SUMÁRIO. 1. Panorama geral da lei n. 11.441/2007. 2. Separação e divórcio extrajudiciais e mediação. 3. Da opção entre as vias judicial e extrajudicial. 4. Competência territorial. 5. Da possibilidade de separação e divórcio extrajudiciais por procuração. 6. Da possibilidade de divórcio indireto extrajudicial. 7. Da possibilidade de reconciliação extrajudicial. 8. Referências bibliográficas.
1.Panorama geral da Lei n. 11.441, DE 2007.
Em 5 de janeiro de 2007 entrou em vigor em nosso País a Lei n. 11.441 para alterar alguns dispositivos do Código de Processo Civil e instituir a possibilidade de realização de separações, divórcios e partilhas pela via extrajudicial. Apesar de ensejar mudanças apenas no Estatuto Processual, a lei interessa diretamente ao direito material - particularmente ao Direito de Família e das Sucessões. Mesmo tendo apenas cinco dispositivos, o novo regramento traz à tona uma série de discussões de conteúdos técnico e prático.
De início, o art. 982 do CPC foi alterado para prever a possível realização de inventários por escritura pública. [01] Em complemento, o art. 983 do Códex passou a trazer um novo panorama quanto ao prazo de instauração do procedimento. [02]Como se percebe, ambos os dispositivos possibilitam a realização de inventário pela via extrajudicial.
Ainda quanto ao tema de Direito Sucessório, pela nova redação do art. 1.031 do CPC não mais se exige que o inventário extrajudicial seja homologado pelo juiz. [03] A reforma enseja ainda uma correção legislativa: menciona-se, agora, o Código Civil de 2002 e não mais a codificação anterior (o que interessa ao direito intertemporal). [04]
Nos termos do art. 3º da Lei n. 11.441/2007, foi acrescido o art. 1.124-A ao Código Processual. [05] Em síntese, o comando legal possibilita a separação e o divórcio do casal, extrajudicialmente, em Tabelionato de Notas e por escritura pública, sempre que não houver litígio nem filhos menores ou incapazes. A atuação do advogado é essencial para o ato e a gratuidade deve ser assegurada se pobres os requerentes. [06]
Esse último e novo dispositivo é o que interessa ao presente trabalho, que pretende analisar questões interdisciplinares, de direito material e de direito processual atinentes à separação e ao divórcio extrajudicial. Na realidade do Direito Pós-Moderno, de explosão legislativa, recomenda-se um diálogo entre as várias fontes legislativas na tentativa de, a partir das diretrizes de complementaridade e coordenação, orientar o aplicador do Direito. [07]
Especialmente no tocante ao Direito Civil e ao Direito Processual Civil, é de se ponderar que a relação entre ambos deve ser considerada sob dois aspectos fundamentais: a instrumentalidade e a efetividade.
Com base na instrumentalidade, deve-se conceber o processo como um instrumento de atuação dos valores consagrados no plano do direito material. Em termos de efetividade, deve-se considerar, como bem ponderou Liebman, que, sem o processo, o direito (material) estaria abandonado apenas à boa vontade dos homens, correndo o risco de não ser atuado; já o processo sem o direito (material) seria um mecanismo fadado cair no vazio, privado de conteúdo e objetivo. [08] Como atesta Rodolfo Camargo Mancuso, com tal contribuição o mestre italiano "logrou encontrar o ponto de equilíbrio entre direito e processo, como dois pólos que, sem se sobreporem, antes se implicam e se complementam." [09]
De imediato, deixando-se de lado interesses egoísticos de alguns grupos, entendem os autores que a possibilidade de separação e divórcios extrajudiciais representa um notável avanço para a sociedade brasileira, inclusive porque legislações de outros Países já consagram a possibilidade de se percorrer esse caminho. [10] A nova norma é vantajosa para a sociedade por diminuir a burocracia nos procedimentos de separação, divórcio e inventários. Nos casos de dissolução de casamento e da sociedade conjugal afasta, ainda, a situação indesejável de os cônjuges terem de expor ao Poder Judiciário as mazelas de seus relacionamentos. Falta, todavia, o amplo debate da lei por toda a sociedade - e particularmente pela comunidade jurídica -, para a solução das inúmeras dúvidas que já surgem do seu conteúdo. Também se recomenda fortemente a regulamentação de alguns aspectos essenciais e a adoção de medidas concretas acautelatórias para evitar a perpetração de fraudes e danos. Por certo os operadores do Direito não se furtarão a esses encargos. [11]
Assim, o presente artigo pretende abordar algumas questões polêmicas que já surgiram em decorrência da nova lei. Por certo é que o artigo não analisa todos os impasses decorrentes do novo regramento. Como o objetivo das normas também é promover a celeridade processual e a diminuição do que se denominou inflação judiciária, outras questões controvertidas surgiram e ainda virão à tona. Em suma, o presente trabalho está longe de esgotar o debate; seus autores pretendem apenas fomentá-lo.
