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Educação ambiental no trabalho

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15/08/2007 às 00:00
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5 A relevância da educação ambiental para adequação do ambiente de trabalho

Como visto nos itens anteriores, vigoram no Brasil disposições constitucionais, Convenções da OIT e diplomas editados pelo legislador nacional ordinário que asseguram e regulamentam o direito à educação ambiental no trabalho.

No entanto, a partir da apreciação dos dados estatísticos divulgados pela Previdência Social – os quais, repita-se, retratam apenas a realidade de parte dos trabalhadores brasileiros vinculados àquela e os acidentes de trabalho objeto de comunicação ao mesmo órgão – podese inferir que o sistema não vem funcionando devidamente.

Entre os atuais problemas de saúde do trabalhador, Sebastião Geraldo de Oliveira destaca a ausência de efetividade das normas protetoras, dispersão das responsabilidades do Estado, instabilidade no emprego, deficiência de formação técnica dos profissionais para atuação na área, ausência de conscientização de trabalhadores e empregadores, preferência pela neutralização dos riscos (com uso de Equipamentos de Proteção Individual, por exemplo) no lugar da própria eliminação do risco à saúde do trabalhador, deficiência do sistema de Inspeção no Trabalho, tendência de flexibilização dos direitos trabalhistas e crescimento do mercado informal de trabalho [14].

Desses problemas, pelo menos três (deficiência de formação técnica, falta de conscientização e preferência pela neutralização dos riscos) decorrem, diretamente, do mau funcionamento do sistema de educação no meio ambiente de trabalho.

Nesse contexto, é preciso dar efetividade ao direito à educação no ambiente laboral, para que seja realizado o próprio direito fundamental à saúde, ao qual o meio ambiente de trabalho se acha atrelado (art. 200, VIII, da Constituição da República de 1988).

O princípio da educação ambiental viabiliza a realização de outro princípio – aliás, um dos mais importantes para o ambiente – que é o princípio da prevenção, pois, em geral, os danos ao meio ambiente são irreversíveis e irreparáveis [15].

Quando se cogita de acidente de trabalho, aí compreendidas as doenças do trabalho e ocupacionais, a prevenção ganha maior relevo, pois, tal qual ocorre no ambiente em geral, o dano ao ambiente de trabalho, na maioria das vezes, é irreparável e irreversível, e afeta, diretamente, com igual gravidade, a saúde e a vida dos que nele labutam.

Então, é inegável a relevância da educação ambiental para adequação do ambiente de trabalho.

É preciso, entretanto, destacar que esse setor do meio ambiente não é "privativo" dos trabalhadores do setor formal da economia, dos trabalhadores subordinados, registrados e segurados da Previdência Social, mormente porque tais trabalhadores constituem a minoria do contingente em atividade no Brasil. Trata-se o meio ambiente laboral adequado de direito fundamental do ser humano trabalhador de todas as categorias, considerada a universalidade que o caracteriza [16].

Conseqüentemente, a educação ambiental no trabalho deve ser propiciada a todas as pessoas e, tal qual a educação ambiental (em geral), praticada em todos os níveis de ensino, formal e não-formal, exatamente para alcançar e influenciar na conscientização de todas as categorias envolvidas nos mais variados setores em que as pessoas buscam o sustento próprio e de seus dependentes, seja na qualidade de trabalhador, subordinado ou não, funcionários públicos ou do setor privado, da economia formal ou informal, etc., seja como empresário, seja como agente do Poder Público.

A educação ambiental no trabalho não se esgota, portanto, nas providências previstas no inciso V do art. 3º, da Lei n. 9.795/1999. Esse item abraça somente uma parcela da população trabalhadora que tiver a sorte de ser contemplada com programas de capacitação promovidos pelas empresas, entidades de classe e instituições públicas e privadas. Os demais trabalhadores alijados de tais programas podem ser alcançados pelas outras providências alinhadas no referido art. 3º, recebendo educação ambiental laboral do Poder Público, desde que ele promova a "educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente"; das instituições educativas, a quem compete "promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem"; dos órgãos integrantes do SISNAMA, responsáveis pela promoção das "ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente"; dos meios de comunicação de massa, se colaborarem "de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente" e incorporarem "a dimensão ambiental em sua programação", e da sociedade como um todo, a quem compete "manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais". Somente se se trilhar por todos esses caminhos é que se poderá levar a educação ambiental no trabalho aos diversos segmentos de trabalhadores.


6 O papel do Ministério Público do Trabalho

Qualquer que seja o enfoque que se dê à educação ambiental no trabalho – como direito ambiental, direito social à saúde ou direito social à educação - encontrar-se-á no Ministério Público seu compulsório defensor.

