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Princípios constitucionais informadores do direito urbanístico

08/07/2007 às 00:00
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Resumo: o presente estudo trata acerca dos princípios constitucionais informadores do Direito Urbanístico, apresentando-os sistematicamente e ressaltando importância e relevância do seu estudo.

Palavras-chave: Direito Público – Direito Constitucional - Direito Urbanístico – Princípios constitucionais informadores.


Sabe-se ser Direito Urbanístico ramo do Direito relativamente novo. Com efeito, somente após a década de setenta é que os juristas passaram a se dedicar mais detida e especificamente sobre a matéria, desencadeando uma crescente e qualitativa elaboração doutrinária e legislativa, a qual alcançou o auge com o Estatuto da Cidade.

Muito se questiona acerca da sua autonomia. Para parte da doutrina estamos diante de um braço do direito administrativo. Há, ainda, aqueles que o compreendem como uma disciplina de síntese, multidisciplinar. Respeitamos, mas discordamos plenamente destes pensamentos.

O Professor Doutor Márcio Cammarosano [01], sustentando a sua autonomia, conceitua o Direito Urbanístico como o "ramo do Direito Público, que diz respeito à disciplina de espaços - urbanos ou rurais - para fins de ocupação do homem, com vistas ao atendimento das necessidades de habitação, trabalho, lazer e circulação em comunidades organizadas."

Mas isto não é o bastante. Importante frisar-se que o Direito Urbanístico tem como objeto o estudo das normas – regras e princípios - que visam ordenar as cidades. Dedica importante atenção e concentra especiais esforços aos direitos e limitações inerentes à propriedade urbana, sua regulação e organização, indispensável diante do premente fenômeno da concentração urbana iniciado a partir das revoluções burguesas e industriais ocorridas na Europa Ocidental e logo refletidas no Brasil. Surge, então, como disciplina indispensável para consecução de uma urbe que permita aos citadinos uma vida saudável e feliz.

Ademais, ressalte-se que, segundo o eminente Celso Antônio Bandeira de Melo, "diz-se que há uma disciplina juridicamente autônoma quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais ramificações do Direito" (Bandeira de Melo, 2005:43)

Daí a primeira importância do estudo dos princípios do Direito Urbanístico. A segunda é que os princípios de uma ciência são, conforme lição de Cretella Júnior, "as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces, os fundamentos da ciência"

São normas jurídicas. Possuem caráter prescritivo. No moderno constitucionalismo, ganharam status de norma Constitucional. São, destarte, a fontes das fontes, donde, em última análise, repousam as sólidas bases deste "novo" Estado Constitucional de Direito.

Leciona o eminente Celso Antônio que princípios são o "mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico." (Bandeira de Melo, 2005:902)

Assumindo o caráter de norma suprema, "a interpretação do direito deve ser dominada pelas forças dos princípios; são eles que conferem coerência ao sistema." (Grau 2005:51). Ademais, "é graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa" (Bonavides, 2006:288).

Nesse passo, pontua o Ministro Eros Grau que o nosso sistema constitucional é composto por (a) princípios explícitos, recolhidos no texto da Constituição ou da lei; (b) princípios implícitos, inferidos da análise dos preceitos constitucionais ou de uma lei; (c) e, por fim, pelos princípios gerais de direito, também implícitos. (Grau: 43)

Transportando e aplicando esta balizada lição diretamente para o Direito Urbanístico, pode vislumbrar-se a existência de princípios constitucionais "explícitos gerais", "explícitos específicos" e os "implícitos" - decorrentes daqueles, informadores do Direito Urbanístico.

Os "explícitos gerais" são, em regra, encontrados no preâmbulo e nos dois Títulos iniciais da nossa Carta Política, comumente aplicáveis a todo ordenamento jurídico brasileiro. Informam os diversos ramos do Direito Público e Privado.

Merecem destaque os princípios da dignidade da pessoa humana, o da igualdade e o da legalidade, uma vez que toda a atividade urbanística – como é característico a toda atividade pública -, é um dever-poder, obrigando-se o administrador não só visar, mas assegurar a garantia das condições mínimas necessárias a uma vida digna dentro dos centros urbanos. Outrossim, as normas que compõem o sistema normativo urbanístico devem ser concebidas e interpretadas de forma diferenciada para os diferentes, levando-se sempre em consideração as características e peculiaridades locais – com destaque para as questões relativas à propriedade privada e a sua função social.

