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Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual

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01/02/2023 às 17:28
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5. CONCLUSÃO

Pode-se constatar, a partir da análise contida nesse trabalho, que existe uma expressiva lacuna legal, jurisprudencial e conceitual em relação ao tema dos objetos virtuais.

Foi observado que, a partir das análises de autores contemporâneos e das propostas dos idealizadores, que as criptomoedas foram criadas com o intuito de estabelecer uma nova modalidade de dinheiro eletrônico sem a validação de um organismo estatal, tal como bancos centrais, utilizando-se apenas da confiança dos usuários de uma rede de registros compartilhados para atribuir e gerar valor em relação à moeda criptográfica. Tal valoração se dá através da limitação da criação de tal objeto, deste modo criando, também, uma escassez virtual quase que absoluta em relação ao objeto.

Do mesmo modo, os criptoativos são criados da mesma forma que as criptomoedas, ou seja, a partir de uma rede de registros compartilhada, onde se registra a propriedade de um ativo, seja ele virtual ou real, e se anuncia para os outros usuários da rede tal fato, onde se obtém uma ficha infungível que representa tal propriedade. Nesse sentido, há ainda os contratos inteligentes, que demonstram a transferência de propriedade entre um usuário e outro, sem o intermédio de cortes e juízes, uma vez que eles são auto executáveis, sendo realizados dentro da rede de registros compartilhada.

Em discordância dessas duas possibilidades, existem ainda os objetos virtuais que são negociados através de licença de uso ou a partir de anuência de termos de serviço, constituído uma forma de direito pessoal. Nesse caso, não existe a comunicabilidade entre o valor gasto em relação aos objetos e um retorno monetário para o usuário, uma vez que eles constituem direito autoral da empresa ou entidade que os criou, sendo uma das muitas facetas da criação artística da pessoa jurídica e de seus empregados, constituindo objeto que a empresa dispõe, mas não aliena no momento da assinatura dos termos de uso, não sendo possível para o usuário obter propriedade nem dispor sobre aquele bem.

Mais adiante foi observado as mais diversas interações dos ramos do direito com os avanças tecnológicos e com os objetos virtuais. Nesse sentido, o Direito administrativo faz uso de registros eletrônicos públicos para identificar e registrar pessoas físicas e jurídicas, além de sistema de escrituração eletrônico que busca integralizar os mais diversos órgãos administrativos da federação afim de atingir uma atuação mais eficiente.

Em uma problemática diferente, o Direito Tributário traz à tona questões em relação a tributação em relação aos objetos pertencentes ao mundo virtual, principalmente se eles devem ou não ser tributados da mesma forma que um objeto físico.

Ainda em relação aos ramos do Direito, o Direito Penal busca esclarecer se existe a necessidade da intervenção deste ramo em relação aos assuntos relacionados com os objetos virtuais, uma vez que esse ramo do direito é considerado a última razão em relação a interferência da lei nas relações interpessoais. Nesse sentido, o Direito Penal questiona também se os crimes já existentes deveriam ser adaptados a fim de abarcar as novas condutas cometidas em relação aos objetos virtuais.

Sendo o foco deste trabalho, foi concluído que o Direito das Coisas é o conjunto de regras e princípios que são utilizados para estabelecer a relação do homem e aqueles objetos que ele se apropria, assim como os direitos e deveres que emanam daquela relação jurídica.

Em relação as temáticas desse ramo do direito, tem-se que as Coisas são aqueles objetos, anteriormente pertencentes a uma multitude ou a um todo, que passam a constituir uma coisa individualizada em relação a essa multitude, e a partir dessa individualização é que se torna possível atribuir Posse e Propriedade em relação a tal coisa.

Neste diapasão, Posse é um estado de fato, abarcado e protegido pelo Direito, que é descrito legalmente como o exercício de alguma das atribuições em relação a propriedade, no sentido de que quem possui não é dono da coisa, estando apenas legitimamente no estado de posse aquele que não o faz de forma ilegítima e violenta.

Ainda nesse ponto, a Posse emana da Propriedade, que por sua vez é um direito basilar, associado ao bem-estar do ser humano, onde existe a possibilidade de usar, dispor e fruir da coisa apropriada, desde que nos limites da função social da propriedade, estabelecidos constitucionalmente, e ainda através do registro legalmente constituído e público em relação a quem a detém e o direito.

Observados esses posicionamentos, pode-se atribuir o estado de coisa para os objetos virtuais, desde que os mesmos passem por individualização e não constituam patrimônio intelectual ou industrial de alguma pessoa física ou jurídica.

