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A responsabilidade civil dos transportadores pelos assaltos ocorridos nos transportes coletivos urbanos de passageiros

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14/08/2007 às 00:00
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Não concordamos com o posicionamento que vem predominando. Nascida sob o enfoque da teoria do ato ilícito, a responsabilidade civil evoluiu no sentido de atingir atividades carregadas de perigo, sem necessidade da comprovação de culpa.

INTRODUÇÃO

Até há bem pouco tempo, as normas inerentes aos contratos de transporte encontravam-se dispersas em uma vasta legislação extravagante. Ante a ausência de expressa previsão legal no Código Civil de 1916, coube à jurisprudência traçar as diretrizes dos contratos de transportes em geral, principalmente com relação a responsabilidade civil.

Com o surgimento do Código Civil de 2002, passamos a ter um capítulo específico dedicado ao contrato de transporte.

Em decorrência do referido diploma normativo, as regras inerentes aos transportes, que se apresentavam soltas em nosso ordenamento jurídico, foram condensadas e sistematizadas na novel codificação.

Adentrando na ventilada temática, observamos que, dentre as inúmeras espécies de contratos de transporte, temos, em suma, o de transporte de pessoas e o de transporte de coisas. Subdividindo a primeira espécie, encontramos o contrato de transporte coletivo urbano de passageiros, objeto do presente trabalho monográfico.

Ao estudarmos detidamente o mencionado pacto, verificamos que um dos pontos principais a ser trabalhado sobre o mesmo diz respeito a responsabilidade civil do transportador pelos danos, morais ou materiais, que ocasionar aos passageiros e/ou aos terceiros. Em nosso ordenamento jurídico, a principal característica do mencionado dever de ressarcimento é a sua objetividade.

No entanto, conforme iremos observar no desenvolvimento deste trabalho, em alguns casos de danos sofridos pelos passageiros e/ou terceiros, em virtude da prestação do serviço público de transporte, o transportador não será responsabilizado. Tal obrigação será eximida quando o prejuízo for resultante de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

A discussão sobre a incidência das supra-referidas excludentes ganha relevo quando nos deparamos com os assaltos ocorridos nos transportes coletivos urbanos de pessoas, tema central deste trabalho.

Parte da doutrina, e em especial a jurisprudência, conforme exporemos no capítulo IV, entende que o transportador, diante de tal infortúnio, não deverá ser compelido a ressarcir o passageiro pelo suposto prejuízo que tenha sofrido, sob o fundamento de que o citado sinistro resulta de um caso fortuito.

No entanto, encontramos, no pólo diametralmente oposto, outros doutrinadores, bem como outros julgados, defendendo a responsabilidade do transportador. Estes afirmam, em síntese, que assaltos em transportes coletivos urbanos, atualmente, são totalmente previsíveis e evitáveis. Conseqüentemente, o transportador tem o dever de prevenir a ocorrência dos citados delitos.

Devido à narrada discussão, surge, no momento em que ocorre um assalto em um transporte coletivo urbano, o grande problema de se definir se o transportador será ou não responsabilizado pelo mencionado evento.

Diante da mencionada celeuma jurisprudencial, propomo-nos a realizar, no presente trabalho, um estudo detalhado sobre a ventilada temática, através da exposição dos diversos posicionamentos referentes à matéria, com seus respectivos fundamentos.

Contudo, antes de falarmos sobre a responsabilidade civil do transportador pelos assaltos ocorridos nos transportes coletivos urbanos de pessoas, traremos, inicialmente, no primeiro capítulo, algumas considerações gerais sobre o contrato de transporte, falando sobre seu surgimento e sua evolução histórica, assim como alguns conceitos e elementos que nos ajudarão ao longo do desenvolvimento desse trabalho.

Em seguida, no segundo capítulo, trabalharemos uma das espécies da mencionada figura jurídica, o contrato de transporte urbano de pessoas, que está bastante ligado à temática central do trabalho, apontando suas principais características, bem como os efeitos que gerará para as pessoas que o celebrarem.

No terceiro capítulo, falaremos sobre a responsabilidade civil do transportador nos transportes coletivos urbanos de passageiros, expondo suas duas espécies, a responsabilidade contratual e a extracontratual, além de outros temas correlatos, como o transporte gratuito.

Por fim, no último capítulo, adentraremos na temática central do trabalho, mediante a exposição dos diversos posicionamentos sobre o assunto.


CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CONTRATO DE TRANSPORTE DE PESSOAS

1.1 Histórico do Contrato de Transporte

A partir do instante que os seres humanos atingiram determinado estágio de desenvolvimento social, novas necessidades foram surgindo, o que acarretou no aumentando do intercâmbio de pessoas e coisas.

Diante da mencionada realidade, brotou, no seio da sociedade humana, como mecanismos de facilitação da supracitada crescente social, o transporte de pessoas e de coisas.

Nesse diapasão, surgiu o contrato de transporte, tendo com intuito regulamentar as novas relações jurídicas resultantes dos transportes.

Vale ressaltar, baseado nos ensinamentos de Pontes de Miranda, que antes do surgimento do contrato de transporte, ao tempo dos clãs e das tribos,

Se havia algum interesse em levar-se de um lugar para outro alguma pessoa, ou coisa, o serviço era de acordo com o regime clânico ou tribal, e somente quando se pagou serviço foi possível a concepção, hoje evidentemente superada, do transporte locação de serviços. [01]

Todavia, quando do surgimento dos referidos contratos, diversos regramentos jurídicos passaram a estabelecer normas gerais sobre os mesmos. Um dos primeiros a fazer certa alusão ao nascente pacto foi o Código de Hamurabi. Esse estabelecia que o transportador, caso não entregasse no local convencionado as mercadorias que haviam ficado sob sua responsabilidade, seria obrigado a pagar ao proprietário das mercadorias cinco vezes o valor destas.

No direito grego, em decorrência do alto grau de desenvolvimento e importância que atingiram os transportes, houve um acentuado aperfeiçoamento dos contratos de transportes, ocorrendo, inclusive, a diferenciação entre o contrato de locação de navios e o de transporte.

No entanto, apresenta-se a doutrina, atualmente, sem dados que possam fixar com precisão as diferenças que foram estabelecidas entre os supracitados contratos.

Já no direito romano, não existia um contrato de transporte propriamente dito, mas um contrato de locação de serviços, o qual era bastante semelhante ao nosso atual contrato de transporte.

Tal contrato de locação de serviços caracterizava-se por ser decorrente de um inter-relacionamento entre o locator, ou seja, a pessoa que entregava o que ia ser transportado e pagava a merces, e o conductor, que realizava o opus, o qual consistia no dever de transportar o objeto que havia recebido ao lugar previamente fixado.

Por fim, vale ressaltar que o grande legado deixado pelo direito romano no que pertine aos contratos de transportes foi o título 14 do livro 2 do Digesto, que foi supostamente a Lex Rhodia de Iacto. Este título teve grande importância na história das relações comerciais marítimas, sendo apontado por muitos como o momento maior na história dos transportes.

A Lex Rhodia de Iacto regulou, com base em princípios gregos, os casos de avaria marítima e lançamento ao mar dos bens transportados na hipótese de perigo de naufrágio.

1.2 Noções Gerais

Atualmente, o transporte coletivo urbano tornou-se um dos instrumentos fundamentais do Estado na busca do cumprimento de suas funções sociais e econômicas.

No Brasil, em decorrência de expressa previsão constitucional, tal serviço é considerado de interesse público, cuja prestação se dá, via de regra, segundo o art. 175 da Constituição Federal [02], através de delegação, concessão ou permissão.

No entanto, mesmo diante de sua relevância social, o contrato de transporte, resultante da prestação do mencionado serviço, não era tratado pelo Código Civil de 1916, ficando a mercê de algumas leis esparsas.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a referida espécie pactual passou a ser regulamentado pelo mesmo.

O mencionado código, em seu art. 730 [03], define o contrato de transporte como sendo aquele pelo qual uma pessoa, física ou jurídica, obriga-se, mediante remuneração, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.

Já a doutrina define tal pacto como "o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuição, a transferir de um lugar para outro pessoa ou bens." [04]

Com relação ao contrato de transporte de pessoas, objeto deste capítulo, que é espécie daquele, conforme verificaremos adiante, é conceituado pela doutrina como "um negócio jurídico por meio do qual alguém se obriga a transportar a outrem, mediante pagamento, de um local para outro." [05]

Em todos os contrato de transporte de pessoas encontramos, necessariamente, a presença de dois sujeitos, o transportador e o transportado.

Transportador é toda pessoa, física ou jurídica, que se obriga perante outrem a transportá-lo - no caso dos transportes de pessoas -, ou a transportar determinada mercadoria do outro contratante, mediante retribuição pecuniária, até o local convencionado pelas partes.

