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Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual

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01/02/2023 às 17:28

Resumo:


  • Objetos virtuais são criações feitas em computador, reproduzíveis infinitamente, mas que podem adquirir valor e escassez através de tecnologias como a Block Chain.

  • A Block Chain e o Bitcoin estão interligados, sendo a tecnologia que possibilitou a criação da criptomoeda, conferindo escassez virtual e absoluta a ela.

  • Os Smart Contracts e os NFTs são formas de objetos virtuais que utilizam a Block Chain para garantir autenticidade e unicidade, sendo aplicados em diversas áreas, como jogos e transações de ativos digitais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. OS IMPACTOS DOS OBJETOS VIRTUAIS NO MUNDO JURÍDICO

Como observado anteriormente, os objetos virtuais podem constituir uma forma de objeto sujeito a direito de propriedade. Também é certo que, como uma parte do mundo atual, eles também esbarram no mundo jurídico, já que este tenta constantemente regular a vida em sociedade. Um comportamento no mundo virtual pode vir a ser considerado crime para o Direito, da mesma forma que a compra de um bem no mundo virtual pode inferir tributo para o cidadão.

Antes disso, é importante conceituar o que é ‘mundo jurídico’. Separando a expressão, segundo o dicionário online Dicio (2022, não paginado), a palavra ‘mundo’ pode ser preceituada como “[...] Seção restrita de um âmbito do conhecimento ou atividade: mundo da música. [...]” e a palavra ‘jurídico’ como aquilo “Relacionado com o Direito, com as leis; legal, penal. Refere-se às normas sociais que buscam expressar ou alcançar um ideal justo, mantendo e regulando a vida em sociedade. [...]”

Portanto, entende-se como ‘mundo jurídico’ aquela parte do conhecimento reservada aos entendimentos das leis e as normas sociais que constituem o Direito de uma determinada multitude de codificações, e, dentro deste mundo, ainda existem os ramos especializados do Direito, como aqueles que se limitam a regular sobre punições, impostos, propriedade e o trabalho, por exemplo.

Dito isso, os objetos virtuais não são apenas limitados apenas a malefícios ou obrigações perante o mundo jurídico. Por exemplo, se algo for criado no mundo virtual e suas funcionalidades vierem a trazer benefícios para o Direito, é lógico que tal funcionalidade será aproveitada, uma vez que o mundo jurídico é vasto e qualquer ferramenta que ajude os agentes do direito a explorar tal vastidão é sempre bem-vinda.

Por esse motivo, será observado a seguir, alguns impactos e interações dos avanços tecnológicos e o Direito das Coisas, tema central desse trabalho, e alguns dos outros ramos do Direito.

3.1 Os Impactos do Mundo Virtual nos Outros Ramos do Direito

Uma vez que o escopo da discussão deste trabalho é o Direito das Coisas, irá ser exposto, primeiramente e de forma sucinta, alguns dos ramos do Direito que possuem pertinência para a elaboração dessa tese, uma vez que sua área de atuação também pode desbocar em algum ponto de interesse do Direito das Coisas.

Destarte, vale destacar que o Direito é vasto e essa é apenas uma amostra de como os avanços tecnológicos interagem com o mesmo, não só em relação aos objetos virtuais que são foco deste texto, mas também as novas interações trazidas pela informática.

3.1.1 Direito Administrativo

O Direito Administrativo, como seu próprio nome indica, visa preceituar a administração pública do Estado, e, por esse motivo, ele é um ramo do Direito Público. Através de princípios auto impostos, a administração pública atua e se limita de forma espontânea enquanto regula a forma de atuação dos membros do poder executivo. Em sua conceituação, José dos Santos Carvalho Filho (2022, p. 51) leciona:

Desse modo, sem abdicar dos conceitos dos estudiosos, parece-nos se possa conceituar o Direito Administrativo como sendo o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir.

Dessa forma, não é estranho pensar que, considerando a magnitude da atuação da administração pública, essa busque facilitadores para o exercício dos poderes inerentes do estado.

