"(...) el mundo cambia y sigue siendo como antes".
"También el hilo que divide la inteligencia de la estupidez es mui fino, ya te darás cuenta. Cuando se rompe, ambas cosas se funden (...)".
Oriana Fallaci – Carta a un niño que nunca nació, p. 61 e 82.
1 – INTRODUÇÃO
Em sua obra "O Estrangeiro", Albert Camus retrata o personagem Mersault levando uma vida banal, marcada pela indiferença. Ele comete um homicídio, é preso, julgado, mas tudo se processa de forma inexplicada, sem sentido, apresentando-se somente um homem arrastado pela corrente da vida e da história. Um homem sem uma base sólida para se sustentar, desprovido de fé, religião, valores morais, em suma, um homem desamparado e, absurdamente, por isso mesmo, livre. E é essa liberdade, essa falta de parâmetros que concomitantemente o liberta e angustia.
Encaminhando-se para a execução da pena capital, Mersault revela seus pensamentos pela escrita de Camus:
"Para que tudo se consumasse, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execução e que me recebessem com gritos de ódio". [01]
Efetivamente o homem pós-moderno encontra-se abandonado à própria liberdade, mergulhado na desorientação de um relativismo conglobante a conformar um individualismo exacerbado. [02]
Nesse contexto, o Direito ganha destaque como instrumento funcional de redução de complexidades e contingências e "estabilização de expectativas", intentando um mínimo de segurança e orientação no convívio social. [03] Porém, o Direito não pode garantir infalivelmente à plena satisfação, em todos os casos, das "expectativas normativas", de modo que o "desapontamento" em relação a estas é previsível e inevitável. Então, o que o Direito pode fazer é "domesticar" e institucionalizar o "primado da força física no processamento de transgressões ao Direito" de forma a perseverar na manutenção das expectativas lesadas pela conduta desviante. [04]
Em uma sociedade complexa, as possibilidades de transgressão tendem a acentuar-se e as soluções para que o Direito, especialmente o Direito Penal, venha a enfrentar de forma satisfatória tal situação podem passar a ganhar contornos extremamente autoritários.
Neste trabalho, analisar-se-ão as propostas de Jesús-María Silva Sánchez ("Direito Penal de Terceira Velocidade") e de Günther Jakobs ("Direito Penal do Inimigo"), apresentadas como eventuais opções frente ao fenômeno da criminalidade pós-moderna. Intentar-se-á demonstrar que ambas as propostas são incompatíveis com um Estado de Direito Democrático e falham totalmente em seus anelos de refrear ou limitar as tendências autoritárias que permeiam o discurso jurídico-penal da atualidade.
2 – AS PROPOSTAS DE SILVA SÁNCHEZ E JAKOBS
Silva Sánchez constata que o Direito Penal na atualidade não opera de forma homogênea. O autor expõe com perspicácia um processo de diferenciação dos ritmos do Direito Penal no que tange à agilidade, desformalização e redução de garantias. Aponta um núcleo duro do Direito Penal, representado pelas infrações para as quais se impõem penas privativas de liberdade. Nesse núcleo sobrelevam os procedimentos mais formais e garantistas. Por outro lado, surge um segmento de infrações penais para as quais não se cogita, via de regra, de penas privativas de liberdade. É nesse espaço que se desenvolve aquilo que Silva Sánchez denomina de "Direito Penal de Segunda Velocidade", o qual comportaria uma certa desformalização e redução de garantias. [05] Em seguida o autor acena com uma suposta "terceira velocidade" do Direito Penal. Neste caso, tratar-se-iam de infrações penais graves, com previsão de penas privativas de liberdade rigorosas, mas para as quais, mesmo assim, seria admitida uma desformalização e sensível redução de garantias penais e processuais. [06]
