As armas de Fachin.

Como fica a situação das armas de fogo no Brasil

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22/11/2022 às 18:54
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A situação normativa no Brasil pertinente a armas de fogo e munição precisa urgentemente sofrer uma consolidação.

A discussão entre o direito ao acesso às armas de fogo no Brasil nunca se quedou pacificada. Mormente se abordam muito mais os pontos de vista de vieses estritamente políticos do que sob o prisma dos direitos consagrados tanto individuais quanto coletivos.

Diferentemente do que se tem a exemplo nos Estados Unidos da América, país tipicamente armamentista, no Brasil os interesses se colidem meramente por questão de bandeira política. E não devia ser assim, pois vemos que o acesso a uma arma, seja ela qual for, é direito intrínseco ao ser humano, pois desde os primórdios o homem precisou e construiu armas das mais variadas possíveis para caçar, defender-se, conquistar territórios e estabelecer moradia.

Desse modo, o ser humano caminhou e se fixou em territórios, procriou e estabeleceu convívios sociais nos diversos cantos do planeta terra. O ponto onde queremos chegar para iniciarmos uma análise coerente sobre as normas pertinentes às armas de fogo reside justamente na forma como se surge no ordenamento jurídico o direito de ter armas. Nos EUA, o direito ao uso de armas, foi consagrado na segunda emenda à Constituição do Estado, com fulcro na proteção da propriedade privada e da integridade pessoal e defesa do cidadão face ao arbítrio do próprio Estado.

Em apertada síntese, quando da declaração de independência das treze colônias face à Inglaterra, ainda surgiram rumores de possível guerra civil entre os estados americanos, o que motivou uma reunião dos estados culminando com a Constituição de 1.787, retificada e ratificada por outros Estados-membros com a inclusão de dez emendas, a qual recebera o nome de Carta de Direitos. Dentre essas emendas que continham assegurados direitos individuais, estava presente a de número dois, que como vimos, assegurava o direito às armas.

EMENDA II - Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido.

Com o estabelecimento constitucional do acesso às armas pelos cidadãos, houve severo freio aos estados-membros de proibirem dentro de seus territórios que seus cidadãos utilizassem armas. Assim, tanto é que existiram casos marcantes como o caso Columbia vs Heller, em que a Suprema Corte reconheceu que: a segunda emenda protege o direito individual de possuir e portar armas de fogo, como também declarou a inconstitucionalidade da Lei do Distrito de Columbia, que vetava a posse de armamento aos residentes.

Diferentemente do reconhecimento constitucional do direito à autodefesa, por assim dizer, na terra brasilis, o direito do cidadão poder adquirir armas, precisou ser tergiversado nos moldes do famoso jeitinho brasileiro. Assim, face ao critério discricionário das autoridades competentes em conceder a posse e até mesmo o porte de armas, que no caso seria a Polícia Federal, que deveras obstaculizava tais concessões, a população em sua maioria buscou às avessas, inscreverem-se em clubes de tiros esportivos, para de certa forma manobrar a freqüência e terem justificativas para andarem armadas.

Se você não estiver entendendo, vou pormenorizadamente explicar: No Brasil o sistema de controle de armas de fogo, funciona de maneira, bilateral, ou seja, existem dois órgãos que controlam e registram em seus acervos, todo equipamento bélico, dentre armas, munições, acessórios, etc. Dentro desse Sistema Nacional de Controle de Armas, de acordo com a finalidade e emprego, os artefatos que utilizam composições propelentes são vinculados a determinados órgãos de controle.

Assim, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a cargo da Polícia Federal, serão por determinação legal, registradas e controladas, as armas e munições dos cidadãos, dos funcionários e das empresas de segurança privada e transporte de valores, dos agentes das Guardas Civis Municipais, dos Policiais Civis, Federais e Rodoviários Federais, dos agentes penitenciários, fiscais do trabalho, fiscais tributários, agentes da Receita Federal do Brasil, agentes do IBAMA, polícias legislativas, Instituto Chico Mendes de conservação da biodiversidade ICMBio. Este acervo de registro e fiscalização é submetido ao crivo e controle da própria Polícia Federal em sistema específico denominado Sistema Nacional de Armas SINARM, contudo se o artefato adquirido tratar-se de Produto Controlado pelo Exército PCE, necessária autorização e registro no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas SIGMA, conforme dispõe o artigo 75º do Decreto 10.030/19.

