A relevância da cadeia de custódia na persecução penal.

Uma breve análise

Resumo:


  • A Perinecroscopia é essencial para análises de vestígios materiais em casos criminais.

  • A Cadeia de Custódia é fundamental para manter a integridade e rastreabilidade de vestígios coletados.

  • Os procedimentos da Cadeia de Custódia incluem reconhecimento, isolamento, coleta, transporte e armazenamento de vestígios.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É de suma importância relatar acerca dos procedimentos inerentes à Perinecroscopia, haja que vista que, desta forma, haverá todo um conjunto de análises relativas a um determinado fato delituoso ocorrido, pois conforme ensinamentos de Eraldo Rabelo, tais procedimentos irão auxiliar e informar as autoridades jurídicas e policiais de investigação criminal, tendo em face o estudo dos vestígios materiais extrínsecos à pessoa física, contribuindo com o que for útil à elucidação e aos elementos informativos (provas) do delito em questão, e, também, contribuir para a identificação do (s) respectivo (s) autor (es). No que tange à Cadeia de Custódia, partiremos de, prima facie, sua conceituação:

Uma sucessão de eventos concatenados, em que cada um proporciona a viabilidade ao desenvolvimento do seguinte, de forma a proteger a integridade de um vestígio do local de crime ao seu reconhecimento como prova material até o trânsito em julgado do mérito processual; eventos estes descritos em um registro documental pormenorizado, validando a evidência e permitindo sua rastreabilidade, sendo seu objetivo-fim garantir que a evidência apresentada na corte se revista das mesmas propriedades probatórias que o vestígio coletado no local de crime. (DIAS FILHO, Claudemir Rodrigues. Cadeia de custódia: do local de crime ao trânsito em julgado; do vestígio à evidência. Revista dos Tribunais. v. 98, n. 883, p. 436-451. maio 2009).

Tendo por base a citação supramencionada, a Cadeia de Custódia denota extrema relevância para a análise de um determinado evento delituoso a fim de viabilizar que as análises das informações ali coletadas/obtidas, sirvam de meios contundentes de informações procedimental e processual, para a elucidação de dada infração penal.

Tal instituto (Cadeia de Custódia) mostrou-se de extrema valia que fora editada a lei nº 13.964/2019 que inaugura tal regramento no Código de Processo Penal brasileiro. No que diz respeito ao referido regramento, explicita-se o que positiva o artigo 158-A do Código de Processo Penal:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. § 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. 

Neste sentido, objetivando uma análise pormenorizada do crime e o local onde acontecera, para que haja absoluta integridade e inalterabilidade dos elementos materiais analisados, deve o agente responsável por esta atividade pericial analisar se houve isolamento e preservação da “local de crime”1, a fim de que nenhum evento ocasionado por terceiros venha a promover alterações na cena do crime, inclusive, no corpo da vítima, para que, não havendo as referidas alterações, não havendo “vícios” nos elementos informativos, que farão parte do Inquérito Policial, todas as informações ali obtidas e repassadas às autoridades policiais e judiciárias, contribuam para a elucidação do crime respeitando este diploma legal (Cadeia de Custódia) e um dos institutos mais importantes em nosso Ordenamento Jurídico, o instituto do Devido Processo Legal2, respondendo, assim, as questões inerentes ao Heptâmetro de Quintiliano (onde e quando ocorreu o fato; qual o meio empregado; de que forma este meio foi utilizado; qual a arma utilizada e por quem).

Objetivando ressaltar para que não haja vícios nos elementos informativos na cena do crime, importante se faz mencionar o que positivam os seguintes artigos do Código de Processo Penal:

Art. 6º:  Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter; X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa. 

Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.

Para tanto, no que tange às fases da Cadeia de Custódia, objetivando promover uma efetividade no conjunto de procedimentos a serem adotados, faz-se relevante a observação do que dispõe o art. 158-B do Código de Processo Penal:

Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas: I - reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial; II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime; III - fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento; IV - coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza; V - acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento; VI - transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse; VII - recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu; VIII - processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito; IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente; X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial.   

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Ressalta-se a observação e obediência dos procedimentos acima mencionados, pois todas as informações ali obtidas, ao fazerem parte de um Inquérito Policial3, deve-se haver todo um isolamento (é o ato de retirar as pessoas da cena dos fatos) e a preservação (está relacionada à manutenção dos vestígios presentes) do local do crime. Neste sentido, documentos, objetos e conteúdos materiais ou virtuais, fontes de prova pericial, receberão significativa notoriedade no contexto decisório do Magistrado, pois todos os elementos informativos servirão de base para a persecução penal – desde a fase pré-processual até a fase processual, com a devida decisão/sentença do Juiz de Direito em uma determinada situação delitiva.

Conforme supramencionado, trata-se, portanto, de garantir que os meios de prova sejam evidenciados como instrumento fundamental para a eficácia dos meios de prova. Caso isto não aconteça, colabora-se para o surgimento de indagações sobre a confiabilidade dos resultados periciais e da possibilidade da “quebra” da Cadeia de Custódia, promovendo efeitos negativos nos processos de admissibilidade e/ou valoração das provas.

