CNE de 29/09/2004] introduziu estudos históricos no curso de Direito, mas não especificamente História do Direito.

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Sobre a autora
Ana Patrícia Thedin Corrêa

professora universitária, procuradora federal, doutora em História pela Universidade Federal Fluminense

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, Ana Patrícia Thedin. Para uma história das metodologias em História do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1452, 23 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10058. Acesso em: 23 dez. 2024.

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