Mais de 20 Estados da Federação ingressaram com ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Complementar nº 194/2022, que proibiu a tributação dos combustíveis pelo ICMS, em percentual superior àquele incidente sobre as mercadorias em geral, ou seja, 18% ou 17%, conforme o Estado (ADI nº 7191 e ADPF nº 984).
O Relator dos processos, Ministro Gilmar Mendes, constituiu uma Comissão Especial composta por representantes dos Estados e da União para solucionar o impasse.
Dessa Comissão Especial surgiu a proposta de acordo para: a) definir os produtos essenciais (diesel, gás natural e gás de cozinha); b) encaminhamento pela União ao Congresso Nacional da proposta de aperfeiçoamento legislativo da Lei Complementar nº 194/22 e da Lei Complementar nº 192/2022; c) celebrar no prazo de 30 dias convênio através do Confaz para uniformizar o imposto incidente sobre os combustíveis, com exceção da gasolina; d) renúncia expressa dos Estados e do DF quanto à possibilidade de cobrar diferenças não pagas pelos contribuintes, pela desconformidade artificialmente criada dos últimos 60 dias, da mesma forma que não poderão ser levados a restituir eventuais valores cobrados a maior, desde o início dos efeitos da medida legal até 31 de dezembro de 2022.
O acordo foi homologado pelo STF e encaminhado ao TCU e aos presidentes da Câmara e do Senado Federal para os trâmites devidos acerca do aperfeiçoamento legislativo.
Em outra ação impetrada pelo Estado de Pernambuco o Ministro Relator, Roberto Barroso, determinou a compensação mensal de sua dívida perante a União pela perda arrecadatória do ICMS daquele Estado, motivada pela redução da alíquota incidente sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transportes (ACO nº 3601).
Primeiramente, não é adequado falar em redução de alíquota, que não houve mesmo porque a fixação de alíquotas é de competência privativa do ente político regional.
O que houve foi a proibição de o Estado membro tributar os combustíveis em patamar superior à tributação das mercadorias em geral, o que situa o diploma legal (LC nº 194/22) no âmbito das normas gerais para assegurar a aplicação uniforme em todos os Estados da Federação (art. 146, III da CF).
Em segundo lugar, a União limitou-se a regulamentar o disposto no inciso III, do § 2º, do art. 155 da CF que faculta aos Estados a tributação seletiva em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.
Nos termos da dicção constitucional, tratando-se de mera faculdade, nenhum Estado está obrigado a promover a tributação seletiva.
Mas, em fazendo o uso da faculdade conferida pelo Texto Magno não poderá implementar a seletividade ao inverso, isto é, tributar mais as mercadorias e serviços considerados essenciais.
Em terceiro lugar, a Lei Complementar nº 194/2022 guarda harmonia com o decidido pela Corte Suprema que decretou a inconstitucionalidade da tributação de energia elétrica e serviços de telecomunicação pelo Estado de Santa Catarina em percentual superior a 17% aplicável às mercadorias em geral (RE nº 714.139/SC julgado sob sistemática de repercussão geral).
É obvio que o exemplo da tributação de energia elétrica e da telecomunicação serve para os demais casos de tributação de bens essenciais como combustíveis.
Colocada a questão nesses termos fica bem difícil entender a condenação da União que limitou-se a exercer a sua competência legislativa para regular o dispositivo constitucional de forma a harmonizar-se com a jurisprudência do STF firmada sob a sistemática de repercussão geral, portanto, de aplicação erga omines e de efeito vinculante.
Não socorre o argumento de que uma parte do combustível representada pela gasolina não se submete à alíquota seletiva por não ser produto essencial.
Ora, a Lei Complementar nº 194/2022 incluiu a gasolina no rol de produtos essenciais e não houve declaração de inconstitucionalidade dessa Lei pelo STF.
Quando o aperfeiçoamento legislativo dessa Lei Complementar nº 194/2022, que consta do acordo homologado pelo STF, vier a excluir a gasolina do rol de produtos essenciais, aí sim que a gasolina deixará de ser produto essencial por opção legislativa, não antes.
De qualquer forma, a nova Lei evidentemente não poderá vir com efeito retroativo de maneira que, a nosso ver, a compensação das dívidas dos Estados junto à União por perdas arrecadatórias do ICMS incidentes sobre combustíveis como gênero não tem amparo legal e constitucional.