3. A DESTINAÇÃO DA RECEITA DE INFOPRODUTOS APÓS A MORTE DO TITULAR
Como abordado anteriormente, o infoproduto não se refere a tão somente ao seu conteúdo, mas também sua comercialização e estratégia, sendo certo que pode gerar um retorno financeiro para aquele que o produz. Com isso, pode ser classificado como bem suscetível à valoração financeira e, portanto, caso ocorra o falecimento de seu proprietário, deverá compor o acervo de bens a serem partilhados.
No entanto, ao analisar os Termos de Uso de uma das maiores plataformas de marketing digital em funcionamento no Brasil, a Hotmart, verifica-se que não há previsão expressa sobre o assunto em suas disposições. Nos referidos Termos de Uso, em seu item 2.8., prevê-se que O cadastro ou o repasse de valores devidos aos Criadores ou Afiliados para conta bancária de terceiros não é permitido em nenhuma circunstância e a nenhum pretexto. (HOTMART, 2022, grifo nosso). Neste sentido, não há, de início, como destinar a receita dos infoprodutos elaborados e disponibilizados na Hotmart à terceiros, mesmo que estes sejam os herdeiros do falecido, por meio de um procedimento judicial.
Para além disso, ao tratar das principais licenças que o proprietário dos infoprodutos concede à Hotmart, os Termos de Uso em seu item 5.3 dispõe que:
O Criador será sempre o titular de todos os direitos e obrigações relacionados ao Produto criado, divulgado ou comercializado na Plataforma. Contudo, ao cadastrar um Produto e enquanto for usuário desta, o Criador automaticamente concede à Hotmart licença de uso de todos os direitos de propriedade intelectual relativos ao Produto, inclusive os direitos autorais, patrimoniais, de modo sublicenciável, isenta de royalties ou de qualquer outra remuneração. (HOTMART, 2022).
Com isso, tais disposições reafirmam a definição do criador do conteúdo como seu titular, responsável por seus direitos e obrigações, mas não permite a transferência desses direitos e obrigações à terceiros.
Diferentemente da Hotmart, a Monetizze, outra importante plataforma de comercialização de infoprodutos prevê em seus Termos de Uso a hipótese da morte do criador de conteúdo, bem como regulariza os efeitos de sua ocorrência. Tais disposições estão contidas em sua Cláusula V Da Morte do Usuário Produtor e Usuário Afiliado. (MONETIZZE, 2022).
CLÁUSULA V DA MORTE DO USUÁRIO PRODUTOR E USUÁRIO AFILIADO:
5.1. Ocorrendo a morte do Usuário/Produtor ou Usuário/Afiliado, seus herdeiros deverão comunicar imediatamente a Monetizze. Oportunidade em que deverá ser enviada a competente certidão de óbito do usuário Usuário/Produtor ou Usuário/Afiliado.
5.2. Nesse caso, a Conta Virtual continuará recebendo pagamentos, contudo, os saques serão bloqueados, até determinação judicial autorizando-os.
5.3. Caso ocorra a morte do Usuário/Produtor ou Usuário/Afiliado responsável pela Conta Virtual de uma pessoa jurídica, o(s) sócio(s) remanescente(s) deverá(ão) comunicar a Monetizze, e enviar a competente certidão de óbito do Usuário/Produtor ou Usuário/Afiliado, bem como o contrato social atualizado.
5.4. Caso o sócio remanescente possua poderes para administrar a sociedade e, tenha conhecimento do Código de Acesso utilizado para login, ele poderá movimentar a Conta Virtual. Caso contrário, a Conta Virtual continuará recebendo pagamentos, mas os saques serão bloqueados, sendo necessária autorização judicial para o desbloqueio.
5.4.1. Caso o sócio remanescente não possua o Código de Acesso e alegue ter poderes para administrar a sociedade, a Monetizze após verificar os referidos poderes atribuídos ao sócio pelo ato constitutivo da sociedade, enviará um novo Código de Acesso.
5.5. O Usuário/Produtor ou Usuário/Afiliado declara, sob as penas das leis civis e penais brasileiras, que as informações, dados e documentos por ele informados são verdadeiros. (MONETIZZE, 2022).
Portanto, percebe-se que é possível que as empresas desenvolvam, com o auxílio e respaldo de seus departamentos jurídicos, regras próprias acerca da sucessão dos infoprodutos, haja vista a sua relevância patrimonial.
Contudo, apesar dos termos de uso das plataformas de vendas de infoprodutos terem esse caráter regulamentador das relações entre autor, plataforma e cliente, não são suficientes para determinar as disposições da sucessão desses bens aos herdeiros do proprietário, haja vista que em muitos casos os termos de uso ou são vagos, como no caso da Hotmart ou apesar de mencionarem consequências para a morte do proprietário do infoproduto, como na Monetizze, não dispõem efetivamente sobre a forma de transmissão desses bens.
Neste sentido, faz-se necessário desenvolver o conteúdo acadêmico sobre o tema e, consequentemente, os advogados que estão inseridos nesse mercado se dediquem em promover a evolução, na prática, da sucessão dos direitos patrimoniais relacionados aos infoprodutos em caso de falecimento dos proprietários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, é relevante frisar que esta temática é nova no direito brasileiro e não possui, até o momento, jurisprudência específica ou exposições doutrinárias acerca da forma de destinação dos infoprodutos após a morte de seu titular. Ao analisar, por analogia, os infoprodutos podem ser classificados como bens digitais e, dessa forma, serem objeto de sucessão patrimonial em caso de falecimento de seu proprietário. Também não há, nos projetos de lei identificados, menção direta à destinação dos infoprodutos, mas tão somente em face dos bens digitais como um todo.
Para além disso, considera-se que é importante que as plataformas digitais possuam disposições especificas sobre o tema como a Monetizze possui em seus Termos de Uso, facilitando o procedimento de sucessão dos bens, mesmo que deixe em face do poder judiciário a autorização para que os saques da receita obtida com a venda dos infoprodutos sejam realizados pelos interessados.
Pode-se concluir com o presente trabalho que os infoprodutos, apesar de poderem ser considerados bens digitais por meio de uma análise extensiva, ainda não possuem, em relação ao Direito Sucessório, estudos efetivos sobre seu conceito, forma de sucessão, entre outros temas acessórios. Sendo necessário, portanto, que outros trabalhos acadêmicos, no campo do Direito Sucessório, sejam elaborados para que se contribua com o desenvolvimento do assunto.
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