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Significado de veículo automotor na Lei nº 9.426/96

01/08/2007 às 00:00

Resumo:


  • A Lei 9426/96 alterou o Código Penal Brasileiro, aumentando a pena para crimes de furto e roubo de veículos automotores que são levados para outros estados ou países.

  • As mudanças visaram combater o aumento desses crimes e seus impactos, como a influência nas políticas de seguros de automóveis, mas a pressa legislativa gerou críticas em relação à técnica da redação.

  • Definições técnicas de "veículo automotor" foram esclarecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro, estabelecendo limites para a interpretação do termo no contexto penal, respeitando o princípio da legalidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Lei 9426/96 realizou alterações no Código Penal Brasileiro, interessando-nos neste trabalho especificamente aquelas operadas nos artigos 155 e 157, onde procurou exacerbar a reprimenda quando a subtração versar sobre veículos automotores que sejam transportados para outros Estados ou para o exterior.

A motivação do legislador certamente foi a grande incidência dessas práticas na realidade atual [01], chegando a gerar reflexos até mesmo na política de seguros privados de automóveis.

Apenas por deferência à brevidade deixaremos de abordar as deficiências técnicas da redação legal, produzidas pelo cada vez mais freqüente açodamento legislativo com suas respostas "rápidas e rasteiras" de Direito Penal Simbólico.

No artigo 155 do Código Penal o legislador acrescentou um § 5º, onde se constata um novo tipo de crime qualificado, pois que é ali prevista uma pena específica com delimitações mínima e máxima (reclusão, de 3 a 8 anos).

Já no artigo 157, acrescentou o inciso IV ao § 2º, criando uma nova "causa especial de aumento de pena" [02] que varia de um terço até a metade.

Em ambos os casos o objeto material da conduta que enseja maior reação punitiva é o "veículo automotor". Mas, o que é "veículo automotor" ? Existe uma definição técnica no arcabouço jurídico brasileiro?

A doutrina incipiente sobre o tema assim já se manifestou:

"Por veículo automotor haveremos de entender aquele que é dotado de motor próprio, e, portanto, capaz de se locomover em virtude do impulso (propulsão) ali produzido. Serão os carros, caminhonetes, ônibus, caminhões, tratores, motocicletas (e assemelhados) mas também as embarcações e aeronaves, em uma perspectiva de menor incidência prática." [03]

Eventualmente o alargamento do conceito de veículo automotor a quaisquer engenhos capazes de se locomover com motor próprio e força de propulsão ali gerada, incluindo-se embarcações e aeronaves, poderia ser considerado antes do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503, de 23.09.97).

Sob a égide do então Código Nacional de Trânsito (Lei 5108, de 21.09.66) e seu Regulamento (Decreto 62127, de 16.01.68), a definição de veículo automotor era realmente pulverizada e carente de uma conceituação mais detalhada.

No seu artigo 77 o Código Nacional de Trânsito somente classificava o veículo automotor quanto à tração, mas não o definia. Em seguida, no Anexo I do seu Regulamento, denominado "Conceitos e Definições", também deixava passar "in albis" a oportunidade para uma conceituação genérica do que fosse veículo automotor. Esse conceito somente poderia ser aferido casuisticamente pelas definições dos diversos tipos de veículos ali mencionados, tais como: automóvel, bicicleta, bonde, caminhão, camioneta, carroça, ciclomotor, etc., sendo uns ditos automotores e outros de propulsão humana, animal, tração elétrica e assim por diante.

Por seu turno, o novo Código de Trânsito Brasileiro continua classificando os veículos automotores quanto à tração em seu artigo 96. No entanto, em seu Anexo I ("Dos conceitos e definições"), apresenta uma clara conceituação, considerando como veículo automotor "todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados utilizados para o transporte de pessoas ou coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos ( ônibus elétrico)."

Além disso, como bem acentua Marcelo José Araújo [04], a nova legislação equipara os ciclomotores às motocicletas e, conseqüentemente, considera-os não mais como outrora (veículos de propulsão humana), mas sim como espécies de veículos automotores.

Temos, então, uma definição técnico - jurídica do que seja veículo automotor no Código de Trânsito Brasileiro e a ela devemos recorrer ao buscarmos o sentido do vocábulo empregado na lei penal por força das reformas introduzidas pela Lei 9426/96.

