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A verdade verdadeira do Simples nacional

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29/06/2007 às 00:00
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4) INSEGURANÇA TRIBUTÁRIA

            O laureado Heleno Tôrres [29] esclarece que a segurança jurídica é "resultante de duas variáveis axiológicas que se complementam, a certeza e a igualdade. Na função certeza, o valor predominante é o da previsibilidade, como requisito de determinação prévia dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui aos comportamentos [...]".

            Nesse mesmo sentido, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, citado por Heleno Tôrres, observa que "a obscuridade e a confusão são espécies claras de incertezas no direito, aliás, de uso assas freqüente no âmbito tributário".

            O Anexo V da Lei Complementar n° 123/06 produz incerteza no âmbito tributário por dois aspectos. Primeiro, pela obscuridade e confusão; segundo, pela imprevisibilidade de seus efeitos, podendo provocar elevação da carga tributária durante o próprio ano de algo como 275% [30].

            De acordo com a referida lei, o Anexo V [31] será aplicado apenas nas hipóteses em que o custo da Folha de Salários (em 12 meses) seja igual ou superior a 40% da Receita Bruta (em 12 meses), caso contrário aplicar-se-ão alíquotas fixas que variam entre 14 e 15% do faturamento mensal.

            A título de exemplo, determinada empresa de serviços de transporte de cargas com Folha de Salários e Receita Bruta em 12 meses, respectivamente, de R$ 48.000,00 e R$ 120.000,00 será tributada pelo Simples Nacional em 5,25% [4% IRPJ, CSLL, PIS, COFINS (+) 1,25% ICMS]. Ocorre que, se esta mesma empresa, por um motivo ou outro, durante o ano, tiver alterado a relação percentual Folha de Salário-Receita Bruta (em relação aos últimos 12 meses), a tributação pelo Simples Nacional é radicalmente alterada, ou melhor, aumentada [32].

            Numa hipótese desta empresa do exemplo ter optado pelo Simples Nacional a partir de janeiro/2008, mantendo a relação percentual Folha de Salário-Receita Bruta de 40% até o mês de fevereiro, será tributada à alíquota de 5,25%. Entretanto, no mês de março, seu faturamento foi ampliado pela conquista de novos clientes, sem que o custo da Folha de Pagamento tenha crescido proporcionalmente à elevação do faturamento. Neste ponto, no cálculo da relação percentual Folha de Salário-Receita Bruta em 12 meses, obtém-se o índice, por exemplo, de 29,99%. Conseqüência: a incidência tributária passa a ser, a partir do referido mês, de 16,25% [15% IRPJ, CSLL, PIS, COFINS (+) 1,25% ICMS].

            Ou seja, elevação de 209,52%.

            Neste sentido, o empresário desenvolve o projeto de seu empreendimento e na apuração do preço de venda consigna tributação de 5,25%. Entretanto, iniciado o jogo, é preciso lhe informar que a partir de determinado mês a tributação será (ou poderá ser, ou poderá não ser!!!) de 16,25%.

            Segurança ou insegurança???

            Outro detalhe que chama a atenção: uma empresa, por exemplo, com a atividade de Comércio de Softwares e Serviços de Processamento de Dados poderá optar pelo Simples Nacional, visto inexistir qualquer impedimento legal. Entretanto, como se demonstrará mais adiante, a tributação ocorrerá de forma destacada entre as receitas Comerciais e aquelas outras de Serviços.

            Neste caso, a Receita Comercial e a Receita de Serviços será tributada, respectivamente, pelas tabelas constantes nos Anexo I e V da Lei Complementar n° 123/06.

            Ocorre que, nas alíquotas que compõem o Anexo I (Receita Comercial), estão as contribuições previdenciárias [33], sendo que, para a aplicação do Anexo V (Receita de Serviços), é necessário recolher as contribuições previdenciárias [34] de forma destacada, ou seja, sem estarem incorporadas ao Simples Nacional.

            Como resolver a questão acima?

            Se o sistema fosse simples, a resposta seria simples. Como o sistema não é simples, inexiste resposta. Ou melhor, há resposta: - não existe resposta para a questão. E ainda, é preciso observar que o Comitê Gestor é incompetente para dispor sobre este tema.

            Seja como for, de acordo com a Consultoria Fiscosoft [35], "caso a empresa desenvolva diversas atividades, entre elas atividades impedidas e não impedidas de recolher a contribuição previdenciária no Simples Nacional, entendemos que ela estará impedida integralmente de recolher a contribuição nesta modalidade unificada, mesmo em relação à atividade isoladamente não impedida. Com isso, no pagamento do Simples Nacional deverá ser excluída totalmente a parcela relativa à previdência social, devendo a contribuição ser paga na forma aplicável aos demais contribuintes. Faz-se, importante, no entanto, aguardar manifestação do Comitê Gestor nesse sentido".

