No exercício da competência legislativa conferida pela Constituição de 1988 os Estados-Membros editaram diplomas normativos criando sistemas próprios de seguridade social.
Alguns dos entes federativos fizeram constar de seus textos legais contribuição de caráter compulsório destinada ao custeio dos serviços de auxílio à saúde usufruíveis pelos servidores estaduais.
Exemplo do referido são os artigos 85 e 28 da Lei Complementar n.º 64/02 do Estado de Minas Gerais e Lei Ordinária n.º 7249/98 do Estado da Bahia, respectivamente, assim redigidos:
Art. 85 - O IPSEMG prestará assistência médica, hospitalar e odontológica, bem como social, farmacêutica e complementar aos segurados referidos no art. 3º e aos servidores não titulares de cargo efetivo definidos no art. 79, extensiva a seus dependentes, observadas as coberturas e os fatores moderadores definidos em regulamento.
(...)
§ 5º - A contribuição será descontada compulsoriamente e recolhida diretamente ao IPSEMG até o último dia previsto para pagamento da folha de servidores públicos do Estado.
Art. 28 - O custeio da assistência à saúde terá a participação obrigatória dos segurados, no valor definido em Regulamento, mediante aplicação do percentual de até 5% (cinco por cento) incidente sobre a base de cálculo estabelecida nos incisos I a III, do art. 58, desta Lei.
Ocorre que, tendo assim agido, os Estados-Membros extrapolaram os limites da competência a eles atribuída pela Constituição de 1988 para legislar sobre a matéria.
Tomemos como exemplo a Lei mineira. Da leitura do artigo 85 e de seu § 5º, concluímos que o Estado de Minas Gerais instituiu a referida contribuição visando o custeio de um plano de assistência à saúde para seus servidores, ao qual estes devem compulsoriamente anuir.
O dispositivo legal apontado como fundamento para o ato de dedução da referida contribuição é de flagrante inconstitucionalidade.
E isto porque a Constituição Federal de 1988 não atribui competência aos Estados-Membros para instituírem esta espécie de tributo.
O §1º do artigo 149 da Lei Fundamental, com redação dada pela Emenda Constitucional n.º 41/03, é claro ao dispor que os Estados instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário, e tão somente, perceba:
Art.149.(...)
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. (redação dada pela Emenda Constitucional n.º 41/02)
Importante ressaltar que a previdência não se confunde com o auxílio à saúde, e esta com a assistência social. O ponto de convergência entre os três institutos se resume ao o fato de que compõem a seguridade social (art.194, Constituição da República). Por esta razão, mesmo antes da alteração do texto do §1º do artigo 149 da Constituição de 1988 pela Emenda Constitucional n.º 41/03, muitos juristas já defendiam a inconstitucionalidade do caráter compulsório atribuído às contribuições para os serviços ligados a área da saúde, pois, aos Estados somente competia a instituição de contribuições voltadas a previdência e a assistência social, in verbis:
Art.149.(...)
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social. (texto revogado)
Como podemos perceber, NUNCA foi conferida aos Estados-Membros a competência para instituir contribuição para o custeio de planos de assistência à saúde, tendo a alteração trazida pela Emenda Constitucional n.º 41/03 tão somente ratificado este entendimento.
No Estado de Minas Gerais a matéria já foi pacificada, tendo seu Tribunal de Justiça decidido no Incidente de Inconstitucionalidade n.º 1.0000.05.426852-9/000 pela inconstitucionalidade do §5º do artigo 85 da Lei Complementar Estadual n.º 64/02, no que se refere ao caráter compulsório atribuído à contribuição, vejamos a ementa do aresto:
Incidente de inconstitucionalidade. Preliminar de não conhecimento. Improcedência. Declaração incidental de inconstitucionalidade. Princípio da reserva de plenário. Observância obrigatória na hipótese de proclamação de ilegitimidade constitucional de atos do Poder Público pelos tribunais. Preliminar rejeitada. Artigo 85, § 4º da Lei Complementar Estadual nº 64/02. Contribuição para custeio do sistema de saúde dos servidores do Estado de Minas Gerais. Caráter compulsório. Tributo. Incompetência do Estado para instituí-lo. Ofensa à norma contida no artigo 149, § 1º da Constituição Federal. Incidente acolhido. Inconstitucionalidade declarada.
