REFLEXÕES FINAIS
Após exposição fática de todas as propostas de modificações no ordenamento jurídico, aquilo que se convencionou a chamar-se de Pacote das Leis na defesa da democracia brasileira, cabe ao jurista a difícil missão de analisar a viabilidade das propostas, sua necessidade e utilidade, além do alcance das medidas para se buscarem a tão sonhada paz social, evidentemente, com a imprescindível segurança jurídica nas relações intersubjetivas.
Outro ponto importante é deixar as nossas escusas pelo fato de ter sido um dos primeiros a enfrentar a discussão em produção jurídica. Quem primeiro tem a coragem de discutir temas novos acaba sendo o primeiro a cometer erros de interpretação. Nem mesmo o justo receio da prática de inconsistências técnicas foi capaz de nos afastar dessas discussões importantes para a vida em sociedade.
Primeiro é correto afirmar que o Brasil atual é bem diferente daquele que se viveu nos idos de março de 2020 quando da descoberta da Covid-19, pandemia que modificou as relações internacionais e a convivência humana. Causou e ainda tem causado muito sofrimento no mundo, somente no Brasil quase 700 mil mortes. Muito sofrimento, dor, saudades, um rastro de perdas e consequências nefastas em razão da crise humanitária. Diante do inimigo ainda invisível, ocorreram várias transformações sociais, sobretudo, nas áreas da ciência, tecnologia, na produção de mercado, prestação de serviços e na ciência jurídica.
A pauta da saúde pública passou a ser o primeiro elemento de discussão de políticas públicas notadamente no campo das eleições de 2022, criando um turbilhão de problemas de ordem social, de convivência, com a inevitável quebra da paz e harmonia na sociedade em que se vive. O mundo mudou numa velocidade incrível. As relações nas redes sociais passaram a constituir condições de sobrevivência e questões de segurança pública. Criou-se uma verdadeira indústria criminosa nas redes sociais, o que levou o Brasil a acelerar a sua participação na Convenção de Budapeste, instrumento de cooperação internacional para o enfrentamento dos crimes cibernéticos. Esse acordo internacional tipifica os crimes cibernéticos e traz mecanismos para facilitar a cooperação entre seus signatários. Para consagrar a intenção do Brasil para a cooperação internacional foi promulgado o Decreto Legislativo nº 37 de 2021, que aprova o texto da Convenção sobre o Crime Cibernético, celebrada em Budapeste, em 23 de novembro de 2001.
Analisando de forma perfunctória as modificações do pacote de leis de defesa da democracia, tem-se a Proposta de Emenda à Constituição que desloca para o STF a competência originária de processar e julgar os crimes contra o Estado Democrático de Direito, previstos no Título XII, do Código Penal, com o advento da Lei nº 14.197 de 2021.
A meu sentir tal proposta não possui viabilidade material, considerando que os julgamentos dos processos no STF costumam demorar muito tempo, o que afronta visceralmente um dos direitos fundamentais do cidadão que é a rápida solução de suas controvérsias, conforme previsão constitucional, artigo 5º, inciso LXXVIII, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 (a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação).
Conclui-se que a Justiça de 1ª Instância tem plenas condições de assegurar a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito com eficiência e maior rapidez, não havendo necessidade de se buscar na Suprema Corte a punição para esses tipos de ofensas. Seguramente, é isso que pode acontecer se houver o deslocamento da competência para o STF, nesses casos sob análise. Seria uma espécie de oficina da impunidade.
Analisado o intuito da Proposta de Emenda Constitucional, faz-se mister um breve comentário acerca das propostas previstas no pacote de leis denominado de defesa da democracia. É correto também afirmar que a dinâmica social faz com que o direito possa positivar as novas relações, sendo verdadeira a afirmação de que o direito NÃO tem feito criador, mas apenas se adaptar às novas tendências da sociedade. Assim, cabe ao Direito disciplinar o dinamismo social, se ajustar a ele, nada mais que isso.
