A todos os colegas, peço que me permitam esquivar-se do formalismo técnico, para simplesmente incitar uma provocação à magistratura, a qual tem estagnado a média indenizatória por danos morais nos tribunais brasileiros. Passarei a explicar.
É deveras natural reconhecer que demandas indenizatórias, especialmente as que possuem pedido de indenização por danos morais possuem características únicas ou próprias, as quais necessitam de uma avaliação do magistrado para aferir o “quantum” indenizatório.
Ante a ausência de parâmetros no texto legal, normalmente cabe ao magistrado dimensionar a extensão do prejuízo mediante a análise fática e concreta do dano, porém, é forçoso recordar que as diretrizes traçadas pela maioria dos doutrinadores vem sendo sistematicamente adotadas pelas cortes superiores.
O STJ, intitulando-se Tribunal moderador nas ações indenizatórias por danos morais no Brasil, vem adotando os seguintes critérios no arbitramento dessas verbas indenizatórias:
as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e, também, de modo que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito[1].
Assim, dentre os critérios adotados, sempre esteve presente na prática decisória a análise das condições pessoais e econômicas das partes, e dificilmente se encontrará sentença que não faça menção a tal critério.
Por outro lado, o STJ também delineou os seguintes parâmetros, conforme recente julgamento do AgInt no AREsp 1269970/RJ (2018)[2], em que o relator Ministro Marco Buzzi disse:
no tocante à quantificação do dano extrapatrimonial, reconhecido o grau de subjetivismo que envolve o tema, pois não existem critérios predeterminados para sua fixação, esta Corte Superior tem reiteradamente se pronunciado no sentido de que a indenização deve ser suficiente a restaurar o bem estar da vítima, desestimular o ofensor em repetir a falta, não podendo, além disso, implicar o enriquecimento sem causa ao ofendido. Desta forma, deve o arbitramento do valor da compensação por danos morais ser realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa – caso se trate de responsabilidade subjetiva –, e ao nível socioeconômico do recorrido, orientando-se a condenação pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso da experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.
Assim, nota-se que o “quantum” indenizatório deverá ser proporcional à gravidade do dano, no sentido de “tentar” restaurar o bem estar da vítima, desestimulando a reiteração do ilícito, levando em consideração a condição econômica do ofensor e do ofendido.
Ora, estabelecidos os critérios básicos para aferição do dano moral, convido todos colegas a realizar uma avaliação pessoal e cronológica da média indenizatória por danos morais no Brasil na última década.
Notamos que a condição econômica do ofensor e do ofendido é aspecto essencial para se estabelecer o montante indenizatório, porém, jamais se falou acerca dos efeitos inflacionários na média condenatória por danos morais.
Tenho certeza que cada um perceberá que na última década houve o achatamento ou a estagnação da média condenatória por danos morais.
Há pouco, observei uma sentença na comarca onde resido, com a condenação do banco a uma indenização de R$ 3.000,00 (três mil reais) por danos morais, considerando a inscrição indevida no Serasa, um caso muito frequente no judiciário.
Entretanto, passei a recordar que no ano de 2008, quando comecei a advogar, a média indenizatória era similar.
Por curiosidade, resolvi atualizar a média indenizatória de 2008 para o ano de 2023, e descobri que a média condenatória deveria estar em torno de R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais), caso o equilíbrio fosse restaurado.
Ora, se dentre os critérios de condenação em danos morais encontra-se a condição econômica do ofensor e do ofendido, o “quantum” arbitrado pelo magistrado deveria recordar-se da perda do poder de compra do ofendido.
Quando a média condenatória praticada pela magistratura simplesmente ignora os efeitos inflacionários, o que se tem é a incoerência com as balizas utilizadas para sopesar e justificar a condenação do ofensor.
Ainda que poucos custem a admitir, nota-se que a estagnação da média indenizatória no Brasil se deve a outros fatores, quais sejam, o aumento desproporcional do número de processos, e, consequentemente, a prática decisória de desestímulo ao ajuizamento de novas ações.
Vou além, também é preciso levar em consideração que a estagnação da média indenizatória se dê por costume ou prática interna dos gabinetes, ou seja, pela utilização de “modelos” de sentença, sem qualquer reflexão acerca do efeito inflacionário e do prejuízo ocasionado ao ofendido.
Como já disse, este texto é meramente provocativo, razão pela qual não colaciono cientificamente decisões, mas conclamo a todos colegas que façam uma reflexão acerca do tema.
Tenho absoluta certeza que chegarão à mesma conclusão, qual seja, de que as sentenças condenatórias por danos morais tem negado os efeitos inflacionários da última década, privilegiando a condição econômica dos ofensores, especialmente dos grandes litigantes do Brasil (bancos,telefonia e etc).
Notas
[1] STJ, REsp. 913.131/BA, 4ª T., Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF-1ª Região), j. 16.09.2008, DJe 06.10.2008.
[2] STJ, AgInt no AREsp 1269970/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 09.10.2018, DJe 22.10.2018.