Com efeito, o Ministério Público, embora de modo não exclusivo, é o guardião constitucional expresso do meio ambiente e demais direitos difusos e coletivos (art. 129, III, da Carda Federal de 1988).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reforça o papel constitucional do "Parquet" no tocante à defesa do direito social à educação (Constituição, art. 6º) quando, entre outros dispositivos, permite ao Órgão acionar o Poder Público para exigir seja dado acesso ao ensino fundamental, considerado direito público subjetivo (art. 5º, "caput").

A Lei n. 8.080, de 19-9-1990, reconhece no art. 2º, "caput", o direito à saúde, como direito fundamental do ser humano, em sintonia com o disposto no art. 6º da Constituição de 1988, inclusive a proteção do direito à saúde do trabalhador como um dos itens de atuação do Sistema Único de Saúde (art. 6º, I, "c", §3º e incisos) – em harmonia com destaque dado ao meio ambiente de trabalho pelo texto constitucional (art. 200, VIII).

Importante ressaltar que a educação ambiental laboral representa um dos aspectos do meio ambiente de trabalho. Educar, ambientalmente, para o trabalho, constitui uma das maneiras de se chegar à adequação do ambiente de trabalho, visando à preservação da saúde, segurança e higiene no trabalho. O ser humano tem o direito de receber a educação ambiental laboral, como parte do processo de obtenção do direito ao ambiente de trabalho (e, por que não dizer, do ambiente em geral) adequado. Uma vez educado nessas bases, terá as condições e a consciência necessárias não apenas para usufruir desse direito, mas, também, para defendê-lo – o que, aliás, é preconizado como dever do Poder Público e da coletividade pelo art. 225 da Constituição da República vigente.

O papel do Ministério Público, nesse contexto, é imprescindível, considerado, entre outras incumbências institucionais, seu dever de defender os interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição).

Quando se cogita de meio ambiente do trabalho, aí compreendida a educação ambiental no trabalho, identifica-se no Ministério Público do Trabalho grande responsabilidade pela efetivação desse direito.

Esse ramo do Ministério Público da União exercita a missão da Instituição, no plano judicial, movendo as ações que lhe são confiadas perante a Justiça do Trabalho (art. 83 da Lei Complementar n. 75, de 20-5-1993), entre as quais a Ação Civil Pública – instrumento hábil, por excelência, à proteção do meio ambiente e demais interesses difusos e coletivos [17] (art. 129, III, da Constituição de 1988).

A propósito da competência da Justiça do Trabalho em questões de ambiente laboral, o Supremo Tribunal Federal editou, em dezembro de 2003, a Súmula 736, que estabelece competir à Justiça Especializada "julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores". Assim, por exemplo, são pertinentes as ações visando a fazer cumprir Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho [18], a eliminar insalubridade ou periculosidade intoleráveis, fazer respeitar a jornada máxima de trabalho, etc.

Aprofundando essa linha de raciocínio, caberá, igualmente, à Justiça do Trabalho, provocada pelo Ministério Público do Trabalho ou outro legitimado [19], conhecer da Ação Civil Pública que reivindique a efetivação do direito à educação ambiental – necessária, como se disse linhas atrás, para implementar o ambiente laboral adequado.

Mas a atuação do "Parquet" [20] não se limita às ações judiciais. O plano extrajudicial também lhe reserva instrumentos para que possa zelar pelo direito à educação ambiental no trabalho, com destaque para o Inquérito Civil e as Recomendações (art. 6º, VII e XX, combinados com art. 84, da LC n. 75/1993).

Com efeito, diante de notícia da falta de prática dessa educação, na forma do artigo 3º da Lei n. 9.795/1999, o membro do Ministério Público do Trabalho deve chamar a entidade omissa, investigando-a em Inquérito Civil ou, conforme o caso e se isso bastar, notificando-a para recomendar-lhe que aja em respeito ao referido direito, no prazo assinado.

Importante observar que o Ministério Público também pode convocar Audiência Pública (art. 27, parágrafo único, IV, da Lei n. 8.625, de 12-02-1993) – a qual constitui instrumento ideal para despertar na "sociedade como um todo" o seu papel para efetivação da educação ambiental (art. 3º, VI, da Lei n. 9.795), inclusive no trabalho.


7 Conclusão

A educação ambiental no trabalho, nada obstante decorra de princípio constitucional do meio ambiente e constitua veículo indispensável para garantir o direito fundamental ao meio ambiente adequado, não vem merecendo a devida atenção do Poder Público e demais segmentos da sociedade responsáveis pela sua aplicação. Os elevados percentuais de acidentes do trabalho registrados no País autorizam, sozinhos, tal afirmativa.