Conforme ensinamento de Geraldo Prado:

Importante salientar que o presente estudo não se propõe a debater acerca da consequência da configuração da quebra da cadeia de custódia; ou seja, se a confirmação de não manutenção da cadeia de custódia resultaria na inadmissibilidade da prova pericial ou se esta poderia ser admitida e o vício sanado a nível de valoração probatória. Não há um consenso na doutrina nacional. Geraldo Prado entende que se configurada a quebra da cadeia de custódia da prova pericial, dever-se-ia reconhecer a ilicitude probatória e, consequentemente, a inadmissibilidade seria a regra. (PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal).

Noutro giro, em pensamento diverso, Gustavo Badaró entende que:

A depender do vício que ocorreu durante a quebra da cadeia de custódia, é possível que a irregularidade seja sanada a nível de valoração. Dissertando sobre a temática e se constatada a existência de vícios na cadeia de custódia isso levaria, necessariamente à ilicitude probatória, Badaró aponta que “a resposta deve ser negativa, principalmente, no caso em que haja apenas omissões ou irregularidades leves, sem que haja indicativos concretos de que a fonte de prova possa ter sido modificada, adulterada ou substituída. Em tais casos, a questão deve ser resolvida no momento da valoração”. (BADARÓ, Gustavo. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra. (orgs.) Temas atuais de investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017. p. 517-538).

No que diz respeito à cadeia de Custódia nas fazes pré-processual e processual, traz-se à baila o seguinte ensinamento de Aury Lopes Jr.:

“Através – essencialmente – das provas, o processo pretende criar condições para que o juiz exerça a sua atividade recognitiva, a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença. É a prova que permite a atividade recognoscitiva do juiz em relação ao fato histórico (story of the case) narrado na peça acusatória”. (LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 342).

Entende-se assim, que a função da Cadeia de Custódia para construção de uma prova pericial é garantir, a autenticidade, integridade, lealdade e seriedade dos instrumentos probatórios, tendo como fim permitir um maior grau de precisão à decisão do Magistrado, inclusive potencializando a garantia do contraditório.

Destarte, a Cadeia de Custódia faz parte de um sistema de controles garantidores de uma memória cronológica e sequencial de atos/fatos fidedignos à prova pericial, possibilitando, assim, a reconstituição dos fatos, bem como a demonstração da cadeia constitutiva, cadeia esta que se entende como pressuposto basilar de garantia da integridade do (s) vestígio (s) e de seu correspondente valor probatório. A importância da preservação do local de crime, no sentido deste breve estudo, é prioridade no âmbito dos procedimentos de investigação policial, visto que se trata de um local marcado por uma diversidade de evidências, que juntas irão constituir, assim, a base para execução de um laudo pericial integro, o que possibilitará maior riqueza de detalhes no Inquérito Policia e, também, na decisão proferida pelo Juiz de Direito.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Penal. Acesso em 12/01/2023.

______. Ministério da Justiça. Polícia Federal. Diretoria Técnico-Científica. Glossário de ciências forenses: termos técnicos mais usados pela perícia criminal federal. Brasília: Polícia Federal, Diretoria Técnico-Científica, 2016.

BADARÓ, Gustavo. A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson Bezerra (orgs.) Temas atuais de investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 517-538.

DIAS FILHO, Claudemir Rodrigues. Cadeia de custódia: do local de crime ao trânsito em julgado; do vestígio à evidência. Revista dos Tribunais, v. 98, n. 883, p. 436-451. Maio 2009.

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2018.

PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. São Paulo: Marcial Pons, 2019.


Notas

  1. Local de crime, cena de crime ou local: toda área física ou virtual na qual tenha ocorrido um fato que possa assumir a configuração de infração penal e que exija providências da polícia. Mais do que um ponto isolado no espaço, o local de crime pode abranger áreas sem ligação geográfica com o lugar imediato do fato, desde que essas áreas possuam vestígios a atos matéria anteriores ou posteriores à ação criminosa. (IT Nº 20/2013 DITEC/DPF).

  2. Princípio da documentação assegura que toda amostra deve ser documentada, desde seu nascimento no local do fato, passando pela sua análise e descrição final, até o trânsito em julgado do mérito processual, de forma a se estabelecer um histórico completo e fiel de sua origem e trajetória.

  3. 3 Art. 10.  O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. § 1o  A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente. § 2o  No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas. § 3o  Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.

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Sobre o autor
Roberto Metzker Colares Pacheco

Professor no Centro Universitário Doctum (UniDoctum). Graduado em Ciências Sociais pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro – Fenord (1998). Graduado em Direito pelas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni – Doctum (2011). Ex-Coordenador Acadêmico nas Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Ex-Membro do Conselho Superior Acadêmico e do Núcleo Docente Estruturante (NDE), das Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni. Membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Direito do Centro Universitário Doctum de Teófilo Otoni. Especialista em História do Brasil - Faculdades Simonsen. Especialista em Elaboração e Gestão e Gestão de Projetos Internacionais com Ênfase no Terceiro Setor - PUC MG. Especialista em Ciências Penais e Segurança Pública - Faculdades Unificadas de Teófilo Otoni - Rede Doctum de Ensino. Especialização em Ciências Forenses: Medicina Legal e Perícia Criminal - Faculdade Supremo. Especialização em Criminologia - Faveni. Especialização em Direito Constitucional - Faveni. Capacitação em Direitos Humanos e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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