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Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual

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01/02/2023 às 17:28

Resumo:


  • Objetos virtuais são criações feitas em computador, reproduzíveis infinitamente, mas que podem adquirir valor e escassez através de tecnologias como a Block Chain.

  • A Block Chain e o Bitcoin estão interligados, sendo a tecnologia que possibilitou a criação da criptomoeda, conferindo escassez virtual e absoluta a ela.

  • Os Smart Contracts e os NFTs são formas de objetos virtuais que utilizam a Block Chain para garantir autenticidade e unicidade, sendo aplicados em diversas áreas, como jogos e transações de ativos digitais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 AS COLOCAÇÕES SOBRE OS OBJETOS VIRTUAIS NA LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA

Observado no capítulo anterior como é a interação dos objetos virtuais com as denominações doutrinárias do Direito das Coisas, cabe agora discorrer sobre a forma que o legislador e os tribunais caracterizam os objetos virtuais.

4.1 A Legislação

Na legislação pátria, leis relacionadas aos criptoativos podem ser caracterizadas como quase inexistentes, apesar de que existem projetos de lei aguardando votação e aprovação que podem vir a suprir parcialmente essa necessidade legislativa.

Normativamente, os órgãos financeiros e tributários são os que mais se destacam quanto à disposição em relação aos objetos virtuais e a prevenção de ilegalidades referentes a atuação com os mesmos.

4.1.1 Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, Nº 1888, de 03 de maio de 2019

Primeiramente, tem-se a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, Nº 1888, de 03 de maio de 2019. Tal instrução “Institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). ” (BRASIL, 2019, não paginado). Ainda, ela traz Definições (Capitulo II, art. 5º), a Obrigatoriedade de Prestação de Informações (Capítulo III, art. 6º), as Informações sobre Operações com Criptoativos (a serem compartilhadas) (Capitulo IV, art. 7º), o Prazo para Prestação das Informações (Capitulo V, art. 8º) e as Penalidades (Capitulo VI, art. 10).

Em tal Instrução Normativa, a Receita Federal (Brasil, 2019, não paginado) caracteriza

Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:

I - criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e

II - exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.

Parágrafo único. Incluem-se no conceito de intermediação de operações realizadas com criptoativos, a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços.

Observa-se que, a Receita Federal generaliza os ativos virtuais e as criptomoedas para fazer tal definição de criptoativos, e, ainda, conforme o parágrafo único, ela ainda considera passível de fiscalização os ambientes virtuais nos quais é possível realizar compra e venda de criptoativos.

Como conceituado no Capítulo 2 deste trabalho, existem objetos virtuais que não sofrem tratamento criptográfico para a sua atribuição de valor, e a Receita Federal está de olho nesses objetos afim de tributa-los, além dos ambientes virtuais, cuja negociação também está abarcada nesse sentido.

Ainda, como observado no inciso I do art. 5º, a Receita Federal não considera criptoativo moeda que seja de curso legal, ou, conforme o dicionário jurídico do site Vade Mecum Brasil (2022, não paginado), “Modalidade que, por força de lei, não pode ser recusada como meio de pagamento. Caracteriza contravenção penal recusar-se a receber, pelo seu valor, moeda de curso legal no país. ” Nesse sentido, a Receita não abarca os criptoativos que são reconhecidos legalmente, uma vez que a legislação tributária nesse caso é a já existente. Observa-se, então, a intenção do órgão de tributar mesmo aquilo que está à margem da lei.

No art. 6º, a Receita (BRASIL, 2019, não paginado) estabelece quando as informações sobre as operações deverão ser prestadas

Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:

I - a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;

II - a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:

a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou

b) as operações não forem realizadas em exchange.

§ 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

§ 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir:

I - compra e venda;

II - permuta;

III - doação;

IV - transferência de criptoativo para a exchange;

V - retirada de criptoativo da exchange;

VI - cessão temporária (aluguel);

VII - dação em pagamento;

VIII - emissão; e

IX - outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.