Assim, seguindo essa orientação instrumental, o legislador pretende disciplinar um rol de condutas criminosas que já vem sendo praticadas no Brasil, com certa FREQUÊNCIA, as chamadas ofensas aos bens jurídicos vinculados à intolerância política. Desta feita, propõe ajustar as diversas maneiras de se manifestarem a intolerância política por meio de condutas expressadas por discriminação política, violência política, ameaça política, injúria política, intolerância política no mercado de trabalho, intolerância política no acesso a bens e serviços, intolerância política no ensino, dano ao patrimônio e obstrução de via pública. Nesse sentido é correto afirmar sem medo de errar que todo e qualquer leitor presenciou ou tomou conhecimento de pelo menos uma dessas condutas acima elencadas.
Imagina-se um professor acusando um aluno numa Universidade de pertencer a uma ideologia política e por isso passa a hostilizá-lo ali mesmo em sala de salas, durante horas a fio, submetendo-o a um constrangimento na frente de todos os outros alunos. Mas aviltante é quando o sistema de justiça é acionado para adoção de providências, mas o agente público responsável pelo processo também é partidário, portanto, totalmente parcial, contaminando todo o sistema de justiça. Isso é uma demonstração clara e inequívoca de intolerância educacional de um lado e de outro uma insofismável prática de prevaricação.
Praticamente, todas as condutas elencadas em epígrafe já são de alguma forma tipificadas no atual Código Penal ou em leis esparsas. Mas as condutas aqui definidas trazem em si um dolo específico, geralmente, os crimes sendo praticados por inconformismo político-partidário ou mesmo por conta da orientação política. A proposta pode ser ainda útil quando se define conduta de interromper ou obstar de alguma forma os serviços de utilidade público, até mesmo para afastar possíveis críticas atuais em torno de aplicação ou não do artigo 265 do Código Penal em determinados comportamentos que têm ocorrido com muita frequência no país.
A grande crítica que se faz, como jurista, é que a maior parte dos tipos penais se apresenta como ação de iniciativa privada, aquela que somente se procede mediante queixa. Assim, em casos de ofensas, o querelante deve constituir um advogado para propositura da queixa-crime. Melhor seria se a ação penal fosse pública condiciona à representação do ofendido, com o prazo de 06 meses para a representação, conforme previsto hoje no artigo 38 do Código de Processo Penal. Assim, a legitimidade da ação penal ficaria a cargo do Ministério Público que proporia a competente ação penal por meio da denúncia. Exigir queixa-crime é transferir para a vítima o encargo de promover a ação penal, tão cara e complexa, o que pode criar no Brasil a fábrica da impunidade e aumento da violência por intolerância política.
A proposta ainda proíbe que os crimes dessa natureza sejam resolvidos no âmbito do Juizado Especial Criminal, o que reforça mais ainda a busca da paz social, já que o pagamento de cesta básica nesses casos graves pode não solucionar o problema da violência por intolerância política no Brasil.
Outra proposta interessante, a meu aviso, é a criação de uma qualificadora para o crime de homicídio, se praticado por razão de intolerância política. Caso esse crime venha a ser praticado hoje motivado por intolerância política, quase sempre será qualificado por motivo fútil e torpe, mas são qualificadoras de ordem subjetivas, o que deverá ser cabalmente provado e com certa dificuldade. Ao passo que a motivação por intolerância política também deverá ser provada, seguramente, mais se apresenta mais confortável e tranquilo de provar que a futilidade ou torpeza.