Por exemplo, é função da administração pública, através das secretarias de segurança pública, a expedição de documentos que registram os cidadãos. Assim, conforme exemplifica Crespo (2011, p. 17):

Com relação ao Direito Administrativo, a informática também tem seus vínculos. É o que se nota com os serviços de E-CPF e E-CNPJ. Estes nada mais são que arquivos eletrônicos que identificam o usuário, constituindo verdadeiro documento eletrônico de identidade e fornecendo as garantias da privacidade, integridade, autenticidade e não repúdio.

Como se pode observar, a documentação digital é perfeito exemplo de objeto digital, uma vez que está atrelado a identificação das pessoas físicas e jurídicas, e os princípios explicados anteriormente, relacionados a dupla existência de uma mesma informação dentro de um banco de dados, por exemplo, volta a se mostrar pertinente, uma vez que seria extremamente danoso para o estado e para o cidadão a existência dupla de uma mesma documentação associada a uma pessoa.

Ainda, a administração pública municipal está encarregada do registro dos imóveis, realizado através dos cartórios, que tem por objetivo implicar a quem registra o pagamento de imposto em relação a propriedade daquele imóvel (será discutido um pouco mais sobre a relação próxima entre o Direito Administrativo, o Direito Tributário e o Direito das Coisas mais à frente). Dessa forma, é mais que importante que os cartórios municipais estejam conectados entre si e também em relação ao fisco de outros estados e da federação, a fim de que os impostos sejam imputados de forma devida. Assim, conforme continua em seu exemplo, Crespo (2011, p. 17):

Outra ferramenta prática é o SPED – Sistema Público de Escrituração Digital – que tem como objetivos, entre outros, a promoção da integração dos fiscos, mediante a padronização e o compartilhamento das informações contábeis e fiscais, respeitadas as restrições legais, a racionalização e uniformização das obrigações acessórias para os contribuintes, com o estabelecimento de transmissão única de distintas obrigações acessórias de diferentes órgãos fiscalizadores, facilitação da identificação de ilícitos tributários, com a melhoria do controle dos processos, a rapidez no acesso às informações e a fiscalização mais efetiva das operações com o cruzamento de dados e auditoria eletrônica. As principais vantagens do SPED são economia, celeridade e segurança: elimina-se o papel, não é preciso arquivar documentos físicos e faz-se uso da Certificação Digital.

Com a era da informática, seria um imenso desperdício de papel continuar a utilizar arquivamento físico nas repartições públicas, uma vez que esse método se mostra antiquado para alcançar os objetivos da administração quando comparado com um banco de dados virtual e compartilhado. Não só o papel ocupa um imenso e desnecessário espaço físico, como também afasta a celeridade judicial que tanto é necessária.

3.1.2 Direito Tributário

O Direito Tributário é, assim como o Direito Administrativo, um ramo do Direito Público dedicado ao estudo do fenômeno tributário estatal, ou seja, ele se debruça sobre os mais diversos tipos de tributos colocados como obrigação pelo estado em relação ao cidadão. Em uma conceituação mais definida, Hugo de Brito (2022, p. 24) preceitua o Tributário como:

Assim, e em síntese, pode-se dizer que o Direito Tributário é o conjunto de normas jurídicas que disciplina a atividade de tributação, levada a efeito pelo Estado e pelas entidades a ele relacionadas, de forma a que na cobrança de tributos e de penalidades pecuniárias decorrentes da infração a deveres tributários se observem critérios e limites pré-estabelecidos.[...]. Quanto à apontada finalidade, que não é a de “prover o Estado” mas a de fazer com que esse provimento se dê em respeito a limites pré-estabelecidos, como proteção dos pagadores de tributos, vale ressaltar que ela deve estar na consciência, também, de quem estuda esse sistema de normas, no âmbito do ramo do conhecimento que delas se ocupa.

Como vimos no caso do Direito Administrativo, é função deste registrar a posse de bens móveis e imóveis, a transmissão destes, a movimentação de mercadorias, a prestação de serviços, o acréscimo de renda, etc., e é função do Direito Tributário usar essas informações a fim de tributar de forma justa aqueles que realizam tais fatos. Entretanto, ainda se discute se os fenômenos tributáveis que são realizados no mundo virtual devem ou não ser tributados, ou seja, se devem ser tratados da mesma forma que no mundo real.