Deste modo, é plenamente plausível que se exerça em relação a um objeto virtual o direito de propriedade, uma vez que a individualização do objeto virtual predispõe a associação do mesmo com a assinatura digital de um usuário, dessa forma mostrando aos outros usuários quem é o dono daquele objeto. Da mesma forma, a posse também pode ser exercida, uma vez que existe a possibilidade de disposição dos objetos sem que se perca a propriedade dos mesmos.

Quanto à legislação pertinente ao tema em questão, temos Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, Nº 1888, de 03 de maio de 2019, que busca regulamentar a obrigatoriedade de prestação de contas por parte dos operadores de valores em criptoativos, uma vez que tais movimentações podem demonstrar aumento de capital, o que é tributável. Apesar de definir o que vem a ser criptoativo, tal Instrução Normativa não é capaz de suprir a necessidade legislativa em relação ao tema.

Tem-se também o Parecer de Orientação CVM nº 40, de 11 de outubro de 2022, da Comissão de Valores Mobiliários, que também busca regulamentar quanto aos criptoativos que podem vir a ser considerados valores mobiliários, estabelecendo a definição dos mesmos perante o entendimento da autarquia. Entretanto, da mesma forma que a Receita Federal, tal parecer só busca suprir as lacunas relacionadas a área de atuação da Comissão, assim como evitar fraudes e trazer mais ênfase em relação ao tema tratado.

Sendo um dos únicos projetos legislativos referentes ao tema, o Projeto de lei nº 4401, de 2021, propõe, quase que exclusivamente, modificações nas leis punitivas referentes a crimes contra o sistema financeiro e crimes de lavagem ou ocultação de valores e bens. Apesar de sua intenção ser boa e de classificar o que vem a ser criptoativos de uma forma genérica e excludente, o projeto de lei não esclarece sobre a natureza dos objetos em questão, além de usar terminologia divergente em relação a outros dispositivos.

Por último, ainda em relação as disposições feitas pelas autarquias federais, tem-se o Comunicado BACEN Nº 25306 DE 19/02/2014, que vem inicialmente como uma crítica e um alerta em relação as criptomoedas e sua falta de regulamentação estatal. Apesar de esclarecer alguns pontos no que se refere as criptomoedas, novamente não existe classificação quanto a sua natureza em tal dispositivo.

Deste modo, observa-se o silencio legislativo em relação ao tema em questão, o que obriga aos operadores do direito a buscar interpretações estrangeiras em relação ao tema a fim de suprir a necessidade contemporânea em relação propriedade desses objetos.

Esse fato se reflete nos julgamentos dos tribunais. Em relação aos objetos virtuais como um todo, é reconhecida a sua intangibilidade, porém, dependendo da forma como são dispostos, eles podem ser considerados partes integrantes do patrimônio intelectual e industrial de pessoas físicas e jurídicas, dessa forma, aplica-se a lei em relação ao direito autoral ou ao direito do consumidor quando se ocorre dúvidas ou litígios em relação a tal tema.

Entretanto, quando se trata de criptoativos e criptomoedas, os tribunais recorrem a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil Nº 1888 para auxiliar na elucidação dos litígios, uma vez que é reconhecidamente a legislação infra legal mais robusta em relação a temática em questão, da mesma forma que a autarquia fiscal em questão se mostra eficiente quando se trata de fiscalizar os ganhos percebidos em relação a investimentos com tais tipos de ativos e rastrear seus donos.

Desse modo, percebe-se uma necessidade legislativa em relação ao tema, uma vez que o mundo virtual está se tornando cada vez mais uma parte integrante e vital do cotidiano humano. Dito isso, é necessário que se observe o comportamento de quem investe no mundo virtual, além de que se entenda de maneira correta a forma de constituição dos objetos virtuais.

Da mesma forma, se mostra pertinente caracterizar os objetos virtuais dentro da classificação de coisas, aos quais as criptomoedas e criptoativos podem se aproximar da forma que o ouro é tratado atualmente, ou seja, um objeto com valor mobiliário, onde também se observa registro em relação à posse do mesmo.

Sugere-se, ainda, que ocorra a padronização dos termos utilizados legislativamente em relação ao tema, uma vez que, durante a elaboração deste trabalho, pode-se perceber que os termos fornecidos pelos estudiosos do tema não são correspondentes com aqueles utilizados nas tentativas legislativas avaliadas, assim como entre os mesmos dispositivos em questão, que não são congruentes uns com os outros.

Portanto, a dinâmica perceptível da Internet mudou drasticamente ao longo dos anos, dessa forma é importantíssimo que se leve em consideração as mudanças que ocorrem nesse ambiente, apesar de sua incrível mutabilidade, uma vez que boa parte das vidas humanas que ainda estão por vir será vivida em contato com tal realidade virtual.


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Darlan Valente. Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7154, 1 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101346. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso apresentada ao curso de Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Joseane Pepino de Oliveira

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