Capa da publicação Criminologia e direitos humanos: epistemologia das teses da USP
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Artigo Destaque dos editores

Criminologia, direitos humanos e procedimentos epistemológicos.

O pensamento crítico e seus fundamentos programáticos nas teses e dissertações da Faculdade de Direito da USP

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19/04/2024 às 12:42

Resumo:


  • Seleção de quatro publicações acadêmicas da Faculdade de Direito da USP, focadas em Criminologia Humanista, analisando procedimentos epistemológicos em pesquisas sobre Criminologia entre 2009 e 2019.

  • Investigação dos processos de rotulação e criminalização, com ênfase na vitimização secundária e na violência institucional do Estado, utilizando uma metodologia interdisciplinar e institucionalista.

  • Uso de teorias como o garantismo penal e o labeling approach para interpretar dados e propor alternativas ao maximalismo penal, visando a proteção dos direitos humanos e a humanização das instituições judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Nas teses e dissertações jurídicas da USP, destaca-se o avanço do maximalismo penal e o abuso do poder discricionário da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário.

Foram selecionadas quatro publicações do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito, do Largo de São Francisco (Universidade de São Paulo, USP, Brasil), do período 2009-2019, extraídas de um conjunto mais amplo de 94 títulos da seção digital dos "Direitos Humanos", com o objetivo de conhecer os procedimentos epistemológicos que permitem realizar uma pesquisa aplicada na área da Criminologia.


INTRODUÇÃO

O objetivo geral desse estudo é organizar um metaprograma procedimental de pesquisa em Criminologia Humanista, utilizando a contribuição de alguns trabalhos acadêmicos da Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, Brasil, do período 2009-2019, onde se encontram 94 títulos abordando temas variados dos Direitos Humanos e especificamente quatro títulos expressamente dedicados à investigação do “crime”, do “delinquente”, da “vítima” e dos “meios de controle social”, que são objetos de estudo tradicionais da Criminologia. A fim de realizar esse objetivo geral, primeiramente, será formatado o conteúdo apresentado por cada autor dentro de seis categorias epistemológicas que delimitam sequencialmente o modo de produção do conhecimento de cada tese ou dissertação. Em seguida, as mesmas categorias epistemológicas servirão como canais de intercomunicação entre os programas de pesquisa de base, que serão combinados sistematicamente dando origem a uma síntese progressiva na forma de um metaprograma de pesquisa da Criminologia Humanista.


QUESTÕES FUNDAMENTAIS

  1. Quais foram os procedimentos ontológicos no material acadêmico selecionado que garantiram a interação do delito, do delinquente, da vítima e dos meios de controle social? O procedimento foi positivista-etiológico, crítico ou pós-crítico?

  2. Quais foram os procedimentos metodológicos usados na coleta de dados? O método de abordagem foi causalista, correlacionista, processualista, propositivo ou integrativo? O método de procedimento foi interdisciplinar ou transdisciplinar?

  3. Quais foram os procedimentos axiológicos? Qual foi o modo de produção ideológica do conhecimento? O procedimento foi positivista, marxista, liberal ou anarquista?

  4. Quais foram as teorias gerais e específicas que serviram à discussão dos Direitos Humanos?

  5. Quais foram os procedimentos práticos ou institucionais recomendados pelos pesquisadores? O procedimento foi maximalista, minimalista ou abolicionista?

  6. Por último, quais foram os procedimentos contextualizadores utilizados para situar o objeto de estudo? O procedimento foi histórico; social; ou combinatório?


MÉTODO

O primeiro procedimento, ontológico, solicita ao pesquisador que ele fundamente a natureza científica da investigação, e especifique o objetivo e o objeto de estudo da pesquisa. O procedimento metodológico, em seguida, deve disponibilizar os métodos e as técnicas destinados à coleta de dados. O procedimento axiológico, por sua vez, prioriza valores, ideologias e sentimentos que expressam a visão de mundo do pesquisador. Na sequência, o procedimento teórico procura abstrair ou transcender o conteúdo empírico, realizando explicações ou interpretações que delimitam o alcance da discussão programática e estabelecem por conseguinte os pontos críticos aprofundados pelo pesquisador. Em seguida, o procedimento praxeológico deve apontar problemas e tentativas de solução com a apresentação de modelos que imitam e controlam virtualmente a realidade ou propõem medidas que atendam às necessidades utilitaristas do conhecimento. Finalmente, o pesquisador deve contextualizar o tempo histórico e o espaço social do seu objeto de estudo (MONTARROYOS, 2017). Reforçando a proposta desse roteiro, Zaffaroni & Oliveira (2010, p. 403) destacaram que uma condição fundamental para se delimitar qualquer ciência, após exprimir a essência do seu objeto, consiste em precisar o método de investigação para a conquista da verdade científica, visto que nenhum conhecimento adquire característica própria de ciência sem assentar o método adequado, que contenha no mínimo as técnicas e as práticas através das quais serão atendidas as necessidades para se conhecer realmente o objeto de estudo.