Nesse caso, observa-se no §2º que a Receita estabeleceu um rol exemplificativo em relação as formas de transferência dos criptoativos, uma vez que a tentativa de exaurir todas as possibilidades de transferência dos mesmos é infrutífera e praticamente irreal, uma vez que se leva em conta a natureza mutável e o grande número de criptoativos e métodos de transferência que se cria para tais objetos virtuais.

Em relação as informações pertinentes, a Receita Federal (BRASIL, 2019, não paginado) dispõe

Art. 7º Deverão ser informados para cada operação:

I - nos casos previstos no inciso I e na alínea “b” do inciso II do caput do art. 6º:

a) a data da operação;

b) o tipo da operação, conforme o § 2º do art. 6º;

c) os titulares da operação;

d) os criptoativos usados na operação;

e) a quantidade de criptoativos negociados, em unidades, até a décima casa decimal;

f) o valor da operação, em reais, excluídas as taxas de serviço cobradas para a execução da operação, quando houver;

g) o valor das taxas de serviços cobradas para a execução da operação, em reais, quando houver; e [...]

Observa-se, assim, que o órgão tributário e aduaneiro se preocupa principalmente, com o valor exato da operação e quem a realiza.

Deixando de lado os outros tópicos da instrução normativa, a mesma é robusta em relação ao que busca alcançar, que é a garantia da tributação em relação as operações com criptoativos, uma vez que este é a função da Receita Federal. Entretanto, apesar de dispor sobre o que vem a ser criptoativo, tal disposição não classifica o que vem a ser objeto virtual para outros fins e, portanto, não contribui para encerrar o silencio legislativo em relação ao tema.

4.1.2 Parecer de Orientação CVM nº 40, de 11 de outubro de 2022

Nesse Parecer, a Comissão de Valores Mobiliários (BRASIL, 2022, pág. 2) estabelece

Este Parecer de Orientação consolida4 o entendimento da CVM sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem valores mobiliários. Desse modo, este trabalho esclarece os limites de atuação da Autarquia e a forma como a CVM pode e deve exercer seus poderes para normatizar, fiscalizar e disciplinar a atuação dos integrantes do mercado de capitais.

Nesse sentido, a Comissão de Valores Mobiliários busca estabelecer regras sobre os criptoativos que se caracterizam pelo seu valor mobiliário. Ainda, eles estabelecem o que vem a ser criptoativo conforme o entendimento da Comissão. Dessa forma, a CVM (BRASIL, 2022, pág. 1) esclarece

Criptoativos são ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs)1. Usualmente, os criptoativos (ou a sua propriedade) são representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis.

Desse modo, observa-se a tentativa da Comissão de Valores Mobiliários de estabelecer regulamentação especifica em relação aos tokens, ou, como estabelecido no Capitulo 2, especialmente aos tokens que referenciam ativos tanto no mundo virtual, quanto do mundo real, uma vez que estes podem ter objeto referenciado ao qual a Comissão possui a função de regulamentar.

Entretanto, ainda nesse quesito, a Comissão (BRASIL, 2022) “entende que o ativo pode ou não possuir valor mobiliário, uma vez que isso dependerá da essência econômica dos direitos transferidos e as funções conferidas aos titulares dos mesmos”.

Ainda assim, a Comissão (BRASIL, 2022, pág. 5) discorre

Nesse sentido, vale mencionar que a prática de mercado vem demonstrando que um token pode representar não só ativos, como também direitos de remuneração por empreendimento, direito a receber relacionado a estruturas assemelhadas às de securitização, ou, ainda, direito de voto13. A esse respeito, notamos que alguns desses modelos aproximam os tokens emitidos do conceito de valor mobiliário e, tendo isso em vista, reforçamos que referida taxonomia não se propõe a consolidar uma definição taxativa de cada classificação, tampouco a limitar o alcance desta Autarquia, cuja atuação dependerá da análise dos casos em concreto.