Já por transportado, viajante ou passageiro, entende-se como sendo toda pessoa física que contrata com o transportador para ser transportado de uma localidade para outra previamente convencionada.

Além do transportador e do transportado, em determinados contratos de transportes teremos a presença de um terceiro pólo, que será composto pelas agências de viagens. Falaremos sobre estas pessoas jurídicas posteriormente.

O contrato de transporte de pessoas, assim como todo e qualquer instituto jurídico, apresenta certas características que o distingue dos demais. Maria Helena Diniz [06], por exemplo, baseada na Teoria das Obrigações Contratuais, entende que os contratos de transporte em geral, bem como o de pessoas, são bilaterais, onerosos, comutativos e consensuais.

Tais contratos são bilaterais pelo fato de gerarem direitos e obrigações para ambos os integrantes do negócio jurídico. Já a onerosidade é em virtude das vantagens economicamente apreciáveis que surgem para os transportados e os transportadores. No entanto, conforme observaremos posteriormente, muito se discute ainda se em determinados casos o contrato de transporte poderá ser gratuito, o que atualmente, em decorrência de previsão expressa do Código Civil, é inadmissível.

No que pertine a comutativa, esta se perfaz presente pelo simples fato das prestações dos contratantes serem previamente definidas e certas, não ficando as mesmas na dependência de um evento futuro e incerto.

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Por fim, são consensuais tendo em vista que o mesmo só se efetivará pelo mútuo consentimento das partes. Porém, com relação a esta característica, devemos fazer algumas considerações.

Quando nos deparamos com a figura jurídica dos contratos, observamos que uma de suas principais características é a liberdade das partes escolherem com quem contratar.

Nos contratos de transporte de pessoas, assim como nos demais, o passageiro possui a prerrogativa de se recusar a contratar com um determinado transportador. No entanto, no que pertine ao transportador, o art. 739 do Código Civil determina que "o transportador não pode recusar passageiros, salvo nos casos previstos nos regulamentos, ou se as condições de higiene ou de saúde do interessado o justificarem". [07]

Tal preceito legal fulcra-se no art. 21 da Constituição Federal, que enquadra os transportes como uma das espécies de serviços públicos, ocasionando, por conseguinte, a obrigação do mesmo ser prestado indistintamente a todos os cidadãos.

Outro ponto de bastante relevância no estudo dos contratos de transporte em geral diz respeito às diversas formas como a doutrina o classifica, o que vai influenciar diretamente na adequação do contrato de transporte de pessoas.

Segundo Genaro Carrió [08], as classificações não são certas ou erradas, mas úteis ou inúteis, na medida que servem para identificar melhor o objeto de análise. Esclarece o referido autor que:

[...] suas vantagens ou desvantagens estão vinculadas ao interesse que guia a quem as formula e sua fecundidade para apresentar um campo de conhecimento de uma maneira mais facilmente compreensível ou mais rica em conseqüências práticas desejáveis. [09]

Por conseguinte, visando melhor situar e caracterizar o contrato de transporte de pessoas, trazemos a baila a classificação estabelecida por Fran Martins [10] quanto aos transportes, que o subdivide da seguinte forma:

1) Quanto ao objeto conduzido:

a) Transporte de pessoas

b)Transporte de coisas

2) Quanto ao meio empregado:

a) Transporte terrestre, que se subdivide em:

a.1) Em função do veículo utilizado:

- Ferroviário;

- Rodoviário

a.2) Em função da extensão coberta

-Urbano;

-Intermunicipal;

-Interestadual;

-Internacional

b) Transporte aquaviário, marítimo ou fluvial;

c) Transporte aéreo

Tal classificação será bastante importante quando formos trabalhar, no capítulo IV, o tema central do presente trabalho, tendo em vista a adequação do mesmo em uma das espécies acima elencadas.

Após essas breves considerações sobre o contrato de transporte, onde pudemos acompanhar sua evolução histórica, seus caracteres, alguns de seus principais conceitos e classificações, bem como sua importância em nosso cotidiano, trabalharemos, no próximo capítulo, uma de suas espécies, o contrato de transporte urbano de pessoas, tendo em vista sua grande ligação ao tema central do trabalho.