MODALIDADES EPISTEMOLÓGICAS DA CRIMINOLOGIA

A Criminologia Positivista, aplicada nas ciências comportamentais, procura descobrir as causas do crime. Conforme explicaram Zaffaroni & Oliveira (2010, p. 334) o positivismo criminológico valoriza substancialmente a individualização do tipo de delinquente por atitude congênita ou delinquente nato. Tendência congênita significa apenas inclinação natural, disposição ao delito, necessidade de cometê-lo, constituindo, no indivíduo, uma anormalidade de sentido ético e social que determina o modo específico de reagir aos estímulos do ambiente. Na área jurídica por sua vez, a preocupação da Criminologia Positivista é com a manutenção da cultura normativista e idealista do Direito que deve ser aplicado com isonomia sobre todos os cidadãos. Criticando essa filosofia da ciência Salo de Carvalho (2010, p. 16) observou que:

[…] o modelo oficial das ciências criminais vislumbra os demais saberes como servis, permitindo apenas que forneçam subsídios para a disciplina mestra do direito penal. A arrogância do Direito Penal, aliada à subserviência das áreas de conhecimento que são submetidas e se submeteram a este modelo, obtém como resultado o reforço do dogmatismo, o isolamento científico e o natural distanciamento dos reais problemas da vida.

De outro modo, a Criminologia Crítica considera que as leis não são elaboradas e aplicadas o vazio. Os críticos acreditam que a teoria e a prática do Direito e da Justiça Criminal refletem decisões enviesadas que fazem parte do contexto social e político.

Segundo Juarez Cirino dos Santos no prefácio da edição brasileira da obra “Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal”, do autor Alessandro Baratta:

O desenho dessa criminologia crítica mostra o contraste com a criminologia tradicional: primeiro, desloca o enfoque teórico do autor para as condições objetivas, estruturais e institucionais, do desvio; segundo, muda o interesse cognoscitivo das causas (etiologia) para os mecanismos de construção da realidade social; do desvio especialmente para a criação e aplicação das definições de desvio e processo de criminalização; terceiro, define criminalidade como status atribuído a determinados sujeitos através de dupla seleção: dos bens protegidos penalmente nos tipos penais e dos indivíduos estigmatizados no processo de criminalização.

A Criminologia Crítica pode ser liberal, marxista e anarquista. Em qualquer modalidade, confronta o ideal com o real. Na perspectiva liberal da Escola de Chicago, que utiliza várias teorias do Labeling approach, a Criminologia procura conhecer: 1- a competição entre grupos de interesses, 2- a racionalidade dos sujeitos, e 3- as políticas públicas que buscam desestimular a prática do crime.

Tanto no século XVIII como atualmente, a Criminologia Liberal preserva o princípio da racionalidade e liberdade do indivíduo. Os adeptos dessa doutrina chegam ao ponto de propor nos dias atuais a liberação das drogas (maconha, cocaína, etc.) a fim de que o cidadão faça as suas escolhas pessoais livremente sem interferência da ditaura e burocracia do Estado, coincidindo essa ideia profundamente com o individualismo liberal do filósofo Stuart Mill.

O garantismo também faz parte do Liberalismo, tanto no século XVIII como atualmente. No passado, destacou-se Beccaria com a sua obra “Dos delitos e das penas”. Hoje, verifica-se o neobeccarianismo, através do neogarantismo de Ferrajoli.

