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Passando a limpo a OAB

05/07/2007 às 00:00
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A Polícia Federal prendeu, em Goiás, em maio deste ano, doze pessoas, sob a acusação de integrarem uma quadrilha, que vendia a aprovação no Exame da OAB, e já havia arrecadado cerca de três milhões de reais, em suas atividades fraudulentas. Entre os presos na "Operação Passando a Limpo", estão o Presidente e o Vice-Presidente da Comissão responsável pelo Exame da Ordem. Evidentemente, presume-se que a OAB/GO tomará as providências cabíveis, se for comprovada a veracidade dessas denúncias.

Mas o Presidente da OAB nacional, César Britto, preocupado, naturalmente, com as repercussões negativas desse escândalo, contra a OAB e contra o próprio Exame de Ordem, cuidou de publicar, uma semana depois, o artigo intitulado "Justiça e Exame de Ordem" (Fonte: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=9921), no qual defendeu a importância desse Exame, dizendo que ele é "um instrumento vital à cidadania, na medida em que zela pela qualidade da justiça" e dizendo que a OAB pretende "aprimorar cada vez mais os seus controles, para que situações como a recém-denunciada em Goiás não mais ocorram". Disse, ainda, que "por isso, tão logo tomou posse, em fevereiro deste ano, conclamou os 27 Conselhos Seccionais a aderirem ao Exame de Ordem unificado e 20 já aceitaram".

Na minha opinião, já manifestada através de inúmeros artigos, o Exame de Ordem é inconstitucional, porque não compete à OAB avaliar os cursos jurídicos, nem a qualificação profissional dos bacharéis em Direito. A OAB, quando insiste em realizar o Exame de Ordem, mete-se onde não deveria, porque ela tem competência, apenas, para regular e fiscalizar o exercício da profissão, e nunca para ensinar, nem avaliar a qualidade do ensino jurídico. Para isso existe o Ministério da Educação, e a Constituição Federal é muito clara, a esse respeito.

De qualquer forma, mesmo sem essas denúncias, referentes às fraudes no Exame de Ordem, a repercussão negativa desse Exame já está atingindo, por si só, a própria credibilidade da OAB, como instituição, porque é muito difícil acreditar que os seus dirigentes se preocupam, apenas, com o interesse público, e não com os interesses corporativos e com a reserva do mercado da advocacia, em favor dos profissionais já inscritos, mesmo porque os próprios dirigentes da OAB e outros defensores do Exame de Ordem já têm dito, em várias oportunidades, que existe um número excessivo de advogados, no Brasil, e que o Exame é necessário para defender o mercado de trabalho. Por exemplo, a Revista Consultor Jurídico, de 11.12.2006, publicou um artigo, de David Norgren: "Evolução da advocacia: Os efeitos perversos do crescimento desordenado".

(Fonte: http://conjur.estadao.com.br/static/text/50928,1)

Nesse artigo, o autor procurou demonstrar que, na Inglaterra e em França, o acesso à profissão jurídica é mais restrito do que no Brasil. Disse ele, então, que no Brasil "o ponto de saturação do mercado de trabalho para advogados já foi atingido há muito. Não há vagas suficientes para todos os bacharéis que ingressam no mercado de trabalho. As vagas existentes muitas vezes não proporcionam condições profissionais e financeiras satisfatórias aos advogados, que são obrigados a aceitar postos de trabalho que são incompatíveis com suas aptidões profissionais e com suas ambições financeiras. (...) Não há qualquer tipo de limite ao número de aprovados ou estabelecimento de vagas, o que possibilita o crescimento contínuo e desregrado da categoria profissional". Em suas conclusões, o autor fez questão de enumerar as vantagens da reserva de mercado: "A elevação do nível salarial do advogado seria evidente (não que esse seja o aspecto mais importante da profissão, mas é preciso deixar de lado a hipocrisia e admitir que todos têm lares para sustentar). Todos os lados seriam beneficiados: sociedade, que poderia contar com um serviço de melhor qualidade, e advogados, que ganhariam em prestígio e  poderiam ser justamente recompensados pela importante função que exercem". 

Um absurdo, evidentemente, porque a Constituição Federal, que o autor não deveria desconhecer, estabelece a liberdade de exercício profissional, o que impede a fixação de "qualquer tipo de limite ao número de aprovados ou estabelecimento de vagas", como ele pretende. Além disso, quando afirma que "todos têm lares para sustentar" e que "todos os lados seriam beneficiados", o autor esquece, evidentemente, os dois milhões de bacharéis em Direito que os próprios dirigentes da OAB se gabam de terem reprovado, no Exame de Ordem, e que estão impedidos de trabalhar, para sustentarem os seus lares, e até mesmo para pagarem as dívidas referentes ao crédito educativo, que muitos foram obrigados a contrair, para os cinco anos de estudo, em uma instituição privada de ensino superior, autorizada e fiscalizada pelo Estado brasileiro, através do MEC.

Mas o Presidente da OAB nacional, César Britto, em sua tentativa de defender o Exame de Ordem, disse ainda, no referido artigo, que: "Nenhum bacharel, desde então (1931 – o ano da colegiação obrigatória), pode advogar no Brasil ou mesmo exercer qualquer função na cena judiciária nacional sem antes ser aprovado no Exame de Ordem, ministrado sob a responsabilidade da OAB. (...) Em sete décadas e meia de vigência da colegiação obrigatória da advocacia brasileira, os registros de distorções e desvios de conduta em relação ao Exame de Ordem são mínimos, o que comprova o zelo e a eficácia com que tem sido conduzido".

