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O "fogueteiro" na Lei nº 6368/76

01/09/1998 às 00:00
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Aquele que é surpreendido por policiais, quando utiliza morteiros para avisar aos traficantes da localidade que a Polícia está chegando deve, em tese, ser condenado como incurso nas penas do artigo 12, § 2.º, inciso III da Lei 6368/76.

Vejamos o que prevê a lei 6368/76, no artigo 12, § 2.º, inciso III: "Contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido OU O TRÁFICO ILÍCITO de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica" (grifos meus).

Pois bem, ao meu ver, a lei é clara e induvidosa. Quem contribui para incentivar ou difundir o tráfico ilícito, se adequa perfeitamente ao tipo penal.

Aquele que avisa ao traficantes que a Polícia está chegando, pratica uma conduta penalmente punível. Quem age assim, se equipara ao traficante, pois faz parte da mesma associação e pretende o mesmo resultado: o comércio ilegal de drogas.

Compulsando alguns livros sobre a matéria, como por exemplo, Damásio de Jesus (1), Vicente Greco Filho (2), Paulo Lúcio Nogueira (3) e o querido Menna Barreto (4), pude observar que o único livro que traz comentário sobre o assunto é o do último escritor, quando diz: "exemplo desse contributo genérico foi o fato recentemente noticiado pela imprensa, dando conta de que grupos de pessoas estavam utilizando apitos, nas praias do Rio de Janeiro, com o objetivo de avisar aos usuários de drogas da aproximação da polícia" (5) e arremata dizendo "tal como fazem os olheiros que soltam foguetes nos morros para avisar os traficantes das diligências policiais e, com isso, favorecer a escamoteação dos tóxicos para garantir a sua posterior distribuição e venda e evitar a prisão dos traficantes".

Não podemos deixar de punir atitudes como estas. Se o "mal se corta pela raiz", devemos punir toda e qualquer conduta tendente à auxiliar o tráfico.

Certamente essa também foi a vontade do legislador ao criar a norma do artigo 12, § 2.º, inciso III da Lei 6368/76. O criador da lei optou por trazer uma norma ampla e genérica, já que seria impossível definir todas as condutas que contribuem para o tráfico.

Entender de outra forma é pretender a impunidade, é fazer da lei letra morta...

As leis existem para serem aplicadas! Não podemos permitir que digam que em nosso País as leis são boas, o que eu acredito, mas que não funcionam, pois não são cumpridas. Nosso país possui muitas leis boas, ocorre que a não aplicação delas, traz a idéia da impunidade.

Se formos ficar com pena de punir os "fogueteiros", porque eles são os "peixes pequenos", estaremos nos solidarizando com os traficantes. É preciso que essa mão-de-obra barata seja expurgada das "bocas de fumo". É preciso que os "fogueteiros" saibam que eles são punidos com uma pena elevada, que é de 3 a 15 anos de reclusão. É preciso que os "fogueteiros" saibam que a conduta praticada por eles é um crime equiparado ao hediondo (artigo 2.º da Lei 8072/90 e artigo 5.º, inciso XLIII da Constituição da República de 1988), crime este, que é insuscetível de fiança, liberdade provisória (6), graça, anistia, indulto (7) e progressão de regimes (8).

Somente assim, estaremos auxiliando o Estado no combate ao tráfico.

Devemos acordar para aplicação deste artigo e nessa tarefa, certamente encontraremos pelo caminho, diversas condutas que estão longe de serem condutas inocentes, mas que se encaixam perfeitamente no tipo penal ora em análise. (9)

É bem verdade que podemos questionar o fato de a pena ser muito elevada, e nesse passo, entender que ao punir o "fogueteiro" por tal conduta, ao invés de ressocializá-lo, estaremos fazendo com que o mesmo se misture, dentro das penitenciárias, aos outros presos mais perigosos e que não tem mais chance de modificação, fazendo com que essas más companhias se envolvam com esses "pequenos" delinqüentes.

Ocorre, que isso é um problema social , um problema que envolve a PRÓPRIA ESTRUTURA DO Estado, que não tem presídios onde se possa separar por gravidade os condenados.

Se nós formos deixar de punir, porque as penitenciárias estão cheias, e porque o mundo dentro dos presídios é um "submundo", estaremos fazendo com que a situação da nossa Sociedade se torne cada vez mais caótica, mais violenta e sem segurança.