Há ainda determinados entes que para o legítimo exercício de suas atividades, suas armas devem ser registradas em acervo e controle do Ministério da Defesa, a cargo do Exército brasileiro, que exerce esse mister através do SIGMA, nele estão contidos os equipamentos bélicos, armamentos, munições, materiais explosivos e todos os outros classificados como Produto Controlado pelo Exército PCE, além de todo acervo das forças armadas, polícias e bombeiros militares, além das armas institucionais, dos Agentes da Agência Brasileira de Inteligência ABIN e do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, bem como das Representações Diplomáticas.

No que tange à atividade de regulamentada de Desporto, o tiro desportivo enquadra-se como esporte formal e de rendimento nos termos da Lei 9.615/98, assim, existem os atiradores esportivos, caçadores e colecionadores, o que se convencionou chamar de CAC. Isso quer dizer, o Exército Brasileiro controla também o desporto com uso de armas de fogo. Fiscaliza e concede permissão de funcionamento aos clubes de tiro, permite a aquisição e apostilamento de armas entre seus filiados, etc. Entretanto, o EB não tem a prerrogativa de conceder um documento legal que é o porte de arma, ou seja, o direito legítimo de portar continuamente uma arma de fogo, cuja finalidade seja a autodefesa.

O Decreto 10.627/21, que em verdade é o Anexo I do novo Regulamento de Produtos Controlados Decreto 10.030/19 (que revogou o antigo R-105 Decreto 3.665/00), estabeleceu critérios de fiscalização, concessão de aquisição, transporte, posse e ainda o mais importante de tudo, garantiu que os denominados CAC pudessem, nas ocasiões de realização de seus treinamentos, torneios, exposições, instruções, caça ou abate, portassem uma arma municiada, para a sua própria segurança, nos termos dos artigos 9º e 24º do Estatuto do Desarmamento Lei 10.826/03, bem como do o §3º do artigo 5º do Decreto 9.846/19, senão vemos:

§ 3º Os colecionadores, os atiradores e os caçadores poderão portar uma arma de fogo de porte municiada, alimentada e carregada, pertencente a seu acervo cadastrado no Sigma, no trajeto entre o local de guarda autorizado e os de treinamento, instrução, competição, manutenção, exposição, caça ou abate, por meio da apresentação do Certificado de Registro de Arma de Fogo e da Guia de Tráfego válida, expedida pelo Comando do Exército

Como se vê, para que seja concedido o direito ao porte pelos denominados CAC, nas situações e/ou condições específicas, deve haver a emissão, além do documento da arma, de um documento denominado de guia de tráfego.

Como se vê, restou consagrado uma modalidade específica de precária de porte de arma pelos atiradores esportivos, caçadores e colecionadores, cuja própria legislação denominou de PORTE DE TRÂNSITO, nos termos do Decreto 10.627/21 citado acima.

Isso não quer dizer que o atirador esportivo têm in contenti, o porte de sua arma para a sua constante defesa. Para isso, necessário a autorização da Autoridade Policial Federal. Na mesma esteira a arma que se deva portar caso autorizado, deve estar inserida no acervo de controle do próprio Exército brasileiro.

Pois o próprio Decreto 9.846/19 conceitua trajeto como: qualquer itinerário realizado entre o local de guarda autorizado e os de treinamento, instrução, competição, manutenção, exposição, caça ou abate, independentemente do horário , assegurado o direito de retorno ao local de guarda do acervo.

Ainda, foi permitido em todo o território nacional o transporte pelo CAC das armas de seu acervo, sem necessidade de guia de tráfico, quando fixou duas cláusulas sendo o transporte desmuniciado e as munições em recipiente próprio e separado das armas, conforme segue:

Artigo 5º §2º: Fica garantido, no território nacional, o direito de transporte desmuniciado das armas dos clubes e das escolas de tiro e de seus integrantes e dos colecionadores, dos atiradores e dos caçadores, por meio da apresentação do Certificado de Registro de Colecionador, Atirador e Caçador ou do Certificado de Registro de Arma de Fogo válido, desde que a munição transportada seja acondicionada em recipiente próprio, separado das armas.