O julgamento oriundo do Egrégio Tribunal mineiro parece antecipar o deslinde da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.106/MG impetrada em 2004 pelo Procurador Geral da República visando à declaração da inconstitucionalidade do artigo 85 da Lei Complementar mineira. Em setembro de 2006 já haviam proferido seus votos os ministros Eros Grau (relator), Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, todos pela inconstitucionalidade do caráter compulsório da contribuição.
Ainda que não concluído o julgamento da matéria pela Suprema Corte, a inconstitucionalidade da lei mineira parece fato incontroverso também naquele tribunal onde, recentemente, foram indeferidas duas Suspensões de Segurança (SS 3077 e 3079) ajuizadas pelo Instituto de Previdência Social do Estado de Minas Gerais-IPSEMG, que contestavam liminar concedida pelo Tribunal mineiro suspendendo o desconto de contribuição à saúde dos vencimentos dos servidores (notícias STF dia 06/02/2007 - 14:45 - Instituto de Previdência mineiro não poderá exigir de pensionistas desconto de contribuição de custeio à saúde).
No caso do Estado da Bahia o próprio legislador resolveu a questão. Talvez influenciado pelo deferimento do pedido feito em sede de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1920 aforada no Supremo Tribunal Federal, fez editar a Lei Ordinária n.º 7593/00 alterando o citado artigo 28 da Lei 7249/98 retirando o caráter compulsório do texto legal, o que inclusive prejudicou o exame do mérito da ação principal. Ficaram assim ementados os arestos:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI 7.249/98 DO ESTADO DA BAHIA. CRIA SISTEMA PRÓPRIO DE SEGURIDADE SOCIAL QUE COMPREENDE PREVIDÊNCIA, ASSISTÊNCIA SOCIAL E ASSISTÊNCIA À SAÚDE. INSTITUI CONTRIBUIÇÃO COMPULSÓRIA DOS SERVIDORES DO ESTADO PARA A SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 149, PARÁGRAFO ÚNICO DA CF. REGRA DE EXCEÇÃO QUE SE INTERPRETA RESTRITIVAMENTE. INATACÁVEL O ART. 5º POIS APENAS RELACIONA OS SEGURADOS OBRIGATÓRIOS, NÃO QUALIFICA A CONTRIBUIÇÃO. LIMINAR DEFERIDA EM PARTE. (ADI-MC 1920 / BA – BAHIA)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 3º, INCISO VII, 5º E 28, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 7.249/98 DO ESTADO DA BAHIA. CENÁRIO LEGISLATIVO ESTADUAL AO TEMPO DA PROPOSITURA DA PRESENTE AÇÃO DIVERSO DO EXISTENTE AO TEMPO DO JULGAMENTO DO PEDIDO. LEIS ESTADUAIS POSTERIORES QUE REVOGARAM OS PRECEITOS IMPUGNADOS. NOTÍCIA DA NÃO-VIGÊNCIA DOS ARTIGOS ATACADOS TRAZIDA AO TRIBUNAL APÓS O INÍCIO DO JULGAMENTO E POSTERIORMENTE AO VOTO DO RELATOR. REVOGAÇÃO SUPERVENIENTE DO TEXTO NORMATIVO. PEDIDO PREJUDICADO. ARTIGO 102, I, "a", da CB. 1. O ordenamento jurídico estadual era, ao tempo da propositura da ação, distinto daquele existente ao tempo do julgamento do pedido. 2. Leis estaduais posteriores revogaram os preceitos impugnados na ação direta de inconstitucionalidade, ao longo do seu processamento. 3. A petição que noticiou a perda de objeto chegou a este Tribunal após o voto do Ministro Relator, embora antes do voto da Ministra Cármen Lúcia, o que permitiu apurar-se a perda superveniente de objeto. 4. Pedido da ação direta de inconstitucionalidade prejudicado. (ADI 1920 / BA – BAHIA)
Portanto, parece assentado em nossos tribunais o entendimento no sentido de fulminar com o vício de inconstitucionalidade qualquer texto legal que institua com caráter compulsório contribuição destinada ao custeio de "planos de saúde" disponibilizados pelos Estados-Membros em benefício de seus servidores.
Assim, demonstrada a inconstitucionalidade dos diplomas que prevêem a obrigatoriedade dos descontos relativos ao custeio dos "planos de saúde" estaduais, conclusão lógica é a ilegalidade do ato praticado pelas autoridades que continuam a proceder com a dedução dos valores da contribuição sem a anuência do servidor que, não querendo usufruir dos serviços, poderá buscar a supressão do ato ilegal pela via do mandado de segurança (inciso, LXIX, art. 5º, Constituição da República de 1988).