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A competência para legislar sobre radiodifusão

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10/07/2007 às 00:00
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5. A (IN)COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE RADIODIFUSÃO

5.1. As competências legislativas do Município

Quanto às competências municipais, pode-se afirmar, em resumo, que, diferentemente das competências da União e dos Estados, cujas matérias foram definidas expressamente, a Constituição Federal previu para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assuntos de interesse locale para suplementar a legislação federal e estadual no que couber.

Como já visto alhures, a lei municipal [09] cita expressamente o artigo 30 da Constituição Federal como seu fundamento. Ao nosso viso, trata-se de uma equivocada compreensão sobre o alcance da expressão interesse local, já que a matéria, como já demonstrado, ultrapassa o interesse local e, por conseqüência, refoge da competência municipal.

A Constituição adotou o princípio da predominância do interesse para a repartição das competências. Assim, a expressão interesse local revela um conceito problemático, que só pode ser delimitado diante da situação concreta, pois para cada local se terá um rol diferente de assuntos assim classificados (SANTOS, 1999). Com efeito, impossível a definição da expressão no seu sentido literal, pois, qualquer que seja a competência, haverá sempre um interesse local. No entanto, para a fixação da competência municipal, o interesse local há que predominar (AGRA, 2006). Nesse sentido também Hely Lopes Meirelles, segundo o qual: "Para aferição do interesse local, que legitimará a ação do Município, o melhor critério é, como já se disse, o da predominância do seu interesse em relação ao das outras entidades estatais — União e Estado-membro" (MEIRELLES, 1997, p. 122, grifo no original). Na lição de José Afonso da Silva, pelo princípio da predominância do interesse:

À União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local, tendo a Constituição vigente desprezado o velho conceito de peculiar interesse local que não lograra conceituação satisfatória em um século de vigência. (SILVA, 1996, p. 454).

A predominância do interesse do Município sobre uma matéria, em relação ao do Estado-membro e ao da União, determina a competência daquele; de modo inverso, se o interesse do Município é secundário comparavelmente com os das demais pessoas político-administrativas, a matéria refoge de sua competência privativa, passando para a que tiver interesse predominantemente sobre o assunto (MEIRELLES apud AGRA, 2006).

Portanto, interesse local não é aquele que diz apenas ao interesse exclusivo do Município, mas que predominantemente afeta à população do lugar, de modo que a competência será definida tendo em vista o caso concreto. Por outro lado, a verificação do interesse local não ocorre tão somente em relação a determinadas matérias, mas em relação a determinadas situações (SANTOS, 1999).

Além disso, esclarece Hely Lopes Meirelles:

Acresce, ainda, notar a existência de matérias que se sujeitam simultaneamente à regulamentação pelas três esferas estatais, dada a sua repercussão no âmbito federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização etc.; regulamentos sanitários municipais). Isto porque sobre cada faceta do assunto há um interesse predominante de uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município, a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local (MEIRELLES, 1993, p. 121, grifos no original).

Mais adiante, afirma:

Dentre os assuntos vedados ao Município, por não se enquadrarem no conceito de interesse local, de se assinalar, a título exemplificativo, a atividade jurídica, a segurança nacional, o serviço postal, a energia elétrica, a telecomunicação, e outros mais, que, por sua própria natureza e fins, transcendem o âmbito local. (MEIRELLES, 1993, p. 121, grifo no original)

Além de considerar o caso concreto, levando-se em conta o interesse predominante sobre a matéria, e algumas outras circunstâncias tais como o lugar, a extensão da competência e a finalidade dos serviços, Walber de Moura Agra indica outro importante elemento distintivo, qual seja: "o fato de ter o Município condições para execução do comando normativo; caso contrário, a competência não pertence a sua esfera de atribuições." (AGRA, 2006, p. 256).

Em relação à competência do Município para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, tem-se que só poderá ser exercida se igualmente existir um interesse local. Ademais, em decorrência da competência suplementar, não está o Município autorizado a invadir competência privativa dos outros entes federativos.