Pois bem, para não ficarmos confusos, devemos entender alguns conceitos que as próprias normas legais estabelecem e que todo cidadão precisa necessariamente entender para que não incorra em alguma irregularidade ou ilegalidade.

Desse modo, existe o porte de arma que é de caráter duradouro, ambulatorial e finalidades distintas de acordo com a missão institucional de cada órgão a que se estende esse instrumento administrativo, ou mesmo para a defesa dos cidadãos. Quem tem competência para ato administrativo discricionário e emissão do documento de porte de arma, com exclusividade é a Polícia Federal. De igual sorte, àqueles que não detenham porte de arma mas que necessitem em ocasiões específicas trafegarem com sua arma de um determinado local a outro local determinado, solicita junto à PF uma guia de trânsito (conforme §5º do Artigo 4º do Decreto 9845/19) e transporta a sua arma desmuniciada e em local próprio.

Art. 4º O Certificado de Registro de Arma de Fogo, expedido pela Polícia Federal, precedido de cadastro no Sinarm, tem validade no território nacional e autoriza o proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou nas dependências desta, ou, ainda, de seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou pela empresa.

§ 5º O proprietário de arma de fogo de que trata este artigo, na hipótese de mudança de domicílio ou outra situação que implique o transporte da arma de fogo, deverá solicitar guia de trânsito à Polícia Federal para as armas de fogo cadastradas no Sinarm, na forma estabelecida em ato do Diretor-Geral da Polícia Federal.

Já aos CACs para que realizem o transporte de suas armas em caso especificados em lei, como para realizar treinamentos, exposições, caça, entre outras e assim queiram portar consigo para a sua segurança pessoal, uma única arma, municiada, carregada e alimentada, necessariamente terão que solicitar junto ao departamento de fiscalização de produtos controlados uma guia de tráfego, juntamente com a documentação pertinente à cada armamento transportado, leia-se Certificado de Registro de Arma de Fogo CRAF. Para esta situação fática demonstrada, a legislação entende tratar-se de porte de trânsito, benefício concedido aos atiradores, caçadores e colecionadores, como dito, em situações específicas. Caso então deseje levar suas armas sem necessidade de porte, é legalmente permitido o transporte em todo o território nacional.

Tamanho contrassenso que dificulta e torna quase que impossível eventual fiscalização e por ventura a tomada de medidas administrativas e/ou policiais, porque, de acordo com a quantidade de clubes de tiro espalhados ao longo do país, o atirador irá sempre alegar que estará a caminho de um clube de tiro e por esta razão que dissemos que o brasileiro tem dado o famoso jeitinho, para andar diuturnamente armado, pois hoje cresce constantemente o número de atiradores esportivos que vão ludicamente aos clubes para experimentar as armas e não retornam com a devida freqüência, ou seja, sem nenhuma habitualidade e nem mesmo participam de torneios, objetivo maior do desporto.

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Não queremos julgar nem tampouco condenar o cidadão que exerce esse modo de conduta, senão porque defendemos a liberdade de exercer o direito individual de autodefesa em face de utilização de armas de fogo. O cidadão de bem, tem o direito de se defender face os perigos que existem numa sociedade, arcando criminalmente por qualquer excesso ou ação criminosa.

Não podemos permitir que haja confusão entre o exercício do desporto com armas de fogo e o próprio direito de se defender. Não são situações contraditórias nem mesmo conflituosas, pelo contrário, totalmente consonantes.

Não podemos olvidar de que a regra no Brasil é que ninguém pode portar arma de fogo, senão as pessoas estabelecidas taxativamente no Estatuto do Desarmamento Lei 10.826/03. Assim, o porte de arma é verdadeira exceção no país e a Polícia Federal é extremamente criteriosa em conceder portes de armas, tanto funcionais quanto para o cidadão, exigindo para isso comprovada necessidade, pois só após o preenchimento dos requisitos legais específicos, o cidadão fará jus ao porte de arma.

Entendemos prudente o rigor, mas discordamos da regra geral de proibição, por considerarmos direito inerente ao ser humano.

Superada todas essas constatações e lamentações, recentemente a população brasileira recebeu a notícia de que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, havia suspendido a eficácia de alguns instrumentos normativos pertinentes à aquisição e uso de armas de fogo, que resultou em adstritas dúvidas e inúmeros questionamentos, configurando verdadeiro caos no mundo dos atiradores, sobretudo por não saberem ao certo o que estava se passando, e por justamente essa razão, valemos deste artigo para tentar aclarar e esclarecer os pontos duvidosos e conflitantes. Também abordar uma pouco dos que originou tais decisões, principalmente sobre a análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ADI 6119, ADI 6139 e adi 6466.


SÍNTESE DAS AÇÕES QUE CULMINARAM NA SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO DE ARMAS,

PANORAMA DA ADI 6119

A Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido Socialista Brasileiro PSB, em março de 2019 questionava alguns institutos jurídicos estabelecidos pela Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento) e seus conseqüentes Decretos regulamentadores, na espécie a questão da expressão EFETIVA NECESSIDADE, valendo-se do argumento que a Magna Corte deveria dar interpretação conforme a Constituição, pois sustenta e apregoa que a restrição ao direito das pessoas se autodefenderem, por meio do emprego de arma de fogo, só se legitimou por levar à otimização dos direitos à vida e à segurança, sobretudo em um contexto, como o brasileiro, em que a letalidade da violência urbana esta fortemente vinculada às armas de fogo grifo nosso do trecho extraído da petição inicial.

Em apertada síntese, pleiteia-se pela inconstitucionalidade dos dispositivos legais, por entender que os critérios de análise da efetiva necessidades, são subjetivos, inter e unipessoais e estritamente atrelados a situações específicas referente à cada caso em concreto e que não podia o legislador, baseado em estudo sobre o número de mortes violentas ou mesmo da própria violência existente em determinadas regiões do país, ser elemento indicativo de efetiva necessidade coletiva, social. Isto porque, quando da entrada em vigor do Decreto 9.685/19 incluindo no regulamento do estatuto do desarmamento como resultante de efetiva necessidade, uma relação estatística de índice de homicídio por habitante em determinado período de tempo, senão vejamos:

Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003:

Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:

(...)

Decreto n. 5.123, de 1º de julho de 2004:

Art. 12. Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá:

(...)

§ 7º Para a aquisição de armas de fogo de uso permitido, considerase presente a efetiva necessidade nas seguintes hipóteses: (Incluído pelo Decreto nº 9.685, de 2019)

(...)

IV - residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública;

Ocorre que tais artigos de lei vergastados na referida Ação Constitucional, já foram substituídos por novos regulamentos que surgiram, pois o Decreto 9.685/19 foi revogado pelo Decreto 9.785/19, que por sua vez revogado pelo Decreto 9.845/19, sendo que, se restou presente e ainda assim manteve-se guerreado o Decreto 9.845/19 por tratar da declaração de efetiva necessidade, conforme disponibilizamos abaixo:

Art. 3º Para fins de aquisição de arma de fogo de uso permitido e de emissão do Certificado de Registro de Arma de Fogo administrada pelo Sistema Nacional de Armas - Sinarm, o interessado deverá:

I - apresentar declaração de efetiva necessidade;

§ 1º Presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade a que se refere o inciso I do caput.

O Exmo. Ministro relator deu interpretação conforme a Constituição no que se refere aos artigos de lei e do decreto citados, por entender que não basta a assinatura de um documento onde se presuma a efetiva necessidade. Isso quer dizer que a demonstração de efetiva necessidade deve se alinhar a uma justificativa concreta por razões profissionais ou pessoais. Contudo suspendeu a eficácia de tais institutos, submetendo ao pleno para derradeira análise.

O ápice da fundamentação da decisão com condão muito mais político do que jurídico ou social sobre a suspensão da eficácia traduz, nas palavras seguintes, extraídas da decisão: tenho que o início da campanha eleitoral exaspera o risco de violência política a que alude o Requerente em seu pedido de tutela incidental.

PANORAMA DA ADI 6139

Trata-se também de Ação proposta pelo Partido Socialista Brasileiro PSB, atacando Decretos Presidenciais que alterava normas atinentes à compra de armas de fogo de uso permitido, restrito e de munição, inclusive aumentava consideravelmente a quantidade de armas e munições permitidas à compra.