De outra banda, Günther Jakobs também aponta para um Direito Penal menos formalista e garantista com relação a certos infratores, dando forma ao que chama de um "Direito Penal do Inimigo" em contraposição a um "Direito penal do Cidadão". Na visão de Jakobs, o Direito Penal cumpre a função de garantir a "identidade normativa" e a "constituição da sociedade", de modo que a repressão empregada contra o transgressor reafirma a vigência e a validade das normas. [07] Nessa medida, "a sanção contradiz o projeto de mundo do infrator da norma: este afirma a não-vigência da norma para o caso em questão, mas a sanção confirma que essa afirmação é irrelevante". [08] Por isso, quando a conduta e a subjetividade do agente neguem de forma muito intensa as normas sociais, isso poderia retirá-lo da proteção legal, tornando-o uma "não-pessoa". Para Jakobs, o conceito de pessoa está diretamente ligado à atuação e à postura do agente perante a sociedade e as normas que a regem. Não é uma qualidade inerente qualquer do indivíduo que lhe conferiria o "status" de pessoa (v.g. racionalidade, pertencimento ao gênero humano etc.), mas sim sua atitude perante a sociedade e as normas. Assim sendo, "todo aquele que negue a racionalidade de modo demasiado evidente ou estabeleça sua própria identidade de forma excessivamente independente das condições de uma comunidade jurídica já não pode ser tratado razoavelmente como pessoa em Direito, pelo menos não neste momento". [09]
Perdida a qualidade de "pessoa" em Direito, sabemos as limitações quanto às formalidades legais e garantias que podem a partir desse ponto ser impostas ao infrator.
3 – BOAS INTENÇÕES E CONSEQÜÊNCIAS FUNESTAS
Nada poderia ser mais injusto e equivocado do que acusar Silva Sánchez e Jakobs de pretensões ao autoritarismo e à formulação de uma teorização justificadora do arbítrio e da crueldade penais. Ambos deixam muito claro em suas exposições que apenas constatam uma tendência do Direito Penal atual e procuram justamente evitar que esta possa contaminar todo o ordenamento indistintamente. Os autores sob comento assumem que o Direito Penal vai sendo permeado insidiosamente pela redução das garantias e formalidades e que esse processo não permite uma reação que o detenha. A única saída que vislumbram é a contenção parcial dessa tendência, de modo que procuram delimitar situações extremas em que esse novo Direito Penal minimalista quanto às garantias poderia ser aplicado. O intento de ambos os autores é blindar uma significativa parcela do Direito Penal contra a contaminação autoritária, isolando-a a determinados setores, uma vez que as demandas atuais da própria sociedade perante o Direito Penal a tornariam inevitável.
Silva Sánchez é bem explícito quando indica o fato de que as chamadas "legislações de emergência" vão dominando o Direito Penal, conformando aquilo que Moccia denominou de "perene emergência". Nesse contexto, um "Direito Penal de Terceira Velocidade" não deixaria de ser encarado como um "mal" (como, aliás, todo o Direito Penal), mas se apresentaria como um "mal menor" ante a possibilidade de um domínio absoluto de um Direito Penal não-garantista. [10]
Diverso não é o pensamento de Jakobs ao asseverar que "um Direito Penal do inimigo, claramente delimitado, é menos perigoso, desde a perspectiva do Estado de Direito, que entrelaçar todo o Direito Penal com fragmentos de regulações próprias do Direito Penal do inimigo". [11]
Realmente, as intenções dos penalistas em estudo são louváveis. Visam criar uma represa contra a inundação do autoritarismo, da despersonalização do homem, procurando ao menos controlá-las, já que não seria possível evitá-las. No entanto, como ensina desde antanho a sabedoria popular, "de boas intenções o inferno está cheio".
Em seguida intentar-se-á demonstrar como em seu esforço de racionalizar o irracional, os referidos autores acabam abrindo as portas para um Direito Penal autoritário e anti-garantista que, aí sim, passará a ser incontrolável e se alastrará como uma praga por todo o ordenamento jurídico-penal.