Vale lembrar que a classificação de valores mobiliários está elencada no art. 2º da Lei nº 6.385/76, e, conforme discorre a Comissão (BRASIL, 2022, pág. 6)

Ainda que os criptoativos não estejam expressamente incluídos entre os valores mobiliários citados nos incisos do art. 2º da Lei nº 6.385/76, os agentes de mercado devem analisar as características de cada criptoativo com o objetivo de determinar se é valor mobiliário, o que ocorre quando:

(i) é a representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei nº 6.385/76 e/ou previstos na Lei nº 14.430/2022 (i.e., certificados de recebíveis em geral); ou

(ii) enquadra-se no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, na medida em que seja contrato de investimento coletivo

Neste diapasão, observa-se que a Comissão de Valores Mobiliários não tenta classificar nem os objetos virtuais, nem os criptoativos, mas sim busca trazer à luz tal assunto e tenta trazer atenção legislativa em relação ao assunto, uma vez que a Comissão (BRASIL, 2022) acredita que “a luz do sol é um dos melhores desinfetantes; e a luz elétrica é um dos melhores policiais”.

Deste modo, a Autarquia demonstra sua preocupação em evitar fraudes e trazer segurança para o investidor que pretende ou já está investindo em tokens que podem gerar ao mesmo consequências referentes a sua propriedade.

4.1.3 Projeto de lei nº 4401, de 2021 (nº 2.303/2015, na Câmara dos Deputados)

Conforme o texto deste dispositivo, o legislador afirma “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre as diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na sua regulamentação. ” (BRASIL, 2021, pág. 2). Novamente se percebe que a intenção legislativa não é abarcar diretamente sobre o que são os objetos virtuais nem os criptoativos, mas sim regular a atuação de quem negocia e transfere tais objetos. Desse modo, o silêncio legislativo perdura.

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Tal projeto de lei também abarca modificações sobre crimes quando praticados durante a atuação com criptoativo e enquadra as prestadoras de serviços relacionados com criptoativos como sujeitas a aplicação das leis n. º 7.492, de 16 de junho de 1986 (que define os crimes contra o sistema financeiro nacional), e 9.613, de 3 de março de 1998 (que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores).

Deste modo, tem-se a classificação utilizada para essa lei em relação ao que vem a ser ativo virtual, sendo

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento, não incluídos:

I - moeda nacional e moedas estrangeiras;

II - moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;

III - instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e

IV - representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.

Parágrafo único. Competirá ao órgão ou à entidade da administração pública federal indicada em ato do Poder Executivo estabelecer quais serão os ativos financeiros regulados, para fins desta Lei. (BRASIL, 2021, pág. 2-3)

Observa-se, então, que tal dispositivo utiliza terminologia diferente da usada nos outros dispositivos citados neste trabalho, tal seja ‘ativo virtual’ e não ‘criptoativo’, além de que faz uso de uma exemplificação exclusiva, onde o legislador somente se dá ao trabalho de tentar retirar do arcabouço do termo ‘ativo virtual’ aquelas possibilidades incluídas em seus incisos.

Assim sendo, tal legislação possui o intuito de esclarecer minimamente em relação ao tema em questão e propõe modificações na lei punitiva em relação a atuação referente a tal tipo de objeto.

4.1.4 Comunicado BACEN Nº 25306 DE 19/02/2014

Inicialmente, temos os dizeres em relação ao objetivo de tal comunicado, tendo o Banco Central (COMUNICADO, 2014, não paginado) dito: “Esclarece sobre os riscos decorrentes da aquisição das chamadas "moedas virtuais" ou "moedas criptografadas" e da realização de transações com elas. ” Nesse sentido, observa-se que a autarquia olhava para as moedas virtuais com olhos atentos, alertando para os riscos aparentes em relação a negociação de tais objetos.