Pleiteou o autor da Ação a interpretação conforme a Constituição para restringir por entender atentar contra a Segurança Pública e outros princípios constitucionais o número excessivo de armamento e munição que, por exemplo, um atirador esportivo pudesse adquirir. Guerreou ademais, o Estatuto do desarmamento e o Decreto que incluía espécies de novos permissionários ao porte de arma, ou seja, que ampliou a permissibilidade, da concessão de porte de arma para diversas profissões tais como advogados, agentes de trânsito, caminhoneiros, além dos CACs.

Inaugura a peça de conteúdo constitucional, contra pondo dois pontos de vista apresentados pelo Presidente da República e o Ministro da Segurança Pública, pois o primeiro quis cumprir suas promessas de campanha e agradar seus eleitores que depositavam com exclusividade em suas mãos a concessão do porte de armas, já o segundo em verdadeiro embate ao chefe do executivo, tenteou menoscabar a sua fala quando da edição do Decreto 9.785/19, ocasião em que sustentou ser medida de Segurança Pública.

Colamos trecho da petição inicial da referida ADIn, em que há indicação dos discursos de ambas as personalidades citadas acima:

Não tem a ver com a segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições.

(Declaração do Min. Sergio Moro, a propósito da edição do Decreto n. 9785/19)1

Esse nosso decreto não é um projeto de segurança pública. É, no nosso entendimento, algo até mais importante que isso. É um direito individual daquele que porventura queira ter uma arma de fogo ou buscar a posse de uma arma de fogo, seja um direito dele, obviamente respeitando e cumprindo alguns requisitos.

(Declaração do Pres. Jair Bolsonaro, a propósito da edição do Decreto n. 9785/19).

Políticas à parte, um ponto que acabou chamando mais atenção ainda do que a possibilidade indiscriminada de concessões de porte de armas foi o salto de possibilidade de compras de munições, pois, conforme determinava o Exército brasileiro, cada cidadão podia adquirir 50 cartuchos por ano, para cada arma de uso permitido e entre 200 e 300 por ano para os Atiradores Esportivos, o que acabou sendo exorbitante aos olhos dos defensores da política desarmamentista, senão vejamos a comparação:

Conforme o artigo 19, § 1º, do Decreto n. 9.785/19, O proprietário de arma de fogo poderá adquirir até mil munições anuais para cada arma de fogo de uso restrito e cinco mil munições para as de uso permitido registradas em seu nome . Segundo as regras antes em vigor, estabelecidas na PORTARIA Nº 012 - COLOG, DE 26 DE AGOSTO DE 2009, do Exército Brasileiro, cada cidadão poderia adquirir apenas 50 cartuchos por arma de fogo registrada, por ano. Segundo o artigo 5º da referida Portaria, A quantidade de munição de uso permitido, por arma registrada, que cada cidadão poderá adquirir no comércio especializado (lojista), anualmente, é de até 50 (cinqüenta) unidades. Como se verifica, o Decreto multiplica em 100 vezes a quantidade de munição que pode ser adquirida por cada arma de fogo.

Vale lembrar que tal instituto já foi ab-rogado e substituídos pelo também já ab-rogado Decreto 9.844/19, estando em vigor atualmente e pertinentes exclusivamente a esta temática, os decretos 9.844/19, 9.845/19 e 9.847/19 com outras regras, mais restritivas e complacentes, inclusive já alterados pelos Decretos 10.827/21, 10.828/21 e 10.829/21.

Assaz aduzir que o número quantitativo de munições a ser adquiridos, por determinação legal, conforme o Artigo 2º em seu §2º do Decreto 9.845/19, deveria ser estabelecido por Ato conjunto dos ministérios da Defesa e Justiça e Segurança Pública, senão vejamos:

§ 2º Ato conjunto do Ministro de Estado da Defesa e do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública estabelecerá as quantidades de munições passíveis de aquisição pelas pessoas físicas autorizadas a adquirir ou portar arma de fogo e pelos integrantes dos órgãos e das instituições a que se referem o § 2º do art. 4º os incisos I a VII e X do caput art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, observada a legislação, no prazo de sessenta dias, contado da data de publicação do Decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019.