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Em seguida temos - dada inquestionável ligação umbilical existente entre o Direito Urbanístico e o Administrativo - que todos princípios explícitos gerais e específicos integrantes do regime jurídico administrativo constitucional também estarão "a serviço" do Direito Urbanístico, compondo, ao lado dos princípios da legalidade, dignidade pessoa humana e da igualdade, o que convencionamos denominar de princípios constitucionais "explícitos gerais" informadores do Direito Urbanístico.

Sobressaem-se, neste sentido, o princípio da legalidade, já referido em outra oportunidade, da supremacia do interesse público, da publicidade e da eficiência. [02]

De grande importância são os princípios "explícitos específicos" da função social da propriedade e da função social das cidades. O primeiro integra o rol pétreo dos direitos fundamentais (art. 5º, XXIII), é princípio que rege a ordem econômica (Art. 170, III) e, juntamente com a função social da cidade, forma o núcleo central da política urbana (Art. 182).

Por esta razão, como brilhantemente assinala o jurista Espanhol Fernando Garrido Falla, "o princípio da função social da propriedade constitui o núcleo central do Direito Urbanístico." (FALLA, 1978:230).

É ele quem vai permitir a instrumentalização e uma adequada ordenação da cidade, possibilitando a intervenção direta do Estado na propriedade particular, desde que fundada na lei, sempre visando o interesse supremo da coletividade em detrimento do particular sendo, desta forma, o principal meio para solucionar os graves problemas que assolam as grandes cidades.

Da análise do conteúdo, decorrências e implicações de todos estes princípios supracitados é que se pode inferir os seguintes princípios constitucionais "específicos implícitos" informadores do Direito Urbanístico: (1) gestão democrática da cidade, pautada pela indispensável e efetiva participação popular; (2) e do planejamento urbano, que deve ser pautado pela legalidade, publicidade e eficiência, visando a satisfação das carências da urbe e de seus citadinos, especialmente no que tange às suas necessidades básicas (lazer, trabalho, moradia e circulação).

Este, em suma, é o sistema de princípios constitucionais que informam o Direito Urbanístico. Como visto, da Constituição extraem-se diversos princípios indispensáveis para interpretação, integração e efetivação das normas que compõe este ramo do direito.

São, destarte, capazes de dar suporte ao desenvolvimento sustentável nos assentamentos humanos. Enfim, auxiliam e norteiam o aplicador do direito no seu ofício precípuo de proporcionar aos citadinos uma urbe que seja a sua verdadeira casa, funcionando como fator determinante para se atingir as funções sociais da cidade.

Por fim, insta salientar que, juntamente com a também demonstrada existência de objeto e método de estudo próprio, os citados princípios constitucionais informadores do Direito Urbanístico, torna, no mínimo, robusta e fundada a tese segundo a qual trata-se, aqui, de ramo autônomo do Direito Público.


Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006.

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio Curso de Direito Administrativo, 18. ed. São Paulo. Malheiros, 2005.

CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra. Livraria Almedina, 1996.

FALLA, Fernando Garrido. Tratado de Derecho Administrativo. Volumen II. 10ª Ed. Madri: Tecnos, 1978.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. Malheiros, 2005

___________. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2006.


Notas

01 Conceito elaborado pelo eminente Professor durante suas aulas ministradas na disciplina Direito Urbanístico e Ambiental I, do curso de Pós-Graduação - Mestrado em Direito do Estado, na PUC-SP, sujeito, portanto, à revisão do autor. Excelente abordagem histórica, conceitual e sobre a autonomia do Direito Urbanístico é explicitada pelo consagrado jurista José Afonso da Silva, In SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2006.

02 Para aprofundamento acerca dos princípios constitucionais informadores do Direito Administrativo vide BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio Curso de Direito Administrativo, 18. ed. São Paulo. Malheiros, 2005.

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Sobre o autor
Georges Louis Hage Humbert

Advogado e professor. Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em direito do Estado pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de São Paulo. www.humbert.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Georges Louis Hage. Princípios constitucionais informadores do direito urbanístico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1467, 8 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10123. Acesso em: 22 dez. 2024.

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