É, infelizmente um problema de origem.

Então, cabe ao Magistrado, ao aplicar a lei, ser sensível ao caso concreto. Não sensível ao ponto de "perdoar", no sentido leigo, e "fingir" que o fogueteiro não pratica fato lícito. Isso não pode acontecer... O fogueteiro, como já afirmei e comprovei, pratica fato lícito.

O Magistrado pode, e aqui fica apenas uma sugestão, ao invés de punir com uma pena severa, alta, o "fogueteiro", como aquela que deve ser aplicada ao traficante que pratica as condutas do artigo 12 caput da Lei 6368/76, punir com uma pena mais branda, próxima ao mínimo legal.

Assim, ao fixar a pena em 3 (três) anos, por exemplo, poderá conceder a esse condenado, um regime inicialmente fechado, já que existem posições doutrinárias, após o advento da Lei 9455/97 (Lei de Tortura), entendendo que se cabe progressão de regimes para a tortura, nada mais justo que conceder igual possibilidade aos outros crimes equiparados aos hediondos. (10)

Por fim, é importante lembrar, que essa regra do artigo 12, § 2.º, inciso III, não necessita da apreensão de substância entorpecente, para provar a sua materialidade, pois nem sempre aquele que contribui para o tráfico, está na posse do entorpecente. Basta a apreensão dos morteiros, deflagrados ou não.



NOTAS

  1. Lei Antitóxicos Anotada - Editora Saraiva.
  2. Tóxicos - Prevenção e Repressão - Editora Saraiva.
  3. Leis Penais Especiais - Editora Leud.
  4. Lei de Tóxicos - Comentários por Artigos - Freitas Bastos Editora. Falo "querido" uma vez que tenho pelo escritor profunda admiração, não só pela inteligência e capacidade, mas também por que o mesmo é meu Padrinho de Batismo.
  5. Obra citada, 5.ª Edição, pág. 73.
  6. Alguns doutrinadores discutem sobre a proibição de liberdade provisória, entendendo que a Lei 8072/90 ao proibir tal liberdade foi inconstitucional.
  7. Existe discussão sobre o fato de realmente ser insuscetível de indulto.
  8. Existe discussão sobre o fato de não ser possível progressão de regimes.
  9. Recentemente tivemos notícia de um boneco fumando maconha em frente a uma casa de espetáculos e que tinha o nome de "bagulhão". Me parece, data venia, que o responsável pelo boneco, contribui para incentivar o uso. Também foi noticiado, há algum tempo atrás, o caso de pessoas que estavam pintando blusas da "Turma Disney" com folhas e cigarros de maconha nas mãos. Essa conduta, além de ferir eventual lei de marcas e patentes, ao meu ver também pode ser encaixada na Lei 6368/76.
  10. Resp. - CONSTITUCIONAL - PENAL - EXECUÇÃO DA PENA - CRIMES HEDIONDOS (LEI 8072/90) - TORTURA (LEI 9455/97) - EXECUÇÃO - REGIME FECHADO - A Constituição da República (artigo 5.º, XLIII) fixou regime comum, considerando-os inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como hediondos. A lei n.º 8072/90 conferiu-lhes a disciplina jurídica, dispondo: "a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado" (artigo 2.º, § 1.º). A lei n.º 9455/97 quanto ao crime de tortura registra no artigo 1.º, § 7.º: " O condenado por crime previsto nesta lei, salvo a hipótese do § 2.º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado". A Lei 9455/97, quanto a execução da pena, é mais favorável do que a Lei 8072/90. Afetou, portanto, no particular, a disciplina unitária determinada pela Carta Política. Aplica-se incondicionalmente. Assim, modificada, no particular a lei dos Crimes Hediondos. Permitida, portanto, quanto a esses delitos, a progressão de regimes. (Revista CONSULEX - Ano 1 - N.º 11 - Novembro/97)
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Sobre a autora
Angélica Glioche

promotora de Justiça no Estado do Rio de Janeiro, professora do Curso Glioche e da Fundação Escola do Ministério Público do Rio de Janeiro (FEMPERJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GLIOCHE, Angélica. O "fogueteiro" na Lei nº 6368/76. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 26, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1025. Acesso em: 24 abr. 2024.

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