As afirmações [01] sobre o Simples Nacional de que "quem diz que a lei é supercomplicada é porque não entendeu, não está lendo direito" e de que "não gera aumento de tributos", não corresponde à verdade verdadeira (o pleonasmo aqui empregado foi intencional).
Por óbvio, é preciso observar que, conforme nos ensina Leonardo Boff [02], "cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam". Ou seja, "todo ponto de vista é a vista de um ponto".
Nesse sentido, com o devido respeito, é preciso estabelecer a diferença entre o marketing-iceberg [03] do Simples Nacional e o real [04] Simples Nacional.
Nesse percurso, é preciso observar o excelente raciocínio do Professor Paulo de Barros Carvalho [05], para quem o estudioso "há de debruçar-se sobre os textos, quantas vezes obscuros, contraditórios, penetrados de erros e imperfeições terminológicas, para construir a essência dos institutos, surpreendendo, com nitidez, a função da regra, no implexo do quadro normativo".
Da linha mestre do Professor Carvalho, inicio a desconstrução do Supersimples, ou como quer Rubem Alves, a retirada das camadas de tintas aplicadas pelo marketing-iceberg ao Simples Nacional para encontrar o corpo original da norma jurídica.
1) O § 20 DO ART. 18 DA LEI COMPLEMENTAR N° 123/06
De acordo com alguns profissionais [06], o § 20 do art. 18 da Lei Complementar n° 123/06 seria o suporte normativo para a manutenção, no caso específico do estado do Paraná, da não-incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil às micro e pequenas empresas optantes pelo (atual) SIMPLES-PR, ou seja, segundo este entendimento, com o início do Simples Nacional, as micro e pequenas empresas optantes contariam, ainda, com o referido benefício.
Para melhor esclarecer, assim encontra-se positivado o referido § 20:
"§ 20. Na hipótese em que o Estado, o Município ou o Distrito Federal concedam isenção ou redução do ICMS ou do ISS devido por microempresa ou empresa de pequeno porte, ou ainda determine recolhimento de valor fixo para esses tributos, na forma do § 18 deste artigo, será realizada redução proporcional ou ajuste do valor a ser recolhido, na forma definida em resolução do Comitê Gestor."
A norma jurídica, como salienta o Professor Paulo de Barros Carvalho [07], é a análise contextual produzida pelo intérprete em contato com a linguagem positivada do direito, ou, nas suas próprias palavras, "significações construídas a partir dos textos positivados e estruturados consoante a forma lógica dos juízos condicionais, compostos pela associação de duas ou mais proposições prescritivas" [08]. Assim, não se pode afirmar algo apenas com base no dispositivo acima, ou seja, é preciso uma análise contextual de todo o sistema de direito positivo [09].
Neste sentido, nos ensina Hugo de Brito Machado [10] que "o jurista se distingue do leigo que tenta interpretar a norma jurídica com conhecimento apenas empírico".
Este é o ponto! É necessário interpretar a Lei Complementar n° 123/06 no contexto de todo o sistema de direito positivo.
Portanto, estabelece o art. 94 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que "os regimes especiais de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cessarão a partir da entrada em vigor do regime previsto no art. 146, III, d, da Constituição" [11].
O art. 146, III, d, da Constituição Federal de 1988 prescreve que Lei Complementar definirá "tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239".
Assim, tendo como base constitucional do Simples Nacional o art. 146, III, d, da CF/88, a conclusão lógica que se chega é de que qualquer regime estadual de benefício tributário às micro e pequenas empresas deixa de ser aplicado a partir de 1°/07/2007. Repito, com a entrada em vigor do Simples Nacional, apoiado no art. 146, III, d, da CF/88, os regimes especiais de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cessarão.
Veja, então, que o atual SIMPLES-PR não sobreviverá ao Simples Nacional, por expressa disposição constitucional.
É de se notar que o atual benefício da não incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil às micro e pequenas empresas é oferecido apenas àquelas empresas que optarem pelo SIMPLES-PR, ou seja, o benefício depende de uma opção a um determinado regime especial.
Poder-se-ia questionar: qual a finalidade do § 20 do art. 18 da Lei Complementar n° 123/06?
