Artigo Destaque dos editores

Direito de uso de arma de fogo

01/07/1999 às 00:00
Leia nesta página:

Conforme projeto de Lei enviado pelo Poder Executivo com pedido de urgência pretende-se eliminar o comércio de arma de fogo em todo o território nacional, tornando ilegal as armas que se encontram em poder da população, colecionadores, e inclusive impedindo a existência da modalidade de tiro esportivo. Pretende-se ainda, acabar com o direito a fiança no caso de porte ilegal de arma, tornando o crime inafiançável. Para o ministro da Justiça Renan Calheiros, "É só o primeiro passo para tratar do problema" (Veja, edição 21, 26/05/99, p.97).

Na busca de indenizar os proprietários de armas, o governo pretende fixar uma indenização de até R$ 150,00  para cada arma entregue, que seria o preço pago no mercado ilegal, sendo que o Executivo estima que existem aproximadamente 3 milhões de armas em poder da população.


O Brasil passa por transformações que são importantes e essenciais para o seu desenvolvimento na busca da melhoria do padrão de vida da coletividade, diminuição da violência, investimento na área de saúde, educação e assistência social. A imprensa tem noticiado que o país ao contrário do divulgado pelo governo federal vem suportando altas taxas de desemprego, diminuição nas taxas de crescimento, e ainda limitações nas verbas destinadas aos programas nas áreas sociais, saúde, educação, inclusive com cortes nos programas de cestas básicas das famílias do nordeste do país.

A violência é noticiada todos os dias nos telejornais, onde menores que possuem direito ao voto, e na maioria das vezes possuem conhecimento da ilicitude de seus atos, praticam agressões e até mesmo crimes contra as pessoas trabalhadoras sem sofrerem qualquer punição, uma vez que estão protegidos por Leis que impedem que fiquem sujeitos a processos crimes, aos quais são submetidos os maiores de 18 anos.

Mas, entende-se que o problema de toda a violência suportada pelo sociedade seria decorrente do uso de armas de fogo, e que estas devem ser banidas do nosso país como forma de assegurar a integridade física e patrimonial do cidadão, em atendimento ao disciplinado no art. 144 da Constituição Federal.


Faz algum tempo que o governo federal tem se empenhado em programas voltados para a entrega de armas de fogo, que se encontram em poder da população na busca da diminuição da violência, que preocupa nos grandes centros e tem chegado nas cidades de médio e pequeno porte dos vários Estados da Federação.

É importante se observar que nestas campanhas apenas as pessoas que são cumpridoras dos seus deveres, que compraram uma arma pensando na defesa de seus familiares, foram as que compareceram para entregá-las na busca de uma sociedade melhor e voltada para a paz. Em nenhum instante, aqueles que se encontram à margem da sociedade, que pertencem a organizações criminosas, que vivem da prática de atos ilícitos, estiveram perante os órgãos policiais ou mesmo junto as entidades não governamentais para deixarem seus rifles, fuzil AR-15, lança-granadas, armamentos de uso exclusivo das Forças Armadas adquiridos no mercado negro, como noticiado na imprensa, pistolas semi-automáticas, PT 380, 9mm, 7.65mm, entre outras, que são utilizadas em assaltos a banco, carros fortes, e outras atividades ilegais.

Mas, o governo acredita que proibindo o comércio de armas de fogo, impedindo o cidadão de bem de ter acesso a uma arma para deixá-la em casa, ou mesmo ter um porte em decorrência da atividade que desenvolva, estará contribuindo para a diminuição da criminalidade.

O Estado nas questões relacionadas com a segurança pública tem sido deficiente, e muitas vezes omisso, como noticiado pela Folha de São Paulo, que tomou como exemplo a cidade de São Paulo, onde os furtos e os crimes de roubo aumentaram, sendo que a população no mesmo período de 1998-99, registrou um pequeno aumento. Será que o motivo que levou ao crescimento da criminalidade é decorrente do uso de arma de fogo que se encontra em poder do cidadão ?

Existem pessoas que após serem assaltadas por mais de 10 vezes estão processando o Estado por omissão, uma vez que este não foi capaz de cumprir o disciplinado na Constituição Federal, ou seja, assegurar a integridade física e patrimonial de cada pessoa que vive sob a égide do Estado democrático de direito.


A Inglaterra, país que talvez tenha sido utilizado como referência para a propositura do projeto do governo federal, aboliu do seu território o uso de armas de fogo, inclusive em relação a modalidade de tiro esportivo. Mas, é importante se observar que aquele país possui uma tradição diferente do Brasil, pois há muitos anos os policiais ingleses não usam armas, excetuados os grupos de elite da Polícia voltados para operações especiais.