2. Separação e divórcio extrajudiciais e mediação.
No novo panorama trazido pela Lei n. 11.441/07, a autonomia privada e o consenso despontam como importantes elementos para que a via extrajudicial constitua mais uma hipótese de regularização das relações jurídicas atinentes ao matrimônio e ao direito sucessório.
Para que o indivíduo atue de forma autônoma, é importante a consideração de sua dignidade enquanto possibilidade de autodeterminação livre e consciente; assim, deve ser disponibilizada plena informação sobre sua situação jurídica, sendo-lhe dispensado genuíno respeito à sua liberdade.
Quanto ao consenso, é importante haver concordância dos indivíduos em relação ao destino de suas posições jurídicas. Sobreleva que sua anuência seja autêntica e não decorrente de pressões e desinformações de qualquer uma das partes. A comunicação e o diálogo são essenciais para o afastamento das animosidades e o estabelecimento da relação em bases conciliatórias.
Como obter o consenso em momentos de acirramentos, animosidades e perdas? A mediação surge como importante técnica em tal contexto ao contemplar uma forma de gerir os conflitos com enfoque precípuo nas pessoas e em seus verdadeiros interesses. Tal método promove uma abordagem mais profunda da controvérsia ao funcionar como um acompanhamento das partes para que possam gerir seus conflitos e formular uma decisão célere, ponderada, eficaz e satisfatória em relação ao impasse instalado. [12]
As técnicas para obter tal mister são variadas, tendo por núcleo principal a provocação da reflexão dos indivíduos, fazendo perguntas pertinentes sobre o objeto litigioso e outros elementos relevantes para o deslinde das questões. Assim, tem-se que a regra básica da comunicação fundamental na mediação (assim como na negociação) é escutar com atenção, interrogar para saber mais e ir resumindo o que compreendeu para esclarecer pontos importantes do conflito. [13] O mediador não impõe decisões, mas dirige as regras de comunicação entre as partes. [14]
Com a facilitação do diálogo pelo mediador, os sentimentos das partes podem ser enfrentados e compreendidos. [15] Sendo-lhes permitido um espaço apropriado para a reflexão e o resgate de suas próprias responsabilidades, os mediandos poderão separar os sentimentos dos reais interesses, deixando para trás o passado e podendo se reorganizar para os tempos futuros.
No Direito de Família e no Direito das Sucessões, a partir da consideração do parentesco, desponta o aspecto continuativo da relação jurídica entre os indivíduos; eis porque se recomenda que haja uma eficiente e respeitável comunicação entre eles, despontando a mediação como importante instrumento para viabilizá-la.
A relação familiar, afinal, é perene: ainda que haja desconstituição da sociedade conjugal pela separação, remanesce ainda o vínculo - e alguns dos efeitos do casamento, especialmente o da mútua assistência -, até a decretação do divórcio. Após a realização deste, ainda assim pode haver relação continuativa no que se refere à obrigação alimentar. Caso esta não exista e não mais haja qualquer tipo de contato, de qualquer forma, é recomendável que haja paz entre os ex-cônjuges, razão pela qual a mediação sempre tem pertinência como método consensual de abordagem do conflito. [16] Na hipótese da Lei n. 11.441/07, exige-se que o casal não tenha filhos e consensualmente queira a dissolução do matrimônio, sendo muito relevante que contem com a mediação para desfazer os dissensos porventura verificados.
Assim, no âmbito da família, é importante disponibilizar elementos para que seus membros possam reforçar tal instituição de forma que ela mesma supra suas necessidades, sem precisar delegar a solução de suas crises a terceiros. [17] A mediação pode colaborar intensamente neste quadro fornecendo elementos de compreensão e resgate de responsabilidades.
A partir do panorama instaurado com a Lei n. 11.441/07, o advogado deve estar pronto para comunicar às partes não só sobre suas possibilidades de regularização do estado civil (pelas vias judicial e extrajudicial) como também as técnicas disponíveis para a obtenção do consenso, dentre as quais se destacam a negociação e a mediação.