Nesse sentido, Crespo (2011, p. 17) discorre:

Há, ainda, problemas jurídico-tributários causados pelos novos meios eletrônicos, como é o caso do software e a mercadoria eletrônica ou virtual, que segundo o STF podem sofrer a incidência de ICMS. Em outras palavras, o que se discute é se tais produtos são mercadoria (como bem corpóreo) ou se deve prevalecer o caráter de bem incorpóreo. Também é muito discutida a questão sobre a tributação do “livro eletrônico”, já que a Constituição prevê imunidade para os livros, havendo decisões reconhecendo tal imunidade. E, como último exemplo dos novos paradigmas tributários, encontra-se a incidência de tributos sobre os provedores de acesso à internet.

Assim, é importante estabelecer limites entre o que é real e o que é virtual, assim como delimitar como deve ser realizada a tributação dentro destes ambientes virtuais ou quando se adquire um objeto virtual. Como uma exemplificação, um objeto virtual que não repercute no mundo real, ou seja, aquele que, uma vez que se se gaste dinheiro real com o objeto, ele só pode ser reembolsado, não podendo ser vendido ou transferido, deve ser tributado da mesma forma que um objeto físico que possui essas capacidades? São essas e outras perguntas que o direito tributário busca responder em relação aos usos dos avanços tecnológicos quando estes acabam por inferir na esfera do Direito.

3.1.3 Direito Penal

O Direito Penal é bem direto em relação a sua função e objetivos jurídicos: se você cometer um crime, ou seja, um ato tipificado como uma infração penal, você será punido. Em uma elucidação rápida, Cezar Roberto Bitencourt (2022, p. 43) discorre:

O Direito Penal apresenta-se, por um lado, como um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes — penas e medidas de segurança. Por outro lado, apresenta-se como um conjunto de valorações e princípios que orientam a própria aplicação e interpretação das normas penais. Esse conjunto de normas, valorações e princípios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possível a convivência humana, ganhando aplicação prática nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça.

Ainda, ele é considerado ultima ratio, ou seja, ultima razão quando se trata de criar uma lei para a resolução de conflitos, então ele não deve ser usado levianamente seja qual for a situação, ou, como continua Bitencourt (2022, p. 45), o Direito Penal “[...] representa a ultima ratio do sistema para a prote­ção daqueles bens e interesses de maior importância para o indivíduo e a sociedade à qual pertence. [...]”

De todo caso, dentro do Direito, existem as infrações cíveis, penais, tributárias, administrativas, etc., com cada uma tendo sua conduta tipificada de uma forma especifica. Então, da mesma forma que os outros ramos do direito se modificam e se adaptam a novas artimanhas que os sujeitos do direito inovam, é certo que o Direito Penal também irá inovar quando se trata de tipificar e adaptar essas novas condutas como crime.

Assim, Crespo (2011, p. 17) finaliza:

Por fim, quanto ao Direito Penal, a relação com a informática também se faz clara na medida em que são discutidas questões como as do acesso não autorizado a sistemas, spam, engenharia social e estelionato, vírus, legítima defesa relativa a ataques em sistemas computacionais, lugar do crime, Direito de Intervenção e de Velocidades, harmonização internacional, entre outros.

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É certo, também, que crimes já existentes também podem se relacionar com os objetos virtuais, como o roubo no seu sentido clássico de forma, já que apesar de todos os métodos de segurança citados no capítulo sobre o Bitcoin, ele ainda pode sofrer com ladrões especializados. É inegável, então, que esses ladrões sejam punidos de acordo com seus crimes e os danos por eles causados. Há, ainda, a questão do direito autoral, que, conforme as formas de compartilhamento de dados avançam, vem cada vez mais sendo exposto ao acaso e as malicias de quem utiliza os meios eletrônicos.