Segundo Beccaria, o Estado foi criado através de um pacto penal com a finalidade de promover justiça e defender direitos individuais e sociais. Nessa direção, conforme destacou Salo de Carvalho (2010, na introdução do livro “Anti-manual de Criminologia”):

Os Homens em troca de segurança, optam por limitar a Liberdade, alienando certo domínio ao repositório comum denominado Estado. Como regulador instituído, caberia ao poder instituído executar esta quantidade alienada em caso de violação das leis de convivência. E o direito penal será vislumbrado como mecanismo idôneo para resguardar os valores e interesses expressos no contrato.

Deve-se admitir paradoxalmente o fato de que o Estado de Direito ao longo do tempo passou a produzir o estado de natureza hobbesiano, desenvolvendo práticas abusivas ou omissivas do poder. Contra os abusos do Leviatã, semelhantemente o neogarantismo ou neobeccarianismo reage com a seguinte crítica atual:

Em razão de a intervenção penal tender sempre ao excesso - seja no plano da elaboração (legislativo), da aplicação (judiciário) ou da execução (executivo) das leis -, sua utilização deveria ocorrer apenas em última instância (ultima ratio), nas situações de maior gravidade aos principais interesses sociais.

A abordagem anarquista da Criminologia Crítica, em outra direção, afirma que é preciso acabar com o sistema prisional por ser uma instituição moralmente degradante. A esse respeito, é interessante lembrar as ideias do jornalista francês Girardin, ainda no século XIX.

Zaffaroni & Oliveira (2010, p. 149) registraram que:

Girardin lembra que os anais dos países mais civilizados estão lotados de condenações extremas e cruéis por bruxaria e sortilégios como também pessoas que acreditaram que tinham liberdade de pensar e de expressar-se, e mais recentemente os chamados delitos de imprensa. Pergunta-se quem será culpável por essas condenas, se os condenados ou os juízes?, e conclui que é tempo de sair finalmente do labirinto penal em que a sociedade extraviou a humanidade durante séculos. Afirma que para isso se deveria começar eliminando os delitos que só existem na imaginação dos povos ignorantes e de legisladores atrasados.

Na perspectiva marxista da Criminologia Marxista, diferentemente, considera-se que a sociedade apresenta uma estrutura socioeconômica desigual, representada por burgueses e proletários que lutam pela hegemonia do poder.

Inserida nesse quadro social conflituoso a pesquisa crítica procura desmascarar o mito da igualdade penal e o mito da regularidade de exercício do poder, e demonstra nessa direção que as instituições funcionam como aparelhos ideológicos e repressivos do Estado burguês.

Segundo Baratta (2002, p. 215):

Comparada com a criminologia tradicional, a criminologia crítica se coloca em uma relação radicalmente diferente quanto à prática. Para a criminologia tradicional o sistema penal existente e a prática oficial são os destinatários e beneficiários de seu saber, em outras palavras, o príncipe para o qual é chamada a ser conselheira. Para a criminologia crítica o sistema positivo e a prática oficial são, antes de tudo, o objeto de seu saber [...]. Sua tarefa imediata não é realizar as receitas da política criminal, mas examinar de forma científica a gênese do sistema, sua estrutura, seus mecanismos de seleção, as funções que realmente exerce, seus custos econômicos e sociais e avaliar, sem preconceitos, o tipo de resposta que está em condições de dar, e que efetivamente dá aos problemas sociais reais. Ela se coloca a serviço de uma construção alternativa ou antagônica dos problemas sociais ligados aos comportamentos socialmente negativos. De maneira geral, é previsível na Criminologia Crítica que os agentes políticos que têm poder de fazer leis ou de influenciar o processo legislativo procurem meios que possam beneficiá-los. Diante desse quadro, a previsão da Criminologia Crítica é que surgirão danos institucionais aos indivíduos e aos grupos contrários aos interesses das elites do poder.

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Em geral, a Criminologia Crítica utiliza o método interacionista concentrado na seguinte pergunta: como certas condutas são criminalizadas?; ou então, como alguns sujeitos tornam-se criminosos na percepção da comunidade? Nesse sentido a teoria do etiquetamento do sociólogo Goffman mostrou que o estigma gera sentimentos ruins na vítima que pode reagir de várias maneiras, desde a resignação até à rebeldia total por meio de atos violentos contra a sociedade.

Uma outra modalidade epistemológica, a Criminologia Pós-crítica, procura conhecer a vivência das pessoas, priorizando a percepção dos sujeitos sobre o sistema de justiça criminal.