Deve-se considerar, todavia, que nem sempre ambas as partes estão prontas para definir de per si a pendência. Situações emocionais precárias podem prejudicar todo tipo de abordagem para estabelecer o consenso; ademais, em alguns casos, há interesse na instauração de uma demanda judicial justamente para que se mantenha alguma sorte de vínculo com o outro. [18] Nessas hipóteses, podem se configurar consideráveis limitações à adoção das técnicas consensuais, sendo de rigor, caso as tentativas se revelem infrutíferas, que o magistrado imponha sua decisão de modo imperativo. Eis porque não se pode excluir a possibilidade de utilização da via judicial, em pleno cumprimento ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.
3. Da opção entre as vias judicial e extrajudicial.
A Lei n. 11.441/07 foi muitíssimo clara ao contemplar a opção pela via extrajudicial acrescentando ao teor do art. 1.124-A do CPC a expressão "poderão ser realizados por escritura pública". Todavia, há intérpretes apontando que, uma vez presentes os requisitos apontados na lei, deve-se considerar um dever a realização mediante escritura. Tal conclusão, todavia, não se coaduna com uma interpretação lógico-sistemática de nosso ordenamento.
Pelo princípio-garantia da inafastabilidade da jurisdição, também denominado direito de ação, princípio do livre acesso ao judiciário, princípio da ubiqüidade da justiça e princípio da proteção judiciária, é tarefa dos órgãos judiciais dar justiça a quem a pedir, sendo a todos assegurado o direito cívico de solicitar a apreciação de sua pretensão. Enrico Tullio Liebman caracteriza-o como direito genérico, indeterminado, inexaurível e inconsumível. [19] Tal garantia implica o direito de receber do Estado a tutela jurisdicional adequada e apta a conferir efetividade ao pedido tanto para evitar como para reparar a lesão alegada. [20]
Compete ao direito processual zelar pela tarefa de administração dos conflitos em conformidade com as diretrizes constitucionais. A respeito disso, assevera Cândido Rangel Dinamarco que o "nosso sistema político-constitucional de oferta do serviço jurisdicional resolve-se no equilíbrio entre uma fundamental promessa de absorção de pretensões de pessoas em busca de satisfação e uma série de limitações ao exercício do poder de recebê-las, processá-las e acolhê-las". Assim, pondera que a técnica processual constitui a projeção infraconstitucional de tais limitações e visam a criar poderes, deveres, ônus, faculdades, sujeições, eficácias a vincular o magistrado e os litigantes. [21]
Ao tratar da exigência de certos requisitos para que a sentença de mérito possa ser proferida, aduz o referido autor que tal condicionamento, técnica consagrada pelas legislações em geral, configura limite legitimamente imposto pela lei processual infraconstitucional à garantia constitucional da ação. [22]
Revela-se importante, na perspectiva da relação jurídica, ressaltar a noção de interesse, cujo conteúdo pode ser associado à idéia de vantagem. Como bem explicita Rodolfo de Camargo Mancuso, o interesse liga uma pessoa a certo bem da vida em decorrência de certo valor que tal bem possa representar para o indivíduo. [23] Considera, então, ao mencionar o interesse em sua acepção laica, que a idéia de vantagem nasce e se desenvolve na esfera psíquica da própria pessoa. Seu portador quer, deseja, aspira uma situação e, muitas vezes, não tem como exigir sua satisfação [24].
Sob o aspecto da necessidade, pondera-se que, no exercício da função jurisdicional, o Estado intervém como um terceiro situado acima das partes que só atua quando os titulares da relação estão impedidos de gerar a devida transformação da situação controvertida por seus próprios meios e por suas próprias mãos. [25]
O interesse de agir decorre, naturalmente, da demonstração de que a outra parte omitiu-se ou praticou ato justificador do acesso ao Judiciário. [26] Assim, é de questionar se seria possível conceber a existência de efetivo interesse apenas quando a parte tiver comprovado o esgotamento de todas as possibilidades de tentar sanar a controvérsia. Dentre estas, situar-se-ia a hipótese de tentar a realização extrajudicial da separação ou do divórcio.
É fato que não há, em nosso sistema jurídico vigente, como exigir o prévio esgotamento de instâncias administrativas para a parte poder acessar o Poder Judiciário. [27] O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, ao prever a inafastabilidade, contempla a garantia de que cabe ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição, não sendo admitido, com força vinculativa, o contencioso administrativo. [28] Como bem aponta Alexandre de Moraes, a atual Constituição afastou a jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado, sendo que a única exceção ao princípio do livre acesso verifica-se no tocante à justiça desportiva (Constituição Federal, art. 217, §§ 1º [29] e 2º) [30].