            Mais um detalhe: na atual legislação do Simples Federal [36] (Lei n° 9.317/96), há impedimento legal a que as empresas de locação ou administração de imóveis optem pelo regime. Com o Simples Nacional, inexiste qualquer impedimento à opção para empresas que realizem atividade de administração de bens próprios [37], entretanto, para o caso concreto, inexiste tabela de incidência.

            Outro detalhe, obscuro na Lei, se refere à tributação pelo Simples Nacional dos veículos de comunicação que editem livros, jornais e revistas [38].

            Observo que, de acordo com o art. 150 da Constituição Federal de 1988, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre livros, jornais e periódicos.

            Entretanto, os veículos de comunicação que editem livros, jornais e revistas, autorizados a optar pelo Simples Nacional, serão tributados de acordo com o Anexo III da Lei Complementar n° 123/06, onde a alíquota é composta de ISS que varia de 2 a 5%. Ou seja, criou-se incidência de imposto (ISS) sobre o faturamento de livros, jornais e periódicos, em total desrespeito à prescrição constitucional acima apresentada.

            Permanecendo na linha da insegurança jurídica, é preciso notar que o § 2° do art. 16 da Lei Complementar n° 123/06 prescreve que a opção pelo Simples Nacional, que entra em vigor no dia 1°/07/07, deverá ser realizada até o último dia útil de janeiro.

            Para o Simples-marketing-iceberg, o Comitê Gestor, responsável pelos aspectos tributários do Simples Nacional, regulamentará que para 2007 a opção poderá ser realizada até o último dia útil de julho de 2007.

            Ocorre que esse Comitê não pode inovar o ordenamento jurídico, ou seja, ele não pode contrariar uma regra normativa explícita.

            Assim, se a lei estabelece o prazo de opção como sendo até o último dia útil de janeiro, somente outra lei poderá dispor de forma diferente.

            As normas editadas pelo Comitê Gestor possuem o conteúdo e o alcance dos decretos, tendo utilidade para a "explicação de textos legais, ou para o estabelecimento dos meios e formas de cumprimento das disposições de leis" [39].

            Assim, "em matéria tributária não existe espaço para o regulamento autônomo, qualquer regra de decreto, ou de regulamento, que não seja mera explicitação do que determina a lei, nem se limite a fixar os meios e formas de execução desta, é inválida" [40].

            Situação de extrema delicadeza verifica-se, também, no inciso XV, § 1° e § 3° do art. 13 da Lei Complementar n° 123/06, a saber:

            "Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

            [...]

            § 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

            [...]

            XV - demais tributos de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, não relacionados nos incisos anteriores.

            [...]

            § 3o As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela União, inclusive as contribuições para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de que trata o art. 240 da Constituição Federal, e demais entidades de serviço social autônomo."

            Antes de adentrar ao texto acima, é preciso observar que, nos termos da Lei Complementar n° 95, de 26 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre a elaboração e a redação das leis, para a obtenção de ordem lógica os parágrafos devem possuir aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida.

            Assim, a função dos parágrafos é o de complementar ou excepcionar a regra estabelecida no caput.

            Neste sentido, o inciso XV, § 1°, do art. 13 acima produz uma exceção. Ou seja, a regra é que a opção pelo Simples Nacional implica o recolhimento mensal-unificado de impostos e contribuições (= tributos), exceto os demais tributos (= impostos e contribuições) de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, não relacionados na lei.

            Neste contexto, com o inciso XV, § 1°, art. 13, estaria mantida a incidência da "contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS", conforme prescreve o art. 1° da Lei Complementar n° 110/01.

            Veja-se a estrutura de raciocínio: a) o recolhimento na forma do Simples Nacional não exclui a incidência das contribuições de competência da União não relacionadas nos incisos do § 1°, art. 13 da Lei Complementar n° 123/06; b) a contribuição social de 10% sobre o montante de todos os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (LC n° 110/01) não se encontra relacionada nos incisos do § 1°, art. 13 da Lei Complementar n° 123/06; e c) os optantes pelo Simples Nacional continuam obrigados a recolher a contribuição social de 10% sobre o montante de todos os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (LC n° 110/01).

            Por seu turno, o § 3° do art. 13 da Lei Complementar n° 123/06 estabelece que as empresas optantes pelo Simples Nacional "ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela União".

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            Nesse passo, é importante reconhecer que o § 3° possui função de complementar a regra do caput, ou seja, a regra é que a opção pelo Simples Nacional implica o recolhimento mensal-unificado de impostos e contribuições relacionados nos incisos I a VIII do art. 13, sendo que a opção pelo regime ainda (função de complementar) dispensa [41] o pagamento das demais contribuições instituídas pela União.

            Portanto, o referido § 3° estabelece que as empresas optantes pelo Simples Nacional estão dispensadas, dentre outras, do recolhimento da contribuição social de 10% sobre o montante de todos os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (LC n° 110/01).