3.2 Direito das Coisas

Chegado ao ponto de foco deste trabalho, o Direito das Coisas está disposto no Código Civil, lei nº 10.406/2002, no Livro III, a partir do artigo 1.196 até o artigo 1510-E, enquanto que os temas do presente estudo, tais sejam, Posse e Propriedade, estão nos artigos 1.196 a 1.224 e 1.228 a 1369-F, respectivamente, onde o legislador busca regimentar os fundamentos relacionados com as possibilidades de interação do homem e objetos ao qual ele pode exercer vontade.

Primeiramente, vale olhar para a forma que os doutrinadores classificam o Direito das Coisas. Na visão compartilhada de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2022, p. 14, grifo do autor), eles discorrem suscintamente “Nesse contexto, temos que o Direito das Coisas ou os Direitos Reais, como ramificação do Direito Civil, consistem em um conjunto de princípios e normas regentes da relação jurídica referente às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, segundo uma finalidade social.”

Ainda, preleciona elaboradamente Flávio Tartuce (2022a, p. 887):

Direito das Coisas – é o ramo do Direito Civil que tem como conteúdo relações jurídicas estabelecidas entre pessoas e coisas determinadas ou determináveis. Como coisas, pode-se entender tudo aquilo que não é humano, [...], ou ainda os bens corpóreos, na linha da polêmica existente na doutrina. No âmbito do Direito das Coisas há uma relação de domínio exercida pela pessoa (sujeito ativo) sobre a coisa. Não há sujeito passivo determinado, sendo esse toda a coletividade. Segue-se a clássica conceituação de Clóvis Beviláqua citada, entre outros, por Carlos Roberto Gonçalves, para quem o Direito das Coisas representa um complexo de normas que regulamenta as relações dominiais existentes entre a pessoa humana e coisas apropriáveis.

Por fim, Paulo Lôbo (2022, p. 15) conceitua:

No Brasil, o direito das coisas abrange a disciplina normativa da posse, da propriedade e dos demais direitos reais. Como a posse é poder de fato sobre a coisa, ainda que tutelada pelo direito, a denominação mais adequada para a disciplina é “direito das coisas” e não direito sobre as coisas. Para os que entendem que a posse é direito sobre as coisas, tal como ocorre com o direito de propriedade, a denominação apropriada seria direitos reais. Contudo, direitos reais, propriamente ditos, são a propriedade e os direitos reais limitados. Estes e a posse têm as coisas como objetos de suas relações.

O CC/2002, na esteira da tradição brasileira, denomina de direito das coisas o conjunto normativo das relações de pertencimento pleno ou parcial de coisas, incluindo a posse, a propriedade e os direitos limitados sobre coisas alheias, a nosso ver corretamente.

Portanto, entende-se como Direito das Coisas como o Ramo do Direito Civil que consiste num conjunto de regras e princípios que regem a forma que o homem se apropria de coisas e os poderes que emanam a partir dessa relação, como usar, dispor ou fruir da coisa, essa podendo ser material ou imaterial, ou, ainda, é o ramo do Direito que estuda o domínio humano sobre a infindável multitude das coisas do mundo.

Com a conceituação sobre o que é o Direito das Coisas feita, passa-se então para a explicação dos conceitos principais pertinentes a esse trabalho, discutidos logo adiante.

3.2.1 Da coisa

Visto o que é ‘Direito das Coisas’, agora cabe-se estabelecer, então, o que é ‘coisa’. ‘Coisa’, como dito anteriormente, é uma multitude, podendo ser desde as conchas na praia, até uma casa, no seu todo, ou em parte. Entretanto, o interesse do Direito em relação a elas nasce a partir do interesse humano em relação a essa coisa, a sua individualização perante os seus pares e equivalentes. Nesse sentido, Paulo Lôbo (2022, p. 16) discorre:

Para o direito civil, coisa significa o que pode ser objeto de apreensão, uso, fruição e disposição, com natureza patrimonial e econômica. Por conseguinte, as ondas do mar, o ar, as estrelas, os dados de computador ou mídias portadoras de dados, o corpo da pessoa viva não são coisas (Schapp, 2010, p. 37). No sentido genérico, estão as coisas corpóreas ou materiais e as coisas incorpóreas ou imateriais. O conceito jurídico de coisa supõe que ela se individualize, ou se separe de outra coisa. Não há propriedade de coisas como um todo. [...]

