Imagine a seguinte situação: Você acaba de jantar, tomou duas taças de vinho, entra no seu carro, dirige e, de repente, uma blitz. Você é parado, o guarda suspeita que você tenha ingerido bebida alcoólica e lhe oferece a oportunidade de soprar o bafômetro, para o seu bem. Você não dirigiu perigosamente, nem colocou ninguém em perigo, estava conduzindo devagar e na conversa com o agente da lei, não ocorreu qualquer alteração. Estaria, obrigado a soprar o bafômetro? Beber e dirigir sempre é errado, mas os direitos devem ser respeitados.
Antes de responder é importante entender como funciona o sistema acusatório no Brasil. Um dos princípios mais importantes é o estado de inocência, portanto, você só será condenado se comprovada a acusação, em última instância após um processo com ampla defesa. Você tem o direito a um processo com as garantias do contraditório e do devido processo legal. Ser-lhe-á garantido o direito de não produzir prova contra si. Com esses princípio basilares, a resposta parece clara.
O condutor não é obrigado a soprar o bafômetro, o que não significa que ele estará livre. Estamos falando da produção de prova.
A obrigatoriedade de soprar o bafômetro é um tema polêmico que levanta diversas questões legais e de direitos individuais. A prática é regulamentada por leis e normas específicas, que determinam quem pode ser submetido ao teste, quais as possíveis consequências da recusa e como o resultado do teste pode ser utilizado em processos criminais.
A obrigatoriedade de soprar o bafômetro está prevista no Código de Trânsito Brasileiro, que define a embriaguez ao volante como uma infração gravíssima, passível de multa, suspensão do direito de dirigir, penalidades impostas perante o Detran, não a Justiça Criminal.
O artigo 277 do CTB estabelece que o condutor de um veículo automotor está sujeito a submeter-se a testes de alcoolemia sempre que solicitado pelas autoridades de trânsito, mas não é obrigado. O texto legal prevê que o motorista poderá ser submetido, conforme se transcreve:
Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência
O teste de alcoolemia mais comum é o bafômetro, que mede a quantidade de álcool presente no ar expirado pelo condutor. De acordo com o artigo 277, §3º do CTB, a recusa ao teste de alcoolemia constitui infração de trânsito, sujeita às mesmas penalidades da embriaguez ao volante, novamente, penalidades perante o Órgão de Trânsito, não em face da justiça criminal.
No entanto, a legislação também prevê a possibilidade de contestação do resultado do teste de alcoolemia. O artigo 277, §2º do CTB determina que o condutor pode requerer a realização de exame de sangue ou outro exame que permita a identificação do grau de alcoolemia, desde que esteja em condições de fazê-lo. Além disso, a Constituição Federal assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa, o que significa que o condutor pode contestar o resultado do teste em processo judicial.
Como os Tribunais entendem?
A obrigatoriedade de soprar o bafômetro tem sido objeto de diversas discussões jurídicas e judiciais, que levantam questões sobre os limites da legislação e a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Um dos principais debates é sobre a possibilidade de se recusar a realizar o teste de alcoolemia. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou uma ação que questionava a constitucionalidade da aplicação da pena de suspensão do direito de dirigir em caso de recusa ao teste de alcoolemia. Por maioria de votos, o STF entendeu que a recusa configura infração de trânsito e não viola o direito ao silêncio ou à não autoincriminação.
No entanto, a jurisprudência também reconhece a possibilidade de contestação do resultado do teste de alcoolemia. Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o resultado do teste do bafômetro não é suficiente para comprovar a embriaguez do motorista, sendo necessário comprovar outros sinais de embriaguez, como odor etílico, fala alterada, olhos vermelhos e dificuldade de equilíbrio.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já decidiu que a embriaguez ao volante, nos casos em que pessoas são feridas, somente pode ser qualificado como crime doloso quando o agente se embriagou intencionalmente para cometer o delito. O processo é o seguinte: Processo 0000010-67.2013.8.26.0526.
Não existe solução fácil. Melhor sempre é não beber para não ter que recorrer às lacunas da lei, bem como ter que invocar os seus direitos constitucionais. Por que independente de soprar o bafômetro, o agente será submetido a um julgamento.