O controle jurisdicional, ao lado do princípio da legalidade, constitui pilar essencial do Estado de Direito. [31] O artigo 5º, XXXV de nossa Lei Maior é o fundamento da jurisdição una por não permitir atuação vinculativa de órgãos do contencioso administrativo. [32]
Há diversos precedentes judiciais que reconhecem como indevida a tentativa de submeter a parte à exigência de esgotar a via administrativa antes de acessar o Poder Judiciário na defesa de seus interesses. [33] Irretocável tal conclusão: o comando de que ao legislador não cabe limitar a apreciação de lesão ou ameaça de lesão pelo Poder Judiciário deve ser plenamente observado.
Na hipótese da Lei n. 11.441/07, acertou o legislador ao utilizar a expressão "poderão", uma vez que a atuação judicial pode ser necessária em diversas hipóteses, não obstante as partes preencham objetivamente os requisitos da lei. Situações subjetivas das partes podem recomendar a adoção da via judicial, como nos casos de anterior má fé com falta de comparecimento de um dos cônjuges ao Tabelionato [34] e na hipótese de assistência judiciária gratuita e gratuidade [35].
Concluímos, portanto, ser essencial que a realização por escritura pública seja vista como uma possibilidade a mais e não como uma obrigação aos indivíduos. Não falta interesse de agir, estando este presente quando a via judicial se revele a mais adequada para a tutela dos interesses envolvidos na situação jurídica.
4. Competência territorial.
A competência territorial (ou de foro) implica na atribuição pela lei do julgamento da causa a algum dos diversos órgãos jurisdicionais levando em conta a divisão do território nacional em circunscrições judiciárias.
Nas hipóteses da Lei n. 11.441/07, a lavratura de escritura pública não constitui ato jurisdicional, não se devendo falar propriamente em julgador e em sua suposta "competência". Eis porque o já mencionado grupo paulista de estudos afirmou que "para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei nº 11.441/07 (artigo 8º da Lei nº 8.935/94), é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil". Ora, a lei processual não estabeleceu qualquer regra sobre a matéria e assim procedeu de forma consentânea com o panorama existente no tocante a outros atos atribuídos aos Tabelionatos de Notas. À lei processual não compete dispor sobre tais conteúdos por ser totalmente estranho ao seu objeto natural. Eventualmente uma lei estatal específica poderia abordar o tema para evitar problemas e fraudes, o que parece de todo recomendável em um país de proporções continentais com diversificadas realidades locais. Eis porque o citado grupo de estudos do Tribunal de Justiça de São Paulo recomenda "a criação de um Registro Central de Inventários e de outro de Separações e Divórcios, para concentrar dados e informações dos atos notariais lavrados, prevenir duplicidade de escrituras e facilitar as buscas".
A respeito dessa conclusão, André Jeremias Ribeiro, titular do 20º Tabelionato de Notas da Capital de São Paulo, aponta sua insatisfação pela inexistência de restrições à escolha do Tabelião ante a absoluta falta de previsão legal. Pondera que, "embora muito se tenha falado de um sistema central de informações, a fim de se evitarem duplicidades de atos, a tendência é que muitas fraudes encontrem facilidades. Com certeza, a territorialidade seria a melhor situação para o acautelamento de direitos." [36] Concordamos parcialmente com tal assertiva, porquanto há mecanismos suficientes para que as informações circulem suficientemente entre as diferentes serventias. Os sistemas de comunicação podem - e devem - ser melhor utilizados para que haja disponibilidade dos dados a todos os órgãos públicos que solicitarem seu encaminhamento. Também o cidadão, para exercer negócios jurídicos, precisa conhecer o status da outra parte, razão pela qual sobreleva a importância de poder acessar os dados para descobrir o estado civil da outra pessoa.
Nessa esteira, dispõe o Provimento nº 164/CGJ/2007 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em seu art. 11, que "os documentos necessários à prática de quaisquer dos atos mencionados neste Provimento devem ser arquivados na respectiva serventia, na forma da lei, não subsistindo esta obrigação quando forem microfilmados ou digitalizados". A preocupação com o arquivamento revela-se importante, merecendo elogios a previsão do Tribunal mineiro; afinal, para eventual apuração de responsabilidades por falsidades nas declarações é essencial que os documentos existam e estejam disponíveis aos interessados.
No mais, superada esta falta de controle e de comunicação, parece-nos salutar a facilitação da atuação das partes pela possibilidade de atuar em qualquer tabelionato do país. Com isto, a novel previsão poderá atender aos seus desideratos de contribuir "para desobstruir o Poder Judiciário" e facilitar "a vida das pessoas que desejam se separar se litígio, mediante a instituição de uma formalidade jurídica mais próxima do povo e mais econômica." [37]