Um critério apontado para se definir as matérias que podem ser objeto de legislação municipal, mediante a competência suplementar, é a existência ou não da competência administrativa correspondente. Assim, "a competência para suplementar a legislação das outras unidades existe quando há o dever constitucional de agir em determinada matéria" (SANTOS, 1999). Também nesse sentido a lição de Hely Lopes Meirelles: "Se o Município tem o poder de agir em determinado setor, para amparar, regulamentar ou impedir uma atividade útil ou nociva à coletividade, tem, correlatamente, o dever de agir, como pessoa administrativa que é, armada de autoridade pública e de poderes próprios para a realização de seus fins". (MEIRELLES, 1993, p. 121, grifos no original).

Ora, do texto da Carta Magna depreende-se que este foi o juízo de que se valeu o legislador constituinte, ao atribuir as seguintes competências: 1) à União, a competência exclusiva para explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 21, XII, a) e a competência privativa para legislar sobre a matéria (art. 22, IV); 2) ao Poder Executivo Federal, a competência administrativa exclusiva para outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 223, caput); 3) ao Congresso Nacional, a competência exclusiva para apreciar e dispor sobre as matérias de competência da União, entre estas as telecomunicações e a radiodifusão (art. 48, XII), notadamente sobre os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão (art. 49, XII e 223, § 1º).

5.2. Descaracterização do interesse local

A partir dos elementos postos, tem-se o cabedal necessário ao deslinde do presente estudo. Em relação à lei municipal que obriga a reserva de conteúdo na programação das emissoras de rádio, cumpre um questionamento pragmático: caracteriza-se como interesse local dispor sobre o conteúdo da programação de emissora de rádio, a pretexto de garantir espaço para a divulgação da cultura musical de determinado Estado-membro ?

A respeito da impropriedade na definição de "música paraibana" [10], constata-se verdadeiro contra-senso da lei municipal que assim dispõe, posto que, a toda evidência, o interesse em divulgar a cultura musical de determinado Estado da federação não afeta a este ou aquele Município deste mesmo Estado, mas revela verdadeiro interesse regional, quiçá nacional.

Aplicando o princípio da predominância do interesse, é factível concluir que a matéria estaria afeita ao interesse do Estado, e não do Município. Entretanto, ao próprio Estado-membro só seria cabível legislar sobre tal matéria mediante autorização de lei complementar (art. 22, parágrafo único, da CF), já que, reitere-se, se trata de competência privativa da União. Por outro lado, os princípios contidos na Carta Magna quanto à regionalização da produção cultural, artística e jornalística das emissoras de rádio e televisão (art. 221, III, da CF), constituem notório interesse nacional (e não deste ou daquele Município), e carece de regulamentação quanto aos percentuais a serem observados, cuja matéria ainda se encontra em discussão no Congresso Nacional.

De outra banda, a lei municipal [11] que dispõe sobre a exploração do serviço de radiodifusão comunitária não encontra justifica plausível, quer sob o prisma do interesse local, quer pela impossibilidade do Município suplementar legislação federal, vez que se verifica patente interesse nacional em unificar a legislação; tanto assim que existe lei federal que dispõe sobre a matéria [12]. Sob outro prisma, a lei municipal conflita com a lei federal preexistente, uma vez que atribui a um órgão municipal [13] competência exclusiva do Poder Executivo Federal, como já dito, o qual, por sua vez, submete-se à anuência, igualmente exclusiva, do Congresso Nacional.


6. CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 adotou como princípio norteador da repartição de competências entre as unidades federativas o da predominância do interesse, do qual se pode afirmar, resumidamente, que compete à União o interesse geral, aos Estados-membros o interesse regional, aos Municípios o interesse local e ao Distrito Federal os interesses regional e local somados.

Não obstante a dificuldade em se delimitar a extensão do que venha a ser interesse local, pressuposto tanto da competência administrativa quanto da competência legislativa do Município, parece óbvio que legislação sobre radiodifusão, sob seus amplos aspectos, ultrapassa os limites do interesse local, transcendendo o interesse regional e tocando mais apropriadamente ao interesse geral, nacional, justificando assim as competências material e formal da União, conforme estabelecidas na Constituição Federal.

