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Mais médicos, e menos saúde!

27/01/2023 às 15:40
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O problema central não é a falta de médicos, mas a escassez de condições dignas de saúde.

O governo federal confirmou na semana passada o retorno do controverso programa Mais Médicos, criado em 2013, na gestão da então presidente Dilma Rousseff, e que trouxe ao nosso país mais de 8 mil médicos cubanos.

A justificativa para criação do programa foi a falta de médicos, em certas regiões do Brasil. A classe médica, que se mostrou contrária ao programa desde a criação até o seu fim em 2019, já se manifesta no mesmo sentido desde o anúncio da medida.

Embora tenhamos cerca de 500 mil médicos no Brasil, de fato há pouca oferta de profissionais em certas regiões. Contudo, o problema vai muito além da falta de médicos: faltam hospitais, medicamentos, leitos, insumos, e uma longa lista de outros requisitos indispensáveis. Sobretudo nas regiões mais isoladas, mas não só nelas, pois a escassez estrutural atinge até capitais. E esta é exatamente uma das causas da pouca oferta de profissionais em alguns lugares: não faltam só médicos, falta tudo! E a escassez de médicos é a mais fácil de ser sanada, pois somos o país que mais forma médicos no mundo, à frente de países como índia e China, que possuem 1,5 bilhão de pessoas cada. Caso houvesse investimento em estrutura, possivelmente haveriam condições minimamente dignas e seguras nas localidades em questão, e não faltariam médicos.

Apesar disso tudo, o Mais Médicos foi instituído em 2013 como solução para o problema, à revelia da opinião de toda a classe médica e dos especialistas da área. A partir de então, recebemos mais de 8 mil médicos cubanos sem a devida revalidação de seus diplomas (condição imposta até aos brasileiros formados no exterior). E de maneira inexplicável, também foi dispensado o registro nos conselhos regionais de medicina. Algo inédito no mundo, uma mancha na nossa história. Em países como os EUA (onde também faltam médicos) além da revalidação, são exigidas uma nova residência e a realização de todas as provas e exames para que se possa atuar como especialista. Mas no Brasil, nem mesmo o registro no conselho foi exigido sem qualquer justificativa, o que colocou em dúvida até se os cubanos teriam mesmo a formação médica completa.

Pessoalmente, tive uma experiência que reforçou tal percepção. Durante a vigência do programa, meu filho foi atendido por um cubano, em um hospital no Vila da Serra (bairro nobre da região metropolitana de BH, e não um interior longínquo onde os médicos brasileiros se recusam a atuar). Seu problema? Um simples Berne (ou Miíase) na cabeça. O suposto médico (que pasmem, era o cirurgião geral plantonista) não falava português, não entendia meu portunhol e não sabia o que seria um Berne (motivo pelo qual, receoso, examinou a criança a 1 metro de distância). Após muita reflexão e algumas consultas ao Dr. Google, ele se limitou a recomendar a busca de um “especialista em Bernes”. O profissional não se mostrou mais útil do que o porteiro do meu prédio, que sugeriu a utilização de um bacon, para atrair o parasita para fora do corpo do hospedeiro.

Mas infelizmente, esta não foi a pior face do Mais Médicos. Os cubanos eram trazidos ao Brasil sob condições absurdas e desumanas. Cerca de 70% de sua remuneração de R$ 11 mil era direcionada à ditadura cubana e à Organização Panamericana de Saúde – OPAS, e somente o restante chegava aos profissionais (cerca de R$ 3 mil). Só em 4 anos, o programa custou 5,7 bilhões ao Brasil, sendo que deste total 3,2 bilhões foram para o regime de Fidel Castro e 1,3 para a OPAS. E o nível da atenção básica na saúde brasileira caiu drasticamente, segundo todos os indicadores.

O Mais Médicos foi extinto em 2019, com a aprovação do Médicos pelo Brasil no Congresso Nacional. O novo programa condicionou a permanência dos cubanos à revalidação de seus diplomas, e à realização da integralidade dos pagamentos aos médicos (sem repasses à ditadura cubana ou à OPAS). Foi instituído um programa de formação profissional para os participantes, e criada uma agência autônoma para gerenciar todo o programa, sem a interferência direta do governo. Os médicos passaram a ser contratados pelo regime da CLT, com todas as garantias trabalhistas. E todos os cubanos que decidiram permanecer no Brasil, tiveram um prazo de 2 anos para revalidar seus diplomas. Ainda em 2018 a ditadura cubana perdeu o interesse no programa após as eleições presidenciais, se retirando imediatamente e levando de volta todos os médicos que conseguiu. Cerca de 2,5 mil permaneceram em nosso país, recebendo asilo do governo.