4 – A GÊNESE DE UM "NÃO-DIREITO" PENAL
Em um mundo dominado pelo "fazer", o "pensar" vai perdendo terreno e até mesmo se tornando um empecilho à agilidade das decisões e atuações. O tempo no mundo globalizado da atualidade impõe um ritmo veloz, que não condiz com a maturação das idéias necessária para a intelectualidade. Constata-se, por assim dizer, o fenômeno do "silêncio dos intelectuais", que vão sendo calados, suplantados e relegados a peças de museu pelos políticos, administradores e técnicos. Até mesmo nas universidades, que deveriam ser o manancial por excelência da produção do pensamento, ocorre uma nítida dominação de um tecnicismo meramente pragmático-funcional, transformando-as pouco a pouco em produtoras de "fazedores" muito mais do que de "pensadores".
Nesse contexto, não é surpresa o surgimento de uma concepção meramente funcional do Direito, inclusive do Direito Penal, como obra de uma pragmática oca que passa ao largo da intelectualidade e que, por isso mesmo, se dirige inexoravelmente ao abismo dos grandes erros daqueles que agiram sem pensar ou pensando pouco, rápido e equivocadamente.
Não há realmente susto com o surgimento desse fenômeno na atualidade. O que assusta é que do seio da intelectualidade emerja um conformismo que tende a adaptar-se à irracionalidade de um tecnicismo acrítico e amoral (ou imoral?). Se já era lamentável a constatação do "silêncio dos intelectuais" perante a realidade dinâmica da sociedade contemporânea a não lhes conceder o tempo necessário para o exercício do pensamento, o que dizer de sua pusilanimidade, aceitando a irracionalidade como inevitável pelo medo de tornar-se Quixote? O que dizer da postura assumida num típico "se não pode com eles, então junte-se a eles"?
As grandes obras do intelecto advieram de Quixotes idealistas e sonhadores, até mesmo loucos em seus tempos. Jamais foi mister dos intelectuais a conformação perante a avalanche dos acontecimentos e a adaptação das idéias às circunstâncias. Isso sempre foi característico dos covardes portadores de "consciências de aluguel". [12] O intelecto está diretamente ligado à posição ereta do homem, portanto jamais deve ser instrumentalizado para curvar sua espinha dorsal ante os acontecimentos, por mais devastadores e poderosos que sejam. O medo, a timidez jamais foram bons conselheiros. Como lembra Oriana Fallaci, é preciso ser valente para ser otimista. [13]
Acatar, ainda que de forma limitada ou controlada, uma concepção permissiva da supressão de garantias básicas, até mesmo da configuração de todo ser humano como "pessoa", é permitir o desmoronamento do Estado Democrático de Direito com todas as suas orientações humanistas.
É bem verdade que, sob uma ótica funcionalista de matriz luhmanniana, torna-se difícil estabilizar expectativas a respeito do comportamento de indivíduos que se mostram tenazmente avessos às normas. [14] Talvez sob esse prisma pareça incoerente dispor garantias derivadas de normas legais àqueles que perseveram em afrontá-las e agir em franca oposição a elas – não uma oposição eventual ou pontual, mas um completo desalinho com o sistema legal.
Aparentemente restaria inviabilizada até mesmo a comunicação através de um discurso entre seres livres e racionais. Por exemplo, o "inimigo" de Jakobs não permitiria um "agir comunicativo" concebido por Habermas [15], na medida em que sua interação é sempre violadora das normas, inclusive aquelas que regem a legitimidade procedimental do discurso que atribui validade às normas. A atuação do "inimigo" não é comunicativa, mas meramente contestadora ou melhor dizendo agressiva, violenta, irracional, de forma que, ao contrário de participar da comunicação, justamente a inviabiliza.
Acontece que isso tudo pouco importa quando se chega à percepção de que a base principiológica do Direito independe do comportamento daqueles que atuam de forma avessa a ele. Se o homem justo se pautasse pelo comportamento do injusto, já não seria digno de ser chamado de justo. Da mesma forma se o Direito se orienta por suas violações e reage a elas relativisando os princípios que o regem, já não é mais "Direito" e converte-se, em verdade, em um "Não-Direito".
