Conclusão
A partir da análise histórica da compreensão de gênero na história recente da humanidade, verificamos que houve a construção de papéis socioculturais45 em evidente desigualdade de poder, a qual, com maior ou menor intensidade a depender de marcadores sociais, está na origem da violência contra mulher.
Pois, representações desiguais de funções políticas eminentemente discriminatórias que reservam ao homem a primazia do espaço público de poder e relegam à mulher a subordinação do espaço doméstico privado geram relações de poder com valorações em sujeição, resultando em desigualdade e essa, por sua vez, em violência.
De fato, em verdade, a violência de gênero contra a mulher tem uma camada superficial que é importante, mas que não pode nos limitar: a camada da violência perceptível aos sentidos, seja ela física, seja moral, seja sexual, seja patrimonial ou ainda seja psíquica (todas não exaurientes da violência).
Verdadeiramente, a violência de gênero contra a mulher por razões contra o feminino46 é uma violência que tem sua parte de mais importante percepção de forma não aparente, a qual consiste no exercício da violência como exercício de poder, exatamente para manter a relação de poder desigual (existir para se manter).
Portanto, a violência existe não só para violar direitos, mas também para reafirmar a relação de poder desigual que autoriza e legitima a própria existência da violência, como podermos perceber a partir da análise da construção histórica, social e cultural de uma sociedade patriarcal e sexista.
Contudo, se tratamos de construções não inerentemente humanas47: se fomos ensinados moral, filosófica e historicamente que há uma naturalidade racional na inferioridade do gênero feminino, podemos reaprender a colocar a mulher como sujeito de direitos com direito à igualdade de gênero, como institui a Resolução 255 do CNJ48.
Finalmente, numa paráfrase da máxima atribuída ao Presidente sul-africano Nelson Mandela, se ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião [ou por seu gênero]. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar49.
Assim sendo, considerando que a re/construção dos modelos de feminino e de masculino é produto do aprendizado sociocultural, que sejamos todas e todos integrantes da cultura responsáveis pela reconstrução social, cultura e política do gênero feminino em fundamentos mais igualitárias, inclusive e principalmente dentro dos espaços de decisão como o Poder Judiciário. Afinal, bem expressou o cordelista Tião Simpatia:
Dizia o velho ditado; Que ninguém mete a colher. Em briga de namorado; Ou de marido e mulher; Não metia... agora, mete! Pois isso agora reflete; No mundo que a gente quer (grifo nosso)50.
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