CAPÍTULO II

DO CONTRATO DE TRANSPORTE URBANO DE PESSOAS

2.1 Considerações Gerais

Conforme adrede exposto, contrato de transporte de pessoas é "aquele em que o transportador se obriga a remover uma pessoa e sua bagagem de um local para outro, mediante remuneração." [11]

Dentre as subespécies da ventilada espécie contratual, levando-se em consideração a extensão coberta pelo respectivo serviço de transporte, temos o contrato de transporte urbano de pessoas. Esse pode ser definido como o negócio jurídico através do qual o transportador se compromete a transportar um passageiro, juntamente com sua bagagem, mediante pagamento, de um lugar para outro dentro do perímetro urbano de um município.

A espécie pactual em tela, assim como todos os demais contratos de transporte de pessoas, apresenta, necessariamente, conforme pudemos observar no capítulo anterior, dois sujeitos, o transportador, que se compromete perante outrem a transportá-lo de uma localidade para outra, e o transportado ou passageiro, que é aquele que usufruirá o mencionado serviço mediante remuneração.

No entanto, em determinados casos, temos a interveniência de uma terceira pessoa, as agências de viagens, sobre as quais nos aprofundaremos posteriormente.

Contudo, ao se adentrar na presente temática, "sujeitos dos contratos de transporte de pessoas", observamos a necessidade de se fazer um estudo detalhado sobre a capacidade civil das partes, tendo em vista a existência de algumas peculiaridades com relação aos passageiros, o que não acontece nos transporte de coisas.

Inicialmente, no que pertine ao transportador, verificamos que o mesmo deverá ser plenamente capaz e poderá ser pessoa física ou jurídica.

Já o transportado ou passageiro, pólo ativo da relação jurídica em comento, apresenta grandes particularidades inerentes a sua capacidade civil.

Primeiramente, com relação ao transporte de pessoas realizado dentro da comarca do passageiro, ou seja, o transporte urbano, tema central deste trabalho, observamos a possibilidade do transportado, desde que pague o valor da passagem, ser plenamente ou relativamente incapaz, ante o informalismo do ventilado negócio jurídico.

Todavia, em virtude do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) [12], lei 8.069/90, nas viagens de longo percurso, como as internacionais, as interestaduais e as intermunicipais, mister se faz que o passageiro seja maior de 12 anos. Este entendimento decorre da leitura do caput do art. 83 do ECA, o qual estabelece que "nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsáveis, sem expressa autorização judicial" [13].

Porém, em se tratando de "comarca contígua à da residência da criança, se na mesma unidade da Federação, ou incluída na mesma região metropolitana" [14] (art. 83, §1.ª, a) ou se a criança estiver acompanhada "de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco" [15] (art. 83, §1.ª, b, 1), ou "de pessoa maior expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável" [16] (art. 83, §1º., b), não será exigido autorização judicial.

Vale ressaltar que os pais ou responsáveis da criança poderão, fulcrados no art. 83, §2º do ECA, requisitar à autoridade judiciária que a mencionada autorização seja válida por até dois anos.

Na hipótese de viagens ao exterior, o art. 84 do ECA estabelece que a criança também necessita de autorização judicial, salve nos casos em que "estiver acompanhado de ambos os pais ou responsáveis" [17] (art. 84, II) ou "viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firma reconhecida" [18].

Por fim devemos lembrar que "sem prévia e expressa autorização judicial, nenhuma criança ou adolescente nascido em território nacional poderá sair do País em companhia de estrangeiro residente e domiciliado no exterior" [19] (art. 85, do ECA).

2.2 Das Agências de Viagens

Conforme adrede exposto, nos contratos de transporte de pessoas, em determinados casos, poderemos ter a figura das agências de viagens. Tais pessoas jurídicas, em decorrência de atuarem como intervenientes entre o transportador e o transportado, serão solidariamente responsáveis àqueles pelos danos sofridos por estes. Trabalharemos mais detidamente a responsabilidade das agências de viagens no terceiro capítulo.

Segundo Maria Helena Diniz, as agências de viagens são pessoas jurídicas que têm como funções:

[...] vender excursões e passagens por conta própria ou de empresas de transportes; organizar, promover e executar viagens ou excursões individuais ou coletivas; prestar, mediante remuneração, serviços turísticos, inclusive de guia, intérprete, prestando informações à viajantes, prestar serviços especializados, mediante remuneração, relacionados com passeios, viagens, acomodações em hotéis. [20]

Atualmente, a doutrina apresenta duas espécies de agências de viagens, as de turismos e as operadoras turísticas.