Segundo o CREMESP, após a saída dos cubanos, 83% das 8.233 vagas abertas foram preenchidas por brasileiros, em menos de 30 dias. Ainda segundo o conselho, a maioria esmagadora dos cubanos estava alocada em municípios litorâneos e desenvolvidos. Fatos que jogam por terra a narrativa de que estariam em cidades de interior onde médicos brasileiros não aceitam a função, e indica que os cubanos foram usados para diminuir ainda mais o investimento na saúde, substituindo médicos brasileiros.

O extinto programa é um vergonhoso capítulo para a história do nosso país. Diante do desafio de oferecer condições dignas de saúde aos brasileiros, nosso governo não só perpetuou os erros dos anteriores, mas inovou de forma inimaginável. Primeiro culpou os médicos brasileiros pelo problema, alegando que não querem trabalhar fora das capitais. E no lugar de sanar os vícios existentes investindo em estrutura para atrair médicos às regiões de escassez, trouxe médicos cubanos em condições absurdas, financiando a ditadura de seu país de origem com o fruto de seu trabalho, agindo deliberadamente como cúmplices de tráfico humano, e trabalho análogo à escravidão. O Brasil foi partícipe e conivente com um governo que trata seus cidadãos como gado, os arrendando a diversos países do mundo. Na época, os mais de 30 mil profissionais enviados a diversos países geravam uma receita de cerca de US$ 11,5 bilhões anuais à ditadura cubana. Algo desumano, ocorrendo em pleno século XXI.

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Ora, mas se é tão ruim, por que os médicos cubanos aceitam? – muitos perguntam. Ora, porque é assim que funciona uma ditadura! Segundo a Cuban Prisioners Defenders, 57% dos médicos foram obrigados a participar, e 39% se disseram “fortemente pressionados”. Além disso, as condições de vida e de saúde em Cuba são precárias, sendo que um médico recebe em média US$ 15,00 mensais, e os pacientes precisam levar até a própria água aos hospitais. Por isso sair de Cuba é um ótimo caminho, independente do destino.

A Cuban Prisioners Defenders divulgou ainda que pelo menos 89% dos médicos viajam sem saber onde e como serão alocados. Mais de 41% tiveram seus passaportes confiscados pela ditadura cubana, não podendo visitar suas famílias. Pelo menos 91% trabalharam monitorados por agentes do governo. E mais de 50% relatou falsificar estatísticas, para alcançar as metas exigidas pela ditadura cubana, para divulgação na propaganda do programa.

Apesar de tudo isso, nosso governo recém eleito e empossado (o mesmo que fala em uma contrarreforma trabalhista para “voltar proteger direitos dos trabalhadores”) deseja reabrir as portas do país, para trabalhadores em regime análogo à escravidão (classificação dada ao programa pelo tribunal de apelações dos EUA, que julgou o caso de médicos cubanos que trabalharam no Brasil entre 2013 e 2018).

Segundo o governo, o programa retornará com prioridade para médicos brasileiros (mero engodo, pois só profissionais forçados por sua ditadura aceitariam as condições propostas). Quanto ao restante das condições (como a revalidação dos diplomas, registro nos conselhos e todos graves pontos aqui abordados), teremos que aguardar para ver o que nos espera mais adiante. Pois embora nosso atual presidente tenha sido eleito pelo simples fato de seu concorrente ter se tornado ainda mais rejeitado, e não pelo brilhantismo de seus governos anteriores, aparentemente ele crê no contrário, e sinaliza repetir os mesmos erros (e ir além, com a rediscussão do tenebroso programa Mais Especialistas).

O problema central da saúde no Brasil não é a falta de médicos, como alega o governo. E a falta de médicos em algumas regiões não é culpa dos médicos, como sustentado. Na verdade, a escassez é de quase todo o necessário para que sejam fornecidas condições dignas de saúde, e não só nas localidades isoladas, mas até nas capitais. Por isso os médicos empreendem ou buscam a iniciativa privada, fugindo do serviço público.

O que causa esta escassez estrutural? Certamente não é a falta de recursos financeiros, pois acabamos de relativizar o teto de gastos. Seguimos firmes com o controverso orçamento secreto (que só foi objeto de críticas do atual governo, até o dia em que chegou ao poder). Aumentamos o número de ministérios. Engordamos ainda mais os benefícios e salários dos membros do Poder Legislativo, e também dos ministros do STF. Isso tudo, em pouco mais de uma semana! Mas quando o assunto é saúde, a solução é voltar ao capítulo mais vergonhoso do nosso passado. A verdadeira causa do caos no nosso sistema de saúde, caro leitor, é a corrupção. E sinceramente, não creio que o governo recém eleito seja a solução para a corrupção no Brasil.

O maior erro do nosso ex-presidente foi acreditar ter sido eleito em 2018 pelo seu perfil, e não apesar dele. E infelizmente, com base nas primeiras decisões do nosso atual presidente, ele vive a mesma ilusão. Deus, tende piedade de nós!

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Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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