Socorro-me, neste momento, da regra hermenêutica que estabelece: "prefira-se a inteligência dos textos que torne viável a sua finalidade, em vez daquela que os reduz à inutilidade" [12].
Por essa razão, o § 20 do art. 18 da Lei Complementar n° 123/06 é comando normativo estabelecendo que o Estado, ou Município, ou Distrito Federal podem conceder nova isenção ou redução de impostos de sua competência, no caso concreto ICMS e ISS. Ou seja, se o Estado do Paraná tiver interesse em manter a não incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil às micro e pequenas empresas optantes pelo (futuro) Simples Nacional, há que, obrigatoriamente, editar lei nova dispondo sobre a matéria, visto que o atual regime tributário cessará sua eficácia em 30/06/2007.
Neste contexto [13], ou melhor, neste momento, qualquer análise sobre impacto tributário das micro e pequenas empresas não pode contar com a manutenção do benefício da não incidência de ICMS, pois isto inexiste no atual direito positivo, e, muito pelo contrário, o fim está literalmente prescrito no art. 94 do ADCT.
Observe que a afirmação [14] de que o Simples Nacional não gera aumento da carga tributária, "a não ser que os benefícios que o Paraná e outros estados concedem hoje sejam retirados".
É preciso corrigir a afirmação acima, pois não se trata de retirar benefício, como se quer fazer pensar, mas sim de estabelecer novos ou recolocá-los no direito positivo, para que possam ser usufruídos a partir da entrada em vigor do Simples Nacional, lembrando que o SIMPLES/PR deixa de produzir efeitos legais com o Simples Nacional, ou seja, findar-se-á a atual não incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil a partir de 1°/07/2004.
É relevante notar que não se trata de o Estado retirar benefícios já concedidos, pois este fim foi estabelecido pelo próprio dispositivo constitucional que impede a sobrevivência dos atuais regimes tributários simplificados.
O exame desta questão não pode ser transferido do Direito para as Ciências das suposições, visto que supor que o estado estabelecerá de novo os benefícios da não incidência do ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil foge a qualquer análise segura, concreta e correta (exceto, obviamente, se já existisse norma jurídica positivada – o que não existe!).
Em linhas sintéticas é possível estabelecer o seguinte raciocínio:
1.SIMPLES/PR: com benefício de não incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil com vigência até 30/06/2006;
2.Simples Nacional: com a entrada em vigor do Simples Nacional cessará o regime SIMPLES/PR, em decorrência do art. 94 do ADCT;
3.Não incidência de ICMS: inexiste norma jurídica estabelecendo a não incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil às micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional;
4.O estado do Paraná poderá (grifo: poderá) editar lei, com fundamento no § 20 do art. 18 da Lei Complementar n° 123/06, estabelecendo a não incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil às micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional.
Por isso, é incorreto vender que no Simples Nacional será mantido o benefício estadual de não incidência de ICMS até o faturamento mensal de R$ 30 mil às micro e pequenas empresas, visto que inexiste tal dispositivo legal. Muito pelo contrário, atualmente a regra é clara [15]: com a entrada em vigor do Simples Nacional cessará o regime SIMPLES/PR e seus benefícios tributários, em decorrência do art. 94 do ADCT.
2) O § 18 DO ART. 18 DA LEI COMPLEMENTAR N° 123/06
Seguindo adiante, o § 18 do art. 18 da Lei Complementar n° 123/06 estabelece incidência tributária inconstitucional, da qual pouco se ouve falar. Vejamos:
"§ 18. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, poderão estabelecer, na forma definida pelo Comitê Gestor, independentemente da receita bruta recebida no mês pelo contribuinte, valores fixos mensais para o recolhimento do ICMS e do ISS devido por microempresa que aufira receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), ficando a microempresa sujeita a esses valores durante todo o ano-calendário."
O inciso em análise estabelece que Estados, Municípios ou o Distrito Federal possam determinar recolhimento de valor fixo para ICMS e ISS, mesmo que não ocorra circulação de mercadorias ou prestação de serviços.