            A partir desta visão, é possível notar uma contradição clara entre o inciso XV, § 1° e o § 3°, ambos do art. 13 da Lei Complementar n° 123/06, visto que o primeiro dispositivo prevê a manutenção do recolhimento da contribuição social de 10% sobre o montante de todos os depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (LC n° 110/01), sendo que o segundo (dispositivo) estabelece a dispensa deste recolhimento.

            Noutra infeliz formulação, o art. 19 da lei do Simples Nacional produz uma situação inusitada, vejamos:

            "Art. 19. Sem prejuízo da possibilidade de adoção de todas as faixas de receita previstas no art. 18 desta Lei Complementar, os Estados poderão optar pela aplicação, para efeito de recolhimento do ICMS na forma do Simples Nacional em seus respectivos territórios, da seguinte forma:

            I – os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja de até 1% (um por cento) poderão optar pela aplicação, em seus respectivos territórios, das faixas de receita bruta anual até R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais);

            II – os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja de mais de 1% (um por cento) e de menos de 5% (cinco por cento) poderão optar pela aplicação, em seus respectivos territórios, das faixas de receita bruta anual até R$ 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil reais); e

            III – os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja igual ou superior a 5% (cinco por cento) ficam obrigados a adotar todas as faixas de receita bruta anual.

            § 1o A participação no Produto Interno Bruto brasileiro será apurada levando em conta o último resultado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou outro órgão que o substitua.

            § 2o A opção prevista nos incisos I e II do caput deste artigo, bem como a obrigatoriedade de adotar o percentual previsto no inciso III do caput deste artigo, surtirá efeitos somente para o ano-calendário subseqüente."

            O caput nos remete ao art. 18, visto que este estabeleceu as tabelas de incidência e, por conseqüência, as faixas correspondentes.

            Assim, sem prejuízo da possibilidade de adoção de todas as faixas, Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja de até 4,99% poderão optar por faixas de receita bruta anual inferiores ao teto de R$ 2.400.000,00.

            Por seu turno, o inciso III acima prescreve que "os Estados cuja participação no Produto Interno Bruto brasileiro seja igual ou superior a 5% (cinco por cento) ficam obrigados a adotar todas as faixas de receita bruta anual".

            Ao mesmo tempo, o § 2° estabelece que os Estados com participação igual ou superior a 5% do PIB brasileiro, obrigados a adotar todas as faixas da tabelas contidas nos Anexos I a V da Lei Complementar n° 123/06, somente poderão utilizar todas estas faixas a partir do "ano-calendário subseqüente" à referida adoção.

            Para que não haja dúvidas, vejamos atentamente o referido § 2°:

            A opção prevista nos incisos I e II do caput deste artigo, bem como a obrigatoriedade de adotar todas as faixas de receita bruta [previsto no inciso III do caput deste artigo], surtirá efeitos somente para o ano-calendário subseqüente.

            É incorreto fazer crer que a expressão "surtirá efeitos somente para o ano-calendário subseqüente" seria aplicável apenas àquelas previsões dos incisos I e II, em virtude das vírgulas utilizadas entre a expressão "bem como a obrigatoriedade de adotar o percentual previsto no inciso III do caput deste artigo".

            O sentido exato do § 2° é estabelecer que surtirá efeitos somente para o ano calendário subseqüente "a opção prevista nos incisos I e II do caput deste artigo, bem como a obrigatoriedade de adotar o percentual previsto no inciso III do caput deste artigo".

            É preciso que se tenha em mente que a lei sob análise, aprovada pela Câmara dos Deputados às vésperas de uma eleição parlamentar, foi objeto de 15 emendas do Senado apenas para corrigir erros de português.

            Nesse tema, apresento, por exemplo, as Emendas do Senado nos 7, 16, 20, 21 e 25, conforme Parecer n° 1.195, 2005 da Comissão Diretora do Senado Federal: 7 – corrija-se a grafia da palavra "mês"; 16 - corrija-se a grafia da palavra "empreendedores"; 20 – insira-se a palavra "do" entre os termos "recolhimento" e "imposto"; 21 – suprima-se o termo "pela", duplicado; e 25 – substitua-se a expressão "em presa" pelo termo "empresa".

            Qual a amplitude da informação do parágrafo anterior?

            Que a Câmara dos Deputados sequer revisou o texto (quem dirá o contexto) submetido à aprovação, ou melhor, que o texto aprovado foi formado por retalhos formando uma colcha, que contém "erros, impropriedades, atecnias, deficiências e ambigüidades" [42].

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Sobre o autor
Marcelo Henrique da Silva

advogado do Escritório Business Consultoria, em Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcelo Henrique. A verdade verdadeira do Simples nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1458, 29 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10083. Acesso em: 25 abr. 2024.

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