O ambiente laboral não compreende, apenas, o local em que se desenvolve o trabalho subordinado, tal o galpão de uma fábrica, mas tudo que diga respeito ao "habitat" laboral, interessando a todas as categorias de trabalhadores, que devem ser favorecidas pelo ambiente adequado.

A educação ambiental, incluída a voltada para o ambiente de trabalho, constitui um dos princípios internacionais da proteção ao ambiente, agasalhada pela Constituição brasileira de 1988 e expressamente reconhecida na Lei instituidora da Política Nacional de Educação Ambiental. Deve ser implementada como prática educativa integrada, contínua e permanente, no ensino formal e não-formal, em todos os níveis, mas não como disciplina obrigatória, nos currículos das instituições, em respeito às perspectivas inter, multi e transdisciplinar que deve contemplar, pedagogicamente.

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A adequação do ambiente de trabalho depende, fundamentalmente, da educação ambiental respectiva, ministrada aos que nele interagirem – trabalhadores, empresários e representantes do Poder Público – comportando suas noções logo no ensino fundamental obrigatório, para despertar a consciência das crianças quanto à necessidade de zelar pelo ambiente laboral e pela saúde e segurança própria e alheia, no trabalho.

O Ministério Público do Trabalho, como defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis na seara do trabalho, tem largo e importante papel a desempenhar para fazer valer o direito à educação ambiental no trabalho, manejando os instrumentos judiciais e extrajudiciais à sua disposição.


8 Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério da Previdência Social. Disponível na Internet em <http://www.previdenciasocial.gov.br>. Acesso em 26.Ago.2004.

-------. Ministério Público do Trabalho. Disponível na Internet em <http://www.pgt.mpt.gov.br/seguranca/geral/mpt.html>. Acesso em 27.Ago.2004.

CASCINO, Fabio. Educação Ambiental – princípios, história, formação de professores. 2.ed., São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2000.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito Ambiental e a saúde dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2000.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000.

OLIVEIRA. Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 4. ed. rev., ampl. e atualizada, São Paulo: LTr, 2002.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT BRASIL). Disponível na Internet em <http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/rules/integra/conv.htm>. Acesso em 26. Ago.2004.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2000.


NOTAS

1 Disponível na Internet em <http://www.previdenciasocial.gov.br/aepes2003/docs/3c30_01.xls> e <http://www.previdenciasocial.gov.br/aepes2003/docs/3c30_11.xls>. Acesso em 26.Ago.2004.

2 Direito Ambiental Constitucional. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 20.

3 Confira-se, da autora, Ação Ambiental Trabalhista. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2004, p. 82-83.

4 SILVA, José Afonso da. Ob. cit., p. 23.

5 Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 39-40.

6 CASCINO, Fabio. Educação Ambiental – princípios, história, formação de professores. 2. ed., São Paulo: Ed. Senac-SP, 2000, p. 53.

7 Idem. Ob. e loc. cit.

8 Idem. Ob. cit., p. 60.

9 V. na Internet <http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/rules/integra/conv.htm>. Acesso em 26. Ago.2004.

10 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin. Direito Ambiental e a Saúde dos Trabalhadores. São Paulo: LTr, 2000, p. 70.

11 Ob. cit., p. 62.

12 CASCINO, Fábio. Ob. cit., p. 69.

13.incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas", conforme §3º do art. 10, dessa Lei. Quanto aos professores, devem ter a dimensão ambiental em seus currículos de formação, exigindo-se daqueles já em atividade o recebimento de formação complementar, de sorte que tais requisitos devem ser levados em conta por ocasião da autorização e supervisão do funcionamento de todas as instituições de ensino.

14 Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 4. ed. rev., ampl. e atualizada, São Paulo: LTr, 2002, p. 144-153.

15 FIORILLO. Ob. cit., p. 35.

16 V., da autora, o Capítulo III da Ação Ambiental Trabalhista mencionada em nota anterior.

17 V. a qualificação legal desses interesses ou direitos na Lei n. 8.078, de 11-9-1990, art. 81, I e II.

18 V. art. 200 da Consolidação das Leis do Trabalho.

19 V. art. 5º da Lei n. 7.347, de 24-7-1985.

20 V. na Internet: <http://www.pgt.mpt.gov.br/seguranca/geral/mpt.htm>. Acesso em 27.Ago.2004.

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Sobre a autora
Evanna Soares

Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho na 7ª Região (CE). Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires). Mestra em Direito Constitucional (Unifor, Fortaleza). Pós-graduada (Especialização) em Direito Processual (UFPI, Teresina).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Evanna. Educação ambiental no trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1505, 15 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10260. Acesso em: 17 abr. 2024.

Mais informações

Publicado originalmente na Revista do Ministério Público do Trabalho, n. 30, set. 2005, LTr, São Paulo.

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