Por Maria Clara Seixas*
A Fairplay childhood byond brands realizou uma pesquisa entre algumas das principais plataformas utilizadas por crianças e adolescentes no mundo Whatsapp, Instagram e Tiktok e identificou um design de privacidade discriminatório a depender do país em que o menor de idade, usuário da plataforma, está localizado.
Não é novidade que estas plataformas digitaim coletas e tratam diversos dados pessoais dos seus usuários. São compartilhados dados cadastrais (como nome, idade, CPF, endereço, e-mail), dados relativos ao uso dos serviços oferecidos (como mensagens, fotos, vídeos e rede de relacionamento) ou até mesmo dados que estão armazenados nos dispositivos pessoais (como os que estão na agenda de contatos ou banco de imagens dos celulares).
Contudo, o que a pesquisa trouxe de novidade foi o fato de que uma mesma plataforma, que oferece um mesmo serviços ao redor do mundo, trata de forma diferente os seus usuários a depender do país em que este usuário esteja localizado.
É assim que crianças europeias possuem uma maior proteção de privacidade dos seus dados no que se refere ao compartilhamento de dados desnecessários do que crianças brasileiras no Whatsapp. Por exemplo, os dados de crianças brasileiras podem ser utilizados para a personalização dos serviços por empresas do grupo do Facebook, enquanto os de crianças europeias não.
Da mesma forma, o Instagram e o Tiktok expõem as crianças brasileiras a abusos de design das suas plataformas que induzem e manipulam mais o usuário, diferente do que ocorre com as crianças europeias que utilizam os mesmos serviços.
E porque isso ocorre?
O principal motivo para estes tratamentos discriminatórios é a existência de uma maior ou menor proteção legislativa da privacidade dos indivíduos em cada país. Como a Europa possui uma legislação mais consolidada e robusta, o que cria uma cultura de aplicação das leis relativas ao uso dos dados pessoais mais efetiva, as empresas estão mais preocupadas em respeitar a privacidade da população europeia e mais especificamente das suas crianças e adolescentes.
Já no Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados pessoais, a LGPD, é uma legislação nova, tendo entrado em vigor apenas no final de 2020, e tradicionalmente o país não possui uma cultura muito preocupada com a privacidade do cidadão. Com isso, a conscientização e fiscalização sobre o uso de dados ainda está incipiente, fazendo com que empresas aproveitem este espaço de pouca regulação ou baixa fiscalização para avançar sobre estes territórios privados.
Desta forma, cabe não apenas às autoridades, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, se fortalecer para poder ter uma atuação mais efetiva de aplicação da LGPD, como cabe também à população se educar e conscientizar sobre os cuidados necessários com a privacidade e, em especial, a privacidade sobre os dados de crianças e adolescentes, para que tais tratamentos discriminatórios feitos por diversas empresas não sejam mais aceitos nem vistos como naturais, e sim sejam motivos para contestação. O mercado pode ser uma grande força motriz de mudança de condutas empresariais.
*Maria Clara Seixas* é especialista em Direito Digital e Proteção de Dados. Sócia do 4S Advogados. Professora da Pós-Graduação em Direito Digital da Faculdade Baiana de Direito.