Deve-se observar que a adoção de uma prática por um determinado país não significa necessariamente sucesso em outro, em decorrência da história e dos usos e costumes existentes em cada um deles.

Nos Estados Unidos, o uso da arma de fogo é um direito do cidadão, direito legítimo que pode e deve ser exercido, como é o direito à vida, à liberdade, à democracia, previstos na Constituição daquele país.

O Brasil também assegura ao cidadão o direito à legítima defesa, tanto que o Código Civil e o Código Penal permitem o emprego da força para a defesa da propriedade, e da integridade física, pessoal ou de terceiro. Esta defesa poderá se dar por meio do uso legítimo de arma de fogo.

Caso a pretensão do governo fosse aceita teríamos que revogar o instituto da legítima defesa prevista e disciplina no Código Penal como causa excludente de antijuridicidade, e que possui sua origem no direito romano, segundo o qual deve-se repelir a injusta agressão. Somente com o emprego de uma arma de fogo é que se pode repelir a injusta agressão de uma pessoa que busca assaltar ou invadir uma residência.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O Estado muitas vezes não tem condições devido as deficiências humanas e materiais de estar presente em todos os lugares, e como ficará o cidadão quando um marginal estiver prestes a invadir sua casa, e este por ser uma pessoa simples, que não tem cerca elétrica ou seguranças, ou mesmo uma empresa com helicóptero a sua disposição, ligar no 190 buscando ajuda e for informado de que naquele momento a viatura encontra-se empenhada em uma outra ocorrência ? Será que se sua família sofrer alguma violência, o Estado inteiramente responsável pela questão de segurança pública irá indenizá-lo por danos morais e materiais que terá de suportar ao lado da dor e da humilhação ?

Poderia se indagar que a defesa do uso da arma de fogo pelo cidadão seria uma defesa da violência, que tanto assusta e preocupa a população e os meios de comunicação. Mas, não é com medidas radicais que possuem inspiração no discurso de lei e ordem que iremos modificar a realidade vivenciada pelas grandes cidades brasileiras.

Mesmo que o cidadão de bem venha a ser impedido de ter uma arma de fogo em sua residência, os que vivem na marginalidade por meio do comércio ilegal, uma vez que atualmente até mesmo armas de uso reservado fazem parte de seus arsenais, continuarão praticando atos ilícitos, e colocando medo nas pessoas que se sentem prisioneiras em suas residências.

É importante se observar que as pessoas que freqüentam as casas de arma de fogo são de boa índole, sendo certo que armas adquiridas pela marginalidade são conseguidas junto ao comércio ilegal, sem qualquer controle ou registro.

Além disso, não é justo para com os cidadãos que enfrentam o desemprego, a falta de oportunidades, morrem nas filas de Hospitais em decorrência da ausência de recursos, remédios, como noticiado pela imprensa, que o governo pague até R$ 150,00  por cada arma entregue, enquanto vários pessoas se alistam nas frentes de trabalho de São Paulo e Brasília para ganharem R$ 136,00  por mês.

O cidadão brasileiro desde que preenchidas as formalidades exigidas pela Lei tem o legítimo direito de ter em sua residência uma arma de fogo, para proteger a sua família e o seu patrimônio, não podendo sofrer limitações por questões as quais na maioria das vezes não contribuiu para a sua ocorrência.

O aumento da criminalidade possui outras causas que estão sendo esquecidas por aqueles que buscam discutir a questão de segurança pública em nosso país. A falta de emprego, oportunidades de educação, saúde, são fatores que contribuem muito mais do que as armas de fogo para o aumento da criminalidade.

É importante se observar que não se busca defender a venda indiscriminada de armas de fogo, que pode e deve ser controlada, com o estabelecimento de critérios objetivos, tais como a necessidade de cursos de tiro, a ausência de processo crime, autorização apenas e tão somente para ter a arma na residência, limitação da concessão de porte de arma. Mas, em nenhum momento, o cidadão que vive no estado democrático de direito, que também é responsável pela segurança pública, poderá ser impedido de defender a sua integridade, a integridade de sua família e o seu patrimônio.

O projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso Nacional deve ser analisado com cautela, sem a urgência pretendida, com uma discussão de toda a sociedade brasileira na busca do exercício da democracia que é fundamento do Estado de direito. O tema possui extrema relevância e merece estudo, para que o cidadão não fique sujeito a violência dos marginais que se encontram armados, não participaram da campanha de entrega voluntária de armas, e também não irão aceitar a indenização de R$ 150,00.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito. Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Direito de uso de arma de fogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1032. Acesso em: 23 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos