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Arma de fogo: onde está a segurança pública?

01/07/1999 às 00:00
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O Governo Federal, sob o argumento da crescente onda de violência que assola a sociedade brasileira, encaminhou ao poder legislativo projeto de lei que proíbe o comércio de armas de fogo e munições. Por incrível que pareça, acredita piamente que essa medida radical será capaz de reduzir os índices de violência a ponto percentual aceitável. Porém, ao assim agir, demonstra o seu despreparo no que se relaciona à segurança pública.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, caput, garante ao cidadão, dentre outros que elenca, o direito à vida e também à segurança. De igual forma, o artigo 6º, prevê entre os direitos sociais, o que se relaciona à segurança. Por fim, dispõe a Carta Magna que a segurança é um dever do Estado (art. 144, caput).

Então, para que o Estado pudesse pensar em retirar das mãos da população uma arma de fogo devidamente registrada e com porte deferido, primeiro teria que fornecer a esta mesma população, em cumprimento ao seu dever constitucional, o mínimo de segurança pública necessário para protegê-la contra as investidas dos criminosos, que se encontram geralmente aparelhados com armas de grosso calibre, como fuzis AR 15, granadas de mão, e material de tecnologia avançada como telefones celulares, carros possantes, binóculos de infravermelho etc. 

Entretanto, em contrapartida, sabemos qual é a verdadeira situação da segurança pública atual em todo o país, onde falta tudo, desde material de consumo primário, como combustível, papel, balas, papel higiênico etc., a viaturas, agentes, salários, armas, algemas, móveis etc., encontrando-se a maioria dos prédios das delegacias e presídios em lastimável estado de conservação, inclusive chegando às barras da insalubridade. 


A par disso, parece que o autor desse projeto de lei não vive no Brasil, já que mostra total desconhecimento da realidade de seus problemas. Demonstra desconhecer a via-sacra que é, depender dos préstimos daqueles que lidam com a justiça, principalmente no âmbito policial, cujos agentes, na maioria das vezes, chegam horas após, ao local do crime, ou ao serem procurados, recebem o povo com desdém, sem falar nos milhares de BO’s e inquéritos que são arquivados sob a justificativa de autoria desconhecida. 

Como pode o Estado apresentar uma radiografia estrutural tão lastimável e ao mesmo tempo retirar dos cidadãos o direito de ter consigo um instrumento que muitas vezes pode salvar a sua vida e também a integridade de sua família?

Objeta-se sob o argumento de que 96 % das pessoas que reagem a um assalto são mortas. Entretanto, força convir, que esse índice apresenta-se incorreto e deveras sensacionalista e demagógico, já que certamente aquele que conseguiu ferir ou matar o seu algoz, não procurou uma delegacia de polícia para se auto-incriminar e fazer parte da estatística governamental.

Diz também que são as armas legais que abastecem a criminalidade, ao serem subtraídas dos particulares em eventuais assaltos. Todavia, sabemos muito bem que sempre foi o comércio clandestino, oriundo do contrabando e do tráfico ilícito de entorpecentes, que muniu a criminalidade com armas de grosso calibre. Temos notícias, outrossim, que muitas armas são desviadas por maus policiais e vendidas ou trocadas por drogas.

Por isto, em que pese a intenção governamental, por mais que se prive o particular de ter uma arma, ela continuará nas mãos dos infratores e consequentemente da juventude, simplesmente porque o Estado procura combater os efeitos e não as causas da violência atual, as quais conhece muito bem, quais sejam, a falta de investimento na educação, cultura e no lazer e o índice alarmante de desemprego.

Ademais, é comezinho que o legislador penal, ciente da falibilidade do Estado, que não pode estar a todos os lugares em todos os momentos, previu no artigo 25 do CP o instituto da legitima defesa, onde a pessoa pratica uma ação típica, porém lícita, o que exclui consequentemente o delito. Como poderá o pobre cidadão enfrentar, em legítima defesa, os criminosos que invadem a sua casa ou lhe abordam na rua, portando pistolas PT 380, se acabam de lhe confiscar a sua arma legalmente adquirida? Se armado é ruim imagine desarmado! Em síntese, todo cidadão tem assegurado pelo ordenamento jurídico o direito à autodefesa, direito este que permanecerá previsto, porém, doravante, na maioria das vezes, inócuo, já que o governo por intermédio do projeto de lei em exame, retira das mãos dos cidadãos um dos instrumentos que leva até ele, qual seja, a arma de fogo.


Pelo disposto em tal projeto de lei, não obstante a previsão de futura indenização, acredito que, por não deixar alternativa de escolha, o ato de forçar o particular, mediante sanção, a entregar as armas e munições às Forças Armadas, Polícia Federal ou Civil, configura-se em inaceitável confisco da propriedade privada, direito este assegurado pela Constituição Federal (art. 5, caput, XXII e art. 170, II). De igual modo, ao sancionar as empresas que comercializam referidas armas e munições, em caso de não observância de seus ditames, o projeto viola o livre exercício de qualquer atividade econômica, já que o art. 170, parágrafo único, da CF, ao apresentar sua ressalva, reporta-se à necessidade de autorização dos órgãos públicos, o que certamente as revendedoras já possuem.

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Lamentavelmente, o cidadão brasileiro conta única e exclusivamente com a sorte e com a ajuda divina para não se ver colocado na situação de vítima, pois, caso contrário, só lhe resta ajoelhar e pedir clemência para os criminosos. É o país das discrepâncias e da notória ausência de bom senso!

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Sobre o autor
Paulo Martini

juiz de Direito no Mato Grosso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINI, Paulo. Arma de fogo: onde está a segurança pública?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1031. Acesso em: 19 mar. 2024.

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