Salo de Caravlho (2010, p. 31) explicou que a Criminologia Pós-Crítica tem base na filosofia da Pós-modernidade. Em sua avaliação, “duas características centrais podem, portanto, seguindo a crítica geral, serem ressaltadas: o reconhecimento do fim das grandes narrativas e a impossibilidade de aceitação de qualquer tipo de verdade universal”.

Reforçando essa terceira modalidade epistemológica, os especialistas americanos Ferrel & Sanders (“Toward a cultural criminology”; 1995) afirmaram que a criminologia cultural incorpora ampla gama de orientações teóricas (interacionistas, construtivistas, críticos, feministas, culturalistas, pós-modernos e formadores de opinião) procurando compreender a confluência entre cultura e crime na vida contemporânea (apud CARVALHO, 2010, p. 37).

Sendo diferente da Criminologia Crítica que procura mostrar que o criminoso e a vítima são portadores de um minissistema ambulante (racista, machista, burguês, penal, e carcerário) a Criminologia Pós-Crítica considera que o sujeito é portador de uma vivência; consequentemente, a maneira pessoal e cultural de perceber as instituições pode aprofundar o conhecimento científico a respeito da complexidade do fenômeno criminal e ajudar o criminologista a superar as fórmulas simplistas e padronizadoras do Direito Penal.

Os penalistas pós-críticos buscam apoio na Antropologia Cultural com o objetivo de conhecer a pluralidade de percepções e de sentimentos sobre o mesmo sistema de justiça criminal. Entretanto, é oportuno lembrar, a participação da Antropologia Cultural na Criminologia não é uma novidade. A Escola de Chicago no século passado já produziu a teoria da subcultura delinquente, entre outras teorias vinculadas à Antropologia Cultural.

Em geral, um programa de pesquisa em Criminologia produz conhecimento especializado sobre quatro objetos de estudos interligados: delito, delinquente, vítima e meios de controle social.

O delito pode ser positivado e não positivado, a exemplo das agressões praticadas contra a dignidade da pessoa que não precisam de nenhuma Lei escrita para se configurarem como delitos naturais.

O delinquente ou criminoso, outro objeto de estudo da Criminologia, pode ser um indivíduo racional; uma vítima do sistema capitalista; ou uma criatura doente e anormal que precisa ser afastada do convívio social.

Para os criminologistas da Escola Crítica, por exemplo, nenhuma pessoa nasce criminosa, pois se trata de um rótulo adquirido nas relações sociais. Para os biopositivistas, diferentemente, certos tipos de pessoas são por natureza pré-criminosas, conforme propôs inicialmente Lombroso em sua obra “O homem delinquente”.

Por sua vez, os meios de controle social são representados pelas ações formais dos órgãos públicos, e informais da sociedade em geral. Na agenda de trabalho das políticas públicas existem diversas propostas de prevenção e repressão ao crime; de tratamento e isolamento do criminoso; de fiscalização e inclusão social do agressor; de guerra ao inimigo e solidariedade ao presidiário, entre outras proposituras.

Finalmente, a vítima representa a pessoa ou ente que sofre os prejuízos da agressão e do crime. Ela pode ser humana e não humana (como animais, Natureza, Sociedade, etc.). Existem vítimas culpadas e corresponsáveis pelo dano que sofreram.

A contribuição do vitimologista Benjamim Mendelsohn da década de 1940 continua sendo aplicada nessa subdisciplina, considerando que existe: 1- a vítima inocente, que não concorre de forma alguma para o injusto típico; 2- a vítima provocadora que, voluntária ou imprudentemente, colabora com o ânimo criminoso do agente; e 3- a vítima agressora, simuladora ou imaginária, suposta ou pseudovítima, que acaba justificando a legítima defesa de seu agressor (PENTEADO FILHO, 2018).

Também é útil a classificatória onde a vitimização pode ser do tipo primária: provocada pelo cometimento do crime, ou seja, pela conduta ilícita que violou os direitos da vítima. Essa vitimização pode causar danos variados (materiais, físicos, psicológicos), de acordo com a natureza da infração, a personalidade da vítima, a sua relação com o agente violador, e com a extensão do dano etc. Ou pode ocorrer a vitimização secundária praticada pelo descaso e violência das instituições públicas. Ou ainda a vitimização terciária, praticada pela exclusão social.