Discorrem também, nesse sentido, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2022, p. 14)

Assim, é preciso deixar claro que, no campo dos Direitos Reais, o que se estuda é realmente a “coisa”, entendida como o bem suscetível de apropriação, valendo salientar que, segundo a linha filosófica que seguimos, “bem” é um conceito mais amplo do que o de “coisa”.

A possibilidade jurídica de apropriação é, portanto, o elemento distintivo essencial para que um determinado “bem” seja considerado uma “coisa” e, consequentemente, possa ser objeto da disciplina dos direitos reais.

Observe-se que, por isso, podemos falar de um processo de “coisificação” para que determinados direitos ou bens possam ser objeto de uma relação jurídica real.

Como é observado nessa lição, ‘coisa’ não pode ser o todo de uma classe de objetos, uma vez que ninguém pode ser dono de todo a água do mundo, mas alguém pode se declarar dono de uma garrafa de água e fazer negócios com ela, ou seja, usar, dispor ou fruir, uma vez que essa pessoa distinguiu tal água de todas as outras moléculas de água dentro da multitude, gerando, então, propriedade.

3.2.2 Da Posse

Posse, conforme sua descrição no Código Civil, é objeto do Direito das coisas, mas não é Direito Real, já que ela não se encontra na lista conferida pelo artigo 1.225 do referido Código. Entretanto, sua aquisição é caracterizada no artigo 1.204 como “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.” (BRASIL, 2002, não paginado).

Observa-se que o código se limita a caracterizar os efeitos da posse, estipulando que quem tem a posse são aqueles que detém os poderes da propriedade, que, conforme dispõe o caput artigo 1228 do Código Civil, “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. ” (BRASIL, 2002, não paginado). Dessa forma, existe estipulação legal em relação à Posse, mas falta a caracterização de fato sobre o que é a Posse, que fica a cargo da doutrina.

Assim, a doutrina caracteriza Posse da seguinte forma:

As teorias jurídicas brasileiras sobre a posse inclinam-se, em grande maioria, para considerá-la estado de fato, ou poder de fato que o direito reconhece ao possuidor. Tito Fulgêncio, em obra dedicada à posse, na década de 1930, afirmou que a posse é “poder de fato, instaura-se pelo exercício de fato de algum poder do domínio”, razão por que o ladrão tem a posse, mas não a propriedade, que seria poder de direito adquirido por título justo (2008, p. 6). [...] (LÔBO, 2022, p. 50).

Ainda, Flávio Tartuce (2022b, p. 51) discorre:

A primeira dúvida que pode surgir quanto ao instituto refere-se à seguinte indagação: a posse é um fato ou um direito? Na visão clássica, muitos juristas enfrentaram muito bem a questão, como fez José Carlos Moreira Alves (Posse..., 1999, v. II, t. I, p. 69-137). Esse doutrinador aponta duas grandes correntes, a que afirma se tratar de um mero fato e outra pela qual a posse, realmente, constitui um direito. A segunda corrente, que prega o entendimento de que a posse é um direito é a que acaba prevalecendo na doutrina.

Nessa linha igualmente me posiciono doutrinariamente. Isso porque a posse pode ser conceituada como sendo o domínio fático que a pessoa exerce sobre a coisa. A partir dessa ideia, levando-se em conta a teoria tridimensional de Miguel Reale, pode-se afirmar que a posse constitui um direito, com natureza jurídica especial. Como dito no capítulo anterior, a posse é um conceito intermediário, entre os direitos pessoais e os direitos reais. Mas esse caráter híbrido não tem o condão de gerar a conclusão de que não constitui um direito propriamente dito.

Também, em lição sucinta, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2022, p. 25, grifo do autor) discorrem “Em nosso sentir, a posse é uma circunstância fática tutelada pelo Direito. Vale dizer, é um fato, do qual derivam efeitos de imensa importância jurídica e social.”

Portanto, pode-se dizer que a posse é um estado de fato, ao qual o Direito atribui direitos a quem possui de forma legitima e não violenta.