Durkheim já observou que o crime não é uma patologia social e sim integrante da fisiologia normal de qualquer sociedade sã. A infração à norma não serve para invalidá-la, mas para reafirmá-la em sua vigência. [16] Ora, admitir que a postura do infrator venha a ser o guia para a aplicação das garantias legais ou não a certos indivíduos, inclusive procedendo à distinção entre "pessoas" e "não-pessoas", "sujeitos de direitos" e "excluídos dos direitos", é conceder que o criminoso é quem dita a aplicabilidade, vigência e validade do Direito. A partir daí o Direito não se impõe em sua legitimidade ao corpo social e a si mesmo, mas é submetido ao crivo do próprio desviante que passa a ter o poder de excepcioná-lo, criando para si um campo de "Não-Direito" reconhecido elo próprio Direito.
Mesmo no que tange à insustentabilidade de expectativas válidas perante certos indivíduos, deve-se ter em mente que Luhmann parte exatamente dessa dificuldade de conhecer e expectar os comportamentos e reações humanas, de modo que o Direito nada mais é do que um instrumento através do qual se pretende reduzir complexidades e contingências, criando um razoável espectro de expectativas sujeitas a menos desapontamentos. No entanto, o Direito jamais poderá impedir totalmente os desapontamentos, sendo temerário e a nosso ver pouco funcional, que em face de desapontamentos mais intensos venha o Direito a recuar em seus mandamentos como se de certa forma admitisse a violação e se adaptasse a ela, cedendo espaço para a atuação de um "Não-Direito", ainda que aplicável contra o suposto infrator. Se é difícil em sociedades complexas prever e avaliar as motivações individuais e a atuação de cada um, ao menos o Direito deve permanecer expectável, seguro. Pelo menos o "ordenamento jurídico" deve permanecer "abstratamente assegurado frente a conteúdos desconhecidos e variáveis". Dessa forma o Direito se compatibiliza "com a ampla diferenciação entre as morais e as consciências individuais". [17] E isso sem se submeter a uma relativização que o tornaria inócuo em face de sua fluidez. O Direito impõe "expectativas normativas", de forma que a infração indica a validade da norma e a necessidade de sua imposição. [18] O Direito deve permanecer intacto frente aos "desapontamentos". Permitir que o Direito seja atingido pelos "desapontamentos", modificando sua operacionalidade é apresentá-lo como um conjunto de regras que constituem meras "expectativas cognitivas". Estas, diversamente das "normativas", admitem uma certa adaptação e não são necessariamente rechaçadas ou reprovadas, permitindo ajustes que as incorporem à sociedade. [19]
Por outro lado, retomando o pensamento de Habermas, o qual atribui central relevância à ética discursiva democraticamente moldada, alicerçando a legitimidade do Direito no "agir comunicativo", deve-se lembrar que não importa o fato de que certos indivíduos permaneçam de fora da comunicação, desde que o façam por livre escolha. No entanto, é imprescindível que haja um ambiente que permita sempre a livre manifestação dos indivíduos. Dessa forma, qualquer normatização que venha a alijar indivíduos arbitrariamente, ainda que baseada em sua auto-exclusão, mas impedindo a partir daí sua integração no discurso racional entre pessoas, carece de legitimidade. Qualquer norma que exclua alguém do atributo de "pessoa" lhe tolhe a "fala" e, por isso, fere a ética do discurso democrático, o que a torna inválida e ilegítima.
Para Habermas, Direito e Moral imbricam-se "numa relação de complementação recíproca", de forma que "uma ordem jurídica só pode ser legítima, quando não contrariar princípios morais". [20] E é bem difícil imaginar imoralidade maior do que excluir seres humanos do conceito de pessoa, seja por que razão for. Aliás, sabe-se bem através das lições da história a que atrocidades essa espécie de pensamento conduziu. [21]
O ordenamento jurídico não se impõe às consciências, mas às ações. Até mesmo o exercício da comunicação deve revestir-se de uma opção do sujeito, que pode perfeitamente recusá-lo sem ser alijado do mundo do Direito. Não há necessidade de que o indivíduo siga as normas jurídicas com convicção pessoal, o importante é que ele possa seguir as normas com discernimento. [22] Desse poder, através da ética do discurso, resulta que "cada um deve ser protegido contra a subtração unilateral dos direitos de pertença; porém ele deve ter o direito de renunciar ao status de membro". [23] Conferir esse "direito" não se coaduna com a concomitante ameaça concretizável de destituição da condição de pessoa pelo seu efetivo exercício.