Atualmente o conceito de causalidade abarca tanto causas distantes como próximas do delito que funcionariam nesse último caso como “gatilhos”. Por exemplo, a causa próxima da delinquência juvenil pode ser o estigma sofrido nas escolas, enquanto a causa distante pode ser o desajuste familiar ou então o sistema cultural em que vive o agressor e a vítima, etc.(WEATHERBURN, 2011).

A Criminologia etiológica ou positivista utiliza também o método causal-probabilista, reconhecendo nesse caso que existem fatores de risco ou virtuais que aumentam a chance de ocorrência do delito e que no futuro poderão se manifestar efetivamente como causa de um evento. Nessa direção metodológica os criminologistas elaboram “fatores protetivos”, evitando ou minimizando os riscos de ocorrência do delito (MONCHALIN, 2009).

Outro submétodo de abordagem, correlacionista, observa a ocorrência ou ausência simultânea de variáveis, exigindo a percepção do pesquisador a respeito das possíveis forças invisíveis ou ocultas que induzem os dados ao fenômeno da correlação, que significa relação mútua entre dois eventos, correspondência, ou associação entre eles.

Outro submétodo, denominado processualista, despreza o debate causal. E como alternativa, investiga processos que incluem significados, rotulações e imagens sociais. O interacionismo simbólico e a Criminologia dialética reforçam esse tipo de procedimento.

Paradoxalmente, de acordo com a crítica dos causalistas o processo de rotulação criminal (por exemplo, o estigma) acaba se tornando um fator causal do crime (na abordagem determinista) ou então um fator de risco (na abordagem possibilista). Contra esse ponto de vista infelizmente os processualistas não apresentaram defesa convincente e são confundidos como causalistas.

Outro submétodo de abordagem, chamado propositivo, prevê o engajamento político do criminologista. Nesse caso, Dias & Andrade (1997, p. 5) reconheceram que “as relações entre a Criminologia e a ideologia não têm apenas um sentido, pois também a ideologia sofre a influência das concepções [científicas] criminológicas”.

Outro submétodo de abordagem, integrativo, reúne o conhecimento das causas com as correlações, com os processos sociais de rotulação e com as propostas de solução política do problema criminal. Infelizmente, a integração do causalismo com o processualismo é pouco praticada nos trabalhos acadêmicos uma vez que os adeptos da Criminologia etiológico-positivista sofrem bombardeios ideológicos da Criminologia Crítica, que tem aversão ao risco de uma suposta Criminologia neolombrosiana.

Em relação aos métodos de procedimentos a maioria dos especialistas enfatiza a predominância histórica da interdisciplinaridade. De fato, a Criminologia é uma ciência interdisciplinar espontaneamente pois o pesquisador tem contato com indivíduos, normas, fatos, valores, instituições, discursos e com a História da Ciência e da criminalidade, o que resulta o nascimento de diversas subdisciplinas: Penalogia, História Criminal, Sociologia Criminal, Política Criminal, Vitimologia, Psicologia Criminal, Economia Criminal, etc. Ao lado da interdisciplinaridade existe ainda outro submétodo, a transdisciplinaridade, cuja característica principal é produzir estruturas híbridas do conhecimento. Entretanto, a fraca utilização desse método na Criminologia sofre interferência do preconceito intelectual, por isso não faz muito sucesso entre os crírticos. Nesse sentido, é possível encontrar na literatura especializada o mesmo criminalista defendendo a aplicação da transdisciplinaridade, mas impedindo a participação da metodologia biológica do crime.

É oportuno relembrar que os pioneiros positivistas, especificamente Enrico Ferri, na obra “Sociologia criminal”, já desenvolveram a transdisciplinaridade, levando a sério a abordagem bio-físico-social da criminalidade. Equivocadamente, portanto, os especialistas contemporâneos afirmam que a transdisciplinaridade é uma novidade pós-moderna, quando na verdade tal procedimento é uma antiguidade na História da Criminologia. A esse respeito, é imprescindível reler as obras dos pioneiros.

Na sequência da estrutura procedimental do programa de pesquisa da Criminologia o comando axiológico deverá informar que existem quatro modos ideológicos de produção do conhecimento: 1-positivista, 2-liberal, 3-marxista e 4-anarquista.