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Todos sabem que isso não é verdade. É estranho que o Presidente da OAB diga isso, talvez pensando que o fato de ser vetusto poderia tornar constitucional o Exame de Ordem. Nem que tivesse sido criado por Dom Pedro I, ou pelo Marechal Deodoro da Fonseca, o Exame da OAB deixaria de atentar contra a isonomia e deixaria de ser material e formalmente inconstitucional.

Basta uma rápida pesquisa para desmentir essa afirmativa do Presidente da OAB:

De acordo com o art. 48 da Lei nº 4.215, de 27.04.1963, ou seja, o antigo "Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil", o que se exigia para a inscrição do bacharel nos quadros da Ordem era o "certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem..." (inciso III do art. 48). O Exame de Ordem era opcional, e não obrigatório: "estágio ou. ..Exame", a Lei nº 4.215/1.963 era muito clara. Assim, evidentemente, ninguém fazia esse Exame, porque o estágio era muito mais conveniente. Os advogados antigos não fizeram esse Exame e muitos deles, certamente, não seriam aprovados, hoje. O próprio Presidente da OAB/SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, reconheceu esse fato, em um debate perante a Revista Consultor Jurídico.

(Fonte: http://conjur.estadao.com.br/static/text/36208,1).

Posteriormente, o art. 1º da Lei nº 5.842/1.972 determinou que: "Para fins de inscrição no quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, ficam dispensados do exame de Ordem e de comprovação do exercício e resultado do estágio de que trata a Lei no 4.215, de 27 de abril de 1963, os Bacharéis em Direito que houverem realizado junto às respectivas faculdades estágio de prática forense e organização judiciária".

Portanto, foi somente depois da entrada em vigor do novo Estatuto da OAB (Lei nº 8.906, de 1.994) e da regulamentação (inconstitucional) do Exame de Ordem pelo Provimento nº 81, de 1.996, depois revogado pelo Provimento nº 109, de 2.005, que a OAB conseguiu implantar o seu Exame, o que já vinha sendo tentado há muito tempo.

E tanto isso é verdade, que não havia autorização legal para o Exame de Ordem, antes dos anos 90, nem mesmo através de uma lei inconstitucional, como existe hoje, que o Senador Leite Chaves apresentou um projeto, o PLS nº 92/1.990, para "Alterar a Lei 4.215, de 27 de abril de 1.963, e tornar obrigatório o Exame de Ordem para admissão no Quadro de Advogados". Esse projeto foi aprovado no Congresso, mas foi vetado pelo Presidente da República e mantido o veto total, em 16.03.1.994. (Fonte: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/Detalhes_CD.asp?p_cod_mate=27120&p_tipo_cod_mat=SF). Esse projeto está arquivado e serve, perfeitamente, para provar o que estou afirmando, porque se o Exame de Ordem já fosse obrigatório desde 1.931, como quer o Presidente da OAB, não haveria razão lógica para a apresentação desse projeto de lei.

No entanto, quatro meses depois do arquivamento desse projeto, ou seja, em julho de 1.994, como se sabe, a OAB conseguiu aprovar o seu novo "Estatuto", inserindo em seu artigo 8º, que trata da inscrição do bacharel em Direito, a exigência da aprovação no Exame de Ordem.

Não é verdade, portanto, que o Exame de Ordem tenha sido criado por Getúlio Vargas, como quer o novo Presidente da OAB. O Exame de Ordem somente foi criado em 1.994 (a Lei inconstitucional) e em 1.996 (o Provimento inconstitucional).

Getúlio Vargas criou, apenas, em 18.11.1930, a própria OAB, pelo art. 17 do Decreto nº 19.408: "Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo".

Aliás, o Golpe de 1.930 foi apoiado e articulado pelos profissionais liberais e jovens políticos que formaram a Aliança Liberal, em 1.929, que eram contrários à posse de Júlio Prestes, e foram derrotados nas eleições. Em outubro de 1.930, ocorreu o Golpe, e logo no mês seguinte foi criada a OAB.

Tendo sido instalado o Governo Provisório, André de Faria Pereira, Procurador-Geral do Distrito Federal e sócio do Instituto dos Advogados, incumbido pelo Ministro da Justiça, Osvaldo Aranha, de elaborar um projeto de decreto, a respeito de modificações na organização da Corte de Apelação, incluiu no projeto o dispositivo do art. 17, criando a Ordem dos Advogados.

Ressalte-se que o Instituto dos Advogados Brasileiros, que havia sido criado 87 anos antes, em 07.08.1.843, tinha como finalidade precípua, prevista em seus Estatutos, a criação da Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB foi criada graças aos esforços do advogado Levy Carneiro, que era Presidente do Instituto dos Advogados e foi o primeiro Presidente da OAB e graças a André de Faria Pereira, que enxertou no projeto de decreto da Corte de Apelação o seu art. 17, acima transcrito.

Getúlio Vargas, que concentrava em suas mãos os três Poderes constitucionais da República, limitou-se a assinar esse Decreto, que não dizia uma palavra sobre o Exame de Ordem.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Passando a limpo a OAB. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1464, 5 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10105. Acesso em: 4 nov. 2024.

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