Nesse mesmo viés tem-se a inclusão do artigo 359-V, no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 com a seguinte redação: Art. 359-V Será admitida ação privada nos crimes cometidos neste título, intentada por Partido Político com representação no Congresso Nacional, se a ação penal pública não for proposta no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
Foram apresentados outros Projetos de Lei na perspectiva de pacote de leis; assuntos de importância social e jurídica. Assim, pode-se mencionar a mudança na Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade, com a inserção do artigo 38-A na Lei nº 13.869, de 2019, para definir como conduta abusiva o fato da participação de agente público em manifestações de caráter político-partidário, ostentando a condição de seu cargo. Como bem definido na justificativa, o Estado não tem filiação partidária nem preferências políticas. O seu único compromisso é para com a Constituição. Nesse sentido, preservar a neutralidade do Estado é preservar a própria democracia.
Outro Projeto de lei pretende alterar a Lei Complementar nº 97, de 1999. Vale lembrar que referida norma dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Assim, o PL visa alterar a Lei Complementar nº 97 de 9 de junho de 1999; e desta forma acrescenta o § 3º no art. 2º para vedar a nomeação para o cargo de Ministro de Estado da Defesa servidor público militar, da ativa ou da reserva. Na justificativa do Projeto, pontua que o cargo de Ministro de Estado da Defesa é um cargo essencialmente político, de modo que o aceite para exercer tal cargo, per se, já caracteriza uma manifestação pública político-partidária por parte de quem o ocupa. Esse entendimento decorre do fato de que a nomeação de Ministros de Estado pelo poder executivo faz parte da sua composição política e demonstra o alinhamento político-ideológico entre o Chefe do Poder Executivo e seus nomeados. Destaca-se, nesse sentido, que o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferia na ADPF nº 388, já se pronunciou a esse respeito, reconhecendo que o exercício do cargo de Ministro de Estado é uma atuação político-partidária. Confira-se o trecho: ser Ministro de Estado e ser Secretário de Estado não deixa de ser, em alguma medida, uma atuação político-partidária. O papel de um Ministro de Estado, além da sua subordinação à vontade do Presidente da República, é fazer valer o programa de governo, seja do partido, seja da Administração, que tem uma dimensão essencialmente política.
Portanto, o concerto entre o ordenamento jurídico vigente e a Constituição Federal é o de que não é permitido aos Militares ocupar cargos políticos, ou, pelo menos, não deveria ser. Principalmente no que tange ao cargo de Ministro de Estado da Defesa. E por fim, os fundamentos lançados na justificativa enfatiza que nos países democráticos, o cargo de Ministro da Defesa, exatamente por comandar as Forças Armadas, é sempre exercido por um civil, como forma de reafirmar o controle civil sobre as forças armadas do país. Outra proposta de modificação é a do texto do artigo 236 que define as garantias eleitorais previstas no Código Eleitoral. Assim, acrescenta-se que os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 30 (trinta) dias antes da eleição. Essa garantia de abrange a vedação de imposição de medidas cautelares, reais ou pessoais, pelo período de 30 (trinta) dias anteriores à eleição de primeiro turno até 48 (quarenta e oito) horas após o término do segundo turno.
Finalizando o Pacote das Leis, apresenta-se o Projeto de Lei que visa alterar o art. 12 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida por Lei das Eleições. Nesse sentido, o PL modifica o texto do artigo 12 da LE para prever a vedação do uso da denominação do cargo público que ocupa, ou ocupou antes da desincompatibilização, para registro de candidatura. Nos fundamentos lançados na justificativa para a apresentação do projeto de lei, aduz que um dos princípios da administração pública é a impessoalidade, portanto, os serviços públicos são prestados à população pelo ESTADO. O servidor público é, por sua vez, o instrumento de tal prestação, não se confundindo, no entanto, com o próprio estado. Permitir que um candidato se utilize da denominação de um cargo público para impulsionar sua propaganda eleitoral PESSOAL, é permitir o abuso de poder econômico e da estrutura do Estado em benefício próprio.
Outrossim, já passou do tempo de o legislador criar tipos penais específicos para punir severamente aquele agente público pertencente ao sistema de justiça que ideologicamente decide em curso de processos ou investigações, punindo ou deixando de punir pessoas, tudo para atender seus caprichos próprios, abjetos, considerando que boa parte do sistema de justiça, lamentavelmente, encontra-se viciado e contaminado em face do interesse na causa, e nem mesmo a previsão das questões e processos incidentes, artigo 92 e seguintes do CPP é capaz de afastar a mácula da suspeição.