A pesquisa positivista utiliza teorias explicativas, causais e objetivistas, além das chamadas teorias do consenso, que justificam a imposição da ordem e da harmonia social, mesmo que sejam mantidas as desigualdades sociais entre pobres e ricos na sociedade. Por sua vez, a pesquisa liberal, segundo Baratta (2002), procura recompor a ordem penal propondo novas práticas institucionais eficientes e minimalistas. De outro modo, a pesquisa marxista, de acordo com Baratta (2002), considera que as normas do Direito penal são elaboradas e aplicadas seletivamente, refletindo a desigualdade econômica da sociedade capitalista. Um aspecto essencial da Criminologia Marxista é a abordagem etiológica onde o Capitalismo é a causa dos delitos (AKERS & SELLERS, 2013); entretanto, os marxistas se declaram radicalmente contra a Criminologia etiológica. A pesquisa anarquista, em outra direção, produz Criminologia Radical e contesta a existência do direito criminal e do próprio Estado. Anarquistas como Nils Christie; Thomas Mathiesen; e Louk Hulsman utilizaram argumentos anarco-reformistas e outras vezes anarco-revolucionários na fundamentação do abolicionismo penal e carcerário. Em geral, o anarquismo metodológico busca “problematizar de forma qualificada o estudo das distintas formas de manifestação do crime nas sociedades complexas, indicando a impossibilidade de um modelo teórico universal que [equivocadamente] forneça respostas adequadas” (CARVALHO, 2010, p. 26).

Avançando na composição do programa de pesquisa da Criminologia o procedimento teórico deverá especificar as teorias ontológicas, metodológicas e axiológicas; as teorias gerais e específicas; bem como as teorias pragmáticas e contextuais.

Inicialmente, as teorias ontológicas descrevem os objetos de estudo e favorecem a interatividade desses mesmos objetos, destacando-se primeiramente a teoria da violência. Considera-se que a violência é um comportamento destrutivo de natureza física ou simbólica que incide sobre a vítima. Pode ser causada pela agressividade do sujeito quando impõe a sua vontade destruidora e opressiva, ou então quando o indivíduo manifesta aversão contra certas pessoas e situações do dia a dia. Também a cultura legitima o sentimento destrutivo, justificando o racismo e o xenofobismo como formas aceitáveis de violência. Politicamente, Governos também criam inimigos que justificam o uso desregrado da força e da violência pública. A espiritualidade também dá suporte às guerras santas e aos danos espirituais refletindo a desarmonia do pluralismo ideológico na sociedade.

Em seguida, as teorias metodológicas servem para descrever a forma como serão analisados os dados coletados, podendo ser explicativas, interpretativas e integrativas. As teorias explicativas enfatizam a clareza máxima dos objetos de estudo e a impessoalidade do conhecimento. As interpretativas descrevem o significado e a percepção do sujeito. Nessa modalidade desenvolve-se o método compreensivo, dialógico, relativista, subjetivista ou então cético, com o sujeito-pesquisador se declarando formalmente atuante na produção do conhecimento. As integrativas, por último, consideram que tudo é solidário; e “o que importa não é suprimir as distinções e oposições, mas derrubar a ditadura da simplificação disjuntiva e redutora” do saber (MORIN, 1977, p. 23).

As teorias axiológicas, em outra direção, fundamentam as ideologias políticas e os valores epistemológicos correspondentes à visão de mundo do pesquisador. Dias & Andrade (1997, p. 65) lembram a esse respeito que “o conceito de crime – conglomerado histórico de elementos jurídicos, éticos, religiosos, de estereótipos e de coeficientes sociológicos – não é um conceito unívoco; [...] possui significados diferentes para pessoas diferentes”; [e] não encontra ainda os contornos do significado que lhe é correntemente adscrito”.

Na sequência, as teorias gerais e específicas graduam o alcance de observação do pesquisador sobre a realidade. Vários comentaristas da Criminologia apontam, tradicionalmente, a utilidade das teorias do consenso e do conflito. Dias & Andrade (1997) enfatizaram, por exemplo, a contribuição das teorias biológicas, sociológicas e psicológicas. Já na Sociologia Criminal destacam-se a teoria da associação diferencial, da subcultura delinquente, do autocontrole, do vínculo social, do etiquetamento, da anomia, das zonas concêntricas, do estigma, etc.