Assim, eles caracterizam primeiramente em relação a visão da autarquia em relação a caracterização em relação as moedas virtuais

O Banco Central do Brasil esclarece, inicialmente, que as chamadas moedas virtuais não se confundem com a "moeda eletrônica" de que tratam a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, e sua regulamentação infralegal. Moedas eletrônicas, conforme disciplinadas por esses atos normativos, são recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento denominada em moeda nacional. Por sua vez, as chamadas moedas virtuais possuem forma própria de denominação, ou seja, são denominadas em unidade de conta distinta das moedas emitidas por governos soberanos, e não se caracterizam dispositivo ou sistema eletrônico para armazenamento em reais. (COMUNICADO, 2014, não paginado)

Deste modo, observa-se a crítica do Bacen as moedas virtuais quando se trata da falta de regulação por parte de governos soberanos sobre esses objetos, devido ao fato de que elas se caracterizam, principalmente, por suas denominadoras próprias de emissão. Além disso, o Bacen não considera as moedas virtuais como dispositivo de armazenamento de reais, ou seja, eles não são reconhecidos como forma eletrônica de dinheiro, discorrendo

3. As chamadas moedas virtuais não são emitidas nem garantidas por uma autoridade monetária. Algumas são emitidas e intermediadas por entidades não financeiras e outras não têm sequer uma entidade responsável por sua emissão. Em ambos os casos, as entidades e pessoas que emitem ou fazem a intermediação desses ativos virtuais não são reguladas nem supervisionadas por autoridades monetárias de qualquer país. (COMUNICADO, 2014, não paginado)

Nesse sentido, vale ainda destacar o dispositivo mencionado pela autarquia, tal seja a Lei nº 12.865, onde

Art. 6º Para os efeitos das normas aplicáveis aos arranjos e às instituições de pagamento que passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-se:

[...]

VI - moeda eletrônica - recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento.

[...] (BRASIL, 2013, não paginado)

Deste modo, o Banco Central não considera as moedas virtuais como forma de armazenamento de reais, nem como forma de moeda eletrônica, dessa forma descaracterizando as mesmas como forma de dinheiro, nesse sentido discorrendo

4. Essas chamadas moedas virtuais não têm garantia de conversão para a moeda oficial, tampouco são garantidos por ativo real de qualquer espécie. O valor de conversão de um ativo conhecido como moeda virtual para moedas emitidas por autoridades monetárias depende da credibilidade e da confiança que os agentes de mercado possuam na aceitação da chamada moeda virtual como meio de troca e das expectativas de sua valorização. Não há, portanto, nenhum mecanismo governamental que garanta o valor em moeda oficial dos instrumentos conhecidos como moedas virtuais, ficando todo o risco de sua aceitação nas mãos dos usuários. (COMUNICADO, 2014, não paginado)

Observa-se, então, que o Banco Central busca alertar os usuários em relação aos riscos das transações realizadas com as moedas virtuais, mas “acompanha as discussões sobre sua natureza, propriedade e funcionamento para os foros internacionais” (COMUNICADO, 2014), de onde tiram seu embasamento. Vale lembra, também, que a autarquia reiterou esse entendimento através do VOTO 246/2017-BCB, de 14 de novembro de 2017.

Deste modo, o Banco Central não busca caracterizar as moedas virtuais, muito menos os objetos virtuais, mas busca aumentar o alerta em relação a esse tipo de objeto e dissuadir usuários que buscam começar a investir nesse segmento.

Conclui-se então a falta de normatização concreta em relação ao tema além da falta de uniformização dos termos utilizados para a denominação por parte de cada uma das autarquias que dispuseram normas em relação ao tema proposto. Também se observa que tais entidades veem os objetos tratados nesse tema com maus olhos, alertando para os riscos relacionados aos investimentos e transações realizadas com tais ativos.

4.2 A Jurisprudência

Estabelecidas quais são as colocações da legislação pátria em relação aos objetos virtuais, cabe agora esclarecer as posições dos tribunais em relação aos mesmos. Considerando que as jurisprudências pertinentes são esparsas, discorre-se.

