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O direito ao exercício de greve dos servidores públicos civis e sua vedação aos militares

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27/07/2007 às 00:00
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5 A regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis

Como já foi dito, entende-se que o dispositivo constitucional que prevê o direito de greve aos servidores públicos civis é uma norma de eficácia limitada, não podendo a greve ser exercida enquanto não houver uma lei ordinária que trate especificamente da matéria.

Quanto a esta lei específica, surgiram dois entendimentos, um de que seria uma lei ordinária a ser elaborada por cada ente da Federação, e outro de que esta lei se trataria de uma lei ordinária federal, de alcance geral, aplicável a todas as esferas do governo.

Maria Sylvia Zanella di Pietro (2006, p. 529) entende que como a matéria de servidor público não é privativa da União, cada esfera de governo deverá disciplinar o direito de greve por lei própria.

De modo contrário, no entanto, entende Diógenes Gasparini (2006, p. 195), para quem "a lei específica referida nesse dispositivo constitucional é federal e, uma vez editada, será aplicável a todos os entes federados (União, Estados-Membros, Distrito federal, Municípios)". Diz ainda o autor que, "nessa área, salvo a União, nenhum dos outros partícipes da federação tem igual competência" e que "sua iniciativa é concorrente, pois cabe tanto ao Presidente da República como a qualquer membro do Congresso Nacional".

José dos Santos Carvalho Filho (2006, p. 608) também acredita que a lei ordinária a ser editada deva ser federal, pois "trata-se de dispositivo situado no capítulo da ‘Administração Pública’, cujas regras formam o estatuto funcional genérico e que, por isso mesmo, têm incidência em todas as esferas federativas", concluindo que "à lei federal caberá anunciar, de modo uniforme, os termos e condições para o exercício do direito de greve, constituindo-se como parâmetro para toda a Administração".

O fato é que, estadual ou federal, esta lei ainda não foi elaborada. Embora o direito tenha sido concedido aos servidores públicos pela Constituição Federal de 1988, o Congresso Nacional nunca aprovou uma lei disciplinando a greve, o que leva muitos a criticarem essa inércia dos parlamentares, que prejudica tanto os servidores quanto a população em geral, principal interessada nos serviços públicos que freqüentemente são paralisados, mesmo ausente a regulamentação.

José dos Santos Carvalho Filho (2006, p.609) trata desse assunto, dizendo que:

Foram noticiadas, inclusive, greves de magistrados, de policiais, de fiscais e de outras categorias em relação às quais o movimento grevista pareceria esdrúxulo e incompatível com as relevantes funções de seus agentes. O ideal é que o Poder Público diligencie para que logo seja editada a lei regulamentadora da matéria, porque toda a confusão sobre o assunto tem emanado da lamentável e inconstitucional inércia legislativa. Com a lei, evitar-se-iam abusos cometidos de parte a parte, abusos estes que acabam respingando sobre quem nada tem a ver com a história – a população em geral – que, a despeito de sua necessidade, permanece sem a prestação de serviços públicos essenciais, como a previdência social, assistência médica, educação e justiça, entre outros.

Lúcia Valle Figueiredo (2006, p. 631) reforça o que foi dito, lembrando que o direito de greve dos servidores públicos deve ser exercido, guardando "nítida compatibilidade com as necessidades do serviço público, dos interesses primários a serem defendidos pela Administração", e afirmando ainda que esse direito "não pode esgarçar os direitos coletivos, sobretudo relegando serviços que ponham em perigo a saúde, a liberdade ou a vida da população".

Atualmente, o Supremo Tribunal Federal está apreciando a questão no julgamento dos mandados de injunções nº. 670 e nº. 712, impetrados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Espírito Santo (Sindipol) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep). Os mandados de injunções foram impetrados com o objetivo de dar efetividade à norma inscrita no artigo 37, inciso VII , da Constituição Federal. Neles, os sindicatos requerem que seja concedida autorização aos seus filiados para que se utilizem da Lei Federal nº. 7.783, de 28 de Junho de 1989, que rege o direito de greve no setor privado, até o advento da norma regulamentadora.

Odete Medauar (1999, p.314), ao constatar que apesar de entender-se que o direito de greve só poderá ser exercido quando for regulamentado por lei, várias greves de servidores vêm ocorrendo sem que as autoridades administrativas se valham desse entendimento majoritário para instaurar processos disciplinares contra seus participantes; na ocasião, já vislumbrava essa alternativa, qual seja, a de, "por analogia, invocar preceitos da lei referente à greve dos trabalhadores, em especial quanto a serviços essenciais".

José dos Santos Carvalho Filho (2006, p.609), no entanto, discorda dessa possibilidade, entendendo que "o direito de greve constitui, por sua própria natureza, uma exceção dentro do funcionalismo público" e, "desse modo, esse direito não poderá ter a mesma amplitude do idêntico direito outorgado aos empregados da iniciativa privada".