As teorias pragmáticas, na sequência do programa de pesquisa da Criminologia, sustentam o discurso técnico e interventor sobre a realidade. A teoria biológica, por exemplo, justificou a política criminal de guerra contra o crime, identificando o criminoso como pessoa perigosa, enferma, anormal, que mereceria tratamentos médicos e psicológicos obrigatórios. As teorias biológicas também orientaram políticas preventivas no campo da saúde pública, buscando atacar o mal pela raiz, tratando os pré-criminosos com tranquilizantes e terapias de choque (DIAS & ANDRADE, 1997). Por outro lado, as teorias sociológicas do labeling approach defendem a descriminalização; a não intervenção radical do Direito Penal e do Poder Judiciário; as medidas socioeducativas; e o devido processo penal com a garantia dos direitos fundamentais, ficando patente a importância do minimalismo penal. Considera-se ainda nas teorias do labeling approach: que as pessoas precisam ter oportunidades sociais para mostrarem seus talentos; que devem ser tratadas com dignidade; e que seus valores pessoais precisam incluir autoconfiança, tolerância, respeito à diversidade e otimismo sobre as dificuldades da vida (DIAS & ANDRADE, 1997). De outro modo, as teorias psicológicas desenvolvem uma política integradora da pessoa e ganham evidência as medidas socioeducativas dentro e fora das instituições de segurança pública (DIAS & ANDRADE, 1997). Na teoria psicanalítica, por sua vez, encontra-se uma política criminal preocupada com o equilíbrio e a valorização do ego do criminoso. Defende-se nesse tipo de teoria um novo Direito Penal-Processual que possa restaurar a personalidade do criminoso. Concretamente, nessa teoria a política penal supervaloriza as medidas terapêuticas atribuindo mais poder aos psicanalistas, e menos poder a juízes e agentes prisionais. Teóricos mais radicais no passado defenderam inclusive, o abolicionismo penal, alegando que o crime é um sintoma de doença mental, devendo prevalecer o tratamento terapêutico, com a implementação de medidas sócio psicanalíticas, alimentadas por uma filosofia institucional humanista. Constata-se, ainda, que o abolicionismo penal nessa teoria valoriza a progressiva medicalização do sistema punitivo com o objetivo de restaurar ou produzir autocontrole no ego do apenado (DIAS & ANDRADE, 1997).

As teorias contextuais, por último, enfatizam o discurso histórico e social da pesquisa. A esse respeito, Dias & Andrade (1997, p. 267) afirmaram que “constitui o delinquente e a contra realidade que ele representa um dos símbolos mais expressivos do terror anômico, [e] a sua expulsão, internamento, ou prisão, [são] essenciais na estratégia de legitimação da ordem social”.

Avançando na estrutura do programa de pesquisa da Criminologia, o procedimento praxeológico deve produzir alguma alternativa institucional (minimalista, abolicionista e maximalista) com o objetivo de resolver problemas teóricos e empíricos descobertos ao longo da investigação.

O minimalismo propõe diminuir a intervenção do Estado e do Direito Penal com a descriminalização e a despenalização. O abolicionismo, de outro modo, defende a extinção do Direito Penal e do cárcere, e no grau extremo, a derrubada do Estado de Direito. Por sua vez, o maximalismo propõe a legalização de novos tipos penais e o reforço da repressão pública (MONTARROYOS, 2017; GRECO,2009).

O último procedimento epistemológico na composição do programa de pesquisa da Criminologia pede ao pesquisador a contextualização dos objetos de estudo. A Estatística criminal, nessa direção, demonstra que existe uma relação de proximidade entre pobreza e criminalidade (PENTEADO FILHO, 2018). Além disso, desordem social, tráfico de drogas, banalização da violência, etc., funcionam como incentivos positivos à criminalidade e do ponto de vista estatístico podem se apresentar correlacionados (PENTEADO FILHO, 2018).

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Sobre o autor
Heraldo Elias Montarroyos

Professor da Faculdade de Direito UNIFESSPA - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Marabá.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias. Criminologia, direitos humanos e procedimentos epistemológicos.: O pensamento crítico e seus fundamentos programáticos nas teses e dissertações da Faculdade de Direito da USP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7597, 19 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100689. Acesso em: 21 dez. 2024.

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