A chave da questão não está na efetiva participação no discurso democrático, mas no estabelecimento de "procedimentos que garantem a todos os interesses iguais chances de participação nas negociações e na influenciação recíproca". [24] Trata-se da criação de uma pré-condição a conferir validade a tudo o mais que se siga, e tal pré-condição, conforme resulta claro, não pode admitir em qualquer hipótese, a exclusão de certas parcelas da população da condição de pessoas que, a qualquer momento, possam optar pelo uso e gozo de seu direito de comunicação e ação legítimos.
Os modelos de Direito Penal do Inimigo e de terceira velocidade constituem, na realidade espécies de Direito Penal de Autor em contraposição ao Direito Penal do Fato. Note-se que, por exemplo, um indivíduo será classificado como "inimigo" não pela sua conduta lesiva de bens jurídicos, senão por sua postura íntima perante o ordenamento jurídico, o que implica em uma atuação espúria do Direito Penal sobre as consciências, uma espécie de penalização do pensamento. E não se pretenda opor a esta afirmação a alegação de que somente se poderá apurar a contradição do agente com relação ao ordenamento jurídico através de suas condutas lesivas insistentemente perpetradas e de suma gravidade. Isso porque, na verdade, não são as condutas, mas realmente as convicções íntimas do sujeito o fiel da balança que o penderá para a condição de "cidadão" ou de "inimigo". A distinção de tratamento é dada verdadeira e profundamente não pela conduta externa, mas pela subjetividade do agente perscrutada por intermédio de suas ações. Ao final e ao cabo, a retirada do homem da condição de pessoa se dá mesmo não por aquilo que ele faz, mas por aquilo que ele é.
Outro aspecto a ser destacado é o de que não se trata de uma formulação de modelos penais a incidirem sobre condenados, senão um sistema de exclusão de direitos que atua em um momento anterior, iniciando sua aplicação na fase investigatória, passando por todo o processo para só depois alcançar a fase de cumprimento de pena. Assim sendo, a eleição da "Terceira Velocidade" ou a atribuição do anátema de "inimigo" a alguém arrasa totalmente, sem deixar qualquer vestígio, o Princípio da Presunção de Inocência. Além disso, praticamente administrativiza a decisão sobre a aplicação desse formato autoritário, vez que na maioria das vezes tal se operará desde a fase investigatória pré-processual. Mesmo quando alguma decisão judicial seja a que determine ou corrobore semelhante tratamento, é incontestável que tratar-se-á invariavelmente de uma escolha arbitrária como uma petição de princípio [25] ou uma profecia que se auto-realiza. Ora, se o Juiz ou uma Autoridade Administrativa atribuem ao réu ou investigado a pecha de "inimigo" ou lhe impõem por quaisquer critérios um "Direito Penal de Terceira Velocidade", suprimindo-lhe garantias básicas, inclusive referentes à sua ampla defesa, como poderá, a partir de então, ser tal decisão eficazmente combatida? Todo o raciocínio torna-se circular (um círculo vicioso): és inimigo; portanto, não há para ti garantias defensivas; portanto, és inimigo...
Enfim, a própria expressão "Direito Penal do Inimigo" é contraditória, pois que fere de morte o "Direito Penal". Este tem uma função eminentemente garantista, limitando, jamais liberando das amarras o poder punitivo. [26] Os princípios penais, ao lado do Processo Penal, são fatores imprescindíveis de contenção do arbítrio estatal, de forma que um impropriamente chamado "Direito Penal do Inimigo" destrói toda a concepção daquilo que seria um genuíno "Direito Penal", para conformar em seu lugar um campo isolado onde Direito algum penetra ou sobrevive, um campo onde só pode existir um "Não-Direito".