Decerto vivemos momentos difíceis; tempos de rupturas e desarmonia nos poderes constituídos; claro que não se tem independência e autonomia entre os poderes da União como anuncia o artigo 2º da Carta Magna. O ativismo judicial talvez não seja a melhor opção num modelo de estado democrático de direito. O seu subjetivismo na análise do vazio normativo e garantia dos direitos de cidadania do povo brasileiro imposto no catálogo abrangente de direitos talvez não seja justificativa plausível para impor sucessivas intervenções de um poder em outro. Diante de tantas decisões judiciais controvertidas, às vezes tomadas originariamente pela Suprema Corte, sem outra instância recursal, como a criação de tipos penais em flagrante violação do princípio da legalidade ou quando da cassação da nomeação de um ministro da justiça pelo Presidente da República, sob argumento de desvio de finalidade, com clara revisão do mérito do ato administrativo, sem lastro de proporcionalidade, tudo isso se transforma num ingrediente perigoso com clara ofensa ao princípio da tripartição de funções, levando muito jurista a interpretar essas intercorrências como sendo uma indubitável manifestação de estado de exceção.
Por fim, há de gritar com toda força para fazer ecoar no mundo. Por certo o nosso grito talvez NÃO tenha força suficiente para alcançar os 215 milhões de brasileiros, mas espera-se ter lançado uma semente de luz para iluminar as mentes ofuscadas de legisladores que continuam dormindo em berço esplêndido. O nosso amor à democracia é pedra de toque para a sobrevivência. Nosso nome é impregnado de uma história verdadeira de amor, bem próprio de quem nasce no Vale do Mucuri, ilimitado e desmedido, tudo pelo fortalecimento da democracia, e nada por um colorido boçal, absolutamente nada, pela arbitrariedade que campeia nos corredores de setores que deveriam dedicar amor à causa pública, menos estrelismo e mais amor à Pátria.
E desta forma, clama-se por maior discernimento e menos alienação por falsos líderes de frases prontas, repetitivas, de disco arranhado, gente hipócrita que arrota arrogância nas rodas sociais ao lado de bajuladores detentores de sinecuras, desprezíveis do mundo; e assim, o mundo caminha e a roda gira, todos se preparando de corpo e alma para se agasalhar no eterno ataúde do tempo.
() Nunca deixe se levar por falsos líderes
Todos eles se intitulam porta vozes da razão
Pouco importa o seu tráfico de influências
Pois os compromissos assumidos quase sempre ganham
Subdimensão.
O importante é você ver o grande líder que existe dentro
De você.
Meu amigo meu compadre meu irmão
Escreva sua história pelas suas próprias mãos
Não se deixe intimidar pela violência
O poder da sua mente é toda sua fortaleza
Pouco importa esse aparato bélico universal
Toda força bruta representa
Nada mais do que um sintoma de fraqueza
O importante é você crer
Nessa força incrível que existe dentro de você
Meu amigo meu compadre meu irmão
Escreva sua história pelas suas próprias mãos.
(Zé Geraldo)
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 02 de dezembro de 2022.
BRASIL, Código Penal Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 02 de dezembro de 2022.
BRASIL, Código de Processo Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 02 de dezembro de 2022.
BRASIL, Lei das Eleições. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm . Acesso em 02 de dezembro de 2022.
BRASIL, Código Eleitoral. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%204.737%2C%20DE%2015%20DE%20JULHO%20DE%201965.&text=Institui%20o%20C%C3%B3digo%20Eleitoral.,9%20de%20abril%20de%201964.. Acesso em 02 de dezembro de 2022.
BRASIL, Lei de Abuso de Autoridade. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13869.htm . Acesso em 02 de dezembro de 2022.