As primeiras possuem como principal característica a prestação direta, nos países em que se encontram localizadas, dos serviços de agenciamento aos seus clientes, independentemente da finalidade da viagem destes. Já as agências operadoras turísticas estão imbuídas apenas na execução de serviços de natureza turística, no país ou no exterior, para outras agências de viagens.

Portanto, a diferença básica entre as duas espécies acima elencadas é que aquela presta, diretamente, apenas em seu país, os referidos serviços ao contratante, enquanto a segunda serve tão-somente de intermediária para outra agência, podendo o mencionado serviço ser prestado em seu país ou no exterior.

Todavia, no caso dos transportes urbanos de passageiros, dificilmente teremos a presença das agências de viagem, em decorrência do limitado espaço de atuação dos transportes nestes contratos.

Por fim, vale lembrar, com base na lei 8.181/91 [21], que as agências de viagem deverão, obrigatoriamente, ser registradas na Embratur, órgão responsável pela fiscalização das citadas. No entanto, na hipótese da agência de viagens possuir frota própria de transportes, a mesma também deverá registrar-se no Departamento Nacional de Estradas e Rodagens.

2.3 Dos Bilhetes

Nos contratos de transporte de pessoas, uma das principais formas de se provar a celebração do mesmo é através dos bilhetes. Estes se perfazem bastante presentes nos transportes coletivos urbanos, recebendo a denominação de vales transporte.

Por bilhete entende-se como sendo o documento emitido pelo transportador, em contrapartida ao pagamento efetuado pelo passageiro, que serve como prova da efetivação do negócio jurídico entre as partes. Vale lembrar, que estes documentos poderão ser nominativos ou ao portador.

Como o retrocitado documento possui, em regra, apenas natureza probatória, entende a doutrina que a sua ausência, perda ou irregularidade, não prejudicará a existência ou a eficácia do respectivo negócio jurídica, já que os contratos de transportes possuem como uma de suas principais características o informalismo. Para que os mesmos se efetivem basta o consentimento das partes.

Assim como sua presença, a dispensa do bilhete de passagem pode ser observada claramente nos transportes coletivos urbanos. Nestes, para que se concretize o vínculo obrigacional entre as partes, bastará o simples pagamento da passagem no momento que o passageiro ingressar no veículo.

Devemos ressaltar, como última peculiaridade inerente ao bilhete de transporte, a possibilidade deste, segundo o caput do art. 738 do Código Civil [22], conter as cláusulas do contrato do qual resultou.

2.4 Dos Efeitos Jurídicos para as Partes

O contrato de transporte de pessoas, assim como todo negócio jurídico, produz diversos efeitos jurídicos para as partes. Por conseguinte, ao analisarmos detidamente os dispositivos constantes no Código Civil que regulamentam a presente matéria, bem como outros diplomas legais, observamos uma série de direitos e obrigações inerentes ao transportador e ao transportado.

Trabalhando, primeiramente, as obrigações do transportador, encontramos o dever deste transportar o passageiro de um local para outro obedecendo ao tempo e ao modo convencionado. Tal obrigação decorre do já mencionado art. 730 do Código Civil combinado com o art. 737.

Caso o transportador ocasione algum prejuízo ao passageiro, em decorrência de atraso, na saída ou na chegada, do veículo, salve motivo de caso fortuito ou força maior, será responsabilizado pelo mesmo.

Seguindo a mesma esteira de raciocínio, o Decreto n.º 2.681/12 [23] determina que o transportador será obrigado a indenizar o passageiro se, salve motivo de força maior, em virtude da suspensão ou da interrupção do tráfego ou do não oferecimento ao referido de lugar no veículo, ocasionar-lhe graves prejuízos.

Outra obrigação do transportador é o dever deste efetuar o transporte com cuidado, exatidão e presteza. Conseqüentemente, baseado no art. 734 do Código Civil, o transportador responderá por todo e qualquer dano causado ao viajante, desde que o mesmo não seja resultante de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.

Já o art. 733 do retro-referido código afirma que:

Nos contratos de transporte cumulativo, cada transportador se obriga a cumprir o contrato relativamente ao respectivo percurso, respondendo pelos danos neles causados às pessoas e coisas. [24]

Por fim, baseado no art. 741 do Código Civil, se a viagem do passageiro for interrompida por qualquer motivo alheio à vontade do transportador, mesmo que decorrente de evento imprevisível, fica o referido obrigado a concluir o transporte contratado em outro veículo da mesma categoria, ou, com a aquiescência do transportado, por modalidade diferente, à sua conta, correndo também por sua conta as despesas de alimentação e estada do usuário durante a espera do novo transporte.