Destarte, conclui-se que as leis municipais ora consideradas, que dispõem sobre radiodifusão, representam verdadeira transgressão à Constituição Federal, vez que extrapolam os limites da competência municipal definidas pelo legislador constituinte.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006.

HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4ª ed. rev. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

MACIEL JUNIOR, João Bosco. A proibição de fumar por lei municipal. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 649, 18 abr. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6595>. Acesso em: 16 mar. 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 6 ª ed., São Paulo: Malheiros, 1993.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

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MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de direito constitucional. 2ª ed., rev. e atual. Brasília: Senado Federal, 2005.

SANTOS, Gustavo Ferreira. O município na Federação. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 29, mar. 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1555>. Acesso em: 23 jan. 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 12ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2ª ed. rev. ampl., São Paulo: Saraiva: 2003.


NOTAS

01 Trata-se da Lei Municipal nº 10.705/2006, que assim dispõe: "Art. 1º As rádios locais, rádios retransmissoras, com estúdio ou sinal de emissão sediadas no município de João Pessoa, deverão reservar um percentual de 20% (vinte por cento), da grade musical à música paraibana".

02 Neste caso, trata-se da Lei Municipal nº 10.716/2006, que assim dispõe: "Art. 1º A exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária, no âmbito do território do Município de João Pessoa, passa a ser disciplinado pela presente lei. [...] Art. 6º A outorga de autorização para exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária será concedida pelo Conselho Municipal de Comunicação, a ser criado, mediante concessão, pelo prazo de 10 (dez) anos, à entidade vencedora em processo de licitação, na forma da lei que rege a matéria." (grifo nosso)

03 Nesse ponto, entende André Ramos Tavares que, apesar de não constar expressamente quais as competências administrativas do Distrito Federal, "a mesma orientação há de prevalecer [...] Isso porque será inviável a entidade distrital se a ela não forem carreadas as competências administrativas" in TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2ª ed. rev. ampl., São Paulo: Saraiva: 2003,p. 837.

04 Ver item 3.2.3.2 do presente estudo.

05 Art. 1º da Lei Municipal nº 10.705/2006 declara no parágrafo 3º: "A presente lei tem como suporte o art. 30 e o art. 221, I, II e III da Constituição Federal".

06 O art. 222 da Constituição Federal denota o interesse da radiodifusão para a soberania do Estado brasileiro, ao estabelecer limites à propriedade de empresa jornalística ou de radiodifusão por parte de estrangeiros (pessoas físicas ou jurídicas).

07 Não obstante o advento da Lei nº 9.472/97 (chamada de Lei Geral das Telecomunicações), que criou a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, continuam em vigor a Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações), com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 52.795/63 e Decreto-Lei nº 236/67, que regulamentam os serviços de radiodifusão sonora de sons e imagens. Por sua vez, a Lei nº 9.612/98 instituiu o serviço de radiodifusão comunitária.

08 O artigo 221 da CF dispõe: "A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família".

09 No caso, a Lei Municipal nº 10.705/2006.

10 O art. 1º, § 1º da Lei Municipal nº 10.705/2006, define, ao nosso ver de modo absolutamente infeliz: "Fica compreendido que a música paraibana refere-se apenas àquelas registradas em CD’s produzidos por músicos paraibanos ou residentes nesse Estado". (grifo nosso)

11 Lei nº 10.716/2006.

12 A Lei nº 9.612/98 institui o serviço de radiodifusão comunitária.

13 A Lei Municipal nº 10.716/2006, dispõe: "Art. 6º A outorga de autorização para exploração do Serviço de Radiodifusão Comunitária será concedida pelo Conselho Municipal de Comunicação, a ser criado, mediante concessão, pelo prazo de 10 (dez) anos, à entidade vencedora em processo de licitação, na forma da lei que rege a matéria." (grifo nosso).

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Sobre o autor
José Ricardo Pereira

advogado em Campina Grande (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, José Ricardo. A competência para legislar sobre radiodifusão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1469, 10 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10127. Acesso em: 24 nov. 2024.

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