A norma cria, verdadeiramente, uma ficção jurídica tributária [16], onde a micro e pequena empresa estará obrigada a pagar valores fixos mensais mesmo que inexista a ocorrência do fato gerador ou, como bem assevera Geraldo Ataliba [17], mesmo que inexista "o fato concreto, localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela h.i. legal – dá nascimento à obrigação tributária".
Como se vê, de acordo com a regra contida no § 18, em análise, determinada empresa, mesmo sem prestar qualquer serviço (fato gerador) no mês, estará obrigada a pagar o imposto municipal fixo.
Pergunto: qual a base constitucional para se tributar algo que não ocorreu, cuja materialidade é essencial para o nascimento da relação obrigacional tributária?
Como salienta resumidamente Aires F. Barreto [18], "o aspecto material da hipótese de incidência do ISS consiste em prestar serviços", ou seja, somente ocorrendo a materialidade descrita no critério material da norma, verifica-se a incidência deste imposto.
Assim, é, na verdade, impossível pretender tributar pelo ISS um "não prestar serviços" [19], como quer a lei do Simples Nacional.
A esse propósito, Aires F. Barreto [20] afirma que o regime de estimativa do ISS "é inconstitucional, em face do não-atendimento das rigorosas exigências do princípio da tipicidade da tributação".
3) AUMENTO DA CARGA TRIBUTÁRIA
Outro detalhe que chama atenção é saber se, diretamente (visto que indiretamente não há qualquer dúvida, visto à complexidade deste novo regime), haverá ou não elevação da carga tributária com o Simples Nacional.
De acordo com afirmações [21], o Simples Nacional não gera aumento de tributos, sendo que todo o setor de serviços terá redução da carga tributária, com exceção do setor de informática.
Para provar a contradição entre Simples-marketing-iceberg e o Simples-real, será necessário recorrer à matemática, mesmo que entenda que esta faz parte das ciências ocultas (sic).
Entretanto, em que pese meu desespero frente à matemática, é preciso reconhecer a citação de Edgar Morin [22], que credita a Albert Einstein a frase: "a única fonte autêntica da verdade está na simplicidade da matemática".
Então, que venha a verdade matemática!
As empresas de serviços: creches, pré-escolas e agências terceirizadas dos correios, optantes pelo Simples Federal (Lei n° 9.317/96) com faturamento anual de R$ 360 mil recolhem atualmente em média 7,53% [23] sobre o faturamento (5,53% Simples + 2% de ISS). No Super Simples a alíquota de incidência [24] será de 10,26%. Ou seja, elevação (= aumento) de 36,25%.
Na hipótese de estas empresas faturarem anualmente R$ 1.200.000,00, a carga tributária é elevada em 53,71%; para faturamento anual de R$ 2.400.000,00, o aumento é de 58,36%.
Noutra análise, agora na atividade de transporte municipal de passageiros, é possível observar a seguinte elevação da carga tributária: a) com faturamento anual de R$ 360.000,00 (+) 23,89%; b) com faturamento anual de R$ 1.200.000,00 (+) 62,67%; e c) com faturamento anual de R$ 2.400.000,00 (+) 65,95%.
Para a atividade de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, cuja opção pelo Simples Nacional passa a estar vedada a partir de 1°/07/07, a carga tributária será elevada algo entre 42,51% a 98,50%, dependendo do perfil da Folha de Pagamento.
Utilizando a verdade matemática de Einstein, é possível observar que não corresponde à verdade qualquer afirmativa que venha a estabelecer que o Simples Nacional não acarretará aumento de tributos.
De fato, há hipóteses de redução da carga tributária, como pode ser observada nas atividades, por exemplo, de ensino fundamental e de agências de viagem e turismo, tendo os seguintes dados: a) com faturamento anual de R$ 360.000,00 (-) 22,86%; b) com faturamento anual de R$ 1.200.000,00 (-) 10,59%; e c) com faturamento anual de R$ 2.400.000,00 (-) 5,84%.
Reafirmo que, nas atividades comerciais e industriais, haverá aumento da carga tributária caso o estado não venha a editar lei concedendo benefício do ICMS às micro e pequenas empresas. Neste sentido, para a faixa de faturamento anual de R$ 360 mil, o acréscimo tributário será da ordem de 23,61% a 33,33%.