Em relação aos objetos virtuais, tem-se a decisão Apelação Cível número 0043319-12.2010.8.24.0038, onde, entre outras demandas, o apelante requer

[...] REQUERIMENTO DE DEVOLUÇÃO DE MATERIAIS ENTREGUES AO FRANQUEADO. DESPROVIMENTO. BENS ESTES QUE SE TRATAM DE OBJETOS VIRTUAIS (LOGOTIPO, SISTEMA OPERACIONAL). AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE ITENS FÍSICOS TENHAM SIDO ENTREGUES AO RECORRIDO. [...] (SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 0043319-12.2010.8.24.0038. Relatora: Desembargadora Rejane Andersen. Joinville. 19 de março de 2019. Não paginado)

Observa-se então que, uma vez rescindindo o contrato entre o apelante e o apelado, aquele requereu a devolução dos objetos ao qual o contrato se referia, tal seja o acesso à intranet da empresa Recursos Humanos do Brasil Ltda., além dos logotipos e do sistema operacional da mesma, alegando que ocorreu a entrega de material relacionado que permitia o acesso do apelado ao objeto do contrato.

Em relação a esse argumento, a Relatora discorre

Outrossim, conforme se depreende do pactuado entre os litigantes, vê-se que o franqueado recebeu senha de acesso à intranet, onde estariam localizados os manuais de procedimentos, modelos de contrato, entre outros.

Desta forma, infere-se que, embora tenha existido a disponibilização para acesso a tais materiais, tem-se que estes se tratam de documentos virtuais e não físicos, tanto é que, no parágrafo primeiro da cláusula quarta do contrato primitivo de franquia, fica clara a recomendação de devolução dos materiais recebidos e apagamento de arquivos.

Ou seja, no presente caso, se torna totalmente inócuo o pedido de devolução de materiais eletrônicos (tais como logotipo, sistema operacional, entre outros), isso porque não há prova de que a parte requerida esteja se utilizando de tais objetos, inexistindo substrato probatório, inclusive, no sentido de que existam objetos físicos para serem devolvidos aos recorrentes. (SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 0043319-12.2010.8.24.0038. Relatora: Desembargadora Rejane Andersen. Joinville. 19 de março de 2019. Não paginado)

Deste modo, observa-se a interpretação da relatora em relação ao fato de que, a não ser que o contratante esteja utilizando injustamente o objeto virtual contratado, não há sentido na devolução dos materiais eletrônicos, já que, seguindo essa interpretação, o usuário contratante estaria cumprindo uma obrigação de não fazer uso dos objetos virtuais uma vez que o contrato fosse rescindido, nesse sentido sendo impedido de utilizar a intranet da contratada, além da impossibilidade da devolução dos objetos virtuais, visto sua intangibilidade.

Ainda na questão de objetos virtuais, há a Apelação Cível número 1.0000.20.561817-6/002, onde observa-se o seguinte

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - BLOQUEIO DE CONTA DO AUTOR NO JOGO ELETRÔNICO "FREE FIRE" [...] PROVAS INDICATIVAS DA UTILIZAÇÃO DE VANTAGEM IRREGULAR (DENOMINADA "HACK") - AUTOR QUE DESISTIU EXPRESSAMENTE DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL - VIOLAÇÃO AOS TERMOS DE USO DO JOGO - AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE NA SUSPENSÃO DA CONTA - CIÊNCIA DOS TERMOS E CONDIÇÕES DE USO - REQUISITO PARA ACESSAR O JOGO DISPONIBILIZADO - PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE ITENS VIRTUAIS ADQUIRIDOS PELO AUTOR - DESCABIMENTO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0000.20.561817-6/002 Relator: Desembargadora Mariangela Meyer. Belo Horizonte. 15 de nov. de 2022. Não paginado.)

Neste caso, ocorre a insatisfação do usuário que teve sua conta bloqueada após denúncias de uso de vantagem indevida dentro do jogo, onde o mesmo requer o acesso à conta ou a devolução dos valores gastos com moedas do jogo que não foram utilizadas ao momento do banimento.