Ainda, quando se trata de um objeto virtual constituída a propriedade do dono em relação ao objeto virtual, posse também poderá ser constituída, uma vez que o proprietário poderá ceder o ativo ou a moeda a fim de salva guarda, como é o caso das carteiras virtuais, ou a fim de enriquecimento, como no caso dos fundos de investimento.

3.2.3 Da Propriedade

Propriedade é tratado nos termos do art. 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, não paginado) como “XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;” e conforme sua inserção no artigo 1228 do Código Civil, “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” (BRASIL, 2002, não paginado).

Assim, conforme Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2022, p. 48, grifo do autor), “Em termos conceituais, portanto, o direito de propriedade consiste no direito real de usar, gozar ou fruir, dispor e reivindicar a coisa, nos limites da sua função social.

Em sua lição, Paulo Lôbo (2022, p. 99) conceitua em relação a disposição legal de propriedade como:

O direito de propriedade consiste, no Código Civil, na faculdade de usar, fruir e dispor da coisa e no direito de reavê-la de quem a detenha injustamente. Esse conteúdo amplo tem origem nas formulações dos glosadores medievais (jus utendi, fruendi et abutendi), que foram adaptadas para as finalidades da propriedade individual moderna. Progressivamente foi restringido, em virtude das metamorfoses havidas desde então na propriedade, que desembocaram em sua conformação à função social, na contemporaneidade.

E sobre a vinculação da Propriedade a sua Função Social, discorre Tratuce (2022b, p. 152):

Percebe-se, portanto, que a função social é íntima à própria construção do conceito. Como direito complexo que é, a propriedade não pode sobrelevar outros direitos, particularmente aqueles que estão em prol dos interesses da coletividade.

A propriedade deve ser entendida como um dos direitos basilares do ser humano. Basta lembrar que a expressão “é meu” constitui uma das primeiras locuções ditas pelo ser humano, nos seus primeiros anos de vida. Concretamente, é por meio da propriedade que a pessoa se sente realizada, principalmente quando tem um bem próprio para a sua residência.

Nesse ponto, vale destacar o que vem a ser ‘função social da propriedade’: tal expressão quer dizer que a propriedade, por ser um direito individual privado, tem de suprir o interesse do indivíduo sem que sem que esse viole a busca pela igualdade social, presente como princípio da Constituição Federal, ou seja, de forma simples, quem é proprietário tem direitos e deveres em relação a sua propriedade.

Desse modo, pode-se dizer sobre a Função social da propriedade que “Trata-se, portanto, de uma inequívoca característica do sistema constitucional contemporâneo o respeito à função social, como forma de legitimação do próprio direito de propriedade.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2022, p. 53).

Portanto, conclui-se que a Propriedade é um direito basilar, associado ao bem-estar do ser humano, e que se constitui na possibilidade de usar, dispor e fruir de algum bem desde de que atendendo a Função Social da Propriedade, ou, conforme Paulo Lôbo (2022, p. 97), “[...]. Porém, a expressão “direito de propriedade” deve ser restrita a quem detenha titulação formal reconhecida pelo direito para aquisição da coisa. Assim, a acessão, a usucapião, a sucessão, o registro imobiliário.”

Assim, como observado anteriormente, as criptomoedas e os ativos virtuais são objetos que constituem dados e informações dentro de um registro público e compartilhado. Elas carregam consigo algarismos que as individualizam e outros que determinam quem as validou e quem as possui. Nesse caso, a Blockchain garante a existência e diz quem garante e quem possui, assim como as transferências que ocorrem dentro do ambiente de trocas.

Desse modo, é observável, então, o domínio fático que quem é dono da criptomoeda ou do ativo virtual exerce sobre eles, uma vez que eles estão registrados e aprovados perante a rede, ou seja, o título ou registro, além de que o dono pode então usar, dispor e fruir do objeto sem impedimentos perante aqueles que pertencem a rede compartilhada.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Darlan Valente. Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7154, 1 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101346. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso apresentada ao curso de Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Joseane Pepino de Oliveira

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