O ministro Eros Grau, relator do Mandado de Injunção nº. 712, também diferencia, em seu voto, a greve do setor privado da greve do serviço público, dizendo que "a greve no serviço público não compromete, diretamente, interesses egoísticos, mas sim os interesses dos cidadãos que necessitam da prestação do serviço público".

Contudo, ele entende que o Supremo deve, no exercício de função normativa, não legislativa, formular, supletivamente, a norma regulamentadora de que carece o artigo 37, inciso VII da Constituição, a fim de assegurar a continuidade da prestação do serviço público, conferindo eficácia ao dispositivo constitucional.

Para isso, em seu voto, ele conheceu do Mandado de Injunção, e defendeu a utilização da lei que rege o direito de greve dos trabalhadores em geral, com determinados acréscimos, bem como com algumas reduções de seu texto, de modo a atender às peculiaridades da greve nos serviços públicos.

De acordo com o voto do Ministro-relator do Mandado de Injunção n.º 712, deverá ser aplicado aos servidores públicos civis o conjunto normativo integrado pelos artigos 1º ao 9º, 14, 15 e 17 da Lei nº. 7.783, de 20. 6.89, com as devidas alterações, as quais se encontram em destaque:

Art. 1º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação parcial do trabalho.

Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas, da paralisação.

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação parcial da prestação de serviços.

§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.

Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;

II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.

§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência da hipótese do art.14.

Art. 8º A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.

Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar a regular continuidade da prestação do serviço público.

Parágrafo único. É assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo.

Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, em especial o comprometimento da regular continuidade na prestação do serviço público, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:

I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;

II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação. (grifo nosso)

Sete ministros, entre os oito que já votaram, acompanharam o voto do relator, posicionando-se a favor da aplicação da lei que regulamenta a greve de trabalhadores do setor privado, com as devidas adaptações feitas, nos casos de paralisações dos serviços públicos.

O ministro Ricardo Lewandowski, até o momento, foi o único que se opôs à equiparação, argumentando que os serviços prestados por trabalhadores de empresas privadas e de órgãos públicos têm características diferentes, não podendo, dessa forma, ser amparados por uma mesma legislação. Ele alegou ainda que, ao disciplinar esse assunto, o STF estaria invadindo esfera de competência reservada ao Poder Legislativo.

Apesar de não concordar com a aplicação da Lei de Greve aos serviços públicos, o Ministro ressaltou a necessidade de que os servidores assegurem, no caso de greve, a prestação dos serviços inadiáveis, e afastou a possibilidade dos governos adotarem medidas que inviabilizem ou limitem o direito de greve desses servidores.

Até o término deste artigo, o julgamento do mandado de injunção encontrava-se suspenso por causa de um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, que, ao fazer o pedido, lembrou que o Congresso Nacional já programou audiências públicas para discutir a regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, questionando se o STF não estaria antecipando uma decisão que deveria ser tomada exclusivamente pelos parlamentares.

Ao término da votaçãodesses mandados de injunções, se o entendimento que prevalece agora no STF for mantido, os servidores públicos deverão exercer o direito de greve de forma limitada, utilizando-se de dispositivos da Lei n.º 7.783/89, assim como ocorre com os trabalhadores do setor privado.

Essa decisão do Supremo terá repercussão em todo o serviço público do país, inclusive o federal, e não só nos servidores dos estados do Espírito Santo e do Pará, de onde os mandados de injunções se originaram.

Caso esta Corte decida que se deve aplicar aos servidores públicos civis a mesma legislação que regulamenta as greves no setor privado, esta interpretação ficará valendo até que o Congresso Nacional regulamente uma legislação específica para os servidores.


CONCLUSÃO

Este artigo científico procurou mostrar que, embora ainda não haja regulamentação ao direito de greve dos servidores públicos civis e, apesar de esse direito não ser conferido aos militares, a greve vem sendo exercida com freqüência.

Isto leva à conclusão de que a ausência de regulamentação tanto no que se refere ao artigo 37, inciso VII, quanto no que tange ao artigo142, §3º, inciso IV, ambos da Constituição Federal, só tem trazido malefícios aos servidores públicos e à população em geral, que é a principal interessada na prestação dos serviços.

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Portanto, necessário se faz uma norma jurídica que dê contornos ao exercício de greve pelos servidores civis e outra que defina as conseqüências desse exercício pelos militares. Enquanto perdurar a inércia legislativa, melhor será que o Supremo Tribunal Federal tome as rédeas da situação e regulamente, supletivamente, os dispositivos constitucionais mencionados.


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PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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Sobre a autora
Lívia Cabral Fernandes

advogada em Fortaleza (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Lívia Cabral. O direito ao exercício de greve dos servidores públicos civis e sua vedação aos militares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1486, 27 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10184. Acesso em: 22 nov. 2024.

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