A seguir, apresento quadro com as respectivas repercussões tributárias da Lei Complementar n° 123/06:
SUPER SIMPLES | AUMENTO/REDUÇÃO MÉDIO DA CARGA TRIBUTÁRIA | ||
FATURAMENTO ANUAL | |||
R$ 360.000,00 | R$ 1.200.000,00 | R$ 2.400.000,00 | |
- Empresa Comercial [25] | 23,61% | 5,56% | 2,68% |
- Empresa Industrial [26] | 33,33% | -4,18% | 0,03% |
- Locação bens móveis | 22,17% | 30,87% | 38,00% |
- Creche, Pré-escola e agências terceirizada de correios | 36,19% | 53,71% | 58,36% |
- Serviços de*: | -22,86% | -10,59% | -5,84% |
*a) estabelecimento de ensino fundamental; | |||
*b) agência de viagem e turismo; | |||
*c) centro de formação de condutores de veículos automotores de transporte terrestre de passageiros e de carga; | |||
*d) agência lotérica; | |||
*e) manutenção e reparação de automóveis, caminhões, ônibus, outros veículos pesados, tratores, máquinas e equipamentos agrícolas; | |||
*f) instalação, manutenção e reparação de acessórios para veículos automotores; | |||
*g) manutenção e reparação de motocicletas, motonetas e bicicletas; | |||
*h) instalação, manutenção e reparação de máquinas de escritório e de informática; | |||
*i) manutenção e reparação de aparelhos eletrodomésticos; e | |||
*j) veículos de comunicação, de radiodifusão sonora e de sons e imagens, e mídia externa. | |||
- Serviços de reparos hidráulicos, elétricos, pintura e carpintaria em residências ou estabelecimentos civis ou empresariais | -45,51% | -18,23% | 7,00% |
- Construção civil | -25,65% | 9,38% | 42,20% |
- Transporte municipal de passageiros | 23,89% | 62,67% | 65,95% |
- Transporte intermunicipal e interestadual de passageiros [27] | 98,50% | 80,71% | 42,51% |
- Empresas de Serviços:* | -37,58% | -9,99% | 16,45% |
*a) Montadoras de estandes para feiras; | |||
*b) Escolas livres, de línguas estrangeiras, artes, cursos técnicos e gerenciais; | |||
*c) Produção cultural e artística; | |||
*d) Produção cinematográfica e de artes cênicas. | |||
- Empresas de Serviços* com folha de salários em relação ao faturamento: | |||
a) até 29% | 10,97% | 15,97% | -4,83% |
b) entre 30% até 34,99% | 6,93% | 11,65% | 13,31% |
c) entre 35% até 39,99% | 3,34% | 7,80% | 9,37% |
d) igual ou acima de 40% | -32,91% | -15,12% | 7,04% |
* Administração e locação de imóveis de terceiros; | |||
* Academias de dança, de capoeira, de ioga e de artes marciais; | |||
* Academias de atividades físicas, desportivas, de natação e escolas de esportes; | |||
* Elaboração de programas de computador; | |||
* Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; | |||
* Planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas; | |||
* Serviços de vigilância, limpeza ou conservação. | |||
- Escritórios de contabilidade com folha de salários em relação ao faturamento: | |||
a) até 29% | 10,07% | 10,07% | 10,07% |
a) entre 30% até 34,99% | 5,51% | 5,51% | 5,51% |
a) entre 35% até 39,99% | 1,51% | 1,51% | 1,51% |
a) igual ou acima de 40% | -39,63% | -24,45% | -1,04% |
- Demais empresas de serviços com folha de salários em relação ao faturamento: | |||
a) até 29% | 117,61% | 128,80% | 87,03% |
a) entre 30% até 34,99% | 122,48% | 133,69% | 90,97% |
a) entre 35% até 39,99% | 127,35% | 138,58% | 94,91% |
a) igual ou acima de 40% | 49,20% | 88,09% | 92,83% |
Assim, como leciona Eurico Marcos Diniz de Santi [28], "o direito não incide sobre fatos, incide sobre a prova dos fatos". Ou seja, os dados matemáticos acima são as provas materiais dos fatos produzidos pela regime tributário conhecido como Simples Nacional.