Vale lembrar que o contrato de transporte de pessoas dará ensejo ao dever do transportador de transportar as bagagens do passageiro.

Além de obrigações, o transportador possui uma série de direitos frente ao transportado, dentre os quais podemos enumerar, inicialmente, o de exigir deste o pagamento do valor da passagem adrede convencionado.

Outro direito do transportador, resultante do § 3.º do art. 740 do Código Civil, é o de reter, no caso de rescisão do contrato, por parte do passageiro, antes de iniciada a viagem, 5% da importância a ser restituída ao referido. E mais, para que ocorra a devolução ao retrocitado dos 95% restantes, faz-se necessário que outra pessoa tenha sido transportada em seu lugar, ou seja, que a comunicação da desistência tenha ocorrido em tempo suficiente do transportador renegociar a passagem.

Nos casos em que a passagem é paga após a execução do transporte, o transportado, segundo o art. 742 do Código Civil, poderá reter a bagagem e outros objetos pessoais do transportado visando garantir o pagamento da mesma.

No que pertine as obrigações dos transportados, podemos observar, primeiramente, que estes possuem o dever de pagar o valor inerente ao percurso que previamente havia pactuado com o transportador.

Além de pagar o referido valor, o passageiro, quando se tratar de viagem com hora marcada, dever-se-á apresentar pontualmente ao local de embarque. Caso perca a viagem, em decorrência de seu atraso, não mais terá direito de receber de volta o valor da passagem que houver pago, salve se comprovar que outra pessoa viajou em seu lugar.

Devemos ressaltar, com base no que anteriormente expusemos, que o passageiro poderá rescindir o contrato, desde que observe os dois requisitos acima expostos. Primeiro que tal rescisão ocorra antes de iniciada a viagem, segundo que a mesma seja requisitada a tempo da passagem ser renegociada.

No entanto, mesmo após o início da viagem, o transportado poderá desistir da viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor inerente ao trecho não utilizado, desde que comprove que outra pessoa foi transportada em seu lugar.

Já o art. 738 do Código Civil determina que:

A pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço. [25]

Caso não obedeça tais determinações e venha a sofrer algum prejuízo, a indenização a que teria direito será reduzida eqüitativamente ao seu grau de responsabilidade.

Por último, apresenta a jurisprudência, como mais uma obrigação do transportado, o dever deste, nos transportes rodoviários intermunicipais, interestaduais ou internacionais, de apresentar o documento de identidade ou bilhete de viagem quando requisitado no decurso da viagem.

Com relação aos direitos do passageiro, o principal deles é o de exigir, após a apresentação do bilhete de passagem, o transporte. Esse serviço, em virtude da propalada cláusula de incolumidade, deverá ser prestado com cuidado, presteza e exatidão, evitando-se a ocorrência de qualquer sinistro que possa redundar em risco à incolumidade física e moral do transportado, bem como as suas bagagens.

Quando o bilhete de passagem enumerar o local a ser ocupado pelo passageiro no transporte, este terá o direito de ocupar o lugar mencionado no referido documento.

Mesmo quando os bilhetes são vendidos sem numeração, o transportado terá, via de regra, direito a um assento no veículo, já que o transportador está proibido de vender uma quantidade de bilhetes maior do que o número de poltronas disponíveis no transporte. Porém, nos transportes coletivos urbanos, como exceção a referida regra, permite-se, sob o fundamento de se facilitar o tráfego, que sejam vendidas mais poltronas do que o número de poltronas disponíveis no veículo. Finalmente, como resultado de tudo que já expusemos, o transportado possui os direitos de usufruir e desfrutar de todos os serviços, inerentes ao transporte, prestados pelo transportador no curso da viagem. Caso sofra algum dano moral e/ou material em razão da prestação do citado serviço público, poderá acionar o transportador no intuito de ser ressarcido.

Após tais considerações, encerramos o presente capítulo sobre o contrato de transporte de pessoas, que servirá de base para o desenvolvimento do restante deste trabalho, já que muitos conceitos acima exposto serão de grande utilidade nos demais capítulos.

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Sobre o autor
Galtiênio da Cruz Paulino

assistente jurídico do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, advogado em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULINO, Galtiênio Cruz. A responsabilidade civil dos transportadores pelos assaltos ocorridos nos transportes coletivos urbanos de passageiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1504, 14 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10267. Acesso em: 16 abr. 2024.

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