Para tanto, foi criada a PORTARIA INTERMINISTERIAL N° 1.634/GM-MD, DE 22 DE ABRIL DE 2020, que estabelece os quantitativos máximos de munições passíveis de aquisição pelos integrantes dos órgãos e instituições previstos nos incisos I a VII e X do caput art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, pelas pessoas físicas autorizadas a adquirir ou portar arma de fogo, e pelos demais agentes autorizados por legislação especial a portar arma de fogo. Já objeto de outra ação Constitucional ADI 6466, cuja análise será feita ainda neste trabalho.

Cuidou ainda a presente ação de combater a possibilidade do CAC portar uma arma municiada durante o seu deslocamento para participar de prática de tiro, exposição, competição, etc;

O mesmo Exmo. Ministro do STF que decidiu na Ação anteriormente comentada se manifestou no julgamento da presente, da seguinte maneira:

  1. Quanto à quantidade de munição a ser adquirida: a limitação dos quantitativos de munições adquiríveis se vincula àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos;

  2. O executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade além das já disciplinadas por lei;

  3. A aquisição de Armas de fogo de uso restrito não pode ser realizada em razão do interesse pessoal do adquirente, senão apenas no interesse da Segurança Pública ou da Defesa Nacional.

  4. SUSPENDE a eficácia do artigo 3º, II, a, b, e c do decreto 9.846/19, em suma, as armas de uso restrito.

  5. Devolve ao pleno para decisão colegiada e terminativa.

O que urge questionar nesse exato momento é com relação aos processo em andamentos nas sedes das seções do Exército que analisam o preenchimento dos requisitos pelos CACs para a aquisição, transferência e demais procedimentos com os produtos controlados.

A nosso ver, os processos que tramitam eletronicamente pelo Sistema SisgCorp, possuem dois graus de aplicação, ou seja, dois momentos totalmente separados e distintos, sendo os procedimentos preliminares de pedido de autorizações e os procedimentos de juntada de documentos para a conclusão dos processos.

Explicando melhor: para que se efetive a aquisição no mercado de uma arma de fogo, a praxe no país se dá da seguinte maneira: Requer-se a Autorização de Compra do item que se pretende adquirir, com todas as suas especificações. Após análise do órgão público, no caso se produto controlado ou que irá ser apostilado no acervo do atirador ou colecionador, se preenchidos os requisitos, o exército expede uma AUTORIZAÇÃO DE COMPRA, documento este que permite e impele o lojista emitir a NOTA FISCAL de compra, após obviamente a realização do pagamento e o conseqüente recolhimento dos impostos atribuídos àquele produto. Entendemos ainda que mesmo com rol taxativo de requisitos a serem preenchidos, pode ainda a autoridade administrativa por verdadeiro poder discricionário não autorizar. No segundo momento, já em posse da referida autorização e da Nota Fiscal de Compra, move-se a segunda fase do procedimento de registro no sistema eletrônico, para o devido apostilamento.

Entendemos este segundo momento procedimental, tratar-se de Ato Administrativo Vinculado, uma vez que todos os passos necessários e exigidos criteriosamente pela Lei e pelo agente administrativo, foram adimplidos.

Nesse diapasão, não há que se falar em suspensão de processo de aquisição, uma vez que já superadas as fases de autorização administrativa, somente a finalização dos documentos no assentamento (acervo) do atirador.

Vale lembrar o tamanho do prejuízo financeiro e como ficaria, caso houvesse o indeferimento dos processos pendentes, as situações jurídicas previamente estabelecidas na relação bilateral comercial entre vendedores e consumidores, que já pagaram pelo equipamento, e ainda os fornecedores que já recolheram a tributação devida. Seria a promoção de verdadeiro caos jurídico e prejuízo para a sociedade e Estado.

PANORAMA DA ADI 6466

Esta ação em específico fora promovida pelo Partido dos Trabalhadores e tem como objetivo precípuo a regulação da permissibilidade de número de munições que possa ser adquirida legalmente pelos atiradores, proprietários de armas de fogo, atiradores esportivos e os caçadores.