Nesse sentido, “O apelante, por sua vez, discorda de forma genérica da adoção de telas sistêmicas e denúncias de outros jogadores como meio de prova apto a embasar as alegações da requerida. [...]” (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0000.20.561817-6/002 Relator: Desembargadora Mariangela Meyer. Belo Horizonte. 15 de nov. de 2022. Não paginado.), além “[...] da abusividade na sua revogação unilateral [...]”.

Deste modo, a desembargadora discorre

- Sobre o uso de telas de sistema, deve ser levado em consideração que, no caso específico dos autos, e em se tratando de uma fraude virtual, os elementos de prova de sua ocorrência decorrem de mecanismos igualmente virtuais, desprovidos de um lastro documental como normalmente se verifica.

- O uso de softwares suspeitos/não autorizados dentro do jogo, ou seja, o hack, leva à vantagem desleal, em afronta à segurança ao ambiente virtual e ao direito de propriedade intelectual da empresa ré, configurando contrariedade aos termos de uso ao qual aderiu o autor.

- Portanto, não se mostrou abusiva a conduta das requeridas ao bloquearem o cadastro da conta por violação dos termos de serviço em questão, agindo no exercício regular de seu direito ao desativarem a possibilidade de utilização.

- A leitura efetiva dos termos de uso, ou não, é de responsabilidade de cada um, mas evidentemente que ao indicar que houve leitura e aceitação não pode pretender por questão verdadeiramente ética alegar desconhecer o regramento que acabou de mencionar conhecer. (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1.0000.20.561817-6/002 Relator: Desembargadora Mariangela Meyer. Belo Horizonte. 15 de nov. de 2022. Não paginado.)

Desta forma, observa-se que os tribunais reconhecem a natureza intangível dos objetos virtuais, além da sua existência como parte da propriedade intelectual ou industrial das empresas que dispõem os mesmos para o uso daqueles que concordam com os termos de uso, desta forma garantindo as mesmas o direito de revogação caso se comprove a violação dos mesmos. Ainda assim, a propriedade dos objetos virtuais vai depender da forma como seu uso é disponibilizado, não sendo possível afirmar com certeza que todas as empresas disponibilizam sua propriedade intelectual de forma não onerosa ou até mesmo com disposição em relação aos frutos adquiridos através das mesmas.

Em relação as criptomoedas, observa-se o Agravo de Instrumento n° 0026506-94.2020.8.16.0000, onde se discute a tutela de urgência em relação ao bloqueio de criptomoedas, ainda classificando sua natureza jurídica como controversa, discorrendo na ementa o seguinte

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA COM RESTITUIÇÃO DE VALORES. – TUTELA DE URGÊNCIA CAUTELAR. BLOQUEIO DE BITCOINS (CRIPTOMOEDA). ATIVO FINANCEIRO NÃO REGULAMENTADO POR LEI. NATUREZA JURÍDICA CONTROVERSA. CONCEITO PREVISTO NA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.888/2019 DA RECEITA FEDERAL. OBJETO PENHORÁVEL ANÁLOGO A TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS COM COTAÇÃO NO MERCADO (ART. 835, III, CPC). NECESSIDADE DE LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA EM DE SUA VOLATILIDADE (ART. 852, I, CPC). – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (PARANÁ. TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento n° 0026506-94.2020.8.16.0000 Relator: Juiz Subst. 2ºGrau Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso. Arapoti. 13 de nov. de 2020. Não paginado)

Observa-se, nesse agravo, que a 9º Câmara Cível de Arapoti inclina sua interpretação em relação ao entendimento de que até mesmo as criptomoedas são consideradas criptoativos, uma vez que, invocando a Instrução Normativa nº 1888/2019 da Receita Federal, o Relator traz para a interpretação dada pela autarquia os objetos discutidos na demanda. Nesse sentido, ele ainda classifica a criptomoeda em questão, tal seja a Bitcoin, como valor mobiliário com cotação no mercado e, ainda, suscetível a penhora.