Outra não é a orientação de Carlos Maximiliano [05] ao asseverar que "o juiz atribui aos vocábulos o sentido resultante da linguagem vulgar; porque se presume haver o legislador, ou escritor, usado expressões comuns; porém, quando são empregados termos jurídicos, deve crer-se ter havido preferência pela linguagem técnica."

Portanto, não se pode admitir, com o advento do Código de Trânsito Brasileiro, interpretação ampliativa para o significado de veículo automotor nos dispositivos em estudo. Somente se poderão considerar abrangidos aqueles que além de dotados de motor de propulsão própria, sejam utilizados para o transporte viário, excluídas, desse modo, embarcações, aeronaves e outros veículos que não se subsumam perfeitamente ao conceito legal agora claramente estabelecido.

Aliás, a ampliação do conceito não se justificaria nem mesmo pela motivação da lei que faz referência "a combater uma crescente e inquietante forma de criminalidade de nossos dias" [06], o que certamente não diz respeito a outras subtrações que não as de automóveis, caminhões, motocicletas e demais veículos adequáveis à definição do Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro.

Também não é de procedência a alegação de que o legislador ao elaborar a Lei 9426, de 24 de dezembro de 1996, faria uso de um sentido vulgar de "veículo automotor", pois que ainda inexistente o conceito do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9503, de 23 de setembro de 1997). Na realidade, com o seu advento, se eram viáveis interpretações abertas, tornaram-se vedadas por estrita observância do basilar Princípio da Legalidade, servindo a definição ora vigorante para o âmbito penal, seja dos dispositivos dessa natureza existentes no próprio CTB (artigos 302 a 312), seja para outros tipos penais que façam menção ao conceito técnico. A ampliação desse conceito só pode ocorrer por expressa disposição legal que o pretenda, uma vez que em matéria penal a analogia só é possível "in bonam partem".


CONCLUSÕES:

1- Há, com o advento do Código de Trânsito Brasileiro, uma definição técnico - jurídica de veículo automotor que deve orientar o significado do vocábulo utilizado no art. 155, § 5º e 157, § 2º, IV, CP, por força da Lei 9426/96.

2 - O conceito legal de veículo automotor não pode ser ampliado fora dos casos previstos no CTB porque:

a) A motivação do maior rigor punitivo se refere aos casos enquadráveis na definição legal do CTB e em seu âmbito de aplicação (art. 1º, CTB) (furtos e roubos de automóveis, caminhões, motos, etc.), não se justificando seu estender a situações raras de subtração de aeronaves ou embarcações.

b) Deve-se respeitar o Princípio da Legalidade e a proibição de aplicação da analogia "in malam partem" no Direito Penal.

c) Deve preponderar na interpretação dos textos legais o sentido técnico das palavras quando o possuem em concorrência com o sentido vulgar, sempre no intuito de evitar a existência de "tipos penais abertos".

3 - Os ciclomotores, hoje equiparados às motocicletas, apenas diferenciando-se pela capacidade do motor, são também veículos automotores no conceito do CTB e, portanto, desde seu vigor, podem ser objeto material dos preceitos dos artigos 155, § 5º e 157, § 2º, IV, CP.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- ARAUJO, Marcelo José. Ciclomotores e o Código de Trânsito Brasileiro. Boletim IBCCrim. 80/9-10, jul. 1999.

- CASOLATO, Roberto Wagner Battochio. O furto desde a Lei 9426/96. Boletim IBCCrim. 55/5-6, jun. 1997.

- DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro, Renovar, 1991.

- JESUS, Damásio Evangelista de. Breves notas ao furto, roubo e receptação na Lei 9426/96. Boletim IBCCrim. 51/4-5, fev. 1997.

- MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito.Rio de Janeiro, Forense, 1999.


NOTAS

01 Damásio Evangelista de JESUS, Breves Notas ao Furto, Roubo e Receptação na Lei 9426/96, Boletim IBCCrim, 51/4.

02 Celso DELMANTO, Código Penal Comentado, p. 276.

03 Roberto Wagner Battochio CASOLATO, O furto desde a Lei 9426/96, Boletim IBCCrim, 55/5.

04 Ciclomotores e o Código de Trânsito Brasileiro, Boletim IBCCrim, 80/9.

05Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 109.

06 Exposição de Motivos da Lei 9426/96.

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Significado de veículo automotor na Lei nº 9.426/96. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1491, 1 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10218. Acesso em: 22 dez. 2024.

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