Insta ponderar que conforme já lido anteriormente nas outras ADIs em comento, deixou o Presidente da República a cargo do Ministério da Defesa e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, criar instrumento próprio, para após análise técnica expedir ato administrativo que regulasse e determinasse os quantitativos de munição em dadas categorias que pudessem ser adquiridos. Assim, nasceu no dia da Pátria, a Portaria Interministerial nº1.634/GM-MD (22/04//2020), deixando então estabelecidas as seguintes regras:

Art. 1º Ficam estabelecidos os seguintes quantitativos máximos de munições, por arma de fogo registrada, a serem adquiridas mensalmente:

I - por pessoas físicas autorizadas a adquirir ou portar arma de fogo:

a) até 300 (trezentas) unidades de munição esportiva calibre .22 de fogo circular;

b) até 200 (duzentas) unidades de munição de caça e esportiva nos calibres 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36 e 9.1mm; e

c) até 50 (cinqüenta) unidades das demais munições de calibre permitido;

II - pelos membros da Magistratura, do Ministério Público e demais agentes públicos autorizados a portar arma de fogo por legislação especial:

a) até 300 (trezentas) unidades de munição esportiva calibre .22 de fogo circular;

b) até 200 (duzentas) unidades de munição de caça e esportiva nos calibres 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36 e 9.1mm; e

c) até 100 (cem) unidades das demais munições de calibre permitido.

III - por integrantes dos órgãos e instituições a que se referem os incisos I a VII e X do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003:

a) até 300 (trezentas) unidades de munição esportiva calibre .22 de fogo circular;

b) até 200 (duzentas) unidades de munição de caça e esportiva nos calibres 12, 16, 20, 24, 28, 32, 36 e 9.1mm;

c) até 100 (cem) unidades das demais munições de calibre permitido; e

d) até 50 (cinquenta) unidades de munições de calibre restrito.

§ 1º O disposto no inciso I fica condicionado à apresentação, pelo adquirente, do Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) válido, e a aquisição ficará restrita ao calibre correspondente à arma registrada como de sua propriedade.

§ 2º O disposto nos incisos II e III fica condicionado à apresentação, pelo adquirente, do documento de identificação funcional e do Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) válido, e a aquisição ficará restrita ao calibre correspondente à arma registrada.

§ 3º A aquisição de munições para as armas de propriedade dos instrutores de armamento credenciados pela Polícia Federal para a realização dos testes de capacidade técnica nos termos do art. 11-A da Lei nº 10826, de 2003, será disciplinada por ato da Polícia Federal.

§4º Os quantitativos mensais previstos nos incisos do caput do art. 1º poderão ser acumulados dentro de um ano.

Vale ressaltar que a tão combatida portaria, já havia sido objeto de medida judicial cuja suspensão de sua eficácia foi realizada pela Desembargadora do TRF 3ª região no ano de 2020 em uma Ação promovida pelo Partido Socialismo e Liberdade PSOL, sinteticamente, reportamos notícia extraída da Associação dos Advogados de São Paulo AASP:

A desembargadora federal Mônica Nobre, da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), confirmou liminar da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo que suspendeu a Portaria Interministerial nº 1.634/GM-MD, dos Ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública. Para a magistrada, parecer técnico do Comando do Exército é necessário para validade da norma.

A portaria aumentava o limite de munições passíveis de aquisição pelos integrantes de órgãos e instituições previstas em lei, por pessoas físicas autorizadas e demais agentes habilitados a portar arma de fogo.

Segundo a desembargadora federal, é indiscutível a competência dos Ministros da Defesa e da Justiça e Segurança Pública para a edição da norma que disciplina a comercialização de munições. No entanto, para a adoção da medida é necessário parecer técnico do Comando do Exército, por meio de seu órgão técnico de controle e fiscalização de armas e demais produtos controlados.

Não há dúvidas sobre a necessidade do referido parecer, ainda mais quando se trata um tema tão controvertido, o qual demanda, dentre outras coisas, a análise técnica de especialistas da área, afirmou Mônica Nobre.

A Ação Popular foi proposta pelo deputado federal Ivan Valente (Psol) em face da União e do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, visando à revogação do documento. A ação popular é o meio processual a que tem direito qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Agravo de Instrumento 5016563-61.2020.4.03.0000

da Assessoria de Comunicação Social do TRF3.