Ainda, em sua fundamentação, o Relator discorre

O receio manifestado pelo juízo a quo, porém, não é destituído de fundamento. Há grande incerteza quanto ao regime aplicável às criptomoedas, especialmente porque a doutrina diverge quanto à sua natureza jurídica e até o momento o Congresso Nacional não lhes deu disciplina legal. Um dos poucos instrumentos normativos que deles tratam é a Instrução Normativa nº 1.888/2019, expedida pela Receita Federal.

[...]

Uma vez que os criptoativos têm valor conversível em moeda corrente e são transacionáveis, parece possível equipará-los aos “títulos e valores mobiliários com cotação no mercado” mencionados pelo artigo 835, inciso III, do CPC.

Aliás, a competência da CVM para fiscalizar as corretoras de criptoativos se funda justamente na qualificação dos contratos de investimento coletivo que elas oferecem a seus clientes como valores mobiliários, nos termos do art. 2º, IX da Lei nº 6.385/1976. (PARANÁ. TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento n° 0026506-94.2020.8.16.0000 Relator: Juiz Subst. 2ºGrau Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso. Arapoti. 13 de nov. de 2020. Não paginado)

Ainda neste assunto, tem-se a Agravo de Instrumento n. 0046714-76.2021.8.21.7000, onde se discute o cumprimento de uma sentença de alimentos a partir de um oficio para corretoras de ativos digitais, tem-se o julgado

Inicialmente, esclareço que o mercado de criptomoedas não faz parte do Sistema Financeira Nacional, nesse sentido adoto trecho explicativo do parecer ministerial exarado pela ilustre Procuradora de Justiça Synara Jacques Buttelli Göelzer, a fim de evitar tautologia:

Por conta disso, as criptomoedas são operadas por corretoras conhecidas como Exchange, que não compõem o Sistema Financeiro Nacional. E apesar de a inexistência de regulação não ser empecilho para a constrição desses ativos digitais, tanto é que já existem precedentes sobre o tema, mostra-se temerário o deferimento do pedido formulado pelas agravantes.

[...] Ciente de que esse mercado poderia permitir a ocultação de patrimônio, a Receita Federal editou a Instrução Normativa nº 1.888, de 03 de maio de 2019, que obriga os operadores de ativos digitais a prestar informações sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,001.

Dessa forma, considerando a ausência de regulamentação do nosso sistema financeiro, inviável o deferimento de expedição de ofícios para as corretoras de criptomoeda, visto que se trata de operações realizadas entre os usuários e de forma anônima.

No entanto, como bem elucidado pela Procuradora de Justiça, e considerando o débito alimentar, entendo ser possível a expedição de ofício para Receita Federal, para que informe dados relativos às operações realizadas com criptoativos em nome do agravado, consoante dispõe o art. 6º da INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.888, DE 3 DE MAIO DE 2019.

Logo, dou parcial provimento ao agravo de instrumento. (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento n. 0046714-76.2021.8.21.7000. Relator: Dr. Mauro Caum Gonçalves. Porto Alegre. 07 de abr. de 2022. Não paginado)

Desse modo, novamente observa-se entendimento de que a propriedade dos criptoativos é visualizada através das movimentações percebidas pela Receita Federal, assim como a sua regulamentação se dá através das Instrução Normativa nº 1888 da mesma autarquia, nesse sentido ainda destacando a ausência de leis relacionadas ao tema.

Portanto, observa-se o entendimento dos tribunais em relação aos criptoativos e das criptomoedas quanto a sua classificação como ativos de valor mobiliário, ainda os considerando objetos possíveis de penhora, nesse sentido ainda concordando na classificação como visualização de patrimônio passível de tributação, atribuindo continência normativa aos dizeres disponibilizados pela Receita Federal. Deste modo, é plausível considerar os objetos virtuais em questão como um dos muitos objetos passiveis de apropriação na qual fala o Direito das Coisas, ou seja, propriedade.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Darlan Valente. Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7154, 1 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101346. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Monografia de conclusão de curso apresentada ao curso de Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Joseane Pepino de Oliveira

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