A Ação Constitucional que vergasta a presente norma, tem como argumentação precípua que seja vedada a disposição de número que ponha em evidente risco à sociedade e possibilite a conformação de estruturas milicianas paramilitares.

Atribui por paralelismo a figura do Presidente da República aos ditadores Adolf Hitler e Benito Mussolini, Alemanha e Itália, fazendo também alusão a estruturas paramilitares existentes naqueles países, tais como os fascistas Schutzataffel (SS - Alemanha) e os Camisas Negras (Itália), que após o domínio do poder pelos tais Ditadores, foram esses grupos incorporados às forças de segurança estatais.

Verdadeira aberração analógica social quando da equiparação da sociedade brasileira e suas mazelas quanto também à própria figura do Presidente da República. Atroz , Voraz e Repugnantes comparações.

Na mesma toada das outras duas decisões, o eminente Ministro Edson Fachin proferiu sua decisão no sentido de dar interpretação conforma à Constituição Federal ao entender que os limites quantitativos de munições adquiríveis se limitam àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos.

De igual sorte suspendeu a eficácia da referida Portaria Interministerial. Lembremos que tudo será ainda objeto de apreciação colegiada, mas que até o presente momento, têm todas essas medidas, suspensas de sua eficácia.

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Sobre o autor
José Gustavo Marques

Ingressou nos quadros da Polícia Civil do Estado de São Paulo em 2006 na carreira de Agente de Telecomunicações Policial sendo posteriormente investido em outro cargo da Polícia Civil, admitido em concurso público para a carreira de Investigador de Polícia. Trabalhou na Delegacia Especializada sobre Extorsões Mediante Sequestro DEAS, onde teve atuações nobres. Passou pelo Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, também pela Delegacia de Polícia do Município de Arujá, exerceu suas funções na Delegacia Geral de Polícia - na Proteção VIP do Delegado Geral de Polícia do ano de 2013 até janeiro de 2015. Atualmente exerce suas funções no Departamento de capturas e delegacias especializadas DECADE, na Divisão de Atendimento ao Turista - DEATUR, terceira Delegacia de Polícia - AEROPORTO INTERNACIONAL DE GUARULHOS. Policial cadastrado para atuação em Grandes Eventos, em razão disso, ministrou palestras para policiais estadual sobre os aspectos técnicos da Abordagem Policial em grandes eventos. Durante os jogos da Copa do Mundo de Futebol - FIFA, executou operações de proteção pessoal do Chefe da Polícia Civil de São Paulo - Delegado Geral de Polícia. Possui graduação - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo - Faculdades Integradas de Guarulhos (2010) - UNIMESP/FIG e PÓS-GRADUAÇÃO - ESPECIALIZAÇÃO pelo NÚCLEO DE ESTUDOS SUPERIORES DA POLÍCIA CIVIL - onde defendeu Tese sobre o CONTROLE DE ARMAS NO BRASIL, tendo sido aprovado com nota 95,00, e sua obra recomendada para publicação institucional. Ademais, participou da elaboração de relatório técnico sobre aquisição de armas munições e equipamentos pela Polícia de São Paulo. Atualmente é Professor de Armamento e Tiro da Academia de Polícia Civil de São Paulo e Investigador de Polícia do Governo do Estado de São Paulo. Tem formação acadêmica em Direito, com ênfase em Direito Público. Instrutor de ARMAMENTO e TIRO credenciado pelo SETOR DE ARMAMENTO E TIRO - SAT\IAT - SINARM\DPF. Explosivos - Cabo de Fogo - BLÁSTER - certificado registro n. 214-2014. Na área acadêmica, exerce seu magistério no âmbito da Academia de Polícia, onde participa da formação de todas as carreira policiais, como Investigadores,Peritos, Médicos e Delegados de Polícia, além de participar durante a formação complementar dos policiais civis de São Paulo ministrando cursos de capacitação em armas específicas, explosivos, técnicas e táticas policiais. Participou ativamente da segurança VIP do membro da família Real Inglesa - Príncipe Richard, Duque de Gloucester, quando da sua vinda ao Brasil no dia 25 de maio de 2015.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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